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Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital Autores: Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 19 de Agosto de 2020 1 Sumário Apresentação ...................................................................................................................................................... 2 A abertura democrática ..................................................................................................................................... 3 A constituição de 1946 ................................................................................................................................... 3 O novo sistema partidário .............................................................................................................................. 6 O Governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-50) ............................................................................................... 10 O novo governo de getúlio vargas (1951-54) ................................................................................................. 14 O governo de Juscelino Kubitschek: a "era bossa-nova" (1955-60) ................................................................ 23 Os anos de crise (1961-64) .............................................................................................................................. 32 Questões Comentadas ...................................................................................................................................... 43 Lista de Questões .............................................................................................................................................. 76 Gabarito ........................................................................................................................................................... 93 Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 2 APRESENTAÇÃO Olá caro(a) aluno(a)! Nesta aula vamos abordar o período que se estende desde a abertura democrática em 1945 até a intervenção militar de 1964. Conhecido como Experiência Democrática, Período Democrático ou República Liberal (preferimos utilizar a primeira nomenclatura em acordo com a historiografia mais recente), este intenso contexto político foi marcado por uma experiência democrática repleta de instabilidades políticas (apenas dois presidentes deste período chegariam ao fim de seu mandato) que correspondem aos conflitos políticos da experiência varguista anterior. No entanto, novos atores políticos importantes surgiram neste momento e ainda estariam presentes nos círculos de poder após a redemocratização em 1985. De fato, um dos temas mais interessantes e complexos da história política contemporânea brasileira. Bons estudos! Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 3 A ABERTURA DEMOCRÁTICA O ano de 1945 foi determinante para a história política brasileira. Em consonância com os acontecimentos internacionais (término da Segunda Guerra Mundial e derrota do Eixo), a ditadura do Estado Novo varguista chegou ao fim. Pressionado desde o ano de 1943 por uma oposição ferrenha e estridente, crescentemente incontrolável por parte dos mecanismos de repressão do regime, Getúlio Vargas empreendeu, ele próprio e segundo as suas concepções, a abertura democrática do país. No entanto, Vargas foi deposto de seu cargo antes do que esperava, devido à pressão exercida pelos ministros militares Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, que estavam temerosos de que a abertura feita por Vargas tivesse como único objetivo mantê-lo à frente da presidência. Getúlio precisou acompanhar as eleições, pela primeira vez em 15 anos consecutivos, longe dos holofotes (ainda que tenha sido determinante para os resultados dos pleitos ao redor do país). No entanto, ideologicamente, as políticas gestadas durante os anos de sua hegemonia, principalmente na área econômica, continuaram a marcar os governos futuros, em sua maioria nacionalistas, e, portanto, defensores da presença forte do Estado na economia do país (pauta iniciada por Vargas). O getulismo se tornou uma constante e reinou de forma quase absoluta nos vinte anos de governos democráticos que se seguiram ao esfacelamento do Estado Novo. Muitos dos presidentes que passaram pelo Palácio do Catete neste período (e mais tarde pelo Palácio do Planalto em Brasília) foram apadrinhados políticos por Getúlio Vargas no passado. Nem mesmo o seu trágico suicídio, em 1954, retiraria a onipresença de sua imagem das disputas eleitorais (tornando o “getulismo” uma verdadeira escola política por muitas décadas). Talvez tenha sido verdade o que ele disse em sua carta-testamento, ao afirmar que, com sua morte, saía da vida para entrar na história. Em 1946 assumiria a presidência da república o primeiro de seus “eleitos”, Eurico Gaspar Dutra, por meio da coligação entre os partidos getulistas, PSD e PTB, ainda que nos cinco anos seguintes Dutra tenha sido uma pedra no calo dos getulistas brasileiros. Antes de adentrarmos o desenvolvimento dos fatos políticos, governo após governo até o golpe civil-militar de 1964, miremos, antes, de forma pormenorizada a Constituição que balizaria os rumos políticos dos próximos 18 anos. A constituição de 1946 Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 4 A Constituição de 1946 foi promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte em 18 de setembro de 1946, e retomou as liberdades perdidas em 1937, com a constituição autoritária do Estado Novo. O texto constitucional, desenvolvido ao longo de 218 artigos, garantia não somente os direitos civis perdidos sob a ditadura varguista, como efetivou os direitos sociais e trabalhistas angariados pelos trabalhadores urbanos desde 1930 e já consagrados, em parte, na constituição de 1934. Foi retirada do texto a pena de morte e consolidada a separação dos três poderes. Ainda, garantia-se o pluripartidarismo como parte integrante dos direitos políticos que haviam sido estrangulados pelo Estado Novo. Mantinha-se a forma de Estado federativa, ainda que com os poderes mais amplos dados à União dentro da federação desde 1934. Comparemos, em tópicos gerais, esta constituição com as suas predecessoras: CONSTITUIÇÃO DE 1934 (GOVERNO CONSTITUCIONAL) CONSTITUIÇÃO DE 1937 (ESTADO NOVO) CONSTITUIÇÃO DE 1946 (PERÍODO DEMOCRÁTICO) FORMA DE GOVERNO República Constitucional República (autoritária e ditatorial) República Constitucional FORMA DE ESTADO Federativa Federativa - com traços de unitarismo Federativa PODERES DE ESTADO Executivo, Legislativo e Judiciário Executivo e Judiciário Executivo, Legislativo e Judiciário CHEFIA DE ESTADO Presidente da República Presidente da República Presidente da República CHEFIA DE GOVERNO Presidente da República Presidente da República Presidente da República Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 5 RELIGIÃO Laico Laico Laico DISSOLUÇÃO DA CÂMARA Inconstitucional – o presidente não tem o poder de dissolver o Congresso Constitucional – o presidente concentra o poder de legislar Inconstitucional – o presidente não tem o poder de dissolver o Congresso. DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Preservados – o presidente nãopode revogar liberdades individuais Suspensos – o presidente pode revogar liberdades individuais pelo “bem da coletividade” Preservados – estão protegidos pelo texto constitucional. DIREITOS SOCIAIS E LEIS TRABALHISTAS Existentes - Surgem nesta Constituição Existentes – Tornam-se “benesses” do Poder Executivo e instrumento de cooptação do apoio ao regime das massas de trabalhadores Existentes e protegidos. TIPOS DE ELEIÇÕES Diretas com voto obrigatório e secreto (o voto feminino passar a ser constitucional) Indiretas Diretas REELEIÇÃO Apenas permitida após passados 4 anos do fim do último mandato. Não foi apresentada no texto constitucional Proibida TEMPO DE MANDATO PRESIDENCIAL 4 anos 6 anos 5 anos Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 6 EXISTÊNCIA DO CARGO DE VICE- PRESIDENTE E FORMA DE ELEIÇÃO Não existente Não existente Existente – eleição separada da de presidente (possibilidade de eleição de vice pertencente à chapa diferente do presidente) NACIONALIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS Assegurada Assegurada Assegurada O novo sistema partidário Em maio de 1945, por meio de um dos últimos decretos-leis de Vargas, entrou em vigor a nova lei eleitoral que fixou os pilares para as eleições diretas que seriam realizadas em dezembro, conhecida também por Lei Agamenon, em referência ao então ministro da Justiça Agamenon Magalhães, formulador do novo sistema eleitoral. A lei, que reinstituía a liberdade de organização partidária do Brasil, definia que qualquer agremiação partidária interessada a concorrer a cargos políticos no país deveria possuir, obrigatoriamente, um caráter nacional, verificável em três quesitos básicos: 1) possuir registro em cinco ou mais estados da federação, 2) um referendo inicial de pelo menos dez mil eleitores e 3) personalidade jurídica segundo o Código Civil. Assim, das inúmeras agremiações partidárias existentes, apenas três se destacariam em âmbito nacional nas décadas seguintes, algo inteiramente original para o país. São eles: PSD, PTB e UDN. Ambos partidos, PSD e PTB, surgiram com a pretensão de dar continuidade às políticas getulistas, com foco em políticas nacionalistas e trabalhistas. Não obstante, o âmbito de influência social destes partidos era bastante diferente, e buscavam, conforme a orientação dada por Vargas aos dois ministros que os criaram, abarcar as duas vertentes acima conforme as camadas sociais diretamente interessadas. Ao Partido Social Democrático (PSD) caberia a defesa dos interesses nacionais, e sua inserção social se dava, sobretudo, entre membros das oligarquias rurais pró-getulistas, bem como com os setores militares ainda inclinados ideologicamente aos ideais do velho presidente. Ele encarnaria, não obstante, pragmatismo bem mais conservador do que o seu aliado natural. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), por sua vez, deveria cuidar dos interesses da classe trabalhadora, tanto no âmbito parlamentar quanto no meio social. Seria marcado uma pauta reformista, trabalhista e nacionalista. De todo modo, ambos partidos eram vistos por Getúlio como duas partes de um mesmo corpo, cuja cabeça seria ele próprio. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 7 Assim, como veremos ao longo de nossa aula, em tudo que um dos dois partidos defendesse, o outro tenderia, ao menos em relação às questões nacionais, a concordar. Houve, em questões pontuais, discordâncias, sobretudo após a morte de Getúlio Vargas em 1954, além do fato de que, em âmbito regional, nem sempre os partidos concordavam quanto à formulação de pautas políticas, no entanto, de forma quase geral, a dobradinha PSD-PTB ajudou a traçar os horizontes políticos do país até o golpe de 1964. Um ditado popular da época dizia: “O PTB é o PSD de macacão e o PSD o PTB de casaca”.1 Do outro lado, pela oposição, apresentava-se a União Democrática Nacional (UDN), de tradição liberal e declaradamente antigetulista. Ao longo do tempo, sobretudo quando deixou de ser uma frente ampla de oposição no pós-1945, a UDN se firmou em meio aos grandes centros urbanos, tendo como principal base de apoio as classes médias urbanas. Isso não significa que a UDN não possuía tradição em regiões rurais, visto que representou a principal frente opositora ao PSD no campo, mas, de fato, o seu pilar de sustentação foi, sem dúvidas, as classes médias. Aliás, cabe-nos ressaltar que, a bem da verdade, as estruturas doutrinárias dos partidos acima elencados, bem como suas alianças ideológicas e coligações, muitas vezes desaparecia, nas regiões rurais, em meio às disputas de interesses das oligarquias locais. Portanto, muitas vezes, em âmbito estritamente regional, até mesmo UDN e PSD poderiam entrar em concerto. Ainda assim, a UDN nacional persistiu como único partido de oposição de facto ao getulismo e aos partidos de esquerda (que tendiam ou à completa neutralidade, ou, na maior parte das vezes, ao apoio aos partidos getulistas). Ainda em 1945, separaram-se da UDN o mineiro e ex-presidente Artur Bernardes, que criou em seu estado o Partido Republicano (PR), e o gaúcho Raul Pilla, criador do Partido Libertador (PL). Em 1946, a ala da “esquerda democrática” (de grande peso dentro da UDN naquele momento) também se separou da frente ampla e fundou o Partido Socialista Brasileiro (PSB). PSB, PR e PL, todavia, tiveram diminuto peso político no contexto do período democrático. Em suma, tanto nos estados quanto no Congresso Nacional, os seus representantes formaram o “bloco dos nanicos”, que estavam sempre a orbitar algum dos três grandes. Havia, ainda, um partido de peso intermediário (nem nanico, nem grande o suficiente para andar por suas próprias pernas). Trata-se do Partido Social Progressista (PSP), fundado por Ademar de Barros, um político populista paulista que fora, no Estado Novo, interventor de São Paulo. O PSP foi o maior partido do estado durante todo o período democrático, e o seu apoio sempre fora requerido pelos três grandes. O momento de maior abrangência nas políticas nacionais se deu no retorno de Getúlio Vargas ao poder em 1950, cujo vice-presidente, Café Filho, pertencente ao partido, assumira por um curto tempo a presidência da república após o suicídio de Vargas, conforme veremos. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 8 Ademar de Barros Por fim, uma situação sui generis. O Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922 e colocado na ilegalidade em 1935, por não se encaixar nas prerrogativas partidárias circunscritas à lei eleitoral (tratando- se não de um partido nacional, mas sim de uma “filial” da Internacional Comunista), voltou a existir, com Luís Carlos Prestes a sua frente, em 1945, como uma artimanha de Getúlio para angariar maior apoio ao “queremismo”2. No entanto, como veremos, a saída prematura de Getúlio do poder e o lançamento, pela coligação partidária getulista, de Dutra à presidência fez com que o PCB lançasse candidatura própria à presidência, na qual angariou expressivo percentual de votos, e Prestes ao Senado Federal, cargo ao qual se elegeu. Em 1947 surgiu uma querela que inseriria o país, em definitivo, na Guerra Fria. O PCB, então registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi alvo, neste ano – o mesmo da anunciação da Doutrina Truman nos Estados Unidos, cujo pilar seria a contenção do comunismo no plano internacional – de questionamentos por parte de parlamentares (especialmente da UDN) e do próprio presidente Dutra quanto a sualegalidade. A questão levantada dizia respeito ao parágrafo 13 do artigo 141 da nova Constituição, que determinava que: Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 9 § 13 - É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.3 Os críticos defendiam que, por sua pauta essencialmente revolucionária, o PCB estaria em desacordo com o texto constitucional, visto que sua própria existência se dava, conforme defendiam, para que grupos revolucionários ligados ao comunismo internacional pudessem por abaixo o regime liberal-democrático. A querela em torno da admissibilidade do registro partidário do PCB foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, em maio de 1947, decidiu por maioria cassar o registro do partido e os mandatos de seus partidários em todo o país. Getúlio Vargas (à esquerda) e Luís Carlos Prestes (à direita) Com o fim do PCB (que manteria as suas reuniões clandestinamente), a maior parte dos seus partidários acabaram por migrar, pragmaticamente, para o PTB, sobretudo por sua pauta reformista e social, conseguindo assim se candidatarem a cargos políticos. No fim, com o PCB fora do jogo em 1947 e os partidos “nanicos” estruturados, mantiveram-se nos holofotes nacionais os três grandes (PSD, PTB e UDN), com o PSP Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 10 a orbitar a frente getulista. Passemos agora para a narrativa dos principais fatos que marcaram a gestão Dutra, desde as eleições de 1945 até o fim de seu mandato. O GOVERNO DE EURICO GASPAR DUTRA (1946-50) Eurico Gaspar Dutra foi um militar condecorado que participou de praticamente todo os governos exercidos por Getúlio Vargas entre 1930 e 1945. Em conjunto com o também general Góes Monteiro e outros militares, ajudou a construir o golpe que fundaria o Estado Novo em 1937, onde liderou o ministério da Guerra até as eleições de 1945. Ideologicamente, Dutra se alinhava à ala autoritária e nacionalista do exército, e por esse motivo foi abertamente crítico do alinhamento brasileiro junto aos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial, começando aí as rusgas que o separaria pouco-a-pouco de Vargas. Em 1945, foi um dos principais defensores do fim do Estado Novo, não acreditando mais em sua capacidade de manter opositores e comunistas fora da esfera de poder. Eurico Gaspar Dutra Quando das eleições em 1945, Dutra concorreu à presidência pelo Partido Social Democrático (PSD), em coligação com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nas últimas semanas antes das eleições, Getúlio Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 11 Vargas, a contragosto, ofereceu-lhe a sua aprovação, que seria essencial para a conquista de votos na árdua batalha que seria travada nas urnas. Logo se espalharam pelas ruas do país cartazes com a frase “Ele disse!”, em referência à adesão de Vargas a Dutra. Os outros dois candidatos opositores foram o brigadeiro Eduardo Gomes, pela UDN, e o Yedo Fiuza pelo PCB (ainda na legalidade, vale recordar!). No fim, graças ao apoio de Getúlio, Dutra venceu as eleições por 56% dos votos, ante 30% de Eduardo Gomes e os expressivos 10% de Fiuza, até então um completo desconhecido na política nacional. Dutra assumiu a sua incumbência no início de 1946, ainda sobre a vigência da Constituição “Polaca” do Estado Novo, que previa um mandato de seis anos para o presidente da república, tempo que seria encurtado para cinco anos com a promulgação da nova carta constitucional em setembro de 1946. Seu vice-presidente era Nereu Ramos, escolhido indiretamente pela Assembleia Nacional Constituinte – a nova Constituição previa, para o futuro, que os cargos de presidente e vice-presidente da república deveriam ser preenchidos por votações em separado, permitindo, portanto, que dois candidatos opositores ocupassem ambos os cargos simultaneamente, algo que de fato ocorreu posteriormente. Em 1946, o clima nas ruas brasileiras era de euforia pelo fim da ditadura e a abertura democrática, bem como por conta do fim da Segunda Guerra Mundial. Nos anos finais do Estado Novo, como era de conhecimento público, divisas haviam entrado no país devido o esforço de guerra brasileiro, o que permitiu o desenvolvimento da indústria de base nacional, sobretudo no setor siderúrgico e, desta forma, pela geração de empregos nos grandes centros urbanos. O sentimento nacionalista estava em alta gerando uma estranha sensação de pertença a uma entidade nacional maior do que os regionalismos separatistas que marcaram a Primeira República – uma conquista, sem dúvidas, dos quinze anos de hegemonia varguista. O período 1946-51 precipitou o mundo em uma longa guerra ideológica que dividiria o globo em duas grandes zonas de influência: aquela destinada a seguir os passos capitalistas ao lado dos Estados Unidos; e a outra, liderada pela União Soviética, destinada a sobreviver à cortina de ferro soviética e pelo avanço do comunismo. Estes foram os anos das “superpotências”, e escapar à bipolaridade reinante na égide da Guerra Fria, buscando traçar a utópica “terceira via” (preconizava por Juan Perón nesta mesma época), não era uma tarefa muito fácil. O Brasil se viu prematuramente enredado nesta intricada teia de interesses do mundo bipolar. O agora presidente Dutra precisou, antes mesmo de olhar por sobre os ombros do atlântico em busca de projetos de inserção internacional, assumir posições dentro de seu próprio país. Tanto em setores militares, quanto entre civis, a polarização ideológica assumiu matizes um pouco distintos em relação ao antagonismo capitalismo/comunismo (ainda que não dissonantes): em realidade, digladiavam-se nos postos de poder da jovem democracia os alto proclamados nacionalistas, favoráveis à continuidade das políticas econômicas desenvolvimentistas e do pragmatismo diplomático face à bipolaridade; e os grupos liberais que, pela sua adesão econômica e diplomática voltada ao plano internacional capitalista, foram taxados como “entreguistas”. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 12 O governo de Dutra primou pelo estreitamento dos laços diplomáticos com os EUA, em sua busca – infrutífera – de atrair as atenções (e os dólares) de investidores norte-americanos para o Brasil. Em meio a sua caçada, abrigou em suas pastas ministeriais membros do “entreguismo”, responsáveis por desenvolver os laços amigáveis com o grande irmão do norte. Exemplo foi a escolha de Raul Fernandes para o Ministério das Relações Exteriores, cujas políticas pró-estadunidenses (na contramão da tradição diplomática brasileira) geraram rusgas até mesmo com Oswaldo Aranha, recém eleito presidente da Assembleia Geral da ONU, que acusava Fernandes de agir de forma subserviente em relação aos Estados Unidos. Outra prova da boa vontade do governo brasileiro em relação aos interesses ocidentais neste despontar de guerra fria foi o rompimento de relações diplomáticas com a União Soviética em 1947, ato conjunto com o banimento do PCB e de seus representantes dos cargos políticos, conforme já abordamos anteriormente. Na mesma linha, entre 1947 e 1948, dois importantes passos foram dados pelo país no sentido de seu apoio ao anticomunismo. Em agosto de 1947 se realizou, na cidade de Petrópolis,a Conferência Interamericana sobre Defesa do Continente, do qual resultou o Tratado Interamericano da Assistência Recíproca (TIAR), cujo pilar pan- americanista delineou a promessa de apoio mútuo em caso de agressões externas ao continente, e abria o pressuposto do combate aos “inimigos internos”, frutos de possíveis tentativas de infiltração comunista no futuro. Ainda, como concretização da política anticomunista, em 1948 surgiu a Escola Superior de Guerra (ESG), cujos pressupostos ideológicos primariam pelo “binômio segurança e desenvolvimento, defendendo para o país um projeto econômico de capitalismo associado ao bloco internacional, nos quadros de uma Doutrina Interamericana de segurança anticomunista”4. Ambas ações foram encaradas com muito bons olhos por parte do governo norte-americano. Desta forma, esperava Dutra e seu gabinete, talvez o Brasil, auto encarado como um parceiro natural dos EUA na América do Sul, também recebesse estímulos financeiros tais como aqueles dirigidos, a partir de 1947, aos aliados europeus na reconstrução de suas economias. O pedido foi dirigido pessoalmente por Dutra ao presidente Henry Truman e seu Secretário de Estado, George Marshall (criador do Plano Marshall), presentes ao encerramento da Conferência de Petrópolis. A resposta, no entanto, foi pouco animadora: apenas a promessa de formação de uma Comissão Brasil- Estados Unidos para elaboração de um programa de desenvolvimento ao país. Dele resultaria a Comissão Abbink-Bulhões (referência aos dois representantes principais da comissão, John Abbink pelos Estados Unidos e Otávio Gouvêa de Bulhões pelo Brasil). Os resultados produzidos pela comissão não previam, como esperado pelos nacionalistas, ajudas financeiras para o país, e sim a recomendação de utilização de recursos internos e a criação de um clima propício à atração de investimentos privados estrangeiros. Trocando em Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 13 miúdos: recomendava-se o fim das políticas desenvolvimentistas do período vargas e a liberalização econômica do país. Dois problemas surgiram de imediato. Primeiramente, a falta dos tais recursos internos, posto que, durante a gestão Dutra, houve uma saída em massa de divisas do país, algo em torno de US$ 500 milhões, sobretudo devido à abolição do preço máximo do café, medida tomada justamente pelos Estados Unidos no pós-guerra. A falta de divisas, alimentada também pela pouca atenção dada pela equipe econômica de Dutra à continuidade da pauta industrializante de Vargas, levou ao aumento da inflação e à consequente perda de compra por parte da população, especialmente a mais pobre. No entanto, Dutra tinha por objetivo, desde o início de sua gestão, focar pautas mais próximas do desenvolvimentismo do que a sua política econômica posterior acabou por demonstrar. Exemplo disto foi a teorização do plano SALTE, sigla que representava as quatro áreas prioritárias para o desenvolvimento interno: Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. No entanto, poucas realizações além da construção da Rodovia Presidente Dutra, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, surgiram do SALTE, que mal saiu do papel devido os maus presságios vindos do exterior. Dois outros feitos exitosos de Dutra à frente da presidência foram a tentativa de controle e saneamento das contas públicas e a criação do Estatuto do Petróleo, que daria início à construção das primeiras refinarias no país – ainda sem um plano definido. O ano de 1950 foi marcado pela visita do presidente aos Estados Unidos, que repercutiu politicamente no já conturbado cenário político brasileiro do que em questões econômicas. O agora senador Getúlio Vargas, que ao longo dos primeiros anos descambou para a oposição ao governo por sua pauta internacionalizante, acusava a Dutra de pôr em risco as conquistas econômicas e sociais de sua gestão, taxando-o de querer trair os interesses nacionais entregando a estrangeiros o controle sobre as áreas estratégicas da economia nacional, sobretudo o setor siderúrgico e o ambicionado setor petroleiro. Getúlio Vargas lançou, com o lema “Ele voltará!”, em meados de 1950, sua candidatura à presidência da república por seu partido, o PTB, que, nesta única situação, não se coligou com o PSD, sobretudo devido às articulações internas de Dutra. Em lugar disto, o PSD lançou a candidatura do advogado mineiro Cristiano Machado, que possuía baixíssima expressão política. A oposição udenista lançou, novamente, o brigadeiro Eduardo Gomes. Todavia a separação oficial do PSD, há poucas semanas já era clara a intenção por parte dos principais caciques pessedistas de apoiarem à Vargas, levando o próprio partido, poucos dias antes do pleito, a abandonar o seu candidato em prol de Getúlio. Desde então, o termo “cristianizar” passou a integrar o vocabulário político brasileiro, sempre utilizado em situações de abandono político de um candidato por seu próprio partido. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 14 Panfleto eleitoral de Vargas Nas eleições realizadas em 3 de outubro de 1950, Getúlio Vargas conseguiu se eleger com 49% dos votos, sendo esta a primeira vez em que Vargas ocuparia a presidência da república eleito de forma direta. Dutra, por sua vez, passou a orbitar a oposição política, permanecendo como um espectro nas sombras das esferas de poder da Guanabara. O NOVO GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS (1951-54) O retorno de Getúlio Vargas à presidência da república foi entremeado de saudosismo e esperança (ao menos da parte dos nacionalistas). Os saudosistas, em grande medida espalhados pelas bases pessedistas e petebistas, defendiam que, finalmente, retornava ao Palácio Guanabara um leal defensor dos interesses nacionais, capacitado por seus anos de experiência política a redirecionar os rumos econômicos – em crise Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 15 desde a gestão anterior. A esperança se apresentava na forma de projeto políticos bastante ousados, como a campanha “O Petróleo é Nosso”, que ganhava as bocas dos nacionalistas getulistas. Campanha "O Petróleo é Nosso!" No entanto, Getúlio teria agora de lidar com um cenário com o qual estava pouco acostumado: um ambiente democrático marcado pelo pluralismo de ideias e pela força da oposição, fortemente organizada no Congresso Nacional, ponto obrigatório para as negociações futuras – outra das tortuosas novidades com as quais Vargas foi obrigado a se deparar em seu retorno ao Palácio do Catete, sede oficial da presidência à época. A oposição, aliás, era composta justamente pelos mais fervorosos antigetulistas do país, entrincheirados em torno da UDN (cujo programa político destacava, justamente, o antigetulismo natural ao partido e às suas ações). Muitos dos membros udenistas que auxiliariam no enfraquecimento da nova gestão getulista nos anos seguintes eram, em 1951, jovens políticos, que cresceram durante os anos de hegemonia inconteste de seu adversário. A Câmara dos Deputados se tornou o principal reduto dos udenistas antigetulistas, que, devido às incontáveis vezes em que assumiram a frente do púlpito para reverberar sua engenhosa oratória antigetulista, passaram a ser denominados, nos bastidores, de a “banda de música”, sempre a postos no burburinho do plenário. Da “banda” fizeram parte, dentre outros, nomes como os de Afonso Arinos de Melo Franco, Adauto Lúcio, Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas- Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 16 Olavo Bilac e José Bonifácio Lafayette de Andrada, tetraneto do patriarca. Todavia, o maestro da banda foi o irreconhecível jornalista carioca Carlos Lacerda, inimigo nº 1 de Getúlio Vargas. Carlos Lacerda Para lidar com este tortuoso cenário, Getúlio convocou um gabinete ministerial de linha moderada, capaz de dialogar com nacionalistas e “entreguistas”, facilitando assim as articulações políticas do governo. A prioridade, no entanto, seria prezar pela pauta nacionalista – preferencialmente sob financiamento de capitais estrangeiros, posto que os capitais nacionais estavam escassos. Getúlio sabia que necessitaria de sua base de apoio tradicional, centrada nos meios sindicais, para conseguir pressionar os congressistas a aprovarem os projetos que considerasse essenciais. No plano econômico, Vargas reintroduziu a política de substituição de importações com vias ao incremento financeiro necessário ao reaquecimento da industrialização brasileira, especialmente das indústrias de base. Como sabemos, a prerrogativa para a efetivação desta política passa pelo elevação de impostos sobre itens importados e pelo uso artificial da taxa de câmbio, de modo que, juntas, ambas ações permitam ao país diminuir drasticamente as suas importações, obrigando a população a comprar, portanto, itens similares produzidos no próprio país – geralmente inferior em qualidade ao produto importado (além de mais caro, se comparado ao valor “real” do item substituído, em um cenário de livre-competição). Esta política, iniciada durante os anos 1930 e hegemônica no âmbito do Estado Novo, não teve o mesmo êxito no novo governo. Em parte, pelo cenário internacional completamente diferente daquele do pré- Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 17 guerra, agora dividido em uma bipolaridade irrefreável; e também pelos novos anseios de uma população em rápida mudança, devido, sobretudo, à rápida expansão dos centros urbanos brasileiros nos pós-guerra, graças ao êxodo rural em andamento no país. Estes anseios, voltados ao consumo, serviram para pressionar o nacional-desenvolvimentismo de Getúlio contra à parede. A principal arma de sustentação do getulismo no poder – o sindicalismo que mencionamos mais acima – também pressionado pela crise econômica galopante, começou a escapar das mãos do governo. Cabe aqui ressaltar, no entanto, que neste período o sindicalismo era influenciado por dois escopos ideológicos principais: o trabalhismo encarnado em Getúlio e no PTB e o comunismo, influenciado por dirigentes sindicais clandestinamente ligados ao PCB. Destas duas tendências, foi a segunda que se voltou contra Getúlio ... por seu próprio erro! Ocorre que, logo após ascender à presidência, Getúlio, em seu afã trabalhista, aboliu o atestado de ideologia, um documento criado por Dutra que obrigava todos os sindicatos a atestarem aos órgãos policiais o seu não-envolvimento com a ideologia comunista. Logo após a abolição do atestado, os sindicatos comunistas saíram das sombras e se espalharam rapidamente. O resultado foram as enormes greves surgidas Brasil a fora. Destacaram-se a greve dos 300 mil em São Paulo; a dos marítimos nos portos do Rio de Janeiro, Santos e Belém5. A principal acusação dirigida pelos sindicalistas comunistas à Vargas se referia à denúncia de que o presidente, tal qual o seu antecessor, estaria fazendo o papel de “lacaio do imperialismo” norte-americano6. Essa crítica era originada da inabilidade do governo em conseguir, ao mesmo tempo, lidar com a preocupação norte-americana em relação ao nacional-desenvolvimentismo praticado no Brasil – o que empacava a entrada de capitais – e com a apreensão por parte das lideranças dos trabalhadores frente à inação de Getúlio em melhorar o cenário econômico nacional. Para melhorar a sua popularidade, Getúlio Vargas voltou a fazer da campanha do “Petróleo é Nosso!” a sua principal bandeira de união nacional. O presidente havia apresentado ao Congresso, ainda no início de sua gestão, em 1951, uma proposta de criação de uma empresa estatal que teria o monopólio da extração de petróleo em território brasileiro. A proposta passou por dois anos de conturbadas apreciações, sendo constantemente atacada por Lacerda e os udenistas. No entanto, graças novamente à coligação getulista, em outubro de 1953 era aprovada a lei que estabelecia o monopólio da extração, refino e transporte do petróleo brasileiro nas mãos do Estado, que o faria a partir de uma nova estatal, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 18 Getúlio em visita a poço de petróleo na Bahia em 1952 A criação da Petrobrás e o estabelecimento do monopólio foi uma faca de dois gumes para a gestão Vargas. Por um lado, como esperava o presidente, serviu de apoio para o recrudescimento da sua base aliada, pilar de sua imagem populista; por outro, acabou por distanciar ainda mais os Estados Unidos do país, cujas críticas encontraram ressonância na oposição udenista. A situação se deterioraria ainda mais quando, em reação àquela greve dos marítimos que citamos antes, Getúlio, em um ato de apoio deliberado aos grevistas, empossou o também gaúcho, e seu protegido, João Goulart, o “Jango”, no ministério do Trabalho, por sua popularidade em meio às lideranças sindicais. Em suas tratativas com os sindicalistas grevistas, Jango acabou por aceitar todas as propostas levantadas, incluso a promessa de um aumento de 100% do salário mínimo. Os compromissos firmados pelo novo ministro foram veemente combatidos pela oposição no Congresso Nacional – e vistos com suspeita por parte da elite militar antigetulista, que acreditava ser este o chamado de Getúlio para a instauração de uma “república sindicalista” no Brasil, à semelhança do que Perón fizera na Argentina. Estes fatos transcorreram entre o fim de 1953 e o início de 1954, em meio ao furor nacionalista gerado pela criação da Petrobrás e da crise econômica que ainda não havia sido contida (apenas jogada para escanteio provisoriamente). Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 19 Acuado pelos udenistas e militares, Getúlio novamente precisou mexer em seus ministérios entre fevereiro e maio de 1954. Nomeou para o ministério da Guerra um homem de confiança dos “entreguistas”, general Zenóbio da Costa, um ferrenho anticomunista, e aceitou a demissão voluntária de Jango da pasta do Trabalho. No entanto, em 1º de maio, dia do trabalhador, tomou uma decisão que enfureceria os setores udenistas: concedeu o aumento de 100% ao salário-mínimo que fora exigido pelos grevistas meses antes, que, apesar de apenas repor as perdas representadas pela inflação acumulada dos últimos anos, foi duramente criticado pela oposição, posto que as contas públicas passavam por uma aguda crise. Após o mês de maio, Carlos Lacerda, à frente de seu jornal, o Tribuna da Imprensa, passou a atacar diariamente a imagem pessoal de Getúlio Vargas, algo que foi considerado inaceitável pelos companheiros mais íntimos do presidente. Em 5 de agosto, Carlos Lacerda, retornando de uma palestra proferida no Colégio São José, na Tijuca, à porta de seu prédio, o número 180 da rua Torneleiro, em Copacabana, na presença do major da aeronáutica Rubens Vaz, foi alvo de um atentado à bala. Lacerda foi atingido somente de raspão, já o major Vaz, atingido em cheio, veio a óbito no próprio local. Este evento ficou conhecido como o Atentado da Rua Toneleiros.Carlos Lacerda sendo carregado por soldados após o atentado Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 20 No próprio local do tiroteio, Carlos Lacerda acusou publicamente, e de forma feroz, o presidente pela sua tentativa de assassinato, posto que já a meses vinha sendo alvo de ameaças constantes por parte de apoiadores de Getúlio. Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado de imediato e, já nos primeiros dias após o atentado, foram indicados como possíveis suspeitos o chefe da guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato, à época chamado de o “anjo negro” de Getúlio, e o próprio irmão do presidente, Benjamin Vargas. Gregório Fortunato (à direita) Nos próximos 19 dias seria tornado público a confirmação de que Fortunato e outros membros da guarda pessoal foram, de fato, os idealizadores do atentado. Mediante esse fato inconteste, membros antigetulistas das Forças Armadas exigiram a imediata renúncia do presidente, e já se movimentavam para retirá-lo à força se necessário fosse. Não foi preciso: pela manhã do dia 24 de agosto de 1954, em seu quarto no Palácio do Catete, Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no peito, deixando, junto aos seus pertences sobre a cabeceira da cama, apenas uma carta-testamento, onde acusava aos inimigos internos e externos da nação (seus opositores) a tentativa de entrega do país aos interesses estrangeiros. Em seu último parágrafo, Getúlio apontava, em um assombro de clarividência e estupor, as polvorosas palavras que se eternizariam na história política brasileira: Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 21 Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.7 A morte de Getúlio Vargas levou às ruas tamanha multidão como raras vezes o país havia visto (ou voltaria a ver). Em meio aos ritos fúnebres que se seguiriam – seu corpo sempre velado pela morosa e emocionada multidão de seguidores – ocorreram atos de violência. Getulistas atacaram alvos identificados com a oposição, e que eram acusados de ter fomentado o suicídio de Vargas. Foram atacados, dentre outros, as sedes dos jornais O Globo e do Tribuna da Imprensa; a sede da Standard Oil e a Embaixada dos Estados Unidos. Manchete do suicídio de Getúlio Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 22 Carta-Testamento A presidência de Getúlio Vargas chegaria ao fim, oficialmente, em janeiro de 1956, quando passaria a faixa presidencial para o seu sucessor. No entanto, com sua morte prematura, assumiu a presidência o seu vice- presidente Café Filho. Durante a sua gestão, realizou-se de forma exitosa a eleição à presidência da República em 3 de outubro de 1955. Disputaram-na os candidatos Juscelino Kubitschek (aliança PSD-PTB), Juarez Távora (UDN), Ademar de Barros (PSP) e Plínio Salgado (PRP-Partido da Representação Popular). Venceu o pleito o candidato Kubitschek, por 36% dos votos, uma margem pequena frente os 30% angariados por Távora e os incríveis 26% de Ademar de Barros. No fim da lista vinha Plínio Salgado, com 8% dos votos. Os udenistas começaram a forjar um movimento aliado aos círculos militares destinado a impedir a posse de Kubitschek, sob a acusação de fraudes eleitorais por parte dos partidos getulistas. A situação se deteriorou imensamente quando, a 11 de novembro de 1955, o presidente Café Filho sofreu um ataque cardíaco que o afastou da presidência. Em seu lugar assumiu, segundo o disposto na carta constitucional, o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz (PSD). Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 23 Henrique Teixeira Lott No entanto, perante a determinação de alguns grupos militares em se levantar em armas (sob o apoio de Luz e da UDN), foi realizado a mando do general Henrique Teixeira Lott (um nacionalista que fora ministro da Guerra de Getúlio) aquilo que entrou para os anais da história como o golpe preventivo do general Lott. A intervenção operada por Lott levou as tropas mobilizadas na capital a ocuparem os edifícios públicos, bem como as rádios e jornais locais. Carlos Luz foi deposto e em seu lugar assumiu o presidente do Senado Nereu Ramos. Em seguida, a pedido da junta militar, o Congresso Nacional aprovou um estado de sítio que vigorou até a posse. Findada a crise, em 31 de janeiro de 1956, recebia a faixa presidencial o mineiro Juscelino Kubitschek, tendo por vice-presidente o gaúcho João Goulart. O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK: A "ERA BOSSA-NOVA" (1955-60) Juscelino Kubitschek era, em 1956, um homem de pouca expressão nacional, cuja vitória em grande medida demanda de seu perfil getulista. Nos anos passados fora prefeito de Belo Horizonte, capital mineira, e Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 24 governador de Minas Gerais. Em suas gestões municipal e estadual, Kubitschek foi responsável pela implementação de uma política econômica desenvolvimentista e modernizadora, que levou ao seu desenvolvimento industrial e à modernização urbana da capital, onde ergueu o complexo da Pampulha (até aquele momento a maior obra arquitetônica de inspiração modernista do país) em parceria com o arquiteto Oscar Niemeyer. Juscelino Kubitschek No pleito eleitoral de 1955, os comícios de Kubitschek foram marcados por enormes promessas que constituiriam o seu Plano de Metas, estruturado em torno da tríade movimento, ação e desenvolvimento8. Assim, em suas metas de governo, JK assumiu “integralmente a linguagem do desenvolvimento”9 brasileiro, que em Getúlio Vargas, seu padrinho político, havia surgido e se popularizado. O Plano se dividia em 30 metas, “distribuídas entre os setores de energia (metas 1 a 5), transporte (metas 6 a 12), alimentação (metas 13 a 18), indústria de base (metas 19 a 29) e educação (meta 30)”10. A construção de Brasília surgiu durante os comícios eleitorais, mas rapidamente se transformou em sua grande prioridade. A plataforma de governo de Juscelino foi por ele próprio resumida sob o lema “50 anos em 5”. O Plano de Metas de JK focava os pontos de estrangulamento que impediam o desenvolvimento econômico- social brasileiro. As metas 8 e 9, por exemplo, focavam a pavimentação asfáltica de estradas já existentes e a construção de milhares de novos quilômetros de rodovias que interligassem as quatro partes do país. Coroadas sob a meta 27, seria implementada no país uma indústria automobilística (sobretudo no ABC Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 25 paulista) capaz de suprir as necessidades de um mercado potencialmente promissor (sobretudo com os novos milhares de quilômetros que surgiriam nos anos seguintes). Ainda, o desenvolvimento da capacidade elétrica do país (com a criação das usinas de Furnas e Três Marias, por exemplo) e a construção de colégios ao redor do país também seriam focos estratégicos do novo governo. Como meta-síntese de sua plataforma de governo apareciaa construção da nova capital no centro do país, fato já observado e intentado desde o Império, e presente no texto constitucional desde 1891. Antes de tratarmos da construção de Brasília, comecemos por analisar em linhas gerais o governo de Kubitschek. A era JK seria marcada pela euforia popular em torno do desenvolvimento nacional. Os cinco anos de governo de Kubitschek serviram, analisando no plano macro, de buffer entre o tumultuado segundo governo de Vargas e os anos turbulentos que se seguiriam entre 1961 e 1964, culminando na renúncia de um presidente eleito e na deposição militar de outro. De certa forma, é quase um milagre que a gestão JK tenha sobrevivido à crescente polarização ideológica e política do país. Do início ao fim, JK conseguiria controlar a maioria dos congressistas (permitindo-se que as suas ousadas e onerosas metas ganhassem vida) e conquistar o respeito das classes trabalhadoras e abastadas simultaneamente, algo que até então fora conseguido, de certa forma, somente por Vargas. JK foi responsável pela retomada da pauta nacional-desenvolvimentista adotada durante o Estado Novo varguista, com a especificidade de que, sob o seu governo, o modelo de desenvolvimento industrial sob a tutela estatal receberia uma maior presença de capital estrangeiro, especialmente do setor automobilístico. Empresas como a norte-americana Ford e a alemã Volkswagen foram instaladas no estado de São Paulo, para onde, mais tarde também seriam dirigidas outras empresas recém-chegadas ao país. Juscelino Kubitschek aparece na foto com Heinrich Nordhoff, presidente da Volkswagen mundial. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 26 Essa abertura para o capital estrangeiro não impediu, no entanto, que o Fundo Monetário Internacional (FMI) criasse barreiras para o empréstimo de 300 milhões de dólares ao país, quantia que seria utilizada na estabilização da economia (que já a altura de 1958, com a construção de Brasília a pleno vapor, já demonstrava um aumento exponencial da dívida pública e da inflação), sob a direção do ministro da Fazenda Lucas Lopes e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), o economista Roberto Campos. Em uma atitude nacionalista, JK decidiu, por volta de 1959, não aceitar as prerrogativas impostas pelo FMI para a concessão do empréstimo, atitude que foi aplaudida tanto pelos círculos militares nacionalistas quanto pelas lideranças trabalhistas e comunistas, incluso Luís Carlos Prestes. A proximidade de JK em relação aos círculos militares, sob a mediação do general Lott, permitiu, aliás, que o seu governo fosse marcado pela continuidade e estabilidade política, mesmo com o agravamento da situação econômica no seu término de mandato. Aliado a isto, JK também conseguiu, como já mencionamos antes, cooptar para a sua base de sustentação um grande número de parlamentares, a despeito da sempre atuante oposição udenista liderada por Carlos Lacerda. Graças a isso, em setembro de 1956, sob as vaias da oposição, foi aprovada no Congresso Nacional o projeto de construção da nova capital, a meta mais ambiciosa do presidente, sobretudo por sua decisão de inaugurar Brasília antes do fim de seu mandato. Brasília saía do papel com a lei nº 2.874 de 1956, que criava a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), sob a presidência do engenheiro mineiro Israel Pinheiro, grande amigo de JK, e direção técnica do arquiteto e também velho companheiro do presidente Oscar Niemeyer, que seria auxiliado por outros dois grandes nomes: Bernardo Saião e Ernesto Silva. Niemeyer foi o responsável pela consecução de um concurso nacional para a escolha de um plano urbanístico para a nova capital, do qual sairia vitorioso o projeto do urbanista Lúcio Costa. Juntos, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer formariam a coluna vertebral da equipe que traria Brasília à vida. JK e Lúcio Costa Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 27 A história da nova capital, porém, remontava ainda ao período imperial. Desde José Bonifácio de Andrada e Silva, a ideia da construção de uma nova capital no interior do país que permitisse maior segurança e estabilidade para as instituições governamentais, além de colaborar com o desenvolvimento do interior do país, começou a adquirir forma. Mais tarde, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen seria um dos principais idealizadores da ida da capital para a província de Goiás, na região da então Vila Formosa da Imperatriz, atual Formosa. A pauta ganhou enorme popularidade após o sonho profético de Dom Bosco, em 1883, que previra a construção de uma “cidade prometida” no Planalto Central brasileiro. O artigo 3º da Constituição de 1891 previa, oficialmente, a criação da nova capital na região central brasileira, o que foi adiantado sob a presidência de Floriano Peixoto, que, em 1892, constituiu a Comissão Exploradora do Planalto Central sob a chefia de Luís Cruls, que demarcaria o Retângulo Cruls na mesma região indicada por Varnhagen no passado. Ao longo da Primeira República, o projeto foi, no entanto, pouco desenvolvido, e somente retornou à pauta política com a constituição de 1946, que desta vez não somente previa, mas determinava a transferência da capital da República para uma região a ser delimitada dentro do retângulo Cruls. Durante a gestão de Café Filho, poucos meses antes da eleição de JK, foi determinada como local de implantação os paralelos 15°30’S e 16°03’S, entre os rios Preto e Descoberto. JK, portanto, se incumbiu de implementar esse projeto de longa data no curto prazo de seu governo. A construção teve início imediato, já com as primeiras fundações sendo lançadas a partir de 1957. Os operários (apelidados de “candangos”) que ergueram a capital eram, em sua maioria, originários de regiões pobres da região Nordeste, que à época já promoviam um êxodo em direção à região sudeste. A questão da seca e pobreza nas imensidões do sertão e agreste nordestino também surgiriam como uma preocupação para o governo JK, levando-o a criar mais tarde, em 1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), com o objetivo de integrar economicamente a região ao restante do país, com vistas a frear a debandada em massa de nordestinos para grandes centros urbanos como São Paulo (e, como se mostraria desde a inauguração da nova capital, também para Brasília). Brasília foi pensada por seus idealizadores como o marco que definiria o definitivo fim das “forças arcaicas” que governaram o país com olhos para o passado. Brasília era a capital que o “país do futuro” necessitava. Por este motivo, Brasília foi tomada, de cima a baixo, pela arquitetura modernista de Niemeyer, que trataria de introduzir o país, segundo o próprio, no veio do século XX. O modernismo de Niemeyer - baseado no uso do concreto armado para a captação de formas simples e leves - foi sacramentado por Lúcio Costa, que definiu para a capital um plano urbanístico que explorasse a riqueza das amplidões do Planalto Central, onde o bucólico ultrapassaria em forma e medida a intimidade das vielas e praças da antiga capital. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 28 Oscar Niemeyer em meio ao canteiro de obras de Brasília A palavra-chave que marcou o pensamento de Lucio Costa foi planejamento. Brasília foi planejada com base em dois eixos em forma de cruz (ou de um avião, como ainda sustentamos por aqui!), que se intersectariam no setor cívico da cidade, com vistas para a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes. Nestes eixos, foram definidos os setoresque seriam ocupados por atividades específicas, como os setores hoteleiros (hotéis); bancários; de diversão; de autarquias; de moradias; etc. Plano urbanístico de Lúcio Costa Brasília é uma cidade que privilegia, por excelência, a verticalidade, com prédios abrigando desde órgãos públicos até as moradias dos habitantes do plano piloto da cidade. Os prédios de moradia foram pensados Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 29 no formato de superquadras autossuficientes, capazes, portanto, de prover aos seus moradores todos os serviços (incluso entretenimento) necessários. O planejamento urbano da capital previa uma lotação máxima de habitantes no plano piloto, que seria, a priori, rodeado por um cinturão verde capaz de suprir a cidade com víveres. Assim, seria uma cidade planejada para favorecer a igualdade de condições entre os seus habitantes. No entanto, a imensa população de operários que construiu a cidade não foi incluída no plano original de construção, criando, nas décadas seguintes, o fenômeno das “cidades-satélites” (oficialmente consideradas bairros) de Brasília, que atualmente formam junto ao plano piloto o Distrito Federal. No plano diplomático, JK liderou um projeto de inserção internacional latino-americano, que teria o Brasil no papel de liderança, denominado Operação Pan-Americana. Em 1958, em visita à América do Sul, o então vice-presidente dos EUA, Richard Nixon, sofreu com agitadas manifestações estudantis e sindicais fomentadas por um ferrenho espírito antiamericanista. A recepção dada a Nixon chamou a atenção de muitos chefes de Estado das américas, em especial a JK. O presidente brasileiro aproveitaria a ocasião para reacender um inativo projeto concebido por Dutra em sua gestão: angariar o apoio norte-americano, especialmente de seus bancos, para a concessão de vultuosos estímulos financeiros ao países latino- americanos focalizados no desenvolvimento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento social. Apelidado à época de Dutra de "plano Marshall da América Latina", o projeto se viu natimorto, dada a baixa importância conferida por Truman e seus secretários às Américas naqueles anos iniciais de guerra fria. Agora, cerca de uma década após o (em partes) "desastre" do alinhamento automático de Dutra, o governo estadunidense começava a compreender a importância de não se perder a América Latina para o bloco antiocidental. O repúdio a Nixon abriu caminho para o alçamento do projeto "OPA" de JK aos debates entre as delegações americanas. A ideia da OPA seria oficialmente lançada aos representantes americanos em 20/06/1958, em discurso proferido por JK a embaixadores sediados no Rio de Janeiro. O ponto central do plano de JK se baseava na ideia de que o subdesenvolvimento econômico e material das nações latino-americanas constituíam, em médio prazo, um perigo maior para a segurança continental do que o comunismo soviético per se. Ainda, essencialmente atrelado aos objetivos mais profundos de JK, apresentava-se a única solução viável para a busca pelo desenvolvimento do continente, qual seja, a ativa colaboração econômica estadunidense em favor dos governos locais. Além do foco na obtenção de capital barato norte-americano, o plano previa uma "abertura para o Leste", isto é, em direção ao bloco oriental e ao Terceiro Mundo (ainda despontando neste momento) na busca por novos mercados. Eis aí a fagulha nacionalista do projeto de JK. A ideia de Juscelino, bem recebida por lideranças de toda a América Latina, foi levada à OEA ainda no mesmo ano. Ali, em sua Comissão Especial de Fomento Econômico, a OPA seria avaliada pelos representantes estadunidenses, que, apesar do reconhecimento e apoio formais dados ao projeto, não demonstraram o empenho esperado pelo Brasil e demais. No fim, a apreciação norte-americana da OPA resultou na criação do "Comitê dos 21" (grupo de trabalho que deveria se dedicar ao estudo e fomento às ideias contidas na operação) e na formulação a posteriori do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), bem como na concessão de créditos adicionais ao Brasil para financiamento de importações norte-americanas. JK, com seu sonho de fazer avançar radicalmente o país, foi recebido com euforia pela classe artística. O surgimento da Bossa-nova no Rio de Janeiro nesta época captou, em seu primeiro movimento, as elevadas aspirações de uma classe abastada que objetivava ligar o melhor da cultura brasileira com as últimas novidades do plano internacional (neste caso, o jazz norte-americano). JK acabou ficando conhecido, pela Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 30 proximidade que possuía com estes artistas, como o “presidente bossa-nova”. A euforia dos anos JK não contagiou a todos, no entanto. A oposição afirmava categoricamente que estes amplos projetos de modernização, especialmente a construção de Brasília, resultariam no aumento da inflação e da dívida pública. Reivindicava ainda mais acesso aos dados quase sigilosos em torno dos gastos efetuados com a obra, que certamente estaria repleta de casos de superfaturamento e privilégios em torno de construtora amigas do presidente. As acusações de corrupção atingiram o seu ápice de popularidade com o disparo da crise nas contas públicas entre 1959 e 1961 (e que se aprofundaria ainda mais nos tensos anos seguintes). A Esplanada dos Ministérios ganha vida Obras do Congresso Nacional Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 31 Brasília foi inaugurada, em tom de amplas festividades, em 21 de abril de 1960, dia de Tiradentes. Apesar da inauguração, no entanto, a cidade ainda não estava pronta, estando à época construídas apenas os principais edifícios e palácios e poucas superquadras destinadas aos novos habitantes. As obras do plano piloto somente seriam parcialmente concluídas na década de 1970, e mesmo ainda hoje muitas das construções originalmente pensadas ainda estão saindo do papel. JK era tido como um herói por grande parte de sua base aliada, o que não afastava de si as críticas oriundas da massa da sociedade, que já sentia em seus bolsos os efeitos da crise econômica. As eleições de outubro de 1960 foram marcadas por este sentimento popular, que exigia a contenção da crise e a punição aos seus responsáveis. Inauguração de Brasília Um dos candidatos lançados nestas eleições acabou se mostrando o mais hábil na captação desta insatisfação pública, transformando-a, por meio da demagogia eleitoreira, em um instrumento de poder. Sob o lema “varre, varre vassourinha”, o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo Jânio Quadros, candidato no pequeno Partido Trabalhista Nacional (PTN) em aliança com a UDN, jurou “varrer os corruptos” para fora dos círculos de poder, o que lhe rendeu 48% dos votos, levando-o à vitória frente ao general Lott, candidato da aliança PSD-PTB (28% dos votos) e seu arqui-inimigo Ademar de Barros (23% dos votos). Para vice- presidente foi novamente eleito João Goulart. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 32 OS ANOS DE CRISE (1961-64) Jânio Quadros foi o primeiro presidente da República empossado na nova capital do país. Sua chegada ao Palácio do Planalto, nova sede do governo, foi baseada no franco descontentamento público em relação aos inúmeros casos de corrupção que marcaram as majestosas obras de JK. Jânio Quadros Em meio às promessas de radical combate aos corruptos, Jânio Quadrosacabou por se envolver em questões muito menores e irrelevantes em seu curto governo. Alguns de seus poucos atos políticos foram a proibição do lança-perfume, das brigas de galo e dos “trajes de banho sumário” (biquínis). Face às desconcertantes preocupações do novo presidente, mesmo Carlos Lacerda, que o defendera com veemência nas campanhas, passou para a oposição logo nos primeiros meses de governo, ainda que lhe tenha agradado o pacote de estabilização das contas públicas pensado por Jânio. As iniciativas de Jânio desagradaram a “gregos e troianos”. Se de início agradara, com as leis acima, setores mais conservadores da sociedade – face às críticas de grupos mais progressistas - em pouco tempo os desagradariam ao condecorar a Ernesto “Che” Guevara na capital da República com a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria dada a cidadãos estrangeiros. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 33 Condecoração de "Che" Guevara A “fanfarronada” (como foi interpretada à época), no entanto, demonstrava não uma tentativa de alinhamento ideológico do presidente em relação à revolução cubana (que se tornaria publicamente socialista no mesmo ano), mas sim uma tentativa malfadada de cooptar um novo aliado em seu projeto de criação de uma Política Externa Independente (PEI), a cargo de seu ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos de Melo Franco, que também foi malvista por seus opositores udenistas, por claramente objetivar (em um contexto de emergência das descolonizações e do “terceiro mundo”) desalinhar o país de uma política externa atrelada aos interesses norte-americanos. A condecoração de “Che” Guevara causou um imenso desconforto entre os setores militares anticomunistas, levando a maior parte de seu alto-oficialato a ponderar a devolução de suas condecorações pessoais em protesto ao ato de Jânio, que passou a ser taxado como uma espécie de apoiador das forças comunistas (ainda mais após demonstrar interesse em fazer aprovar uma lei de Reforma Agrária e leis de austeridade econômica). Tendo também perdido qualquer capacidade de apoio dentro do Congresso Nacional – controlado por parlamentares do PSD e PTB – Jânio Quadros acabaria por renunciar à presidência em 25 de agosto de 1961, passados apenas 7 meses desde a sua posse presidencial, acusando, em sua carta-renúncia, que “Forças terríveis” haviam se levantado contra ele. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 34 Manchete sobre a renúncia de Jânio Quadros A renúncia de Jânio Quadros pegou toda a classe política e militar de surpresa, por sua instantaneidade e ligeireza. Constitucionalmente, o cargo passaria ao vice-presidente eleito João Goulart (o “Jango”), que neste momento se encontrava em visita de Estado à China. Por este motivo assumiu, em caráter provisório, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Imediatamente após a renúncia, os ministros militares entregaram ao Congresso Nacional uma carta onde declaravam que o retorno e posse de Jango colocaria em risco a segurança nacional. Em realidade, por ser filiado ao PTB e ter como base de apoio um eleitorado bastante próximo do sindicalismo mais radical, Jango instilava nos setores mais conservadores o velho medo de que, em seu governo, o comunismo pudesse se imbricar às estruturas políticas brasileiras. Abria-se assim a Campanha pela Legalidade, que perdurou de 25 a 31 de agosto, e que teve como principal liderança o governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, Leonel Brizola. Na noite do dia 25 de agosto, diante do posicionamento dos ministros militares, liderados pelo ministro da Guerra Odílio Denys, o general Henrique Teixeira Lott publicou uma carta aberta pela legalidade e posse de Jango, pela qual seria preso – não sem antes admoestar Brizola na busca por generais legalistas no sul. Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 35 Leonel Brizola (à direita) durante a Campanha da Legalidade Brizola assumiu a frente do movimento a partir do dia 26, fazendo declarações públicas em rádios aliadas no Rio Grande do Sul (a “Cadeia da Legalidade”) contrárias aos ministros militares. O movimento ganhou força no dia 28 de novembro, quando o general Machado Lopes, enviado pelo governo federal a negociar com Brizola, acabou passando a apoiá-lo em tratativas no Palácio do Piratini, em Porto Alegre. Nos dias seguintes, o movimento se espalhou como chama pelo país, envolvendo desde setores militares legalistas até organizações sindicais e populares influentes. Diante do risco iminente de estouro de uma guerra civil no Brasil, foi desenvolvido, sob a chefia de Tancredo Neves, uma emenda à constituição que transformaria o sistema presidencialista em parlamentarista, o que foi visto como satisfatório pelos ministros militares. Em 31 de agosto, Tancredo viajou até Montevidéu, onde se encontrava Jango, a fim de obter o seu aceite, o que de fato ocorreu, levando a emenda a ser aprovada a 2 de setembro. Jango assumiu a presidência (apenas com os poderes de Chefe de Estado) a 7 de setembro, dia da Independência, indicando no dia seguinte – e com aprovação da maioria dos parlamentares – Tancredo Neves para o cargo de Primeiro-Ministro. Diminuído os poderes de Jango e entregue o governo a um político de caráter conciliatório, chegava ao fim a Campanha pela Legalidade (mas a crise apenas seria postergada por poucos anos mais). Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 36 Tancredo Neves (à esquerda) e João Goulart (ao centro) durante a sua posse João Goulart assumiu a presidência de um país que estava em crescente polarização ideológica, com o fortalecimento dos grupos de esquerda tanto nas cidades quanto no campo. As atitudes que ele tomaria nos próximos dois anos e meio levantaria questões por demais sensíveis para serem tomadas unilateralmente e sem negociações entre os diferentes matizes ideológicas que se digladiavam no campo político – o que serviria de ensejo retórico para a intervenção militar de 1964. Período muito complexo, buscaremos analisar as questões centrais que levaram à irrupção civil-militar. Como já falado, Jango indicou ao cargo de Primeiro-Ministro Tancredo Neves, que se pôs a formar um gabinete de conciliação, que visasse diminuir a polarização ideológica encampada por determinadas forças políticas e focar as energias do governo nos pontos fulcrais para o país: a contenção da inflação e da crise econômica. Com isso concordou João Goulart, levando-o a viajar para os Estados Unidos em abril de 1962, com o objetivo de buscar recursos e acertar pontos em comum com o governo norte-americano, estreitando as relações diplomáticas entre os dois países. Urgia este debate dadas as ações praticadas pelo governo e seus aliados nos meses anteriores. Em outubro de 1961, a pedido do governo, o ministro das Minas e Energias cancelou a concessão de exploração de minérios de ferro em Minas Gerais a uma empresa norte-americana, a Hanna Company. Pouco tempo depois, dentro da lógica da Política Externa Independente iniciada durante a gestão Jânio Quadros, reestabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética – que haviam sido cortadas pelo presidente Dutra em 1947 – e criticou na Conferência de Punta del Este, em janeiro de 1962, o embargo norte-americano à Cuba, bem como novos planos de intervenção militar na ilha. Para piorar a situação, Leonel Brizola, em retorno desta conferência, fezdesapropriar os bens da Companhia Telefônica Nacional no Rio Grande do Sul, então subsidiária da norte-americana International Telephone & Telegraph – pesa que Brizola, com seu discurso nacionalista, já havia tomado atitude semelhante em 1959. Somadas todas estas questões, em um contexto de apreensão face à guinada comunista de Cuba, era urgente a tomada de acordos com os EUA. Não obstante, Jango não pretendia abrir mão de sua base nacionalista, insistindo que os acordos deveriam prezar pela soberania nacional. Em seu encontro com o presidente Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 37 Kennedy e os representantes do FMI, foi-lhe colocada a importância de uma política externa mais abertamente favorável aos EUA – em um esforço mútuo de contenção do comunismo dentro do continente – e a abertura para o controle do FMI na aplicação do dinheiro requerido dentro do país. Jango retornou ao país recusando tais pedidos, o que foi bem visto pelos grupos nacionalistas, incluso os mais conservadores. As esquerdas, por outro lado, não viram com bons olhos a visita de Jango ao vizinho norte-americano, sobretudo por seu viés predominantemente antiamericanista. Liderados por Leonel Brizola, insistiam no retorno ao presidencialismo – Brizola chegou a convocar Jango a fechar o Congresso Nacional e pegar em armas se preciso – e na imediata (e unilateral) implementação das Reformas de Base, tão defendidas pelo presidente desde o governo JK. As reformas em questão deveriam priorizar a completa reestruturação sociopolítica do país, onde constariam as reformas “bancaria, fiscal, urbana, tributária, administrativa, agrária e universitária, além da extensão do voto aos analfabetos e oficiais não graduados das Forças Armadas e a legalização do PCB”11. O historiador Jorge Ferreira aponta que as esquerdas brasileiras, a partir da conflagração da crise econômica sob JK, passaram por um rápido e intenso processo de radicalização, e muitas de suas principais organizações – PCB, as Ligas Camponesas, a Frente Parlamentar Nacionalista, os sindicatos organizados em torno da CGT, as patentes subalternas das Forças Armadas e a UNE – começaram a exigir do governo medidas igualmente radicais, que passavam por reformas não-negociadas com as “elites latifundiárias” e os demais grupos conservadores do país. O principal articulador destas esquerdas, como já dito, foi Leonel Brizola, que em 1962 foi eleito para o cargo de deputado federal com a maior quantidade de votos já vista desde a redemocratização em 1945. Jango, desde a sua volta dos EUA, passara a tomar medidas dúbias à frente da presidência: por um lado defendia o nacionalismo e as reformas, o que agradava aos setores brizolistas, por outro lado ainda buscava compor alianças pragmáticas com os parlamentares opositores, que neste momento dominavam o Congresso Nacional. Essa dubiedade tornou frágil o poder de governabilidade do presidente, por ser visto como um traidor pelos setores mais ortodoxos do comunismo brasileiro (que viriam a forma o Partido Comunista do Brasil – PC do B) e ainda como alguém perigoso pelos setores civis-militares mais conservadores. A saída encontrada por Jango, como nos mostra Ferreira, foi compor alianças com Brizola e a esquerda nacionalista, de modo a levá- los a pressionar o Congresso a apressar a votação de um plebiscito que deveria definir se o sistema parlamentar teria ou não continuidade – posto que Jango ansiava pelo retorno ao presidencialismo12. A proximidade de Jango com Brizola – um veemente critico do parlamentarismo e da política de conciliação – levou Tancredo Neves a renunciar ao cargo de primeiro-ministro. Em seu lugar, foi chamado a compor governo o ex-ministro das Relações Exteriores San Tiago Dantas (o formulador da PEI), o que agradou à esquerda nacionalista. No entanto, diante da negativa do bloco parlamentar formado por udenistas e pessedistas (isso mesmo que você leu!), Jango acabou por indicar o candidato da oposição, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade. Desta vez, foram as esquerdas nacionalistas que impediram a formação de governo, com a deflagração de uma greve geral. Por fim, acabou formando gabinete Francisco de Paula Diogo D'angelo, Pedro Henrique Soares Santos Aula 08 História do Brasil p/ CACD (Diplomata) Primeira Fase - Com Videoaulas - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 38 Brochado da Rocha, ex-secretário do Interior e Justiça de Brizola, quando era governador do Rio Grande do Sul. Ferreira novamente nos mostra que a atitude de Jango foi proposital, ao jogar com indicações de políticos que realçaram as discrepâncias ideológicas entre as direitas e as esquerdas, com a clara intenção de minar os pilares do parlamentarismo, precipitando, portanto, a rápida convocação do plebiscito13. Cabe aqui ressaltar um ponto muito importante: durante a gestão de Jango, UDN e PSD (que sempre compartilharam de bases políticas similares) passaram a compor medidas conjuntas, levando à cisão da velha dobradinha PSD-PTB. O PTB, partido de Jango, por usa vez, passou a crescer em meio aos nacionalistas e comunistas. O gabinete de Brochado da Rocha duraria poucos meses, por ter sido marcado pelos constantes pedidos ao Congresso de delegação de maiores poderes para Jango e pela radicalização da esquerda brizolista, que novamente insurgiu os militares nacionalistas a fecharem o Congresso e restaurarem o presidencialismo. O gabinete, diante deste cenário, renunciou em 14 de setembro, seguido de uma nova greve geral convocada pela CGT e pelos discursos inflamados de Brizola. Em 18 de setembro assumiu o cargo de primeiro-ministro Hermes Lima. Com o descrédito em torno do sistema parlamentar, Jango passou a fazer campanhas declaradas em favor do retorno do presidencialismo. As campanhas em torno do plebiscito foram definidas pelas acusações dos setores de direita em relação às organizações apoiadoras de Jango, especialmente as Ligas Camponesas, que tiveram suas bases de treinamento militar, sob influência cubana e localizadas no interior do Goiás, levadas a público pelo Serviço de Repressão ao Contrabando. Não obstante, antes da convocação do plebiscito, foram realizadas eleições parlamentares em 1962, que revelaram o crescimento do PTB (cuja bancada cresceu de 66 para 104 deputados) e a vitória já mencionada de Brizola. Nos meses seguintes, até o plebiscito, o governo criou o Grupo de Coordenação do Comércio com os Países Socialistas (COLESTE) e formou a Zona de Livre Comércio com outros países sul-americanos. Além disto, com Darcy Ribeiro à frente do Ministério da Educação, fez aprovar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação14. Em setembro de 1962, Jango assinou a Lei de Remessa de Lucros para o Exterior, que considerava os lucros obtidos pelas empresas estrangeiras em atividade no Brasil como capital nacional, e limitava as remessas feitas por estas empresas em até 10% do total de seus lucros registrados. A lei causou tal desconforto com a diplomacia norte-americana (já descontente com os posicionamentos do país face à questão cubana e às expropriações feitas por Brizola) que levou Kennedy a cancelar a sua visita ao Brasil, mandando em seu lugar o seu irmão Robert Kennedy. Em 6 de janeiro de 1963 foi declarada a vitória avassaladora do presidencialismo. Vitorioso, Jango tratou de formar um novo ministério que prezasse pela pluralidade e pela conciliação – como fizera em 1961. A crise econômica atingia o seu ápice, com o déficit do Tesouro Nacional chegando a quase 60% da arrecadação tributária. Goulart decidiu focar, até meados de 1963, um projeto de desenvolvimentista similar ao de Getúlio Vargas, com investimentos nos setores elétrico (com a Eletrobrás), de telefonia (com a criação da Embratel) e a regulamentação do Código Brasileiro de Telecomunicações, Diogo
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