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DESAFIO DIREITO CIVIL - AULA 3

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Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 
DIREITO CIVIL 
Aula 3 
Professora Roberta Queiroz 
 
 
AULA 3 
Parte 1/3 
 Olá, pessoal, tudo bem? Voltamos com mais uma aula de Direito Civil e, hoje, a 
gente entra mesmo na parte do Direito Civil. 
 Eu queria conversar um pouquinho sobre a transição do Código Civil de 1916 para 
o Código Civil de 2002. Nós tivemos muitos anos de vigência do Código de Beviláqua, que a 
gente costuma chamar de “Código de Bebé”. Uma grande transformação aconteceu, não só 
no nosso ordenamento jurídico, mas também no mundo. E a gente tem algumas coisas a 
conversar. 
 Esses assuntos iniciais são do Direito Constitucional. É óbvio que o professor de 
Direito Constitucional vai trabalhar uma coisa bem mais aprofundada com vocês, mas, para 
eu chegar nos princípios que norteiam o Código Civil de 2002, a gente precisa conversar um 
pouquinho sobre alguns aspectos, inclusive do Direito Constitucional, e esse momento de 
transição que nós tivemos no ordenamento jurídico. 
 Sejam muito bem-vindos a mais um encontro de Direito Civil. Não estamos em 
uma aula, estamos em uma conversa. Hoje, a gente vai ter informações de curiosidade 
mesmo, que eu vou passar para vocês, alguns julgados interessantes... para que vocês possam 
entender o porquê do que a gente vive hoje, no Direito Civil moderno. 
 Você sabe que o Código Civil de 2002 não é de 2002. Na verdade, esse Código já 
nasceu idoso, velho, desatualizado. A redação desse Código é da década de 1970. Então, a 
gente costuma falar que é um Código pensado, redigido, elaborado, em regime militar. O 
@profrobertaqueiroz 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
Código Civil não foi elaborado em regime democrático, embora sua promulgação date de 
2002, passando a ter vigência em 2003, devido ao período de vacatio legis de um ano. 
 Veja que o Código anterior a ele era de 1916 (Código de Beviláqua), que era um 
Código pensado de forma totalmente diferente da década de 1970 e totalmente diferente do 
que a gente vive hoje. O nosso Código nasceu tão velho, que a gente passa por constantes 
transformações – principalmente interpretativas – no campo do Direito Civil. 
 Inclusive, recentemente – você sabe –, o STF declarou a inconstitucionalidade do 
art. 1.790, justamente porque era um dispositivo que trabalhava o direito sucessório do 
companheiro de maneira diferenciada. Isso ia de encontro ao próprio ordenamento jurídico 
e à Constituição Federal, que estabelece uma igualdade das instituições familiares, lá no art. 
226. Então, pensando por esse lado, o STF declarou a inconstitucionalidade, dizendo “olha, 
na verdade é o seguinte: o direito sucessório do companheiro vai ser o mesmo do cônjuge. A 
regra é a mesma, do art. 1.829, tanto para o companheiro quanto para o cônjuge”. 
 Em concurso de carreira, esse julgado é muito cobrado, e tem sido muito cobrado 
no sentido de saber se, no momento do julgamento, da inconstitucionalidade do art. 1.790, 
o STF também reconheceu o companheiro como herdeiro necessário. Não foi falado sobre 
isso dentro do julgado e isso tem sido objeto de prova. Na verdade, o STF reconheceu a 
inconstitucionalidade do art. 1.790 e você pode olhar que, no teu Código, vai ter o número 
do RE, mas o STF não definiu se o companheiro é ou não herdeiro necessário. 
 A doutrina entra em uma celeuma sobre isso, mas o melhor entendimento é o de 
que, se a própria declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 visa a reconhecer ao 
companheiro o mesmo status e valor jurídico do cônjuge, evidentemente que ele também 
deve ser considerado herdeiro necessário, mas isso não foi objeto do julgado. 
 Então, nós vamos conversar sobre o que nós tínhamos em 1916 e o que nós 
passamos ao longo do tempo; coisas que aconteceram na jurisprudência e o Código que nós 
temos hoje. Quando você fala em Código pensado, idealizado, escrito, promulgado e 
publicado em regime democrático, o único que nós temos até hoje é o CPC. Ele é o único 
integralmente pensado, idealizado, regido, promulgado e publicado em regime democrático. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 Portanto, o Código Civil é um Código velho. Você pode observar que existem 
dispositivos que são réplicas do Código de 1916, por exemplo: a regra de casamento mediante 
causa suspensiva, quando a mulher tem menos de 300 dias do término do relacionamento. 
Gente, isso é ridículo, porque hoje a gente sabe do avanço da tecnologia para saber o tempo 
de gravidez, só que é uma regra de 1970 e o que a gente viveu em 1970 já é bastante 
ultrapassado para o que a gente tem hoje. Tanto é, também, que, lá na parte de família, a 
gente tem que “casamento é quando homem e mulher manifestam perante a autoridade 
celebrante sua vontade em fixar o matrimônio”. Em 1970, a relação homoafetiva era um 
horror! Hoje, é normal. Então, a gente está passando por constantes transformações. 
 Por falar nessas transformações, eu inicio, aqui, falando sobre os paradigmas do 
Código Civil de 2002. 
- Paradigmas do Código Civil de 2002 
 Essa parte da minha aula é extremamente influenciada – e a gente tem que dar 
os créditos – pelo professor Cristiano Chaves. Eu gosto muito da aula dele e dos seus 
ensinamentos nessa parte inicial, que acaba sendo uma parte mais propedêutica, que tem 
até um cunho um tanto quanto filosófico (sociologia pura também). O que eu vou falar a partir 
de agora é pautado nos ensinamentos desse glorioso professor. 
 Quando a gente fala do Código Civil de 2002, para que a gente possa chegar nessa 
valoração, para que a gente possa saber o que é a preocupação da codificação civilista hoje e 
o que é o ordenamento jurídico civilista, a gente tem que entender o Código Civil de 1916. 
➢ Código Civil de 1916 – “Beviláqua” 
 É importante que você o conheça. Não fique com preguiça. Coloca lá no site do 
Planalto: “Código Civil de 1916”. Conheça a estrutura do Código! Eu acho que é muito mais 
fácil para você estudar conhecendo o que você está estudando, do que você ficar decorando 
as regras. Fica muito mais fácil para você entender a estrutura de hoje! Eu preconizo 
exatamente isso: a minha proposta é que, durante o nosso curso de Direito Civil, você leia 
todo o Código Civil. Então, nós estamos nos preparando para compreender esses artigos do 
CC que estão na nossa mão, ver qual a preocupação desses dispositivos. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 O CC/1916 vinha trabalhando o conceito de Direito Civil. Naquela época, Direito 
Civil era sinônimo de Código Civil. Não existia uma legislação civilista. O professor Flávio 
Tartuce, em seus ensinamentos, menciona que a gente vive em um microssistema civilista. 
Você tem várias legislações cíveis e, ao centro, você tem o Código Civil. 
 Naquela época, a gente tinha o monismo da fonte privada. O que isso quer dizer? 
Que o Direito Civil era sinônimo de Código Civil. Hoje, de legislação civil, nós temos o Código 
Civil no epicentro, mas nós temos o Código de Defesa do Consumidor, os aspectos cíveis do 
ECA, a Lei de Alimentos, Alimentos Gravídicos, Lei de incorporação imobiliária, Decreto nº 
911, Lei de alienação fiduciária... várias leis que trazem aspectos cíveis. São inúmeras 
legislações que complementam o ordenamento jurídico civilista. Mas naquela época não 
tinha. No CC/1916, que teve o período de vacatio legis também de um ano, nós tínhamos o 
monismo da fonte privada. 
 Esse Código Civil de 1916 tinha completa inspiração no Liberalismo Econômico e 
uma preocupação extremamente obsessiva pelo patrimônio, tanto é verdade que as figuras 
existentes nesse Código eram: contratante, proprietário, marido e testador. A liberdade era 
total e as pessoas envolvidas como protagonistas do Direito Civil eram essas citadas. Ou seja: 
naquela época, celebrar um contrato era possível, claro, mas aquela regra do pacta suntservanda era extremamente absoluta. Uma vez que contratou, vai ter que cumprir, ainda que 
o cumprimento desse contrato ocasione o esmagamento social, o empobrecimento 
demasiado de uma pessoa. 
 Era assim: o proprietário tinha o direito de propriedade, que era quase absoluto. 
Não se pensava em uma função social da propriedade. Se eu tivesse uma propriedade, eu 
faria o que eu quisesse, independentemente do resto do mundo, se tem gente passando 
fome, se tem gente desabrigada, se o meu imóvel é no centro da cidade e está vazio, não 
estou dando destinação social a ele, não estou cumprindo o plano diretor, não estou fazendo 
nada... ninguém vai se meter comigo, porque a minha propriedade é absoluta. 
 Sendo assim, o marido era a figura principal do matrimônio. A mulher era vista 
quase como se fosse um objeto – eu vou te mostrar alguns artigos. E o testador poderia fazer 
dos bens o que bem entendesse. Então, nós tínhamos uma legislação extremamente 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
preocupada com o patrimônio e com algumas figuras específicas. Isso porque o momento 
político exigia. A liberdade era enorme! 
 Outras características eram a propriedade privada e a liberdade contratual com 
tutela absoluta e um regime dedicado à apropriação e conservação de bens. Nesta última, 
podemos falar em estabilidade das atividades privadas – mundo da segurança. Ninguém se 
metia no mundo do direito privado. A autonomia privada era absoluta. Olha o que eu estou 
dizendo a você: a inspiração do Código de 1916 é que a autonomia da vontade privada é 
absoluta. É óbvio que você respira hoje o CC/02; você assiste o noticiário no CC/02; você lê a 
jurisprudência, hoje, do CC/02... então para você, talvez, seja difícil imaginar certas coisas – 
principalmente as pessoas mais novas. Mas eu vou mostrar para vocês como era o CC/1916 
em alguns dispositivos: 
Art. 5. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: 
I. Os menores de dezesseis anos. 
II. Os loucos de todo o gênero. (olhem que expressão horrível! Mas era 1916! Hoje, às vezes, 
a gente assiste novela de época e se choca com certos comportamentos) 
III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. 
IV. Os ausentes, declarados tais por ato do juiz. (gente, sabemos que hoje o ausente é 
capaz, onde quer que esteja vivendo) 
Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os 
exercer: 
I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156). (naquela época, 
a maioridade era aos 21 anos) 
II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal. 
III. Os pródigos. 
IV. Os silvícolas. 
(Pense! Esse foi o código que teve vigência até 2003!) 
Art. 36. Os incapazes têm por domicílio o dos seus representantes. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
Parágrafo único. A mulher casada tem por domicílio o do marido, salvo se estiver 
desquitada (art. 315) (não existia divórcio), ou lhe competir a administração do casal (art. 
251). 
Art. 178. Prescreve: 
§ 1º Em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio 
contraído com mulher já deflorada (arts. 218, 219, n. IV, e 220). 
(A prescrição, no CC/1916, era totalmente confusa. Hoje não existe mais confusão. Na aula 
de prescrição eu vou te falar o porquê. E os prazos prescricionais, hoje, são só em anos) 
Art. 219. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: 
IV. O defloramento da mulher, ignorado pelo marido. 
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. 
Compete-lhe: 
I. A representação legal da família. 
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher. 
 
 Esses eram aspectos do momento de 1916. 
 O que acontece? Eu falei para vocês que o Direito Civil era sinônimo de Código 
Civil. Esse ponto é bem importante, porque eu vou te dizer que, de um lado, a gente tinha o 
direito privado, que era composto pelo Código Civil, e, de outro lado, totalmente oposto, 
tínhamos o direito público, trabalhando aspectos constitucionais, por exemplo. Um não se 
metia com outro: era o Direito Civil de um lado e o Direito Constitucional do outro. 
 “Ah, Roberta, então a gente pode falar que o Direito Constitucional odiava o 
Direito Civil, ou este odiava aquele, porque lá era a autonomia da vontade e lá o Estado não 
se metia?”. Na verdade, era PIOR que o ódio, porque a gente sabe que “o oposto do amor 
não é o ódio, mas a indiferença” (Érico Veríssimo). O direito público não estava “nem aí” para 
o direito privado. A verdade era que a relação entre Constituição e direito privado era de total 
indiferença, o que a gente chama de “dicotomia”. 
 Sabemos, porém, que, hoje, a expressão “dicotomia entre direito público e direito 
privado” é, pura e simplesmente, uma questão didática. Isto porque existe uma aproximação 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
muito grande entre ambos. Um está cada vez mais envolvido com o outro. Então, uma 
expressão interessante que pode vir a ser cobrada na sua prova, ou até mesmo em questão 
de prova oral, é a questão da “summa divisio”, que é a divisão entre direito público e direito 
privado. 
 Em 1916 – e por um bom período –, a summa divisio era absoluta. Hoje, a gente 
tem uma aproximação e o meu dever é te mostrar essa aproximação do Direito Constitucional 
com o Direito Civil. Assim, a gente continua falando em dicotomia para fins didáticos. A gente 
fala em summa divisio constitucionalizada ou constitucional. 
 Então, a summa divisio continua existindo, mas é quase que uma mesclagem. Os 
dois campos do direito se reúnem em inúmeras passagens. Hoje, a gente tem uma 
aplicabilidade efetiva dos direitos fundamentais nas relações privadas e eu vou te mostrar o 
porquê. Isso tem um reflexo da história alemã no Brasil. 
Estado Liberal: Constituição – ordem jurídica para o Estado 
 Código Civil – ordem fundamental para a sociedade. 
 
 A gente tinha uma total ausência de interferência do Estado (o Estado era um 
inimigo a ser combatido). A gente tinha total autonomia da vontade em relação à sociedade 
conjugal (desde que o marido tomasse conta), em relação à parte contratual, em relação à 
parte de propriedade, em relação às obrigações, em relação a quase tudo. O Estado não iria 
intervir. 
 Por exemplo: naquela época, se você celebrasse um contrato e necessitasse de 
uma revisão contratual, não haveria essa possibilidade. A única possibilidade de revisão 
contratual que nós tínhamos era em decorrência da ocorrência de um fortuito ou força maior. 
Fora isso, não haveria possibilidade de revisão contratual. 
 Hoje, o que a gente chama de “cláusula de onerosidade excessiva” (ou teoria da 
imprevisão) é algo extremamente moderno que, no ano de 1916 e muitos anos durante a 
jornada de vida do Código de Beviláqua, ninguém ouvia falar. Era um absurdo. Falar em dano 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
moral naquela época era um horror! Dano moral? Preocupação com a pessoa humana? Nada 
feito! 
 Outra característica era a percepção de que o Estado deveria atenuar 
desigualdades e libertar indivíduos. Passamos a ter um Estado intervencionista e passamos 
a ter códigos e legislações intervencionistas. Foi aí que houve uma transição. Passamos a ter 
o pensamento de que o Estado deveria intervir nas relações privadas, de forma a assegurar 
até mesmo a própria segurança (a soberania e a autonomia do próprio Estado). Então, a gente 
mudou a era. Nós tivemos uma transição. Evidentemente que não foi rápido como virar uma 
chave. Foi uma transição lenta, muito lenta. 
 Aí, nós tivemos a inserção de outras legislações. Por exemplo: na década de 1970, 
surgiu a lei do divórcio. Olha só! Na década de 1970! Quando já se pensava no novo Código 
Civil, veio a lei do divórcio. E vieram várias legislações: em 1994, a gente teve a primeira lei 
de união estável e, em 1996,a segunda. A gente foi evoluindo com novas legislações que 
traziam o aspecto cível. 
 O Código Civil deixou de ser o único no direito privado e passamos a ter legislações 
também civilistas. Sendo assim, houve uma preocupação constitucional de que deveria haver 
uma intervenção efetiva do Estado no âmbito privado. Aí, a gente passou para a era da 
Constituição. 
“Ontem os Códigos. Hoje, as Constituições.” – Paulo Bonavides 
 
 Essa é uma citação do professor Cristiano Chaves, nos seus ensinamentos. A gente 
começou a passar de uma preocupação essencial com o Código sendo exclusivamente a 
estrutura do Direito Civil, para legislações que complementassem o direito privado e uma 
incidência mais efetiva de regras de direito público. Começamos a pensar, então, no Direito 
Constitucional, trazendo uma incidência no direito privado. É como se o Direito Constitucional 
estivesse metendo o dedo no direito privado. 
 
 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
Consciência das transformações + releitura dos institutos + compromisso ético 
= 
Sociedade mais justa e digna → fundamentos e princípios básicos da República saem do 
papel 
Humanização do direito civil → aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas 
 
 Nisso, a gente teve a eficácia horizontal ou externa dos direitos fundamentais nas 
relações privadas. Eu vou te explicar de onde veio essa estrutura no nosso próximo bloco. 
Beijo! 
 
Parte 2/3 
 Dando continuidade ao nosso encontro, entrando no nosso segundo bloco. Falei 
com vocês que nós entramos na era da prevalência das regras constitucionais e uma maior 
preocupação com a pessoa, que é sujeito das relações jurídicas. Então, a gente fala em uma 
“humanização do Direito Civil”. 
 Talvez, por essa nossa conversa, você pense que foi uma transição rápida. Porém, 
foi algo paulatino, bem devagar, que acompanhou todo o movimento histórico e político do 
país. 
 Nós falamos em uma “eficácia horizontal ou externa dos direitos fundamentais”, 
que são os direitos fundamentais aplicados nas relações privadas. Daqui a pouco eu te mostro 
um ponto importante sobre isso. 
“A partir da metade do século XX, e no Brasil, particularmente, com o advento da 
Constituição de 1988, surge o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, com 
sujeição de suas normas e institutos aos princípios e regras constitucionais.” (Dirley da 
Cunha Júnior) 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 Então, a gente tinha o Código Civil de 1916, extremamente patrimonialista e 
egoísta, e que se preocupava com aspectos exclusivamente de propriedade, contrato, do 
homem na relação familiar, do testador (que tinha uma autonomia quase que absoluta) ... 
enfim: passamos dessa preocupação patrimonialista, para uma preocupação com a pessoa 
humana. 
 Nesse movimento, de mudança de consciência, de transformação dos institutos 
privados, nós passamos a falar em uma humanização do Direito Civil, porque, no final das 
contas, o sujeito central das relações jurídicas é o ser humano, então nada mais justo do que 
uma preocupação com a pessoa humana. Essa preocupação veio da interferência do Direito 
Constitucional no direito privado. Antes, a gente tinha de summa divisio concreta, absoluta. 
Agora, a gente passou a ter uma aproximação, uma summa divisio meramente didática, 
constitucionalizada. 
➢ Direito Civil moderno ou contemporâneo 
 
 O Direito Civil tinha que trazer essa preocupação. A gente entra em um momento 
de dignidade da pessoa humana + solidariedade social + igualdade substancial. São os três 
pilares do Direito Civil moderno/contemporâneo. Ele se baseia no Código Civil de 2002 e 
legislações. 
 Você está cansado de saber que a gente não busca a igualdade formal, que seria 
a igualdade absoluta entre todos, mas, sim, a igualdade na medida das desigualdades, que é 
a igualdade substancial. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL – CIVILÍSTICA MODERNA 
- Fenômeno pelo qual a ordem civil, ordinariamente privada, é submetida às diretrizes da 
Lei Maior, direta ou indiretamente; 
- Submissão de toda a sistemática civil às diretrizes, delineamentos e pautas axiológicas 
traçadas pela CF. 
Obediência a vetores gerais da CF: 
- Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, e art. 170, caput); 
- Construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), com justiça social (art. 170, 
caput), com desenvolvimento nacional (art. 3º, II); 
- Princípios da propriedade privada (art. 170, II), função social da propriedade (III), defesa 
do consumidor, etc. 
 Então, você vai pegar institutos trabalhados primordialmente no Direito Civil, 
essencialmente privados, e fazer uma releitura desses institutos à luz do texto constitucional. 
Além dos exemplos citados acima, temos a proteção aos filhos de qualquer tratamento 
desigual, como tínhamos no CC/1916. Isso é a constitucionalização do Direito Civil. 
 É bem verdade que, quando esse movimento de constitucionalização do Direito 
Civil surgiu, muita gente começou a falar “pronto! Agora o Direito Civil perdeu o seu aspecto 
de direito privado. Agora é ramo do direito público”. NÃO É ISSO! É pegar a regra do Direito 
Constitucional e criar um “manto de proteção” ao redor do direito privado, para proteger 
ainda mais aquele que é o grande protagonista do direito privado, que não é o patrimônio 
mas, sim, o ser humano. 
 Constitucionalização do Direito Civil NÃO se confunde com publicização do Direito 
Civil. A constitucionalização é, portanto, essa releitura dos institutos privados do Direito Civil 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
à luz das regras constitucionais, especialmente o grandiosíssimo pilar do ordenamento 
jurídico, hoje, que é a dignidade da pessoa humana. 
 Publicização do Direito Civil é o que nós temos de intervenção do Estado no campo 
do direito privado, principalmente no que tange a questão do dirigismo contratual. A gente 
sabe que os contratos, até pela figura do pacta sunt servanda, fazem lei entre as partes e, no 
mundo privado, vigora a lei e a autonomia da vontade. A autonomia da vontade é, talvez, uma 
grande figura do direito contratual. 
 Eu posso contratar com quem eu quero, sobre o que eu quiser, quando eu quiser, 
da forma que eu quiser, mas, quando, dentro dos contratos, você tem uma atividade mais 
pública do que privada (embora seja desempenhada por um particular), você tem uma 
fiscalização mais rigorosa do Estado, como é o caso dos contratos bancários, 
telecomunicações, plano de saúde, entre outros. Então constitucionalização é a releitura do 
Direito Civil à luz de vetores constitucionais essenciais e a publicização é quando ocorre a 
intervenção do Estado. Essa publicização pode ser exemplificada pelo dirigismo contratual no 
campo das relações contratuais, quando a atividade desempenhada for mais pública do que 
privada, embora seja desenvolvida entre particulares. 
“Velhos institutos cedem espaço para novos valores, trazidos pela brisa segura e agradável 
do modelo social estabelecido pela Constituição [...] essa é a travessia que se inicia, 
afirmando a nova era de respeito ao homem e estímulo à cidadania. O céu é ‘de brigadeiro’. 
Boa viagem a todos nós.” (Cristiano Chaves de Farias) 
 Embora o nosso Código Civil realmente tenha sido um Código que já nasceu velho 
e desatualizado, em muitas passagens, inadequado ao momento em que nós vivemos, já é 
um rompimento muito grande no sentido de que nós temos institutos novos que configuram 
uma nova jornada no Direito Civil. É essa jornada que eu convido vocês a fazer comigo a partir 
de agora, dentro do Direito Civil que nós vamos estudar, sempre com o pensamento moderno. 
Onde a sua leitura do Código Civil encontrar um instituto inadequado ao momento, eu peço 
a você que releia já de acordo com o ordenamento jurídico que a gente tem hoje, sempre 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneirosobservando a dignidade da pessoa humana, que é o pilar, o baldrame de sustentação do 
Direito Civil moderno, constitucionalizado. 
• Roteiro evolucionista – CF – metamorfose do direito substantivo 
• Esmaecimento das bases individualistas e materialistas 
• Princípios regentes / valores do código civil 
 “Roberta, quais são esses princípios regentes?”. Em muitos editais está assim: 
“Baldrame axiológico do Direito Civil”. São princípios implícitos que regem o nosso Direito Civil 
moderno, constitucionalizado. 
 Para chegar nessa história, eu quero te contar outra história. Eu vou sair do Direito 
Civil para te contar a seguinte história: Caso Lüth. 
 Trata-se da história de Eric Lüth e sua ousadia, que nos movimenta hoje, havendo 
um grau de proteção muito grande, porque foi a partir de um comportamento dele que 
passamos a ter direitos fundamentais nas relações privadas hoje. Esse caso teve origem no 
direito alemão. 
 O que aconteceu? Um homem chamado Veit Harlan era cineasta e, na época do 
nazismo – que a gente sabe que foi uma época deplorável da história, não só alemã, mas do 
mundo. É uma lembrança muito triste para a história da humanidade –, editava filmes e fez 
um filme chamado “Jud Süß”. 
 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 Esse filme contava uma história normal – em que, no final, o bem vence o mal –, 
de um homem que era mau caráter e dava golpe nas pessoas. Eu já tentei ler, porque o filme 
está em alemão. Tem uma dublagem em inglês e você encontra no Youtube. Esse filme, até 
hoje, é desprezado na Alemanha, sofrendo até censura, porque é uma história na qual, no 
final, a pessoa que praticava esses atos horrorosos foi punida. 
 É um filme antigo, em preto e branco, que conta a história de um homem que foi 
condenado à forca. Ele praticou atos, foi punido e condenado. Ele é enforcado em praça 
pública, mesmo tendo implorado por clemência. Existem outras versões desse filme, que você 
pode encontrar no Google. 
 O fato é que esse rapaz foi executado em praça pública, havendo uma cena no 
filme que mostra ele sendo enforcado e caindo, ficando o silêncio. Na verdade, é uma história 
normal em que, no final, o bem vence o mal. Só que o mal, no filme, era representado por um 
judeu, dando a entender que o judeu seria uma pessoa essencialmente ruim e que deveria 
ser morta. 
 O que aconteceu? Veit Harlan fez esse filme, o nazismo terminou, aconteceu toda 
a história que a gente já sabe, e ele foi absolvido, alegando que fez o filme por não ter opção: 
ou fazia, ou morria. 
 Assim, na década de 1950, tivemos o caso Veit Harlan X Eric Lüth. O que 
aconteceu? Houve a Semana Nacional do Cinema Alemão, que era a Alemanha tentando se 
reerguer, tentando “esquecer” o passado não muito distante, aquela história horrível daquele 
Estado. Veit Harlan se inscreveu e lançou um filme chamado “Amada Imortal”, para poder 
concorrer. Eric Lüth, que era presidente ou diretor de alguma organização relacionada ao 
cinema (não me lembro agora exatamente), fez uma carta xingando o Veit Harlan, dizendo: 
“Se você, alemão, tem vergonha na sua cara, não vai assistir o filme de Veit Harlan, que 
fomentou o nazismo...”. Enfim, falou coisas terríveis sobre ele e distribuiu essa carta para as 
pessoas. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 Veit Harlan foi tirar satisfação com ele. O que ele fez? Outra carta. Vocês podem 
encontrar essas cartas no Google, traduzidas. O filme, então, foi uma tragédia de bilheteria, 
não ganhou dinheiro e não pôde participar de nenhum evento ou ganhar qualquer premiação. 
 Com isso, Veit Harlan ajuizou uma ação de reparação civil no Tribunal Estadual de 
Hamburgo. 
Ação de Reparação civil perante Tribunal Estadual de Hamburgo (década de 1950) 
- Fundamento artigo 826 BGB que obriga todo aquele que, por ação imoral, causar dano a 
outrem, a uma prestação negativa (deixar de fazer algo, no caso, a conclamação ao boicote), 
sob cominação de uma pena pecuniária. (esse artigo corresponde ao que nós temos hoje, 
no CC/02, no art. 186, a respeito da reparação civil: “Aquele que, por ação ou omissão 
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que 
exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Só que, hoje, a gente tem a vertente do dano 
moral.) 
- A ação foi julgada procedente pelo Tribunal Estadual de Hamburgo. 
- O Eric Lüth apresentou recurso de apelação junto ao Tribunal Superior de Hamburgo 
- Ao mesmo tempo, ele apresentou uma Reclamação Constitucional junto ao Tribunal 
Constitucional Federal - violação direito fundamental à liberdade de expressão do 
pensamento, garantida pelo Art. 5 I 1 GG. (É a inspiração da NOSSA Reclamação 
Constitucional) 
- Revogação da decisão reclamada - “O Tribunal Constitucional Federal chegou, pelo 
exposto, à convicção de que o Tribunal Estadual desconheceu, no julgamento do 
comportamento do reclamante, o significado especial do direito fundamental à livre 
expressão do pensamento, que também alcança o caso em que ele entra em conflito com 
interesses privados.” 
 Esse foi um caso emblemático que inspirou a eficácia horizontal dos direitos 
fundamentais, porque, se você pensa na estrutura do direito fundamental, ele foi pensado, 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
em um primeiro momento, ab initio, para proteger o particular das arbitrariedades do Estado. 
Então, na própria essência dos direitos fundamentais, eles foram criados para proteger o 
particular do Estado, porque a relação é verticalizada. O Estado, para gozar de superioridade, 
tem que se impor sobre o particular, então ele está em uma posição vantajosa. Os direitos 
fundamentais foram pensados para essa situação de verticalidade. 
 Já quando falamos de horizontalidade, estamos falando de igualdade. Relações 
horizontais são as relações particulares. Então, se eu tenho um particular e outro particular, 
nós temos uma horizontalidade. Evidentemente que, excepcionalmente, no Direito 
Administrativo, a gente pode lidar com um caso de horizontalidade, como, por exemplo, o 
contrato de locação entre o Estado e um particular, porque a gente sabe que, lá no direito 
público, pode haver a exclusividade no direito público ou a preponderância do direito privado 
(exclusividade NUNCA!). Só que, mesmo nesses casos em que eu tenho preponderância do 
direito privado, a gente tem uma horizontalidade, mas o Estado continua gozando de uma 
certa superioridade, em determinados momentos. 
 Veja: o que eu quero que você entenda é que, nas relações verticalizadas, eu tenho 
o particular e o Estado. Nas horizontalizadas, eu tenho um particular e outro particular. Então, 
a verticalidade é característica do direito público e a horizontalidade é característica do direito 
privado. 
 Assim, o direito fundamental surge para proteger o particular das arbitrariedades 
e mazelas que podem ser praticadas pelo Estado. Aí, vem o Eric Lüth, e consegue a 
aplicabilidade de direitos fundamentais também nas relações privadas, porque a relação dele 
com o Veit Harlan era uma relação privada. 
 O que ele fez? Conseguiu aplicar a liberdade de pensamento no campo de uma 
relação privada. Isso é a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas, 
o que nos traz reflexos até hoje. 
 “Roberta, tem algum caso emblemático dessa situação no Brasil?”. Temos! 
Leading Case - Recurso Extraordinário nº 201.819-8/RJ 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. 
EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA 
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. 
 
EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos 
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, 
mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicasde direito privado. 
Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não 
apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em 
face dos poderes privados. 
II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS 
ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer 
associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em 
especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da 
República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O 
espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à 
incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos 
fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de 
ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e 
garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a 
autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e 
atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria 
Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no 
âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. 
III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, 
AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM 
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que 
exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo 
seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se 
pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. 
Supremo Tribunal Federal Diário da Justiça de 27/10/2006 RE 201.819 / RJ 
A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a 
estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do 
gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social 
da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo 
constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de 
perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias 
constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de 
exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a 
dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, 
no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido 
processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). 
IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 
 Esse é o caso “UBC – União Brasileira de Compositores”. Esse caso saiu no Diário 
de Justiça do dia 27/10/2006, e é um leading case. O que aconteceu? A UBC é uma associação 
de compositores e, na qualidade de associação, você tem a noção de que ela é uma pessoa 
jurídica de direito privado. É um conjunto de pessoas. Um dos associados – não sabemos o 
porquê – foi expulso da associação por manifestação em assembleia. Chegou alguém na 
assembleia e perguntou “quem quer expulsar o Fulano?” e todos levantaram as mãos. 
 Esse “Fulano” ajuizou uma ação perante a justiça do Rio de Janeiro e o caso chegou 
no STF e o que ele falou? “Olha, por mais que seja uma atividade privada – a associação é uma 
entidade de direito privado que tem uma atividade voltada para os próprios associados, ou 
até mesmo uma atividade externa, mas, nesse caso, era uma atividade voltada para os 
próprios associados –, mesmo tendo autonomia da vontade, não pode expulsar um associado 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
sem assegurar o contraditório e a ampla defesa, ainda que seja em um processo 
administrativo. 
 Veja: contraditório e ampla defesa são institutos do direito público. São direitos 
fundamentais! Intimidade, contraditório, ampla defesa, a garantia do processo justo, do 
devido processo legal... tudo isso é direito fundamental, na Constituição Federal. Aí, o STF 
falou “não, não pode. A ele deve ser garantido o contraditório e a ampla defesa, que deve ser 
encontrado no processo legal administrativo.” 
 Agora, deixa eu te contar uma história: isso trouxe um reflexo muito grande, 
porque, hoje, se cair na sua prova de Direito Civil que o associado pode ser expulso por 
manifestação em assembleia, você vai dizer que não, justamente por conta disso aqui, que 
ocasionou uma mudança de visão do ordenamento jurídico sobre o tema. 
 Esse é o leading case, mas existem outros casos: 
- Temos o caso do trabalhador brasileiro em relação à Air France. Essa empresa veio operar 
voos no Brasil e falou “olha, o povo brasileiro não vai ganhar o mesmo que os franceses, mas 
vão desempenhar a mesma função”. Direito à igualdade na relação privada. 
- Geisy Arruda, que foi expulsa da faculdade por conta de um vestido cor-de-rosa curto. Um 
aluno de faculdade particular não pode ser expulso arbitrariamente, ainda que seja uma 
atividade particular. 
- O caso da Demillus, que é aquela fabricante de roupa íntima. A Demillus fazia revista íntima 
nas funcionárias, para ver se não estavam levando roupa íntima e isso foi proibido. 
- O caso do condômino antissocial, que é aquele condômino chato, que dá trabalho e os 
demais desejam expulsá-lo. Tem que ser garantido a ele o contraditório e a ampla defesa. 
 Nós temos inúmeras situações e, dentro do Direito Constitucional, você estuda as 
teorias justificadoras da eficácia horizontal. Você tem a teoria direta imediata, tem a teoria 
mediata, tem a teoria do state action, que é aplicada nos Estados Unidos... mas isso você vai 
encontrar em livros de Direito Constitucional. O que eu quero que você entenda é que toda 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
essa revolução que a gente conversou aqui chega nos princípios que temos hoje, no Direito 
Civil. “Roberta, e quais são os princípios que norteiam o Direito Civil hoje? Quais são os 
princípios que contêm o baldrame axiológico do Direito Civil?”. Cenas do próximo capítulo. 
Beijo! 
Parte 3/3 
- Princípios norteadores do Direito Civil 
 Dando continuidade ao nosso estudo, eu te pergunto quais são os princípios 
norteadores do Direito Civil. São princípios implícitos, automáticos, no ordenamento jurídico 
civilistas, previstos no Direito Civil de ponta a ponta. Decorrem da aplicação dos direitos 
fundamentais nas relações privadas. 
Temos: Dignidade da Pessoa Humana + Solidariedade social + Igualdade Substancial 
 São esses os temas analisados exatamente na solução dos “hard cases”, que são 
os casos concretos de difícil solução. Então, sempre que o magistrado, ao aplicar o 
ordenamento jurídico ao caso concreto, se deparar com situações complexas, de difícil 
solução, ele, aplicando a técnica da ponderação, vai sempre levar em consideração a estrutura 
moderna que nós temos e que, realmente, trabalha a essência do Direito Civil, levando como 
pauta do dia a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial. 
Ele vai utilizar esses nortes para a solução dos conflitos. 
Art. 2.035, CC. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da 
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 
2.045 , mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se 
subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. 
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevaleceráse contrariar preceitos de ordem 
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da 
propriedade e dos contratos. 
 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
Art. 1º, CPC. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os 
valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa 
do Brasil, observando-se as disposições deste Código. 
 Então, a pauta do momento é a preocupação com valores constitucionais. Dentro 
do Direito Civil, um grande mandamento é a dignidade da pessoa humana, que é a verdadeira 
essência do que nós temos hoje de Direito Civil constitucionalizado, certo? 
 Nós temos três princípios que regem o nosso Direito Civil 
moderno/contemporâneo/constitucionalizado/humanizado: 
➢ Princípio da socialidade 
 Por meio desse princípio, nós temos uma transcendência do egoísmo, da 
preocupação individualizada, para uma preocupação com o coletivo. O princípio da 
socialidade não impõe socialismo, como eu já vi ser cobrado em prova. Na verdade, esse 
princípio impõe uma preocupação com o coletivo. A gente sai daquela esfera de egoísmo, de 
preocupação com patrimônio, de “eu posso fazer o que eu quiser enquanto eu sou 
proprietário”, “eu sou contratante e posso usar do contrato como forma de esmagamento 
social” ... a ideia não é essa! 
 Na verdade, a socialidade tem a ver com a função social. E nós falamos em “função 
social” de uma maneira geral! É inerente ao Direito Civil a gente falar em função social da 
propriedade, função social do contrato. O que vem a ser a função social da propriedade? É 
dar à propriedade uma destinação, sem ficar sobressaindo o seu interesse individual. Então, 
no âmbito urbano, por exemplo, dar a função social à propriedade significa quase que 
cumprimento do plano diretor. 
 Tanto é verdade, que ocorre punição pelo descumprimento da função social, por 
meio do fenômeno da desapropriação, que, além de estar na própria Constituição Federal, é 
previsto no art. 1.228 do Código Civil, quando nós abordamos o direito de propriedade. O 
particular proprietário pode ser privado da propriedade pelo fenômeno da desapropriação, 
além do fenômeno da desapropriação por necessidade pública, por utilidade pública, a gente 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
tem a desapropriação por descumprimento da função social, tamanha é a importância da 
função social da propriedade. 
 A função social do contrato também é de enorme relevância no ordenamento 
jurídico, porque, muitas vezes, é o ponto categórico que permite uma revisão contratual. Só 
que é muito fácil falar de função social da propriedade e do contrato, mas função social não é 
só isso. A gente tem função social das famílias, função social da posse – que é muito 
considerada para a usucapião coletiva, lá no art. 1.228, CC –, função social do recibo (lá, nas 
obrigações). Existe um texto que é de um viés bem social mesmo, que se chama “função social 
do(a) amante”. Coloca lá no Google, que é bastante interessante a leitura, embora não tenha 
um aspecto propriamente jurídico. 
 Então, a gente tem um rompimento do individualismo para uma preocupação com 
o coletivo. 
➢ Princípio da eticidade 
 O princípio da eticidade impõe a ética, a probidade, das relações privadas. Engana-
se quem pensa que probidade é tema exclusivo do Direito Administrativo. Não! Probidade é 
tema do Direito Civil também! E, assim como o princípio da socialidade está de ponta a ponta, 
a eticidade também está. 
 “Ah, Roberta, mas, na parte de contratos, ela está lá, expressa no Código Civil.” 
Sim! Mas, mesmo não expressa em áreas como a de alimentos, regime de bens, obrigações, 
posse, propriedade, direitos reais, vizinhança, sucessão... ela está presente em tudo, porque 
a principiologia civilista impõe, hoje, a boa-fé objetiva. 
 Nós temos dois tipos de boa-fé: a subjetiva e a objetiva. A subjetiva tem a ver com 
a intenção, com o que está interiorizado na mente do sujeito. A objetiva, por sua vez, é aquele 
padrão comportamental ético exigido. Tanto no Direito Civil, quanto no Processo Civil, impõe-
se, também, a probidade processual; nós temos, como princípio, a boa-fé objetiva. Então, 
principiologia relacionada à boa-fé é a boa-fé objetiva. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 “Ah, Roberta, isso quer dizer que a boa-fé subjetiva não é levada em 
consideração?” É levada em consideração em situações bem pontuais. Um exemplo em que 
você leva em consideração a boa-fé subjetiva é no campo da posse. O que é possuidor de boa-
fé? É aquele que ignora o vício ou tem justo título, que faz presumir a boa-fé. Então, lá, quando 
você leva em consideração que a pessoa ignora o vício, está tratando da boa-fé subjetiva. Mas 
quando falo em padrão comportamental, principiologia, estou me referindo à boa-fé objetiva. 
Justiça e boa-fé – valorização da ética e da boa-fé objetiva – condutas violadoras constituem 
abuso do direito. 
 Por quê? 
Art. 187, CC. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede 
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos 
bons costumes. 
 Então, o rompimento da boa-fé, quando você está exercendo o direito, é causa de 
abuso do direito e, o art. 187, CC, enquanto aplicador da teoria do abuso do direito, enseja 
uma responsabilidade civil objetiva. Não se preocupe, porque nós vamos falar desse artigo 
com calma. 
➢ Princípio da operabilidade ou concretude 
 Esse princípio nos traz a colocação de cláusulas gerais, de conceitos abertos, de 
expressões que se encaixam em qualquer situação, posto que sujeitas a uma interpretação. 
Então, por esse princípio, o professor Flávio Tartuce fala também em simplicidade ou 
efetividade. 
 O Direito foi pensado para ser concretizado, para ser aplicado. Então, você não 
pode ter a elaboração de uma norma com expressões restritas e adstritas à época de criação 
da lei, porque, senão, você engessa o ordenamento jurídico. Eu vou te dar um exemplo: o art. 
5º do Código Civil fala sobre emancipação e estabelece essa possibilidade para os casos em 
que o menor, com 16 anos, tem economia própria, que é um caso de emancipação legal. Em 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
2002, o que era economia própria? É só pensar em quanto era o salário mínimo nesse ano: 
200 reais? 250 reais? E em 2003, quando começou a vigência? Se você coloca 250 reais na lei 
– é só um exemplo esdrúxulo, para você entender –, hoje, pode considerar esse valor como 
economia própria? Claro que não! Então, na verdade, você tem, aí, a interpretação do instituto 
considerando o que a gente tem hoje. É o que chamamos de cláusulas gerais, conceitos 
abertos, em nome da simplicidade. 
 O Direito foi pensado para ser concretizado, viabilizado, facilmente aplicável, e não 
engessado no momento em que aquela lei foi criada. Ela caminha no tempo, então deve ser 
adequada ao tempo. Por isso, em algumas situações, a gente tem a inserção de cláusulas 
gerais. 
 Dá uma olhada nessa questão: 
CESPE - Na elaboração do Código Civil de 2002, o legislador adotou os paradigmas da 
socialidade, eticidade e operacionalidade, repudiando a adoção de cláusulas gerais, 
princípios e conceitos jurídicos indeterminados. 
 ERRADO! Pela própria operabilidade, a gente tem a adoção de cláusulas gerais. A 
boa-fé, por si só, é uma cláusula geral. A função social também é uma cláusula geral. 
CESPE - No Código Civil de 2002, o princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores 
coletivos sobre os individuais, razão pela qual o direito de propriedade individual, de matriz 
liberal, deve ceder lugar ao direito de propriedade coletiva, tal como preconizado no 
socialismo real. 
 Claro que NÃO! Não tem nada a ver com socialismo! É, na verdade, você ter uma 
preocupação com o coletivo. Óbvio! Não tem nada a ver com o socialismo! 
FCC - Darei apenasum exemplo. Quem é que, no Direito Civil brasileiro ou estrangeiro, até 
hoje, soube fazer uma distinção, nítida e fora de dúvida, entre prescrição e decadência? Há 
as teorias mais cerebrinas e bizantinas para se distinguir uma coisa de outra. Devido a esse 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
contraste de idéias, assisti, uma vez, perplexo, num mesmo mês, a um Tribunal de São Paulo 
negar uma apelação interposta por mim e outros advogados, porque entendia que o nosso 
direito estava extinto por força de decadência; e, poucas semanas depois, ganhávamos, 
numa outra Câmara, por entender-se que o prazo era de prescrição, que havia sido 
interrompido! Por isso, o homem comum olha o Tribunal e fica perplexo. Ora, quisemos pôr 
termo a essa perplexidade, de maneira prática, porque o simples é o sinal da verdade, e 
não o bizantino e o complicado. Preferimos, por tais motivos, reunir as normas 
prescricionais, todas elas, enumerando-as na Parte Geral do Código. Não haverá dúvida 
nenhuma: ou figura no artigo que rege as prescrições, ou então se trata de decadência. 
Casos de decadência não figuram na Parte Geral, a não ser em cinco ou seis hipóteses em 
que cabia prevê-la, logo após, ou melhor, como complemento do artigo em que era, 
especificamente, aplicável. 
(REALE, Miguel. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. 
São Paulo: Saraiva, 1986. p. 11-12). 
Essa solução adotada no Código Civil de 2002 se vincula 
a) à diretriz fundamental da socialidade. 
b) à abolição da distinção entre prescrição e decadência. 
c) à diretriz fundamental da eticidade, evitando soluções juridicamente conflitantes. 
d) ao princípio da boa-fé objetiva, que garante a obtenção do julgamento esperado pelo 
jurisdicionado. 
e) à diretriz fundamental da operabilidade, evitando dificuldades interpretativas. 
 Lembra que eu falei para você que o Código Civil, hoje, trabalha a questão 
prescricional de uma forma bem legítima, para não confundir mais como era no Código Civil 
de 1916? Percebeu isso? Lembra daquele dispositivo que eu coloquei aqui, na aula, para você, 
falando que a prescrição para anular o casamento é de 10 dias, quando a mulher já está 
deflorada? Aquilo é prescrição ou decadência? Porque a anulação está ligada à decadência, 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
então o Código fazia essa confusão entre os dois institutos. O nosso novo Código Civil não faz 
isso. 
 Se eu tenho um Código que tem que ser de fácil aplicação, a resposta é a letra E. 
Sensacional essa questão! Adorei! 
AOCP - Os princípios norteadores do atual Código Civil Brasileiro são 
A) Boa-fé, Eticidade e Operabilidade. 
B) Socialidade, Legalidade e Operabilidade. 
C) Socialidade, Eticidade e Operabilidade. 
D) Eticidade, Legalidade e Morabilidade. 
E) Efetividade, Adequação e Boa-fé. 
 Sem dificuldade! Resposta: letra C. 
MPE-MG - Assinale a alternativa CORRETA: 
É possível afirmar que a adoção do sistema de cláusulas gerais no Código Civil de 2002 
reverencia: 
A) O princípio da boa-fé objetiva. 
B) O princípio da eticidade. 
C) O princípio da sociabilidade. 
D) O princípio da operabilidade. 
 Resposta: letra D. 
 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 Então essas são as regras iniciais principiológicas, o nosso baldrame axiológico do Direito 
Civil. 
- Pessoa Natural 
 Quem é a pessoa natural? É o ser humano, que é essa pessoa que a gente tanto fala, com 
quem nós nos preocupamos. Essa pessoa é tão importante porque é o centro das relações jurídicas. 
 “Sujeito de direito” é um gênero que comporta duas espécies: com personalidade jurídica 
ou civil e sem personalidade jurídica ou civil. 
 
 
Art. 2º, CC. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, 
desde a concepção, os direitos do nascituro. 
 
Art. 45, CC. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do 
ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação 
do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. 
 Porém, nós temos alguns sujeitos que não detêm essa aptidão genérica. Nesse ponto, 
nós mencionamos os sujeitos de direito sem personalidade jurídica. A título de exemplo, temos o 
condomínio, o nascituro (aquele que tem vida intrauterina), a massa falida, a herança (que, a partir 
do momento que é autora ou ré de ação passa a se chamar “espólio”, que é a adjetivação da herança 
em juízo), a sociedade irregular ou sociedade de fato... entre outros. 
SUJEITO DE DIREITO
Com personalidade jurídica/civil
Pessoa natural - art. 2º, CC
Ser humano 
Pessoa jurídica - art. 45, CC
Aptidão genérica para 
titularizar direitos e deveres 
na ordem civil
Sem personalidade jurídica/civil
Condomínio, nascituro, massa 
falida, herança, sociedade 
irregular/de fato... entre outros 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
 No Direito Administrativo, o professor da matéria vai mencionar que o órgão público não 
tem personalidade jurídica. Quem detém personalidade jurídica é a pessoa jurídica (PJ) que tem o 
órgão dentro da sua composição. 
 É relevante que saibamos o conceito de sujeito de direito para fazer a diferenciação com 
o conceito de pessoa natural. Eles não são sinônimos! 
A pessoa natural é sujeito de direito com personalidade jurídica, mas nem todo sujeito de direito 
tem personalidade jurídica. 
 No Direito Administrativo, nós temos o princípio da legalidade. E o que é esse princípio? 
Lá, significa que o administrador só poderá atuar quando a lei permitir. Administrar significa aplicar a 
lei de ofício. 
 Já no Direito Civil, embora também haja um princípio da legalidade, ele é visto de maneira 
diferenciada. Para quem tem personalidade jurídica, ele vai dizer que “pode tudo que a lei não proíba”. 
Então a pessoa natural e a pessoa jurídica podem tudo que a lei não proibir. Eu, Roberta, posso criar 
um regime de bens que não tem previsão na lei? Posso. A lei não me proíbe. Posso criar um contrato 
que não tenha previsão legal? Sim, porque a lei não me proíbe. Então, eu posso praticar os atos que a 
lei não me proibir. 
 Aliás, isso foi um fundamento para a admissão, no ordenamento jurídico, do casamento 
e da união estável homoafetiva. Isto porque, embora a lei fale em “homem e mulher”, não houve 
proibição de que seja de casais homoafetivos, razão pela qual entendeu-se que há uma permissão 
tácita. Esse foi o grande fundamento! Por isso, é possível o casamento homoafetivo, além de outras 
razões como o direito à felicidade, da família eudemonista, da pauta do amor... 
 Por outro lado, o princípio da legalidade para quem NÃO tem personalidade jurídica, é 
analisado sob o mesmo ponto de vista do direito administrativo. Só é permitido o que está previsto 
em lei. Fazendo uma correlação com o direito processual, veremos que esses sujeitos podem ser 
autores ou réus de demandas judiciais, porque possuem o fenômeno da personalidade judiciária. A 
personalidade judiciária existe para fins de ser parte (autor ou réu) no processo civil. Mas isso é 
matéria do professor de Processo Civil. 
 Como tudo no direito, nós temos correntes doutrinárias que divergem desse 
entendimento, mas esse é o que vai te ajudar a resolver as questões das provas. 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
➢ Personalidade 
 É a aptidão genérica para titularizar direitos e deveres. Destacamos a palavra “deveres” 
porque é muito comum você falar “direitos e obrigações”, quando, na verdade, é melhor mencionar 
“deveres”. Isto porque, no Direito Civil, a palavra “obrigação” tem a ver com o aspecto patrimonial 
(dar, fazer, não fazer...). “Deveres” acaba sendo um gênero, um termo muito mais abrangente do que 
simplesmente “obrigações”. Muito cuidado com isso! O dever inclui obrigação e outros aspectos que 
não tenham conteúdo patrimonial. 
Art. 2º,CC. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, 
desde a concepção, os direitos do nascituro. 
 Quando se dá o início da personalidade jurídica? 
 Ocorre com o nascimento com vida. No Brasil, considera-se “nascimento com vida” o 
funcionamento do aparelho cardiorrespiratório. Entrou ar nos pulmões, adquire a personalidade 
jurídica. Existe um exame próprio para examinar se houve ou não entrada de ar nos pulmões, chamado 
“docimasia hidrostática de Galeno”, que consiste no uso de fragmentos do pulmão do recém-nascido 
– caso venha a falecer, óbvio. Se os fragmentos flutuarem, é porque entrou ar, então adquiriu 
personalidade jurídica. 
• Nasceu + respirou = ganhou personalidade jurídica + capacidade de direito. 
Quando isso acontecer, a criatura vai ganhar uma certidão de nascimento. 
 
• Nasceu + respirou + morreu = ganhou personalidade jurídica + capacidade de direito. 
Quando isso acontecer, ele vai ganhar DUAS certidões: uma de nascimento e uma de óbito. 
 
• Nasceu + NÃO respirou + morreu = NÃO ganhou personalidade jurídica + NÃO ganhou 
capacidade de direito. Essa criatura será chamada de “NATIMORTO”. 
 Saber se respirou ou não é para fins de saber se ele adquiriu ou não personalidade jurídica 
e capacidade de direitos. Imagina o pai da criança que morreu no curso da gestação. Se ele respira, 
recebe a herança. Se ele morre, transmite a herança para a mãe dele. Se ele sai do ventre materno e 
não respira, ele não recebeu a herança e a regra sucessória dos bens de falecimento do pai segue a 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
regra normal do art. 1.829: não havendo descendentes, vai para os ascendentes, ou, havendo outros, 
vai para os outros descendentes. 
 Vale destacar também que a certidão, seja de nascimento, de óbito, ou de nascido morto, 
tem natureza DECLARATÓRIA. Por isso, tem efeito ex tunc. Exemplo: eu nasci no dia 09 de julho, mas 
minha certidão de nascimento deve ter sido feita em algum dia posterior a essa data. Eu não passei a 
existir a partir da data em que foi feita a certidão, mas, sim, desde o meu nascimento. 
 É muito comum, em prova, cair assim – inclusive, caiu, recentemente, em uma prova da 
SEFAZ/DF, para auditor –: “a personalidade jurídica da pessoa natural começa do nascimento com vida 
e a personalidade jurídica da pessoa jurídica começa do registro”. Certo, mas a certidão de nascimento 
da pessoa natural tem natureza declaratória e o registro da pessoa jurídica tem natureza constitutiva 
(isso, para fins de parte geral). Então, cuidado com isso. 
 O início da personalidade, então, se dá com o nascimento com vida. 
 A certidão de nascido morto tem assento no livro auxiliar, letra C, do cartório de pessoas 
naturais, conforme a Lei de Registros Públicos. Detalhe: no Brasil, basta o funcionamento do aparelho 
cardiorrespiratório. Entenda: no Brasil, não se exige viabilidade, não se exige sobrevida, não se exige 
forma humana. Isso quer dizer que, no Brasil, basta respirar para ser pessoa natural. 
• Não se exige viabilidade: não é preciso a formação interna dos órgãos de maneira perfeita, 
apta a propiciar a vida extrauterina. Por isso que os anencéfalos nascem, respiram, e, mesmo 
tendo uma malformação cerebral adquirem personalidade jurídica, mesmo que se saiba que 
eles podem morrer imediatamente após o parto. O mesmo ocorre com pessoas com 
microcefalia ou com uma formação interna dos órgãos que inviabilize a vida extrauterina. 
 
• Não se exige sobrevida: seria um lapso temporal mínimo fora do ventre materno para adquirir. 
Acredito que no Código Civil espanhol, por exemplo, até o ano de 2011, se exigia que a pessoa 
permanecesse viva pelo período de 24 horas. No Brasil, não temos isso. Nasceu e respirou, já 
ganha a personalidade jurídica. 
 
• Não se exige forma humana: é até um termo um tanto quanto pejorativo, mas pessoas com 
deformidades físicas que destoem da forma tradicional humana também adquirem a 
personalidade jurídica. 
 
 
 
Material elaborado por Priscila Cysneiros 
Indagação: se o nascituro tem direitos, não seria ele uma pessoa? Não teria ele personalidade 
jurídica? 
 Cuidado com essa questão do nascituro! A gente entra na análise das teorias mais 
cobradas: 
Teoria natalista Teoria da personalidade 
condicional 
Teoria concepcionista 
Nascituro não é pessoa. 
Os natalistas mais duros 
falam que o nascituro é 
uma coisa, porque só seria 
pessoa após o nascimento 
com vida. 
Os direitos do nascituro estão 
sujeitos a uma condição 
suspensiva – nascer com 
vida. Ele seria “quase” uma 
pessoa. 
Pontes de Miranda, Pablo Stolze, 
Cristiano Chaves; nascituro é pessoa 
humana. É pessoa desde a concepção. 
A doutrina mais concepcionista define 
que concepção é no momento do 
coito. 
A menos concepcionista define que 
será pessoa natural a partir do 14º dia 
após o coito, quando ocorre o 
fenômeno chamado “nidação”, que é 
quando o embrião concebido se fixa 
na parede do útero da mãe. 
Isso não tem relevância para cobrança 
de prova. 
 
 Mas qual é a teoria adotada pelo Código Civil a respeito do nascituro? Aí, a gente entra 
nas cenas do próximo capítulo, onde eu vou te contar a teoria adotada. 
 Também quero que você responda essa pergunta: o embrião congelado é pessoa?

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