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< DESCRIÇÃO As fontes do Direito Internacional Público e seus meios auxiliares de interpretação. PROPÓSITO Identificar as fontes do Direito Internacional para reconhecer os critérios de validade das normas de Direito Internacional e compreender as diferentes aplicações das normas jurídicas internacionais. PREPARAÇÃO Antes de iniciar o estudo do presente tema, leia a Convenção de Viena de 1969 (Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009), o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945) e a Constituição Federal de 1988. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar as fontes do Direito MÓDULO 2 Reconhecer as fontes primárias e os meios auxiliares do Direito Internacional MÓDULO 3 Compreender as novas fontes do Direito Internacional INTRODUÇÃO Neste tema, abordaremos o conceito de fontes do Direito, sua definição e consideração para a literatura jurídica. Em seguida, trataremos das fontes do Direito Internacional Público. Serão consideradas as fontes expressas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça − os tratados internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de Direito e a equidade − e as fontes não expressas − decisões unilaterais dos Estados e organismos internacionais, jus cogens, soft law. Não obstante, os meios auxiliares de interpretação também serão considerados. MÓDULO 1 Identificar as fontes do Direito FONTES DO DIREITO As investigações sobre a origem dos objetos, as curiosidades acerca do mundo natural à nossa volta, assim como as inquietações sobre as questões e problemas sociais nos conduzem a uma indagação ontológica básica: Qual é a origem de X? Há uma relação de causalidade entre antecedente e consequente: X é a causa de Y. Z é a causa de X. A é causa de Z. Regressivamente, isso nos leva a indagar sobre o nascimento de Z, sobre a forma como surge, como brota, como emerge. Também o Direito, como prática social, normatividade institucional formal e sistema coercitivo de determinação da conduta possui as suas fontes ou, pelo menos, as suas investigações acerca de suas origens. Imagem: Shutterstock.com/Adaptada por Rodrigo Cavalcante Quando tratamos da temática das fontes do Direito, perguntamos: por meio de quais processos sociais, formais, materiais, institucionais ou espontâneos é possível dar origem a uma prática social, norma ou institucionalidade a qual reconhecemos como portadora de juridicidade? Tratar das fontes do Direito é tratar da forma pela qual é possível dar origem ao Direito. Neste módulo, especificamente, iremos identificar e reconhecer as fontes do Direito Internacional, bem como as suas definições, regras e especificidades. Mediante este aprendizado, será possível compreender por que determinada norma de Direito Internacional foi aplicada ou não diante de um caso concreto. O QUE É UMA FONTE DO DIREITO? O primeiro passo a ser dado consiste em retomarmos as definições de fontes do Direito estabelecidas pelas lições da dogmática jurídica em seus manuais e cursos de Introdução ao Estudo do Direito. Maria Helena Diniz (2017) e Dimitri Dimoulis (2011) iniciam suas exposições lembrando a definição etimológica da palavra “fonte”, possível de ser encontrada nos dicionários da língua portuguesa, segundo os quais a fonte decorre do latim fons, fontis, isto é, de onde a água brota, surge. Alysson Mascaro (2013), por sua vez, explica que a investigação acerca das fontes do Direito constitui-se um fenômeno da modernidade capitalista, na medida em que o Estado nacional, em sua institucionalidade formal, passa a deter o monopólio da produção do Direito. Dessa forma, o controle da juridicidade das normas estaria ligado ao controle das fontes por parte do Estado. Nesse aspecto, o grande filósofo e jurista Miguel Reale (2002) define as fontes de Direito como: (...) OS PROCESSOS OU MEIOS EM VIRTUDE DOS QUAIS AS REGRAS JURÍDICAS SE POSITIVAM COM LEGÍTIMA FORÇA OBRIGATÓRIA, ISTO É, COM VIGÊNCIA E EFICÁCIA NO CONTEXTO DE UMA ESTRUTURA NORMATIVA. O DIREITO RESULTA DE UM COMPLEXO DE FATORES QUE A FILOSOFIA E A SOCIOLOGIA ESTUDAM, MAS SE MANIFESTA, COMO ORDENAÇÃO VIGENTE E EFICAZ, ATRAVÉS DE CERTAS FORMAS, (...) OU ESTRUTURAS NORMATIVAS, QUE SÃO O PROCESSO LEGISLATIVO, OS USOS E COSTUMES JURÍDICOS, A ATIVIDADE JURISDICIONAL E O ATO NEGOCIAL. (Miguel Reale (2002)) Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2018) destaca os problemas e as ambiguidades da temática das fontes, uma vez que a analogia com a fonte de onde emana, bem como a sua etimologia, conduzem o: OLHAR SOCIOLÓGICO Perspectiva em que se visualizam as normas jurídicas para saber sobre suas origens nos fenômenos políticos, sociais, históricos, morais, psicológicos etc. OLHAR ANALÍTICO javascript:void(0) javascript:void(0) Perspectiva em que se investigam os critérios formais e jurídicos dos processos de produção e validação das normas jurídicas. Maria Helena Diniz (2017), jurista brasileira, entende que as fontes materiais ou reais apontam: "(...) a origem do Direito, configurando a sua gênese, daí ser fonte de produção, aludindo a fatores sociológicos, históricos, políticos etc., que produzem o Direito, condicionam seu desenvolvimento e determinam o conteúdo das normas." Imagem: Shutterstock.com As fontes formais lhes dão: (...) FORMA, FAZENDO REFERÊNCIA AOS MODOS DE MANIFESTAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS, DEMONSTRANDO QUAIS OS MEIOS EMPREGADOS PELO JURISTA PARA CONHECER O DIREITO, AO INDICAR OS DOCUMENTOS QUE REVELAM O DIREITO VIGENTE, POSSIBILITANDO A SUA APLICAÇÃO AOS CASOS CONCRETOS. (DINIZ, 2017) Assim, podemos afirmar que existem duas categorias de fontes do Direito: Fontes formais São os processos que formulam as normas jurídicas consideradas válidas pelos usuários/praticantes do Direito. Imagem: Shutterstock.com Fontes materiais São os processos concretos históricos, éticos, sociais, antropológicos e psicológicos que dão origem às normas jurídicas. Uma segunda classificação pode ser encontrada em Dimoulis (2011), segundo o qual podemos dividir as fontes formais do Direito em escritas e não escritas. As primeiras (fontes escritas) contêm a Lei – em sentido amplo e estrito –, as decisões dos tribunais, os Tratados Internacionais etc. Como fonte não formal, mas contribuição escrita para a compreensão do Direito, há a doutrina, a saber: as interpretações e explicações dos juristas e cientistas do Direito que acabam por colaborar com a melhor aplicação do Direito, embora não tenham força formal ou coercitiva. No cotidiano jurídico, o apelo à autoridade da doutrina é comum, mas, dada a sua ausência de coercibilidade, não podemos afirmar que ela é uma fonte do Direito. A doutrina não cria Direito, apenas o interpreta. No que tange às fontes não escritas, o interessante é notar que elas também são não estatais em sua origem. Veja as três: COSTUME É diferente de um hábito social na medida em que se torna uma prática reiterada, consistente, persistente e reconhecida pela sociedade como direito, dando ensejo às sanções de ordem jurídica. Por isso, os costumes jurídicos surgem de forma espontânea. Como ensina Dimoulis (2011, p. 186), para que possam adquirir juridicidade, dois elementos são fundamentais: ELEMENTO OBJETIVO ELEMENTO SUBJETIVO ELEMENTO OBJETIVO Os costumes devem ser estruturados em práticas reiteradas, persistentes, consistentes, longas ou duradouras, demonstrando assim usus ou diuturnitas dentro de uma sociedade. Quando isto é evidenciado, estamos diante da demonstração do elemento. ELEMENTO SUBJETIVO Os membros da sociedade precisam reconhecer aquele costume como juridicamente vinculante e necessário, ou seja, como coercitivamente obrigatório (opinio iuris vel necessitatis). Quando isto é evidenciado – o que é difícil, pois, como auferir o reconhecimento das partes de que um costume jurídico não é mera convenção social? –, estamos diante da demonstração do elemento. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO A segunda fonte de Direito não escrita– embora alguns ordenamentos já tenham alguns exemplos positivados. No ordenamento jurídico brasileiro, como nos ensina Dimoulis (2011), o art. 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro adota os princípios gerais como fonte subsidiária para preencher lacunas existentes nas normas escritas. Os princípios gerais do Direito são: ABSTRATOS GENÉRICOS Assim, o conteúdo semântico desses princípios demanda interpretação e preenchimento de sentido por parte dos intérpretes. Por isso, a utilização deles dá ensejo à discussão acerca da discricionariedade dos juízes e da justificação da decisão judicial. A filosofia analítica do Direito e as teorias da argumentação jurídica tentam contribuir para que a compreensão dos princípios gerais do Direito seja melhorada e expandida. PODER NEGOCIAL Ou a vontade dos particulares como sendo fonte do Direito, desde que atendidos os requisitos de ordem pública. Isso permite, inclusive, o apoio do Estado quando tais vontades, expressas em acordos ou contratos, forem descumpridas. Miguel Reale (2002) trata do poder negocial, lecionando que, nos mais diversos países, com as mais diferentes ordens econômico-sociais – seja capitalista, socialista, dentre outras –, é possível verificar a autonomia da vontade como fonte de normatividade jurídica. Dessa forma, pontua: RECONHECE-SE, EM ÚLTIMA ANÁLISE, COMO UMA CONQUISTA IMPOSTERGÁVEL DA CIVILIZAÇÃO O QUE, TÉCNICA E TRADICIONALMENTE, DENOMINA-SE AUTONOMIA DA VONTADE, ISTO É, O PODER QUE TEM CADA HOMEM DE SER, DE AGIR E DE OMITIR-SE NOS LIMITES DAS LEIS EM VIGOR, TENDO POR FIM ALCANÇAR ALGO DE SEU INTERESSE E QUE, SITUADO NO ÂMBITO DA RELAÇÃO JURÍDICA, DENOMINA-SE BEM JURÍDICO. PODE ESTE SER, QUANTO AO CONTEÚDO, DE NATUREZA ECONÔMICA, ESTÉTICA, RELIGIOSA, DE COMODIDADE SOCIAL, DE RECREAÇÃO ETC., POIS O DIREITO É SINCRÔNICO COM TODAS AS FORMAS DE VIDA SOCIAL. (REALE, 2002, p.134) SAIBA MAIS O poder negocial dos particulares não é ilimitado, encontrando restrições determinadas pelo Direito Positivo Estatal. Por isso, quando tratamos do negócio jurídico, pode-se verificar que este possui requisitos legais, tais como no art. 104 do Código Civil “a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”. Feita essa breve revisão sobre as fontes do Direito, passemos a analisar as fontes do Direito Internacional Público. O QUE É UMA FONTE DO DIREITO? No vídeo você terá uma resposta para a pergunta: o que é uma fonte do Direito? VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. SEGUNDO A DOUTRINA JURÍDICA, PODEMOS CONSIDERAR COMO FONTES ESTATAIS DO DIREITO: A) Legislação, jurisprudência, costumes. B) Lei, decisões dos tribunais, poder negocial. C) Lei em sentido estrito, súmulas, princípios gerais do Direito. D) Lei em sentido amplo, Constituição Federal, resoluções. E) Lei em sentido estrito, sentenças, costumes contra legem. 2. OS COSTUMES, PARA SEREM CONSIDERADOS JURÍDICOS, PRECISAM COMPORTAR QUE ELEMENTOS? A) Elementos transitivo e translativo; os costumes precisam ser transacionados entre as partes como o poder negocial. B) Elementos temporal e convencional; os costumes precisam demonstrar, antes de mais nada, que são um hábito social da comunidade na qual estão inseridos. C) Elementos objetivo e subjetivo; os costumes precisam demonstrar que são duradouros, persistentes e reconhecidos pela comunidade como juridicamente vinculantes. D) Elementos social e coercitivo; os costumes precisam demonstrar que são um hábito social capaz de gerar sanções difusas aos particulares. E) Elementos estatal e coercitivo; os costumes emanam do Estado, do qual retiram sua capacidade de coagir o comportamento das partes. GABARITO 1. Segundo a doutrina jurídica, podemos considerar como fontes estatais do Direito: A alternativa "D " está correta. A Constituição, as leis em sentido amplo e as resoluções emanam do Estado, seus órgãos e suas entidades. 2. Os costumes, para serem considerados jurídicos, precisam comportar que elementos? A alternativa "C " está correta. Os costumes precisam demonstrar dois elementos: objetivo e subjetivo. O elemento objetivo é a prática reiterada, persistente, duradoura do costume demonstrado na sociedade; assim, ele é o elemento do usus ou diuturnitas. O segundo elemento é o subjetivo, o costume precisa ser reconhecido pelas partes da comunidade como juridicamente vinculante. Também conhecido como elemento subjetivo e como opnio iuris vel necessitatis. MÓDULO 2 Reconhecer as fontes primárias e os meios auxiliares do Direito Internacional NOÇÕES PRELIMINARES Determinar as fontes do Direito Internacional Público é de suma importância não apenas para a dogmática internacionalista, mas, sobretudo, para a normatização da Sociedade Internacional. Identificar essas fontes permitirá entender quais são as normas jurídicas aplicáveis aos Estados, organismos internacionais e indivíduos. No entanto, Mazzuoli (2020) chama atenção para o fato de que a atual ordem internacional descentralizada traz um grande desafio para a identificação das fontes do Direito Internacional. A dogmática internacionalista divide as fontes do Direito Internacional Público em: FONTES MATERIAIS FONTES FORMAIS FONTES MATERIAIS As fontes materiais do Direito Internacional Público correspondem aos processos políticos, sociais, econômicos, morais, ecológicos e comerciais que os membros da Sociedade Internacional possuem no momento que as estruturas de poder passam a editar e formalizar o Direito. Valério Mazzuoli (2020) traça o paralelo, de forma didática, para nos ensinar que, no âmbito interno, as fontes materiais advêm das necessidades sociais dos indivíduos. No âmbito das relações internacionais, as fontes materiais têm origem nas necessidades dos Estados e organismos internacionais quando estão em interação. FONTES FORMAIS As fontes formais do Direito Internacional Público dizem respeito, também, aos processos de criação de normas jurídicas reconhecidas pelos atores internacionais. Ou seja, aos processos que são capazes de criar normas jurídicas que conformam o comportamento dos Estados e dos organismos internacionais. O problema está no fato de que os Estados são soberanos, muitas vezes se submetendo única e exclusivamente à sua vontade – o chamado voluntarismo. Há, ainda, uma dificuldade imensa de interpretar as práticas dos Estados como jurídicas, identificando, assim, quais são as normas que regulamentam suas interações. Não obstante o desafio, podemos afirmar que há um caminho, sim, para identificar as normas do Direito Internacional Público. Esse caminho começa pelo art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Analisaremos o referido dispositivo, pois ele nos fornece uma classificação considerada adequada pela dogmática internacionalista, qual seja: FONTES PRIMÁRIAS São aquelas que constituem as fontes de onde emana a normatividade jurídica internacional. MEIOS AUXILIARES São um conjunto de métodos e elementos interpretativos autorizados capazes de dar concretude à compreensão das normas de Direito Internacional Público. ART. 38 DO ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA As fontes formais do Direito Internacional Público estão previstas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ECIJ). Dada a sua importância, cabe a sua citação direta: ART. 38: A CORTE, CUJA FUNÇÃO É DECIDIR DE ACORDO COM O DIREITO INTERNACIONAL AS CONTROVÉRSIAS QUE LHE FOREM SUBMETIDAS, APLICARÁ: A. AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS, QUER GERAIS, QUER ESPECIAIS, QUE ESTABELEÇAM REGRAS EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELOS ESTADOS LITIGANTES; B. O COSTUME INTERNACIONAL, COMO PROVA DE UMA PRÁTICA GERAL ACEITA COMO SENDO O DIREITO; C. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO, RECONHECIDOS PELAS NAÇÕES CIVILIZADAS; D. SOB RESSALVA DA DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 59, AS DECISÕES JUDICIÁRIAS E A DOUTRINA DOS JURISTAS MAIS QUALIFICADOS DAS DIFERENTES NAÇÕES,COMO MEIO AUXILIAR PARA A DETERMINAÇÃO DAS REGRAS DE DIREITO. A PRESENTE DISPOSIÇÃO NÃO PREJUDICARÁ A FACULDADE DA CORTE DE DECIDIR UMA QUESTÃO EX AEQUO ET BONO, SE AS PARTES COM ISTO CONCORDAREM. (ECIJ, 1920) ATENÇÃO Sobre o art. 38 do ECIJ, temos duas observações iniciais. A primeira é que ele não pretendeu, em sua constituição, afirmar quais seriam as fontes do Direito Internacional Público. Seu objetivo, antes, era apenas informar quais seriam as fontes por meio das quais a Corte Internacional de Justiça iria julgar os casos trazidos a ela. A segunda observação é que a lista trazida pelo art. 38 do ECIJ não é taxativa, portanto, outras fontes além das citadas por sua redação são passíveis de serem admitidas. Recordemos, então, a classificação entre fontes primárias e meios auxiliares. Da leitura do art. 38 da ECIJ, podemos perceber que: FONTES PRIMÁRIAS MEIOS AUXILIARES − Convenções e tratados internacionais − Costume internacional − Princípios gerais do Direito − Decisões judiciárias − Doutrinas dos juristas qualificados Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Além das fontes primárias informadas pelo art. 38 da ECIJ, temos também as normas imperativas de Direito Internacional ou jus cogens, os atos unilaterais dos Estados, as decisões das organizações internacionais e as normas de soft law. Por isso, o rol não é considerado taxativo. Outro aspecto relevante é a ausência de hierarquia entre as fontes. Embora, como destaca a dogmática internacionalista, tratados internacionais tendam a ser mais utilizados para a resolução de conflitos, não se pode afirmar que estes sempre prevalecerão diante de outras fontes. Para o internacionalista Valério Mazzuoli (2020), ao art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça faltou uma redação mais precisa, como a do art. 21 do Estatuto de Roma. Este último constituiu o Tribunal Penal Internacional, que trouxe uma redação mais qualificada ao tratar das fontes que se pode aplicar em um caso concreto. Podemos resumir, seguindo a classificação de Valério Mazzuoli (2020), que: Art. 38 do ECIJ Exemplificativo Não hierarquiza Fontes primárias Meios auxiliares Convenções internacionais Costumes internacionais Princípios gerais do Direito Equidade Decisões dos tribunais Doutrina qualificada dos juristas Novas fontes Jus cogens: normas superiores a todas as demais Decisões dos organismos internacionais Atos unilaterais dos Estados Soft Law Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal TRATADOS INTERNACIONAIS Os tratados internacionais são os instrumentos mais utilizados na modernidade, desde a formação dos Estados nacionais até o presente momento, pois a sua multipolaridade expressa a vontade dos Estados e estabelece normas jurídicas entre eles. A definição do tratado é encontrada na Convenção de Viena de 1969, que foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 7.030/2008, que traz em seu art. 2, item 1, alínea a, o seguinte: 'TRATADO' SIGNIFICA UM ACORDO INTERNACIONAL CONCLUÍDO POR ESCRITO ENTRE ESTADOS E REGIDO PELO DIREITO INTERNACIONAL, QUER CONSTE DE UM INSTRUMENTO ÚNICO, QUER DE DOIS OU MAIS INSTRUMENTOS CONEXOS, QUALQUER QUE SEJA SUA DENOMINAÇÃO ESPECÍFICA [...]. (Decreto n. 7.030/2008) Os tratados internacionais são, por excelência, o instrumento jurídico formal que estabelece a maior segurança jurídica para os Estados e organismos internacionais que deles fazem parte. Segundo Malcolm Shaw (2017), os tratados retiram sua força jurídica de um princípio costumeiro do Direito Internacional, qual seja: pacta sunt servanda, segundo o qual os acordos celebrados pelos Estados soberanos, quando respeitadas as condições de livre exercício da autonomia de suas vontades, são vinculantes. Antes de analisarmos os tratados como fontes do Direito Internacional Público, cabe fazer uma análise explicitando seus principais tipos, suas condições de existência e sua validade. SAIBA MAIS A Convenção de Viena de 1969 regula as possibilidades de nulidade dos tratados nos arts. 42 a 53. Traz hipóteses envolvendo erro (art. 48), dolo (art. 49), corrupção dos representantes estatais (art. 50), coação ao representante de um Estado (art. 51), coação a um Estado pela ameaça ou pelo emprego da força (art. 52) e conflito com uma norma imperativa de Direito Internacional – jus cogens (art. 52). TIPOS DE TRATADOS INTERNACIONAIS Na perspectiva dos interesses jurídicos envolvidos, os tratados podem ser divididos em duas espécies: TRATADOS-LEI Criam normas gerais a todos os Estados, como, por exemplo, a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961, a Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963 e a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, conforme explica Mazzuoli (2020). TRATADOS-CONTRATOS De acordo com Accioly, Silva e Casella (2019), dizem respeito apenas às partes interessadas em versar sobre negócios específicos, como, por exemplo, os acordos comerciais do Mercosul, como o ACE 02, entre Brasil e Uruguai, e o ACE 14, entre Brasil e Argentina. Quanto às partes signatárias, podem ser (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2019): Bilaterais Quando, por óbvio, abrangem apenas duas partes. Plurilaterais Quando abrangem mais de duas partes. Convenções gerais Trazem diretrizes gerais a título de normas ou princípios. javascript:void(0) javascript:void(0) Convenções específicas Detalham as normas e os princípios gerais trazidos pelas convenções gerais. Por fim, Accioly, Silva e Casella (2019) nos informam que a natureza jurídica dos tratados internacionais leva à seguinte divisão: (i) tratado de Direito Dispositivo, que representa aquele tratado cujo conteúdo pode ser derrogado por meio de um tratado posterior; e (ii) tratado de Direito Cogente (jus cogens), que não pode sofrer derrogação por tratado posterior, exceto por um de mesma natureza – na prática, esse segundo tratado possui mais força. VALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS As condições de validade de um tratado internacional, segundo Accioly, Silva e Casella (2019), são semelhantes às de um negócio jurídico: CAPACIDADE DAS PARTES AGENTES HABILITADOS CONSENTIMENTO ENTRE AS PARTES OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL CAPACIDADE DAS PARTES As partes são os próprios Estados, que possuem capacidade para se tornarem signatários dos tratados internacionais, conforme o art. 6 da Convenção de Viena. AGENTES HABILITADOS As partes passam a ser consideradas agentes habilitados a partir do momento em que apresentam um documento em que constam os plenos poderes para representação dos Estados Partes. CONSENTIMENTO ENTRE AS PARTES O consentimento entre as partes também é condição essencial para a realização do tratado. Torna-se mais fácil obter um consentimento quando se trata de um tratado bilateral. Um tratado multilateral requer a concordância de, pelo menos, 2/3 dos Estados votantes presentes na sessão de aprovação dele, salvo a opção de adoção de outra forma de votação. Segundo a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, existem várias formas de demonstrar o consentimento, a exemplo da própria assinatura do tratado. OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL O objeto de um tratado internacional não pode se revelar como impossível de ser realizado, bem como não pode se revelar ilegal ou violador dos aspectos morais e costumeiros do Direito Internacional, pontuam Accioly, Silva e Casella (2019). Todas com previsão na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, firmada em 1969. REGRA DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS A Convenção de Viena de 1969 estabelece a forma pela qual eles podem ser construídos, e os ordenamentos jurídicos nacionais estabelecem a maneira pela qual eles são introduzidos nas suas respectivas hierarquias de normas. A relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados é organizada pelas disposições constitucionais dos Estados acercado tema. De acordo com Valério Mazzuoli (2020), existem pelo menos três formas de regulamentar a incorporação dos tratados internacionais no âmbito do Direito Interno dos Estados: Cláusula de adoção sem primazia do Direito Internacional Público Cláusula de adoção com primazia do Direito Internacional Público Ausência de regulamentação Adotam o Direito Internacional, mas não fazem referência à hierarquia das suas normas em relação ao Direito Interno Adotam o Direito Internacional Público e dão primazia às suas normas em detrimento do Direito Interno Sem regulamentação expressa Constituições não escritas Constituições omissas Constituição Portuguesa de 1976 Constituição Espanhola de 1978 Lei Fundamental da República Federativa Alemã Constituição Inglesa (não escrita) Constituição Suíça de 1874 (omissa) Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Em nossa República Federativa, na forma do nosso Direito Constitucional vigente, estamos classificados no grupo de Constituições omissas, mas possuímos uma exceção, que é a incorporação dos tratados internacionais de Direitos Humanos. Dessa forma, o processo de incorporação de tratados passa pela negociação, assinatura, aprovação do Congresso Nacional (art. 49, I, da CF/88), ratificação do presidente da República, promulgação e publicação. Impera no Brasil a teoria da junção das vontades, segundo a qual um tratado internacional, para ser incorporado, demanda a participação dos Poderes Executivo e Legislativo, constituindo, portanto, a incorporação de tratados internacionais que, conforme determina o STF, é ato subjetivamente complexo. COMENTÁRIO Sobre a necessidade de ação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou: "O exame da vigente CF permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de Direito Internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto." [ADI 1.480 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-9-1997, P, DJ de 18-5-2001.] Em nosso ordenamento, os tratados internacionais podem ocupar três posições, dependendo da forma pela qual foram aprovados e da matéria que versam: (i) “Tratados internacionais de Direitos Humanos aprovados na forma do §3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, com aprovação de 3/5 em duas votações, em dois turnos, nas casas do Congresso Nacional, têm o status de Emendas Constitucionais; (ii) Tratados internacionais de Direitos Humanos não aprovados com o quorum de 3/5 têm o status de supralegalidade, isto é, estão acima de todas as leis, mas abaixo da Constituição Federal de 1988; (iii) Tratados internacionais que versam sobre as demais matérias, quando incorporados, têm o status de norma infraconstitucional, revogando, assim, as normas anteriores sobre a mesma matéria." (VARELLA, 2019). COMENTÁRIO Sobre a supralegalidade dos tratados internacionais de Direitos Humanos, podemos destacar a decisão do Supremo Tribunal Federal: "Esse caráter supralegal do tratado devidamente ratificado e internalizado na ordem jurídica brasileira — porém não submetido ao processo legislativo estipulado pelo art. 5º, § 3º, da CF/1988 — foi reafirmado pela edição da Súmula Vinculante 25, segundo a qual 'é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito'. Tal verbete sumular consolidou o entendimento deste Tribunal de que o art. 7º, item 7, da CADH teria ingressado no sistema jurídico nacional com status supralegal, inferior à CF/1988, mas superior à legislação interna, a qual não mais produziria qualquer efeito naquilo que conflitasse com a sua disposição de vedar a prisão civil do depositário infiel. Tratados e convenções internacionais com conteúdo de Direitos Humanos, uma vez ratificados e internalizados, ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação." [ADI 5.240, voto do rel. min. Luiz Fux, P, j. 20-8-2015, DJE 18 de 1º-2-2016.] Foto: rafastockbr/Shutterstock.com A forma pelo qual os tratados internacionais geram obrigações aos Estados signatários em seus ordenamentos jurídicos internos depende das regras estabelecidas pelas Constituições nacionais. No Brasil, a obrigação jurídica interna nasce apenas após a promulgação e publicação do tratado. Mas a obrigação internacional, por sua vez, já está estabelecida desde a ratificação do tratado. COMENTÁRIO Sobre o processo de incorporação dos tratados internacionais, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou: "O sistema constitucional brasileiro não consagra o princípio do efeito direto e nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou das convenções internacionais." [CR 8.279 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 17-6-1998, P, DJ de 10-8-2000.] Cabe destacarmos que a delimitação do grau hierárquico no âmbito infraconstitucional é discutida pela doutrina internacionalista. O entendimento primário é o de que os tratados internacionais de matérias ordinárias – isto é, que não versam sobre Direitos Humanos – possuem status de leis ordinárias, conforme explicita a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada desde 1977, conforme o RE 80.004/SE, citada por Mazzuoli (2020). SE Refere-se à ementa do acórdão do STF: RE: 80004 SE, Relator: Min.XAVIER DE ALBUQUERQUE, Data de Julgamento: 01/06/1977, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 29-12-1977 PP- 09433 DJ 19-05-1978 PP- o3468 EMENT VOL-01083-02 PP-o0915 RTJ VOL-00083-03 PP-00809. Todavia, para Marcelo Varella (2019), não se pode, de plano, entender os tratados internacionais como leis ordinárias, isto é, revogáveis ordinariamente quando da edição de norma posterior. Para o doutrinador, a análise da natureza infraconstitucional de um tratado internacional ordinário depende da matéria que trata. Este poderá ter natureza de Lei Complementar, por exemplo, quando tratar de matéria tributária, ou natureza de Lei Ordinária, quando tratar de outros temas típicos do referido corpo normativo. Dessa forma, se for editada uma norma interna posterior ao tratado internacional, o que fazer? VERIFIQUE A RESPOSTA Marcelo Varella (2019) nos ensina que o primeiro passo é saber se a norma interna expressamente afirma a não aplicabilidade do tratado. Tem de ser forma expressa e sem margem para dúvidas. No entanto, quando uma norma interna ataca a mesma matéria que um tratado internacional, ela não revoga esse tratado que ainda faz lei entre as partes na arena internacional. Na esteira da lição de Gilmar Mendes, o que ocorre, diz Marcelo Varella (2019), é a suspensão da eficácia do tratado. Portanto, ocorrerá que, para as relações javascript:void(0) javascript:void(0) internacionais, será válido o tratado; para as relações internas, será válida a norma jurídica interna. Dois são os argumentos para a manutenção do tratado internacional: (i) Ele é norma específica que trata de matéria especializada no âmbito das relações internacionais – aqui, o argumento é análogo ao metaprincípio lei especial prevalece sobre lei geral; (ii) Por outro lado, há o argumento de que a obrigação internacional assumida pelo Estado, que ratificou o tratado, não pode ser desfeita por uma norma unilateral de produção interna, sendo necessária, portanto, a denúncia do tratado para que suas obrigações deixem de ter validade, seguindo, assim, a normatividade internacional. Ponto de inflexão é realizadopor Valério Mazzuoli (2020), que advoga a tese de que não existe diferença normativa entre os tratados internacionais de Direitos Humanos, sejam eles aprovados ou não pelo quorum qualificado de 3/5 previstos no §3º, art. 5, da CF/88. Segundo o autor, o STF deu ensejo a uma violação ao princípio da isonomia ao tratar de forma distinta e desigual dois corpos normativos que deveriam possuir o mesmo status. Para Mazzuoli (2020), os tratados internacionais de Direitos Humanos, independentemente do quorum qualificado, deveriam ter status constitucional. Além de defender a elevação dos tratados de Direitos Humanos não aprovados na forma do §3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 para o topo da pirâmide, o autor defende que os tratados internacionais ordinários devem ser considerados supralegais, assim, também, elevando-os um nível a mais do que compreende o Supremo Tribunal Federal. ATENÇÃO Como podemos nos posicionar? Entendemos pela distinção entre o "Direito que deveria ser (law that ought to be) e o Direito que é (law that is)" (HART, 1958). A crítica normativa de Valério Mazzuoli (2020) sobre a – em tese – violação do princípio da isonomia, feita pelo STF ao tratar de maneira distinta tratados internacionais de Direitos Humanos, não tem o condão de informar que este é o tratamento dado pelo Direito Positivo vigente. Apesar dos argumentos de Valério Mazzuoli (2020) serem bastante persuasivos, ao sentido de defender uma ampliação dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – instância máxima de interpretação do Direito Pátrio – não corrobora com a sua tese. Parece-nos que o STF está muito mais próximo do que argumenta Marcelo Varella (2019), no sentido de que o tratamento dos tratados internacionais ordinários, diante da sua relação com as normas internas, merece detida atenção em função do caso e da matéria que regula. Varella (2019) nos explica que o Supremo entende que haveria uma duplicidade de tratamento normativo diante de tratados internacionais ordinários que teriam sua regulamentação expressada “atacada”, sustada, por lei posterior. Haveria, portanto, a suspensão da eficácia do tratado no âmbito interno, contudo, com a sua manutenção no âmbito externo. Em suma, uma lei posterior não pode revogar um tratado, uma vez que a obrigação internacional só pode ser desconstituída por ocasião da denúncia, conforme prevê a Convenção de Viena de 1969. Essa tese parece ser mais coerente com o monismo moderado adotado pelo ordenamento brasileiro e com a Supremacia Constitucional defendida pelo STF. A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO BRASIL Assista a um breve vídeo sobre a incorporação dos tratados internacionais no Brasil. COSTUMES INTERNACIONAIS Considerada a fonte mais antiga, de acordo com Mazzuoli (2020), os costumes constituem uma fonte para o Direito Internacional que pode ser retomada como até mesmo anterior ao próprio Sistema de Potências, estabelecido em Vestfália em 1648. Como a doutrina de Mazzuoli (2020) nos ensina, mesmo com a ampla utilização dos tratados pelos Estados nacionais modernos, os costumes ainda exercem um papel significativo na normatividade internacional, pois muitos tratados carecem de uma adesão universal ou massiva por parte dos Estados que compõem a Sociedade Internacional. SISTEMA DE POTÊNCIAS, ESTABELECIDO EM VESTFÁLIA EM 1648 Atribui-se à criação do Sistema de Potências europeu na série de tratados internacionais celebrados com o fim da Guerra dos 30 anos. Nesse aspecto, uma característica interessante é destacada pelo autor: quando um costume é positivado num tratado internacional, este mantém sua força vinculante tanto sobre os Estados que fazem parte deste tratado quanto sobre os Estados que não fazem parte. Mas como identificar uma prática dos atores internacionais (Estados e organismos internacionais) como constituindo um costume internacional? Semelhantemente ao que vimos javascript:void(0) no primeiro tópico deste módulo, uma prática internacional, para ser reconhecida como um costume, precisa de pelo menos dois elementos: ELEMENTO OBJETIVO A saber, uma prática geral (inveterata consuetudo), que demanda ser reiterada, persistente, duradoura e contínua. São importantes algumas observações. O art. 38, b, do ECIJ fala em “prova de uma prática geral”. Essa prova está ligada aos precedentes internacionais aplicados pelos Estados e tribunais internacionais, que deve ser reiterada e consistente, aceita pelos Estados ou organismos internacionais, de forma expressa ou tácita. Os atos praticados podem ser comissivos ou omissivos e não precisam ser necessariamente idênticos, mas apenas ter relação do ponto de vista do Direito Material ou dos Fatos. Tais atos podem ser tanto dos Estados, por meio de seus representantes, quanto dos organismos internacionais. Em ambos os casos, devem respeitar a ordem pública. Por último, não existem critérios capazes de exaurir a cognição em torno da identificação de uma prática como costume internacional. ELEMENTO SUBJETIVO Prática que deve ser aceita como um direito pelos atores internacionais. Esses elementos estão presentes no art. 38, b, do ECIJ. Também chamado de psicológico, pois, conforme leciona Mazzuoli (2020), é necessária a convicção de que aquela prática é jurídica. Aqui, retomando o art. 38, b, do ECIJ, estamos diante da prática que é “aceita como direito” pelas partes. Esse elemento recebe o nome de opinio iuris, à semelhança do que vimos anteriormente quando tratamos sobre os costumes. A questão está em identificar quando os Estados passam a aceitar uma prática como sendo juridicamente determinante no cenário internacional. Também aqui não há um rol exaustivo em que se pode listar quais evidências demonstrariam a confirmação por parte dos Estados de que aquela prática é jurídica. Alguns exemplos são trazidos pela dogmática jurídica internacionalista, tais como: Ratificações de tratados. Práticas diplomáticas. Decisões reiteradas de tribunais. Manifestações unilaterais de autoridades governamentais. Por último, podemos concordar com a vasta maioria da doutrina que, sem o elemento subjetivo, é impossível caracterizar o costume como sendo juridicamente válido. PROCESSOS DE SURGIMENTO DOS COSTUMES Aprendemos sobre os elementos necessários para a caracterização do costume como fonte do Direito Internacional. Podemos ver, então, quais são os processos em que estes surgem, bem como o alcance que podem ter sobre os Estados. Dois são os processos de surgimento dos costumes: CLÁSSICO CONTEMPORÂNEO CLÁSSICO É considerado um processo espontâneo em que, diante de um caso ainda não regulado pelo Direito, é aplicado um princípio geral do Direito que atenda às expectativas de justiça das partes, passando a ter impacto sobre a compreensão dos atores internacionais que, diante de casos semelhantes, passarão a adotar a mesma solução de forma reiterada, consistente e reconhecida como juridicamente válida. CONTEMPORÂNEO Tem sua origem em processos mais institucionais, pautados nas práticas internacionais, que passam a adotar compreensões comuns mediante resoluções e/ou diretrizes que passam a gerar conformidade por parte dos atores internacionais. Um bom exemplo desse processo contemporâneo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, compreendida como norma costumeira internacional que estabelece a conformidade da intepretação das normas internacionais e nacionais de Direitos Humanos, de acordo com Ramos (2020). O que distingue o processo clássico, segundo Mazzuoli (2020), é o fato de que o processo contemporâneo seria mais consciente por parte da Sociedade Internacional. EXTENSÃO DOS COSTUMES Quanto à sua extensão, os costumes podem ser: Universais Regionais Locais Ainda assim, sendo internacionais, poderiam regular, respectivamente, todos os Estados, alguns Estados em regiões ou apenas dois Estados determinados. Por isso, é importante notar que para a existênciade um costume internacional não é necessário que haja uma conformidade universal. Um exemplo de Direito Costumeiro Internacional Local pode ser visto no caso Direito de Passagem (1960) entre Portugal e Índia. Portugal era detentor de possessões territoriais na Índia, por meio de dois enclaves, a saber, Dadra e Nagar-Aveli. Portugal tinha o direito de passagem, ou seja, podia transitar em território nacional indiano para chegar a suas possessões. Em 1954, ao contrário do costume previamente estabelecido, a Índia passou a proibir a passagem de Portugal por meio de seus territórios. A questão foi levada à Corte Internacional de Justiça em 1955, por meio do seguinte pleito: PORTUGAL TERIA O DIREITO ESTABELECIDO PELO COSTUME LOCAL ENTRE OS DOIS PAÍSES DE PASSAR POR TERRITÓRIOS DA ÍNDIA? A CIJ entendeu que havia um direito de passagem de civis não militares a Portugal, pois havia um direito estabelecido por meio do costume internacional local entre Índia e Portugal de permitir a passagem. O interessante é que a Índia questionou o referido direito de Portugal, alegando, dentre outras razões, que a prática entre os dois países não era suficientemente duradoura para estabelecer um costume local. A Corte Internacional de Justiça desconsiderou essa alegação da Índia, uma vez que a prática entre os dois países já tinha 125 anos, devendo prevalecer sobre outras regras. EXEMPLO javascript:void(0) Um segundo caso, bastante interessante, sobre costume local, pode ser visto no Caso do Asilo (Colômbia versus Peru). O governo colombiano deu asilo a um cidadão peruano, Haya de la Torre, em sua embaixada, que alegou ter permissão para fazê-lo com base em acordos com o Peru e no costume local da América Latina. Poderia a Colômbia oferecer asilo com base em um costume? A CIJ entendeu que a Colômbia não logrou êxito em demonstrar que o Peru havia aceitado a concessão e o asilo como parte de um direito costumeiro. Além disso, não restou demonstrada que a prática de concessão de asilo na América Latina é uniforme e reiterada. A CIJ entendeu, assim, que cabia à Colômbia o ônus de demonstrar que a prática de concessão de asilo era um costume reconhecido pelo Peru, o que, efetivamente, a Colômbia não conseguiu, tendo, portanto, o direito de conceder asilo negado pela CIJ. Imagem: Shutterstock.com PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO O art. 38 do ECIJ estabelece que os princípios gerais do Direito também constituem uma fonte do Direito Internacional Público. O primeiro ponto a se destacar, segundo Accioly, Silva e Casella (2019) e Mazzuoli (2020), é a redação do dispositivo que faz uma referência anacrônica e criticável aos princípios gerais do Direito das “nações civilizadas”. Nesse aspecto, afirmar a existência de “nações civilizadas” é retomar um horizonte de significado imperialista e colonizador. Retoma o Sistema de Potências europeu e a sua afirmação sobre o mundo “não civilizado”. Afastada a semântica negativa da expressão, podemos entender que o ECIJ está se referindo aos princípios gerais do Direito reconhecidos nos mais diversos ordenamentos jurídicos, independentemente do sistema econômico a que pertencem os Estados, de sua positivação nos tratados ou nos costumes ou do sistema jurídico a que pertencem – se romano-germânico ou anglo-fônico, por exemplo. Trata-se dos princípios gerais do Direito reconhecidos histórica, social, normativa e atemporalmente nas práticas jurídicas, tais como: PRINCÍPIO DA BOA-FÉ PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA PRINCÍPIO DO DIREITO ADQUIRIDO PRINCÍPIO DO RESPEITO À COISA JULGADA PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS PACTA SUNT SERVANDA EX INJURIA NON ORITUR, DENTRE OUTROS. ATENÇÃO O texto do art. 38, alínea c, do ECIJ ainda nos traz outra distinção, importante para a doutrina internacionalista. Percebe-se que o dispositivo afirma que a CIJ deverá utilizar os princípios gerais “de Direito” e “não do Direito”. Por que há essa distinção? Segundo Mazzuoli (2020), a distinção decorre do fato de que o ECIJ faz referência aos princípios gerais presentes nos diversos ordenamentos jurídicos nacionais ou internos. Por isso, o “de Direito”. Se a CIJ tivesse utilizado a redação com “do Direito”, estaria fazendo referência aos princípios gerais do Direito Internacional, o que representaria, portanto, uma redundância. Ao utilizar a redação “ de Direito”, a CIJ quis abrir a possibilidade de utilizar um princípio geral presente nos diversos ordenamentos jurídicos, ou seja, no âmbito do Direito Nacional (interno) dos Estados. Nesse aspecto, Mazzuoli (2020) afirma que este é o caso de utilização de normas internas que iriam de baixo para cima, do ordenamento jurídico interno para o internacional. Por sua vez, os princípios gerais do Direito Internacional, quando aplicados nos ordenamentos nacionais, iriam de cima para baixo. Tais distinções sobre a vetorialidade da norma são importantes para a correta aplicação das normas jurídicas. A distinção sobre a origem do princípio geral tem consequências jurídicas. Um princípio geral do Direito pertence ao Direito Internacional Público, portanto, a sua aplicação é imediata, não demandando a demonstração da sua juridicidade na Sociedade Internacional, uma vez que já é reconhecido por esta enquanto tal. Por sua vez, um princípio geral de Direito demanda um processo de justificação que precisa passar por um: TESTE DE GENERALIZAÇÃO TESTE DE ADEQUAÇÃO TESTE DE GENERALIZAÇÃO É preciso investigar se determinado princípio é de fato reconhecido por uma maioria considerável de ordenamentos jurídicos – o que é difícil de determinar. TESTE DE ADEQUAÇÃO Não basta apenas identificar que determinado princípio é encontrado numa maioria considerável de ordenamentos jurídicos, é necessário saber se sua transposição ao ordenamento internacional é adequada, se sua juridicidade tem aplicabilidade na Sociedade Internacional. Sobre o teste de generalização, não é exigível que a totalidade dos ordenamentos jurídicos reconheça determinado princípio de Direito, mas que uma maioria considerável o possua de forma que possa ter impacto sobre os diversos Estados. Um terceiro aspecto é o caráter supletivo dos princípios gerais de Direito. Isso porque estes acabam por ser articulados diante da necessidade de um caso concreto que demanda a aplicação deste princípio, de modo a preencher uma lacuna ou um espaço em aberto no ordenamento jurídico internacional. O CASO DA FÁBRICA DE CHORZOW Como exemplo de aplicação dos princípios gerais de Direito, podemos citar o Caso da Fábrica de Chorzow, de 1927. Esse caso envolve um pedido de indenização feito pela Alemanha javascript:void(0) diante da Polônia em função da desapropriação indevida de propriedades de cidadãos e empresas alemãs. Ao final da Primeira Guerra Mundial, mediante determinações previstas no Tratado de Gênova – 15/05/1922 −, uma parte do território alemão foi transferida para a Polônia, a Alta Silésia. Todavia, o tratado determinava que as propriedades e empresas alemãs não deveriam sofrer intervenções pelo governo polonês. Este, por sua vez, não respeitou as determinações e desapropriou uma grande planta fabril de Nitrato. A Alemanha levou, então, o caso à Corte Internacional de Justiça, pedindo a responsabilização da Polônia por violar um tratado internacional e solicitando pagamento de indenização. A Corte Internacional de Justiça decidiu que possuía jurisdição sobre o caso, que a Polônia violou um tratado internacional e que era, portanto, responsável por reparar as perdas sofridas pela Alemanha. Imagem: Shutterstock.com Mapa em 3D da Alemanha e Polônia. O Caso da Fábrica de Chorzow foi significativo porque estabeleceu a responsabilidade dos Estados pelo descumprimento das suas obrigações. Mais interessante ainda foi que reconheceu que toda quebra de um acordo de vontades gera o dever de reparar, sustentando que o dever de reparar por violações de obrigações é umprincípio geral do Direito Internacional e dos Direitos Nacionais em diversos ordenamentos jurídicos. Além do dever de reparação, a decisão reconheceu que uma parte não pode alegar a exceção do contrato não cumprido, quando, por responsabilidade dela, a outra parte não cumpriu a obrigação. Assim, a CIJ estabeleceu que: O PRINCÍPIO ESSENCIAL CONTIDO NA NOÇÃO DE ATOS ILÍCITOS – UM PRINCÍPIO QUE PARECE TER SIDO ESTABELECIDO PELA PRÁTICA INTERNACIONAL E, EM PARTICULAR, PELAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS – É QUE A REPARAÇÃO DEVE, NA MEDIDA EM QUE SEJA POSSÍVEL, DIRIMIR TODAS AS CONSEQUÊNCIAS DO ATO ILÍCITO E REESTABELECER A SITUAÇÃO QUE TERIA EXISTIDO, EM TODAS AS PROBABILIDADES, SE O ATO NÃO TIVESSE SIDO COMETIDO. (BROWN, 2017, p. 63) Podemos concluir que: Princípios gerais de Direito − Princípios presentes nas diversas ordens jurídicas nacionais. − São utilizados pela CIJ, que os adjudica, retirando-os dos ordenamentos jurídicos nacionais para aplicar num caso de sua jurisdição. Princípios gerais do Direito − Princípios presentes na ordem internacional. − São utilizados pela CIJ, que os adjudica, independentemente da sua existência ou não nos ordenamentos nacionais. Teste de generalização Teste de transposição Caráter suplementar Aplicação imediata Exemplos: − Princípio da soberania dos Estados. Exemplos: − Princípio da boa-fé. − Pacta sunt servanda. − Ex injuria no oritur. − Respeito à coisa julgada. − Respeito ao direito adquirido. − Responsabilidade por atos ilícitos. − Princípio da autodeterminação dos povos. − Princípio da não intervenção. − Princípio da cooperação. − Princípio da proibição do uso da força. − Princípio da integridade territorial. − Princípio da independência política. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal MEIOS AUXILIARES O próximo passo no estudo das fontes do Direito Internacional são os meios auxiliares que servem na compreensão e interpretação desse Direito, previstos na alínea d do art. 38 da CIJ: “As decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações.” São considerados meios auxiliares porque não são fontes do Direito, mas, sim, instrumentos para a necessária cognição e compreensão das fontes do Direito Internacional Público. Assim, as decisões judiciárias visam dar sentido a eventuais indeterminações passíveis de ocorrer com os tratados internacionais, costumes ou princípios gerais. Importante observar que o texto da alínea d fala em “decisões judiciárias”, dessa maneira, podem ser consideradas: decisões da Corte Internacional de Justiça, dos Tribunais Internacionais Privados, Arbitrais, das Organizações Internacionais (REZEK, 2018; ACCIOLY, SILVA, CASELLA, 2019; MAZZUOLI, 2020). Ainda sobre as decisões judiciárias, resta indagar se há um sistema internacional de precedentes, ou seja, se as decisões da Corte Internacional de Justiça e demais Tribunais Internacionais teriam força vinculante sobre as novas decisões. Para Accioly, Silva e Casella (2019), não se pode falar em precedentes porque as decisões da Corte Internacional de Justiça careceriam de normatividade, embora retomar decisões passadas, seus critérios, fatos, regras, princípios e suas formas de raciocínio seja válido na busca pela determinação do Direito no caso concreto. Temos de entender que é muito mais o caso de efetuar um trabalho de argumentação sobre o Direito posto do que inovar na ordem jurídica internacional. Por último, as decisões dos tribunais internacionais só atingem as partes litigantes que aceitaram a elas se submeter. A “doutrina dos publicistas” consiste na opinião abalizada de grandes juristas da área do Direito Público e do Estado. No início do Direito Internacional, ainda nos empreendimentos ultramarinos ibéricos e no nascente comércio mundial, as obras de alguns juristas, como: Francisco de Vitória (1480-1546) Francisco Suarez (1548-1617) Alberico Gentili (1552-1608) Richard Zouch (1590-1660) Hugo Grócio (1583-1645) Foram fundamentais para a compreensão do Direito Internacional Público. Atualmente, conforme destacam Accioly, Silva e Casella (2019), a doutrina dos publicistas não encontra mais um lugar de destaque, como a opção da Corte Internacional de Justiça de não a utilizar tem demonstrado. A doutrina dos publicistas está presente, muito mais, nos consultores e advogados que militam junto às cortes internacionais. Meios Auxiliares Decisões judiciárias Doutrina dos publicistas − Determinam o sentido da norma internacional, interpretando-a para evitar indeterminação e ausência de decisão. − Contribui para explicitar sentidos de normas jurídicas internacionais. − Não é fonte do Direito Internacional Público. − Não vinculam, portanto, não há um sistema de precedentes internacionais. − Efeitos entre as partes. − Não possui força normativa, portanto, não obriga. − Gera modelos dogmáticos e interpretativos. − Deve atender ao interesse geral. − Decisões da Corte Internacional de Justiça. − Tribunais internacionais. − Organismos internacionais. − Doutrinas dos juristas aclamados. − Associações científicas. − Organismos internacionais. − Opiniões acadêmicas. − Institutos científicos. Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal ANALOGIA A analogia é um raciocínio no qual as conclusões decorrem de premissas que associam como semelhantes determinadas propriedades dos objetos. Assim, se X é análogo a Y, significa dizer que se X tem a propriedade P¹, P² e Y têm as mesmas propriedades, logo, se X tiver P³, Y também o terá. Dito de outra maneira, se dois objetos têm a mesma série de predicados, é plausível imaginar, todas as coisas consideradas, que se um deles apresentar um predicado a mais, o outro terá também. No Direito, a analogia também é um recurso da prática judicial que visa encontrar soluções para casos que não possuem regras ou princípios claros de solução. Ao utilizar este recurso, a autoridade passa a justificar sua decisão comparando o caso X em suas mãos com o caso Y anteriormente decidido. De tal modo que demonstra que podem possuir os mesmos fatos, mesma causa de pedir e mesmos pedidos, sendo, portanto, em muitos aspectos semelhantes, conduzindo a uma decisão. O raciocínio por analogia está na base da teoria dos precedentes de diversos ordenamentos jurídicos. Seria a analogia uma fonte do Direito Internacional Público? A resposta é: NÃO. ATENÇÃO A analogia não é uma fonte, mas um instrumento hábil a completar a ausência ou falta de uma norma, preenchendo, assim, lacunas e operando de forma compensatória e integrativa no ordenamento jurídico. A doutrina internacionalista observa, segundo Rezek (2018), que a analogia não é um recurso utilizado de forma nominal pelo sistema jurídico internacional. Em primeiro lugar, por conta da falta de sua remissão no art. 38 do ECIJ. Em segundo lugar, porque, considerando a soberania como elemento fundante da Sociedade Internacional, não haveria como ter decisões análogas influenciando umas às outras. Por último, a analogia poderia pôr em risco a devida proteção dos Direitos Humanos, de acordo com Mazzuoli (2020). Francisco Rezek (2018), no entanto, lembra que o raciocínio por analogia foi bastante utilizado para estabelecer as competências de organismos internacionais, sobretudo diante da temática das prerrogativas funcionais de seus agentes, a exemplo do Caso Bernadotte, que você pode conferir no Explore +. EQUIDADE A equidade aparece no art. 38, 2, do ECIJ, quando a sua redação abre a possibilidade para CIJ “decidir uma questão ex aeque et bono (Conforme o correto e válido.) , se as partes com isto concordarem”. A equidade surge quando as partes decidem, confiando no julgador, entregar a solução do caso. Isso pode ocorrer porque a regra existente não atende às suas expectativas de justiça ou porque não existe uma regra disponível sobre ocaso. Diferentemente da analogia, recurso compensatório de integração, no qual inexiste uma norma para decidir, a equidade pode ser utilizada para o caso de a norma existir, mas não ser considerada justa para as partes em litígio. Por isso, a equidade se liga à justiça, pois visa dar respostas às pretensões satisfativas das partes. Rezek Considera a equidade método de raciocínio. Mazzuoli Entende que a equidade é o método pelo qual podem ser aplicados os princípios gerais do Direito e da justiça ao caso concreto. Accioly, Silva e Casella Indicam que a equidade tem sua importância e relevância ao determinar o conteúdo jurídico de decisões internacionais diante de situações lacunosas ou não satisfatórias. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Podemos, portanto, inferir que a equidade surge quando, diante de um caso: (i) O sistema jurídico internacional não tenha determinado de forma suficiente a norma aplicável ao caso; (ii) Quando a norma aplicável ao caso não é considerada satisfativa pelas partes, portanto, injusta, demandando do julgador uma nova solução. Por isso, a equidade não é um recurso acessível em primeira ordem pelas partes – pelo contrário. Em primeiro lugar, ela tem um caráter supletivo, ou seja, surge quando não há solução explicitamente determinada para o caso. Em segundo lugar, ela não pode ser utilizada mediante a livre convicção do julgador, mas, de forma explícita, as partes precisam concordar explicitamente com a sua utilização. Em razão disso, a redação do art. 38, 2, do ECIJ diz frontalmente “se as partes concordarem”. Ao autorizar a CIJ a utilizar a equidade, por inferência, segue-se que esta não poderá utilizar o Direito Positivo, formal, par dar solução ao caso. Não faz sentido demandar a equidade perante a CIJ para que esta decida com base nas normas positivas vigentes do ordenamento jurídico internacional. Por isso, a equidade abre uma janela de suspensão do ordenamento, para que um novo caso seja decidido pelas ponderações justas dos magistrados. Por conseguinte, conforme já visto aqui, a decisão será normativamente vinculante às partes que assim resolverem adotar a equidade, não se estendendo a casos futuros. EXEMPLO Vamos ao caso em que a equidade foi utilizada na Sociedade Internacional: o Caso das plataformas continentais do Mar do Norte. Em 1967, Alemanha, Holanda e Dinamarca se viram envolvidas numa disputa sobre a delimitação da plataforma continental de seus respectivos territórios. Foi levado à CIJ o questionamento sobre qual deveria ser o método de delimitação das plataformas continentais. A CIJ entendeu que o método de equidistância não poderia ser considerado obrigatório pelas partes, não existindo um único método capaz de ser utilizado em todos os casos, devendo: javascript:void(0) (...) A DELIMITAÇÃO SER EFETUADA POR ACORDO ENTRE AS PARTES, SEGUNDO O PRINCÍPIO DE EQUIDADE E LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES, DE MODO QUE PERMANEÇA COM CADA PARTE, TANTO QUANTO POSSÍVEL, A PORÇÃO DE PLATAFORMA CONTINENTAL QUE CONSTITUA UM PROLONGAMENTO NATURAL DO SEU TERRITÓRIO SEM ULTRAPASSAR OS LIMITES UNS DOS OUTROS E QUE SENDO FORMADAS ÁREAS DE INTERSEÇÃO DE DOMÍNIO QUE ESTAS SEJAM EXPLORADAS EM CONJUNTO OU IGUALITARIAMENTE DIVIDIDAS. (BRASIL, 2010) Percebemos, nesse caso, a aplicação da equidade e sua preocupação com a justiça entre as partes quando notamos que a decisão se preocupa com a adequação (“circunstâncias relevantes”) e com a divisão equitativa das plataformas (“sejam exploradas em conjunto ou igualitariamente divididas”). PLATAFORMA CONTINENTAL Zona ou faixa da margem continental que se estende com gradiente topográfico suave do cordão litorâneo até o topo do talude continental onde apresenta profundidades da ordem de 150m. Outras aplicações da equidade são citadas pela doutrina internacionalista, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e a disputa entre Líbia e Tunísia pela plataforma continental (MAZZUOLI, 2020); em questões envolvendo a sucessão de Estados, responsabilidade internacional, utilização de águas internacionais, arbitragem internacional, Declaração de Bruxelas de 1874 (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2019); Caso Haya de La Torre em que se poderia ter sido utilizada a equidade como forma mais assertiva de solução (REZEK, 2018). Métodos de raciocínios jurídicos Analogia Equidade − Método de compensação integrativa. − Método de solução inovadora. − Determina conteúdo jurídico em lacunas e ambiguidades. − Determina conteúdo em lacunas. − Opera na ausência de normatividade. − Dá solução de Justiça a caso cujas regras não satisfazem às partes. − Caráter supletivo. − Caráter supletivo. − Pode ser realizado pelo julgador independentemente do pedido das partes. − Exige autorização explícita das partes. − Não previsto no art. 38, CIJ. − Previsto no art. 38, CIJ. Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. O ART. 38 DO ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA REPRESENTA UM PONTO DE PARTIDA FUNDAMENTAL PARA A COMPREENSÃO DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. SOBRE SUAS DISPOSIÇÕES, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) Seu texto é taxativo, isto é, prevê todas as fontes do Direito Internacional Público, excluídas todas as demais fontes espontaneamente construídas, como, por exemplo, as obrigações erga omnes. B) A mens legis do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça estabeleceu a hierarquia das fontes do Direito Internacional ao determinar que os tratados internacionais tenham um maior peso do que os costumes internacionais. C) O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça elevou a doutrina dos publicistas, como Hugo Grotius, Alberico Gentilli, dentre outros, à fonte primária do Direito Internacional. D) O art. 38 da Corte Internacional de Justiça é um dispositivo fundamental para a identificação das fontes do Direito Internacional, porém, não pode ser interpretado de forma taxativa, pois existem outras fontes não previstas em sua dicção, tais como as decisões unilaterais dos Estados. E) Do art. 38 da Corte Internacional de Justiça podemos inferir que as decisões dos tribunais internacionais consolidam precedentes que vinculam as ações dos Estados, independentemente da sua soberania. 2. OS COSTUMES CONSTITUEM UMA DAS FONTES MAIS ANTIGAS DO DIREITO INTERNACIONAL. PARA QUE ESTES ADQUIRAM NORMATIVIDADE JURÍDICA, DOIS ELEMENTOS SÃO NECESSÁRIOS: (A) ELEMENTO OBJETIVO (INVETERATA CONSUETUDO), PRÁTICA REITERADA, E O (B) ELEMENTO SUBJETIVO (OPNIO JURIS), RECONHECIMENTO PARTE DOS ATORES INTERNACIONAIS DE QUE AQUELA PRÁTICA É JURIDICAMENTE VINCULANTE. DESSA FORMA, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) As práticas centenariamente reconhecidas pelos Estados determinam os costumes internacionais, pois a duração contínua e convergente demanda um lapso secular para provar sua força jurídica. B) As práticas reiteradas podem ser evidenciadas tanto em práticas de longa duração quanto de curta duração temporal, o elemento objetivo do costume não tem um lapso temporal de demarcação para que seja caracterizada sua juridicidade. C) No Direito Internacional, os atos omissivos dos Estados não podem ser considerados como evidências das práticas internacionais capazes de se tornar costume, pois não há como inferir uma prática de uma inação estatal. D) Para provar que determinada prática pode ser considerada costume, os atos oficiais das autoridades estatais se sobrepõem sobre todas as demais formas de práticas exercidas pelos atores da Sociedade Internacional. E) A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça enumera de forma exaustiva as evidências capazes de determinar quando uma prática possui reconhecimento por parte dos atores internacionais, formando, assim, um costume. GABARITO 1. O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça representa um ponto de partida fundamental para a compreensão dasfontes do Direito Internacional Público. Sobre suas disposições, é correto afirmar que: A alternativa "D " está correta. O art. 38 da Corte Internacional de Justiça é fundamental para a identificação das fontes do Direito Internacional, porém, seu rol não é taxativo, tampouco ele estabelece hierarquia entre as fontes. Existem outras fontes do Direito Internacional que não estão previstas em suas disposições, como as obrigações erga omnes, as normas de Direito Cogente (jus cogens), as decisões unilaterais dos Estados e dos organismos internacionais. Por sua vez, as fontes previstas não possuem hierarquia entre si, assim, um tratado internacional tem o mesmo peso de um costume ou de um princípio geral de Direito. 2. Os costumes constituem uma das fontes mais antigas do Direito Internacional. Para que estes adquiram normatividade jurídica, dois elementos são necessários: (a) elemento objetivo (inveterata consuetudo), prática reiterada, e o (b) elemento subjetivo (opnio juris), reconhecimento parte dos atores internacionais de que aquela prática é juridicamente vinculante. Dessa forma, é correto afirmar que: A alternativa "B " está correta. Para que uma prática se torne um costume internacional (fonte do Direito) não é necessário um lapso de tempo específico. Tanto práticas recentes quanto antigas podem ser consideradas costume, desde que a comunidade internacional dê a elas convergência reiterada, uso, continuidade. MÓDULO 3 Compreender as novas fontes do Direito Internacional ATOS UNILATERAIS DOS ESTADOS Os Estados são os mais significativos sujeitos de Direito Internacional Público. Em muitos dos seus atos, tais como suas declarações, manifestações e seus comportamentos, são produzidos efeitos jurídicos que trazem impactos e consequências sobre a Sociedade Internacional. Neste sentido, tais atos são considerados fonte do Direito Internacional Público, posto que são “expressão de vontade dos sujeitos do Direito das Gentes, tendente a criar efeitos jurídicos” (MAZUOLLI, 2020, p. 181). ATENÇÃO O ECIJ não fez previsão de que as resoluções dos Estados constituíssem fonte do Direito Internacional Público, mas, conforme lecionam Accioly, Silva e Casella (2019), a CIJ já entendeu que tais resoluções podem ser consideradas como evidência dos costumes. Eis então que se estabelece uma discussão acerca da juridicidade das resoluções unilaterais dos Estados. Para determinar sua juridicidade como fonte do Direito Internacional Público, precisamos identificar algumas características indispensáveis. A primeira delas é que o ato ou a resolução devem ser internacionais. Ser internacional significa que sua matéria, seu conteúdo, tem por destinatárias as relações entre os Estados e organismos internacionais, suas condutas e relações jurídicas. Conforme leciona Mazzuoli (2020), as obrigações decorrentes deste ato têm por fundamento a ordem jurídica internacional, que lhe atribui a juridicidade necessária. O ponto central, aqui, é que a sua validade, isto é, os critérios pelos quais é considerada como pertencente ao ordenamento jurídico internacional, decorre deste e não da ordem jurídica interna do Estado que o prolata. O segundo aspecto a ser considerado é que os efeitos produzidos devem ser, também, de relevância e impacto internacionais. Por isso, tais atos precisam estar atrelados à atribuição de responsabilidade dos Estados, imputando-lhes comportamentos que podem ser medidos por meio de evidências como declarações, resoluções e demais manifestações da vontade. Isso porque é necessário que expectativas jurídicas tenham sido criadas, segundo afirma Mazzuoli (2020). EXEMPLO Uma manifestação de um deputado federal sobre as relações entre o Brasil e um país asiático não pode ser considerada uma resolução unilateral, pois não tem a força para criar efeitos, tampouco lhe são atribuídas responsabilidade ou expectativas jurídicas daí decorrentes. Evidentemente, no entanto, poderão ser gerados impactos diplomáticos e políticos. Para que os efeitos possam ser criados, os atos unilaterais dos Estados também devem atender à forma específica. A sua redação deve ser específica e sem ambiguidades, com conteúdo (objeto) preciso e determinado, e prolatada por autoridade competente. Ao cumprir esses critérios, a resolução precisa ser capaz de produzir efeitos sobre o comportamento da Sociedade Internacional ou de outros Estados, de tal forma que estes passem a seguir suas determinações. Nesse aspecto, é importante destacar que a conformidade com as determinações das resoluções unilaterais deve ser de boa-fé. Por isso, a doutrina internacionalista de Mazzuoli (2020) considera que as resoluções unilaterais procedem de forma semelhante ao princípio geral do Direito pacta sunt servanda, com a diferença que não há um pacto bilateral, mas um ato unilateral que vincula, que é reconhecido, portanto, um pacta sunt servanda. Se tais atos tiverem vícios em sua forma e validade no ordenamento jurídico interno, não poderão produzir os devidos efeitos, aponta o autor. Vejamos o quadro a seguir: Quanto à forma de exprimir a vontade Tácitos − Silêncio. − Não manifestos. − Silêncio eloquente. − Advindo do direito canônico. Expressos − Manifestações formais dos Estados. − Orais. − Escritas. − Ex.: notificação de recebimento, protesto, renúncia ou abstenção. Quanto aos efeitos jurídicos Autonormativos Impõem obrigações ao Estado que as manifestou. Ex. Caso dos Testes Nucleares. Heteronormativos Impõem obrigações ao Estado e a outros Estados. Ex. Decreto Imperial n. 3.749 de 1866. Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal DECISÕES DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS Por decisões dos organismos internacionais, entendemos as resoluções, manifestações de vontade, comportamento, declarações etc. que visam produzir efeitos jurídicos no ordenamento e nas Sociedades Internacionais. Assim como as resoluções unilaterais dos Estados, as decisões unilaterais dos organismos internacionais não estão previstas no art. 38 do ECIJ. Mazzuoli (2020) sustenta a hipótese de que a omissão de um dispositivo que referenciasse tal fonte se dá por conta de razões históricas e cronológicas. Uma vez que o ECIJ foi editado em 1920, a Sociedade Internacional ainda não tinha experimentado o surgimento da administração pública global vivenciada no pós-Guerra. A juridicidade das decisões unilaterais dos organismos internacionais está, primeiramente, revestida de institucionalidade. Isso porque os organismos internacionais são pessoas jurídicas de Direito Público Externo, constituídas mediante tratado, no qual os Estados constituintes participam indiretamente. Assim como os atos dos Estados, devem ser internacionais para que sejam reconhecidas pelo Direito Internacional Público. POR QUE ESSA DISTINÇÃO? Porque tais organismos também têm atos internos válidos para seus agentes no interior de sua estrutura. Sendo assim, o que é relevante para o estudo das fontes é que eles sejam atos internacionais, ou seja, visem produzir efeitos para os demais atores da Sociedade Internacional. ATENÇÃO É ponto comum na doutrina internacionalista (MAZZUOLI, 2020; ACCIOLY, SILVA, CASELLA, 2019; VARELLA 2019; PORTELLA, 2020) que as decisões dos organismos internacionais podem ter caráter vinculante ou não. A análise da vinculação dependerá da natureza do organismo, do seu tratado constitutivo, da forma pela qual será recebida nos ordenamentos nacionais. Como exemplo de ato unilateral vinculante, temos as Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as Recomendações da Organização Internacional do Trabalho. Como exemplo de decisões unilaterais não vinculantes, temos as declarações e recomendações da Assembleia Geral das Nações Unidas. Estas, como Accioly, Silva e Casella (2019) nos ensinam, representam um ponto de destaque na temática das resoluções unilaterais dos Organismos Internacionais. Mas, afinal,por que as decisões da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AGNU) não são vinculantes? No início da criação da Organização das Nações Unidas, a ideia original era transformar a AGNU em órgão legislativo global. Tal pretensão, porém, não conseguiu ser executada. De um ponto de vista formal e jurídico, as declarações da AGNU não têm caráter de norma jurídica vinculante reconhecida pelo Direito Internacional Público quando prolatadas. Talvez o caso mais importante a ser considerado é o da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Como declaração da AGNU, esta não tem força vinculante apenas e tão somente pela sua edição institucional. javascript:void(0) Foto: Shutterstock.com Todavia, como podemos compreender das lições de Accioly, Silva e Casella (2019), uma declaração pode gerar conformidade no comportamento dos atores internacionais, passando de forma consistente a compor tanto o uso desiderata (habitual) quanto a opinio juris (reconhecimento de que tal declaração gera obrigações). Assim, a declaração passa a ser considerada como parte do Direito Internacional pela via dos costumes. Sendo assim, a DUDH teria efeitos vinculantes ou não? André Carvalho Ramos (2020) destaca que existem três possibilidades de resposta a essa pergunta: (i) Atribuir à DUDH força vinculante por ser a DUDH a fonte de interpretação autêntica do que significa “Direitos Humanos” para a comunidade internacional; (ii) Considera a DUDH vinculante por compor costume internacional que conforma a prática dos Estados; (iii) Considera a DUDH uma norma de soft law, ou seja, sem caráter vinculante, mas que busca dar orientação (guidance) às ações dos atores internacionais. André Carvalho Ramos (2020) defende que a DUDH, atualmente, pode ser considerada norma costumeira internacional. Por sua vez, Mazzuoli (2020) entende que a DUDH é norma de jus cogens, ou seja, de Direito Cogente ou Peremptório. Para os fins deste item, entendemos da mesma forma da análise dos atos unilaterais dos Estados: Há de se analisar se o ato do organismo internacional é válido em primeiro aspecto nos termos da juridicidade positiva do organismo internacional, isto é, se atendeu ao devido processo legal, às determinações de competência, aos prazos, à forma etc. Em seguida, é necessário verificar se o objeto do ato, seu conteúdo e sua finalidade têm o elemento internacional, ou seja, estão ligados ao ordenamento jurídico internacional e para ele visam produzir seus efeitos. Se sim, há de se investigar se tanto o organismo que o emite quanto os atingidos por ele, organismo e partes interessadas (Estados), reconhecem na decisão unilateral a capacidade de gerar obrigação jurídica internacional. Tal reconhecimento pode ser expresso ou tácito, não há como definir em abstrato. Da mesma forma, aqui, não há por que não se analisar a possibilidade de pacta sunt servanda, conforme visto anteriormente. OBRIGAÇÕES ERGA OMNES A expressão latina erga omnes significa: 'Que tem efeito sobre todos'. No âmbito do Direito Internacional Público, obrigações erga omnes são aquelas em que os Estados estão vinculados independentemente de sua aceitação ou vontade, tampouco são passíveis de objeção. Tais obrigações atingem universalmente e sem exceções os atores da Sociedade Internacional. As normas provenientes do Direito Costumeiro Internacional integram as obrigações erga omnes, segundo Malcolm Shaw (2017). Aqui, restam destacados os efeitos dos costumes sobre o conjunto dos atores internacionais, independentemente do voluntarismo estatal. Por conseguinte, as obrigações provenientes dos tratados internacionais não comportam as obrigações erga omnes, uma vez que o consentimento dos Estados, necessário à constituição do tratado, não pode impactar a vontade de outros Estados, conforme explica Mazzuoli (2020). EXEMPLO Podemos citar o dever de respeitar a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a cooperação, a proibição do genocídio, a proteção contra redução à condição análoga de escravo, a proibição da tortura, da discriminação étnico-racional, cultural, de gênero. Significativo é o Caso Barcelona Traction, de 1970, no qual a Bélgica resolveu processar a Espanha demandando reparação, com base na quebra da lei internacional, por conta da desapropriação da empresa Companhia de Carga, Luz e Eletricidade de Barcelona. Essa empresa, embora canadense, possuía sócios acionistas belgas. Imagem: Shutterstock.com O relevante para nossa discussão aqui foi a análise da terceira objeção preliminar, a saber: o direito da Bélgica de exercer proteção diplomática aos acionistas belgas da empresa que é, em sua personalidade jurídica, canadense. Nessa objeção, foi alegada que as medidas de desapropriação não foram tomadas contra os cidadãos nacionais belgas, mas, sim, contra a companhia considerada em si. A seguir, segue a manifestação da Corte Internacional de Justiça: QUANDO UM ESTADO ADMITE EM SEU TERRITÓRIO INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS OU CIDADÃOS ESTRANGEIROS, SEJAM ELES PESSOAS NATURAIS OU JURÍDICAS, É EXTENSÍVEL A ELES A PROTEÇÃO DO DIREITO E AS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS CONCERNENTES AO TRATAMENTO ATRIBUÍDO A ELES. ESTAS OBRIGAÇÕES, CONTUDO, NÃO SÃO ABSOLUTAS OU SEM QUALIFICAÇÃO. EM PARTICULAR, UMA DISTINÇÃO ESSENCIAL DEVE SER TRAÇADA ENTRE AS OBRIGAÇÕES DE UM ESTADO PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL COMO UM TODO E AQUELAS QUE SURGEM, VIS-À-VIS, PERANTE OUTRO ESTADO NO CAMPO DA PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA, DADO QUE A NATUREZA CENTRAL DAS PRIMEIRAS É CONCERNENTE A TODOS OS ESTADOS. EM FACE DA IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS ENVOLVIDOS, OS ESTADOS PODEM SER CONSIDERADOS COMO TENDO INTERESSE LEGAL EM SUA PROTEÇÃO; ESTAS SÃO OBRIGAÇÕES ERGA OMNES. TAIS OBRIGAÇÕES DERIVAM, POR EXEMPLO, NO DIREITO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO, DA PROIBIÇÃO LEGAL DE ATOS DE AGRESSÃO, DE GENOCÍDIO, ASSIM COMO OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS CONCERNENTES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA, INCLUINDO A PROTEÇÃO CONTRA A ESCRAVIDÃO E DISCRIMINAÇÃO RACIAL. ALGUNS DESTES DIREITOS CORRESPONDENTES DE PROTEÇÃO ADENTRARAM NO CORPO DO DIRETO INTERNACIONAL GERAL (RESERVAS À CONVENÇÃO DE PREVENÇÃO E PUNIÇÃO POR CRIMES DE GENOCÍDIO, OPINIÃO CONSULTIVA, C.I.J. REPORT 1951, P.23); OUTROS SÃO OUTORGADOS POR INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS UNIVERSAIS OU QUASE UNIVERSAIS EM SUA NATUREZA. (INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case Concerning the Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited, 1970, p.32. – tradução livre) Nesse julgamento, restou consolidado que as obrigações erga omnes constituem fonte de Direito Internacional Público. Nas lições de Mazzuoli (2020), ao explicar a posição dos juristas sobre as obrigações erga omnes, há um consenso de que estas constituem os valores fundamentais da Sociedade Internacional. Um núcleo duro de regras quase-naturais para o comportamento dos Estados, organismos internacionais e indivíduos no âmbito global. As obrigações erga omnes constituem a centralidade normativa internacional que atinge a todos os atores, sem distinção, para que os elementos básicos de uma convivência justa e harmoniosa possam ser mantidos. Podemos, então, entender que as obrigações erga omnes são formadas pelos costumes internacionais e pelos princípios fundantes da ordem pública internacional. JUS COGENS Jus cogens, ou Direito Cogente, refere-se às normas imperativas de Direito Internacional que não são passíveis de serem revogadas por outras normas, a não ser por outra norma de Direito Cogente. Portanto, são imperativas e inderrogáveis, possuindo um status hierárquico superior (SHAW, 2017; MAZZUOLI, 2020). As normas imperativas de Direito Internacional possuem um status hierárquico superior às demais normas, não sendo, portanto, sujeitas ao voluntarismo dos Estados soberanos. A Convenção de Viena de 1969, em seu art. 53, trata das normas de jus cogens, devendo ser consultada. Como é possível inferir, uma norma de jus cogens deve ser aceita e reconhecida pela comunidade internacional como um todo.
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