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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ DEISE ANA RIOS ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LING UAGEM LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL São José 2009 1 DEISE ANA RIOS ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LING UAGEM LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL Trabalho elaborado para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ. Profª. MSc. Andréa Simões Rivero. São José 2009 2 DEISE ANA RIOS ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LING UAGEM LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Avaliado em 09 de julho de 2009 por: ________________________________ Profª. MSc. Andréa Simões Rivero Orientadora ________________________________ Profª. MSc. Regina Ingrid Bragagnolo Membro Examinador ________________________________ Profª. MSc. Cecília Dolzan Membro Examinador 3 AGRADECIMENTOS A Deus, em primeiro lugar, por ter me agraciado com esta oportunidade de estudar, que sempre almejei; A minha família, pela compreensão e pelo apoio; À minha orientadora Profª. MSc. Andréa Simões Rivero, que me mostrou como exercer a (co)autoria; E aos amigos com os quais pude dividir os diferentes momentos que vivi durante a produção deste Trabalho de Conclusão de Curso; A todos, muito obrigada! 4 No reino do “Era uma vez”, o faz-de-conta realiza estripulias e nos convida a brincar, para nos desarmar das enferrujadas armaduras e voar livres pelas paragens das maravilhas com as asas da imaginação. Eliane Debus 5 RESUMO Nesse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) objetivou-se construir um maior entendimento acerca da literatura como forma de linguagem, com o intuito de compreender o papel da literatura infantil em contextos de Educação Infantil e os modos específicos como as crianças de 0 a 6 anos vivenciam a experiência literária; identificar os possíveis modos de interação e participação das crianças nas experiências literárias; as contribuições da literatura para a formação cultural e lúdica das crianças e as formas apropriadas de se apresentar e contar uma história para crianças pequenas. O trabalho delineia um breve histórico sobre a literatura infantil e por meio de algumas referências, aborda as suas possibilidades na educação das crianças. Buscando-se identificar o que vêm sendo produzido e discutido recentemente sobre esta linguagem no âmbito acadêmico educacional, realizou-se um levantamento de parte da produção teórica sobre o assunto, por meio de consultas no site da ANPEd. O levantamento possibilitou a localização de 12 trabalhos apresentados, nas últimas nove edições da Reunião Anual da ANPEd, realizadas no período de 2000 a 2008, que abordam a temática da literatura infantil. A pesquisa revela a pouca produção sobre a temática no âmbito da Educação Infantil, visto que a maioria dos trabalhos selecionados discute a literatura em contextos dos Anos Iniciais. Aponta também, as contribuições dessa linguagem, o papel do professor na mediação da relação da criança com a literatura infantil e o fato de, muitas vezes, a literatura ser reduzida a uma dimensão pedagógica que a desconsidera como linguagem. Palavras-chave: Literatura Infantil. Educação Infantil. Anos Iniciais. 6 ABSTRACT In this Work of Conclusion of Course it was objectified to construct a bigger agreement concerning literature as language form, with intention to understand the specific paper of infantile literature in contexts of Infantile Education and ways as the children of 0 to 6 years live deeply the literary experience; to identify to the possible ways of interaction and participation of the children in the literary experiences; the contributions of literature for the cultural and playful formation of the children and the appropriate forms to present and count a history for small children. The work delineates a historical briefing on infantile literature by some references, it approaches its possibilities in the education of the children. Searching to identify what it come being produced and argued recently about that in the academic scope, a survey of part of the theoretical production was become fulfilled on the subject, by consultations in site of the ANPEd. The survey made possible the localization of 12 presented works, in last the nine editions of the Annual Meeting of the ANPEd, carried through in the period of 2000 to 2008, that it approach the thematic of infantile literature. The research discloses the little production on the thematic in Infantile Education scope, since the majority of the selected works argues literature in contexts of the Initial Years. It also points, the contributions of this language, the paper of the teacher in the mediation of the relation of the child with infantile literature and the fact of, many times, literature to be reduced to a pedagogical dimension that disrespects it as language. Key words: Infantile Literature. Infantile Education. Initial Years. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 8 2 OS CAMINHOS DA PESQUISA......................................................................................12 3 OS PILARES QUE SUSTENTAM UMA PEDAGOGIA DA INFÂNC IA ..................15 4 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A LITERATURA INFANTIL... ............................19 4.1 A literatura infantil brasileira ........................................................................................21 5 A LINGUAGEM LITERÁRIA E SUAS POSSIBILIDADES NA ED UCAÇÃO DAS CRIANÇAS ............................................................................................................................ 25 6 UM LEVANTAMENTO DA RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA NO ÂM BITO ACADÊMICO EDUCACIONAL SOBRE LITERATURA INFANTIL.... .......................34 6.1 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Educação de crianças de zero a seis anos” (GT 07) ..................................................................................................................37 6.2 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Formação de professores” (GT 08) ........................................................................................................................................... 52 6.3 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Alfabetização, leitura e escrita” (GT 10) ................................................................................................................................... 55 6.4 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Estudo Educação e Arte” (GE 01) ...........67 7 A PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE LITERATURA INFANTIL NA A NPEd: EM BUSCA DE SUAS ÊNFASES ...............................................................................................75 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................80 9 REFERÊNCIAS...................................................................................................................82 8 1 INTRODUÇÃO ... ERA UMA VEZ ... O estágio em Educação Infantil realizadono Curso de Pedagogia, no período de 11-3- 08 a 1º-7-08, em um Centro de Educação Infantil (CEI), da rede pública municipal de São José, com crianças na faixa etária de 5 a 6 anos, possibilitou-me maior aproximação e discussão sobre a temática das múltiplas linguagens1, evidenciando a importância de aprendermos a ouvir as crianças, perceber seus modos de viver e sentir o mundo, de concebê- las como produtoras de cultura, atores sociais2, de possibilitar que seus “cem sempre cem”3 modos de se expressar, que constituem suas linguagens, sejam valorizados e possam estar presentes em todos os momentos de seu cotidiano. De tal modo, estaremos de fato construindo concepções e práticas que defendam as crianças como sujeitos ativos nos contextos dos quais fazem parte, reconhecendo-as não como meras reprodutoras de cultura, mas sim como produtoras de culturas, percebendo-as pelo o que elas têm e não pelo que lhes falta. Nesse contexto, entende-se como concepção de linguagem toda e qualquer produção humana. Segundo Junqueira Filho (1999, p. 40): “[...] cantar, dançar, brincar, jogar, falar, conversar, contar e ouvir histórias, cozinhar, modelar, pintar, recortar e colar, classificar, quantificar, seriar, pesquisar e discutir sobre fenômenos da natureza e assuntos diversos de seus interesses, ler, escrever, [...]” seriam linguagens; funcionamentos das crianças para (se) lerem e (se) escreverem (no) o mundo; para se produzirem crianças e produzirem o mundo. Segundo o autor, esses seriam conteúdos curriculares em ação pelas crianças, “[...] na sua busca de produção de sentido sobre si mesmas e o mundo, que podem e precisam ser intencionalmente sugeridos, articulados e acompanhados [...]”. Nessa perspectiva e na defesa de uma Pedagogia que leve em conta essa multiplicidade de linguagens constituidoras da criança e a necessidade de que elas sejam valorizadas na Educação Infantil, Coutinho (2002, p. 136-137) afirma que projetar uma Pedagogia que sustente “[...] uma educação infantil que respeite as cem linguagens das crianças, que confira a elas o direito a ter cem modos de pensar, de falar, de jogar, de escutar 1 A respeito das múltiplas linguagens na Educação Infantil ver: Coutinho (2002); Oliveira (2004); Edwards, Gandini e Forman (1999). 2 Algumas das referências teóricas que embasam a compreensão das crianças como produtoras de cultura são: Coutinho (2002); Perrotti (1990); Pinto e Sarmento (1997). 3 Expressão utilizada por Loris Malaguzzi, em seu poema “Ao Contrário, As Cem Existem”. 9 as maravilhas de amar, enfim, de viver intensamente todas as linguagens já citadas por Malaguzzi [...]”, incluindo aquelas nas quais ainda não estamos alfabetizados, mas que as crianças expressam nas suas relações, demanda um olhar e tratamento de respeito às infâncias das crianças e a compreensão de “[...] que a criança não é só produto, mas também produtora de cultura, que ela possui desejos, sonhos, paixões. Que se expressa fundindo sentimento e linguagens, ações e reações, fantasia e realidade”. A relevância dos aspectos abordados foi perceptível e compreensível no decorrer da trajetória de estágio. Durante o período destinado às observações, foi possível perceber que as crianças com as quais mantive contato estavam em processo de alfabetização, no qual as linguagens mais evidenciadas eram a oral e a escrita. A professora propunha situações em que essas linguagens eram mais valorizadas do que as outras, entretanto, muitos outros modos de expressão permeavam intensamente essas linguagens, entre eles: o brincar, o desenhar, o contar e ouvir histórias, o movimentar-se, o cantar. Diante desse quadro, evidenciou-se a necessidade de observar atentamente, analisar e compreender os modos como as crianças desse grupo vinham se apropriando da linguagem escrita e das diversas linguagens (a literatura infantil, o desenho, a música e a brincadeira) com as quais elas tinham contato no cotidiano do C.E.I. e em outros contextos em que estavam inseridas. A partir dessa necessidade, delimitou-se como temática do projeto de estágio “A linguagem escrita e sua articulação com outras formas de linguagem na Educação Infantil”, tendo-se como objetivo principal compreender e ampliar o repertório de linguagens das crianças, entendendo o quanto a articulação entre as linguagens é importante para elas, em virtude das especificidades da infância. Faz-se necessário ressaltar que a delimitação da temática decorreu do contato com as crianças e suas experiências relatadas nos registros de estágio4, na análise e reflexão sobre os mesmos, em que as crianças evidenciaram um grande interesse pela contação de histórias, pela musicalidade, pelo desenho, pela brincadeira, entre outros. Considerando-se esses interesses e o objetivo do projeto, as proposições pedagógicas que fizemos ao grupo, possibilitaram a manifestação e experiências com diferentes linguagens, como a musical, a corporal, a literatura infantil, a escrita, a dramatização, o desenho, a brincadeira, entre outras. Sempre objetivando despertar o interesse e motivar as crianças a participarem do que havia sido preparado para elas, buscou-se privilegiar a 4 Os registros de estágio são relatos dos momentos vivenciados com as crianças; eles descrevem nossas experiências com os pequenos. 10 dimensão da ludicidade e da imaginação, tornando mais prazerosos os momentos que passaríamos juntos. Esses momentos foram muito significativos e marcantes para mim, assim como toda a trajetória de estágio. Possibilitou-me estar com as crianças a todo o momento, aproximando- me dos modos de ser criança, brincando, realizando as atividades, fotografando, valorizando suas falas e ações, seus enredos e suas brincadeiras. Em virtude disso, e de toda a experiência positiva que o estágio me proporcionou, decidi realizar meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Educação Infantil, pensando na defesa da temática das Múltiplas Linguagens. No entanto, refletindo sobre esta possibilidade juntamente com a minha orientadora do TCC, concluí que esta proposta seria inviável para um trabalho de graduação, tendo-se em vista a dimensão da temática, as proporções que ela tomaria, os aspectos a serem abordados e contemplados, e ainda o tempo para realização e concretização desta pesquisa. Optei, então, por direcionar minha pesquisa e o aprofundamento dos conhecimentos teóricos a uma das diversas linguagens. Para tanto, retomei os registros elaborados durante o estágio. Revendo e revivendo os registros dos momentos vivenciados no estágio, com o intuito de encontrar questionamentos que esses me provocassem e identificar qual a linguagem mais manifestada pelas crianças, é que pude perceber a presença da literatura em muitos desses registros. Eles evidenciam os pedidos das crianças para a contação de histórias, o envolvimento e a participação delas em situações em que se propôs o contato com livros e com essa forma de linguagem, e ainda o quanto a organização do espaço e a maneira de se apresentar e compartilhar uma história com as crianças, são fatores que contribuem significativamente para este envolvimento. Esses indícios me chamaram a atenção e me instigaram a investigar sobre o modo como as crianças vivenciam a contação de histórias, por que elas gostam tanto de ouvir histórias e como podemos proporcionar sua participação e interação nas narrações. Diante do fato de a literatura infantil constituir-se no tema desta pesquisa, faz-se necessário e relevante apresentar a concepção de literatura que se defende. Compartilhando das idéias de Battaglia (2003, p. 118), entendo a literatura infantil como uma linguagem a ser manifestada e valorizada nos contextos infantis, em que o “leitor que, sendo educador, apresenta a literatura para as crianças comouma brincadeira levada a sério, uma brincadeira que, partindo da palavra, acontece ‘dentro da cabeça’, pondo em ação o corpo, a razão e a sensibilidade, numa relação plena do ato de conhecer”. Considerando-se os indicativos expostos, a pesquisa objetivou construir um maior entendimento acerca da literatura como forma de linguagem, com o intuito de compreender o 11 papel da literatura infantil em contextos de Educação Infantil e os modos específicos como as crianças de 0 a 6 anos vivenciam a experiência literária. A pesquisa teve o intuito, também, de identificar os possíveis modos de interação e participação das crianças nas experiências literárias, as contribuições da literatura para a formação cultural e lúdica das crianças e as formas apropriadas de se apresentar e contar uma história para crianças pequenas. Metodologicamente, este trabalho se constituiu numa pesquisa bibliográfica, em que se realizou um levantamento parcial da recente produção teórica no âmbito acadêmico sobre literatura infantil através de consultas no site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Delimitou-se como campo de investigação o site da ANPEd, em virtude dessa Associação ter como um de seus objetivos promover a produção e difusão de trabalhos científicos e acadêmicos na área da educação, constituindo-se em uma das referências para o acompanhamento da produção brasileira no campo educacional. O presente trabalho está estruturado em seis seções. A primeira seção relatará como foi realizada a pesquisa no site da ANPEd e como se deu o processo de seleção dos trabalhos. A segunda seção explicitará as concepções de criança, de cultura, de infância e de linguagem que fundamentam o trabalho. Na terceira seção, contextualizar-se-á, brevemente, o surgimento da literatura infantil e seus desdobramentos, para um maior entendimento das atuais produções e discussões, contemplando, em sua subseção, a literatura infantil brasileira. Na quarta seção, apresenta-se a linguagem literária e suas possibilidades na educação das crianças. Dando continuidade, será apresentado, na quinta seção, o levantamento realizado, no site da ANPEd, da recente produção teórica sobre literatura infantil, seguido da descrição dos trabalhos localizados. Na sexta seção, procura-se apontar alguns dos aspectos abordados nos trabalhos da ANPEd, ressaltando-se o que o levantamento realmente evidenciou, indicando as “presenças e ausências” de questões relacionadas à literatura infantil nos trabalhos e destacando a concepção de literatura infantil presente neles. Nas considerações finais far-se-ão considerações a respeito do estudo desenvolvido, das contribuições e indicações da pesquisa e da importância de todo o caminho trilhado. Um dos propósitos desta pesquisa, portanto, é compartilhar as recentes discussões e produções acadêmicas, acerca da literatura infantil, presentes nas Reuniões Anuais da ANPEd, além de confirmar e evidenciar, por meio dos referenciais teóricos estudados, a suma importância dessa linguagem nos contextos infantis. 12 2 OS CAMINHOS DA PESQUISA Para a concretização das intenções de pesquisa, realizou-se um levantamento de uma parte da recente produção teórica no âmbito acadêmico sobre o assunto. O levantamento foi realizado durante os meses de março e abril de 2009, por meio de consultas no site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação5 (ANPEd). A ANPEd6 é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em 1976, com o auxílio de alguns Programas de Pós-Graduação da Área da Educação. Em 1979, a Associação consolidou-se como sociedade civil e independente, admitindo sócios institucionais (os Programas de Pós-Graduação em Educação) e sócios individuais (professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação em educação). A Associação tem como finalidade a busca do desenvolvimento e da consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da Educação no Brasil. Ao longo dos anos, tem se projetado, no País e fora dele, como um importante fórum de debates das questões científicas e políticas da área, tendo se tornado referência para acompanhamento da produção brasileira no campo educacional. A ANPEd é também uma das entidades que indica listas tríplices para compor as Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. As atividades da ANPEd estruturam-se em dois campos: o Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação (EDUFORUM), que são sócios institucionais da ANPEd, e os Grupos de Trabalho (GTs), que reúnem pesquisadores interessados em áreas de conhecimento especializado da educação. Os GTs, para se constituírem, precisam inicialmente funcionar durante 2 anos no formato de Grupos de Estudo, com aprovação prévia da Assembléia Geral. Os Grupos de Trabalho atuam, durante todo o ano e nas reuniões anuais da ANPEd, difundindo discussões sobre suas temáticas específicas. De acordo com o que consta no site, são 22 (vinte e dois) GTs, sendo eles e suas respectivas áreas temáticas: GT 02 - História da Educação; GT 03 - Movimentos Sociais e Educação; GT 04 - Didática; GT 05 - Estado e Política Educacional; GT 06 - Educação Popular; GT 07 - Educação de Crianças de Zero a Seis Anos; GT 08 - Formação de Professores; GT 09 - Trabalho e Educação; GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita; GT 11 - Política de Educação Superior; GT 12 - Currículo; 5 httt://www.anped.org.br 6 As informações sobre a ANPEd, contidas nessa seção do trabalho, foram retiradas do site da Associação. 13 GT 13 - Educação Fundamental; GT 14 - Sociologia da Educação; GT 15 - Educação Especial; GT 16 - Educação e Comunicação; GT 17 - Filosofia da Educação; GT 18 - Educação de Jovens e Adultos; GT 19 - Educação Matemática; GT 20 - Psicologia da Educação; GT 21 - Educação e Relações Étnico-Raciais; GT 22 - Educação Ambiental; e GT 23 - Gênero, Sexualidade e Educação. Funciona, também, desde o ano de 2007, o Grupo de Estudo – GE 01 – Educação e Arte. A ANPEd tem como objetivos promover a produção e difusão de trabalhos científicos e acadêmicos na área educacional; instigar as atividades de pós-graduação e pesquisa em educação; promover a co-participação das comunidades acadêmica e científica na formulação e desenvolvimento da política educacional do País, sobretudo no tocante à pós-graduação. Um dos seus veículos de comunicação é a página eletrônica na Internet. Nela estão disponíveis, para acesso, tudo que diz respeito à Associação, trata-se de um rol de informações. Tradicionalmente, a Associação promove a Reunião Anual da Entidade, que congrega os Grupos de Trabalho, promove mesas-redondas, sessões especiais, conferências, debates minicursos, exposições e apresentação de trabalhos e pôsteres, nos quais pesquisas, reflexões e propostas sobre a Educação, nos contextos nacional e internacional, são divulgadas e debatidas. A ANPEd, como já afirmado, foi o cenário de atuação para o desenvolvimento da pesquisa. Logo, para a realização do levantamento de uma parte, da atual produção acadêmica sobre literatura infantil, no contexto da Educação Infantil, acessou-se o site da ANPEd e nele o link Reuniões Anuais, no qual estão disponíveis as edições das Reuniões anteriores ao ano de 2009, com seus respectivos programas, relatórios e tudo que diz respeito à organização do evento. Ressalta-se que foram nove o total de edições das Reuniões que se tornaram alvo da pesquisa, por serem essas as disponíveis no site. Constavam no site, durante o período em que se realizou o levantamento dos trabalhos, as edições a partir da 23ª Reunião, realizada no ano de 2000, até a 31ª Reunião, que corresponde à edição de 2008. Como a pesquisa objetiva realizar um levantamento da recente produção teórica no âmbito acadêmico, a atençãoesteve voltada, em cada Reunião, aos textos dos trabalhos e pôsteres apresentados; aos textos dos trabalhos encomendados; e, ainda, às sessões especiais e aos minicursos. No entanto, destaca-se que todos os trabalhos localizados foram selecionados no link “Textos dos trabalhos e pôsteres apresentados”, logo nenhum trabalho foi localizado nos demais links pesquisados e citados acima. 14 Inicialmente, os trabalhos foram selecionados, nos GTs 07, 10 e 20, de cada Reunião Anual da ANPEd, já que o objetivo maior era localizar trabalhos que discutissem a literatura infantil em contextos da Educação Infantil. Entretanto, em virtude da possibilidade de outros GTs contemplarem e abordarem, em suas discussões, a temática literatura infantil, mesmo sem considerar especificamente as crianças de 0 a 6 anos, sentiu-se necessidade de ampliar a investigação elegendo outros Grupos de Trabalho para a pesquisa, pois os trabalhos apresentados nesses grupos poderiam contribuir para a construção de um maior entendimento sobre o assunto. A seleção dos Grupos de Trabalho se deu pelo critério da área temática desses. Sendo 22 (vinte e duas) as áreas temáticas, foram selecionados os GTs que poderiam apresentar discussões e pesquisas sobre o assunto em questão. Assim sendo, os Grupos de Trabalho que fizeram parte do universo da pesquisa foram o GT 07 - Educação de Crianças de Zero a Seis Anos; o GT 08 - Formação de Professores; o GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita; o GT 13 - Educação Fundamental; o GT 16 - Educação e Comunicação; e o GT 20 - Psicologia da Educação. Nas duas últimas Reuniões consta, como já mencionado, o Grupo de Estudo - GE 01 – Educação e Arte, que também foi contemplado na pesquisa. Para selecionar os trabalhos, verificou-se, um a um, em busca de expressões, em seus títulos, que indicassem tratar de literatura infantil relacionada à educação de crianças, sendo algumas das expressões que se buscava, literatura infantil, literatura, histórias, narrativas, leitura, livro, imaginário, linguagens e arte. Algumas edições da Reunião Anual da ANPEd colocam à disposição, além do texto do trabalho, o seu resumo. Esses resumos, em alguns momentos, auxiliaram e facilitaram o processo de seleção. Com o intuito de verificar, num primeiro momento, se o trabalho discutia ou não a linguagem literária, utilizou-se da ferramenta “localizar”, que localiza, no texto, as palavras desejadas. Quando da necessidade de usar essa ferramenta, as palavras a serem localizadas eram literatura, narração, história, livro e criança. O levantamento foi realizado durante os meses de março e abril de 2009. Logo depois, procedeu-se à leitura e análise dos trabalhos, ao longo de três meses (abril, maio e junho)7. 7 Os trabalhos selecionados serão identificados, apresentados e descritos na seção “Um levantamento da recente produção teórica no âmbito acadêmico educacional sobre literatura infantil”, na página 34. 15 3 OS PILARES QUE SUSTENTAM UMA PEDAGOGIA DA INFÂNCI A As concepções que norteiam a prática pedagógica na Educação Infantil vêm sendo bastante discutidas atualmente. Procura-se repensar a perspectiva adultocêntrica que tem permeado as relações entre crianças e profissionais, assim como a função social da Educação Infantil, tendo-se em vista que as crianças constituem a sociedade da qual fazemos parte e precisam ser consideradas e valorizadas nessa fase da vida, e não apenas em uma perspectiva futura. A criança, a partir de um olhar adultocêntrico, é considerada como alguém que deve tornar-se adulto em miniatura, sob esse olhar suas experiências e atitudes passam pelo crivo dos adultos e são explicadas e avaliadas a partir desses. As crianças, vistas por essa ótica, tendem a ser excluídas da sociedade, parecem ser menos importantes ou dignas de serem percebidas, como expõe Oliveira (2004, p. 189) “[...] culturalmente aprendemos a enxergá- las: incompletas, sem fala, um vir a ser, seres assexuados, inocentes [...]”. Segundo Ângela Coutinho (2002), em sua dissertação de mestrado, compreender as crianças como seres diferentes dos adultos seria o passo inicial para se pensar um processo educacional voltado para as especificidades das crianças. Coutinho (2002) propõe, a partir da tese de Rocha (1999), a construção de uma Pedagogia da Educação Infantil. Nessa perspectiva, a criança é concebida como sujeito de direitos, agente ativo que tem, ou deveria ter, seu espaço reconhecido tanto no âmbito social como educacional. A criança é considerada como ator social, capaz de interagir em sociedade e de atribuir sentido as suas ações, simbolizar e criar. Essa visão é oposta àquela que concebe a criança como um ser passivo, que somente imita, reproduz o que vê e ouve. A consideração das crianças como actores sociais de pleno direito, e não como menores ou como componentes acessórios ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas (PINTO; SARMENTO, 1997, p. 20). Ao se discutir cultura relacionando-a à infância, faz-se oportuno apresentar a concepção que se tem desta: [...], o conceito de cultura (s) é entendido aqui enquanto ato de criação, uma teia de significados estabelecida entre os homens e tecida por fios intermináveis que expressam uma forma de ver, de sentir e de relacionar-se com a vida natural, social, objetiva e subjetiva, tornando “as coisas do mundo” inteligíveis: abarca hábitos, crenças, língua, imaginário [...] (FERNANDES, 1998 apud OLIVEIRA, 2004, p. 191). 16 Cabe ressaltar a contribuição de Coutinho (2002), em relação à discussão do significado de cultura, em que ela afirma que essa seria um sistema simbólico, no qual o sujeito ressignificaria a cultura com a qual tem contato, criando sentidos e significados próprios que permitiriam o compartilhamento de ideias e noções da vida em sociedade, e esse processo aconteceria inclusive no período da infância. Trata-se das culturas infantis, uma cultura produzida coletivamente por grupos de crianças, que constróem sentidos e significados na troca com o outro, constituindo-se numa cultura de pares. Entretanto, a produção cultural infantil não é única ou homogênea, por isso, denomina-se no plural: culturas infantis. E, além disso, essas não são fechadas em si mesmas, mas se constituem em permanente relação com a cultura mais ampla, criada e manifestada na sociedade. [...] a cultura infantil é uma rede de significados gestados no interior das relações entre as crianças e se consolida mediante a ressignificação, a reprodução, a produção de vivências socioculturais. Essa cultura tem a diversidade como característica – pois existem culturas infantis e não uma cultura infantil única – e a relação entre a realidade e a fantasia (COUTINHO, 2002, p. 111). Ainda, segundo Coutinho (2002, p. 112), são características que se “fazem presentes constantemente nas relações entre as crianças e, assim, na criação e manifestação das suas culturas, o lúdico, a diversidade cultural e as múltiplas linguagens”. É impossível negar que as crianças produzem uma cultura que é diferente da dos adultos, as formas de as crianças verem e lidarem com as coisas e suas formas de raciocínio são específicas, segundo Benjamin apud Oliveira (2004, p. 187), “os não-adultos vivenciam com espírito repleto de sensibilidade, não aniquilando, assim os sonhos e desejos de conquista que afloram nos seus pensamentos”. Por esse viés, reconhecemos que as crianças, coletivamente, constróem uma produção cultural com características próprias e, entende-se a infância como uma construção social, em que cada ser humano tem e vive uma (infância) diferente, embora partilhem significações comuns. Ser ou não criançaé diferentemente vivido por cada um de modo distinto, considerando-se que A infância não é uma experiência universal de qualquer duração fixa, mas é diferentemente construída, exprimindo as diferenças individuais relativas à inserção de gênero, classe, etnia e história. Distintas culturas, bem como as histórias individuais, constroem diferentes mundos de infância (BOB FRANKLIN, 1995 apud PINTO; SARMENTO, 1997, p. 17). O olhar sobre a infância não foi sempre o mesmo, isso nos leva a acreditar que os significados também não foram os mesmos, modificações ocorreram e ocorrem devido a 17 fatores culturais e mudanças estruturais na sociedade. O conceito de infância é, portanto, construído historicamente, a partir das modificações nas formas de organização da sociedade, à medida que mudam a inserção e o papel da criança e também da mulher na família e na sociedade. Não se pode pensar em única infância, pois essa reflete as variações da cultura humana, uma vez que numa mesma sociedade, existem e são construídas diferentes infâncias. Ainda que se pense na infância como um tempo comum vivenciado por todas as crianças, não há realmente essa homogeneidade: a infância vivida por diferentes crianças é heterogênea, ainda que se encontre no interior de uma mesma sociedade. O caráter plural da infância, levantado por Sarmento, leva-nos a considerar que não existe “infância” e sim “infâncias” [...] (COUTINHO, 2002, p. 109). Para que a Educação Infantil exerça e consolide sua função social, faz-se necessário, entre outros aspectos, que aprofundemos estudos e reflexões sobre os aspectos abordados até então, sendo assim, tem-se buscado concretizar o que se denomina de “Pedagogia da Infância”. Enfatizando-se a relevância da perspectiva dessa Pedagogia da Infância, Coutinho e Rocha (2007, p. 11), em “Bases curriculares para a Educação Infantil? Ou isto ou aquilo”, argumentam que Uma Pedagogia da Infância, comprometida, definirá as bases para um projeto educacional-pedagógico para o cumprimento de sua função educativa de ampliação e diversificação dos conhecimentos e experiências infantis. Mas para exercer esta tarefa, não basta conhecermos as crianças (padronizadas e uniformizadas), ou estudar os modelos e métodos para ensinar os “conteúdos”. Os núcleos da ação pedagógica abrangem os diferentes âmbitos que constituem a construção do conhecimento da realidade pela criança (linguagem gestual, corporal, oral, pictórica, plástica e escrita; relações sociais, culturais e com a natureza) e exigem conhecer as crianças através de seu complexo acervo de patrimônio lingüístico, intelectual, expressivo, emocional, enfim, as bases culturais que as constituem com tal. As crianças têm muito a dizer, muito até a ensinar, basta “que haja quem os queira escutar e ter em conta” (OLIVEIRA, 2004, p. 190). Nesse processo, tornam-se evidentes suas linguagens e, como nos mostra a autora, é necessário que os adultos se alfabetizem nessas formas de expressão, que aprendam a escutar, registrar e representar as vozes, os movimentos das crianças, que respeitem os seus diálogos verbais, gestuais e afetivos, não priorizando as linguagens oral e escrita somente, como complementa Coutinho (2002). Enfim, as crianças são sujeitos ativos, portanto possuem voz, precisam que lhes deem vez para mostrar tudo que são capazes de construir e reconstruir. Sem nos esquecermos das diversas linguagens, por meio das quais se expressam e, a partir das quais, podemos ter muitos indícios sobre tudo que são e sentem. 18 O desenho, a música, a brincadeira e a literatura infantil são algumas dessas diversas linguagens com as quais as crianças interagem em nossa cultura e, por meio delas, as crianças se expressam, produzem e reproduzem sentidos e significados, imaginam, comunicam-se e vivenciam experiências várias. 19 4 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A LITERATURA INFANTIL Na obra “Literatura Infantil Brasileira - História e Histórias”, as autoras Marisa Lajolo e Regina Zillberman (2007), apresentam referências sobre o histórico da literatura infantil. Segundo as autoras, os primeiros livros publicados especificamente para crianças surgiram, na primeira metade do século XVIII, na Europa. Antes desses, registram-se apenas histórias que foram escritas durante o classicismo francês, no século XVII, que vieram a fazer parte da literatura destinada ao público infantil, como as “Fábulas”, de La Fontaine, “As aventuras de Telêmaco”, de Fénelon, e “Contos da Mamãe Gansa”, de Charles Perrault. Quando se trata do início da produção literária infantil, Charles Perrault é uma das referências. Em 1695, aos 62 anos, ele começou a registrar as histórias que ouvia de sua mãe e, nos salões parisienses. De acordo com Silveira (2005), ele buscou nas fontes populares, narrativas orais e, pela primeira vez, adaptou-as para crianças, inaugurando assim, os contos de fadas. Perrault coletou, entre outros contos, “A Chapeuzinho Vermelho”, “Cinderela”, “O Gato de Botas” e “O Pequeno Polegar”. O desenvolvimento da literatura infantil, não foi exclusividade dos franceses, na Inglaterra também houve a sua expansão e difusão, em virtude das mudanças na sociedade derivadas, sobretudo, da Revolução Industrial, no século XVIII, relatam Lajolo e Zilberman (2007). A Revolução Industrial provocou a industrialização e a urbanização nas cidades, surgindo em meio a este cenário a classe social burguesa. A burguesia, para atingir suas metas, entre elas o controle social, utilizou-se de instituições como a família e a escola. Tratando-se da família, criou-se um estereótipo familiar, baseado na divisão do trabalho, no modo de vida mais doméstico e menos participativo publicamente. Esse modelo familiar burguês, para ser legitimado, promoveu a criança como beneficiário maior desse conjunto, já que “inexistia uma consideração especial para com a infância” (ZILBERMAN, 1981, p. 15). Durante muitos séculos, a criança foi vista como um adulto em miniatura, participando de vários aspectos da vida adulta. Não havia o reconhecimento de que a criança é diferente dos adultos, em suas formas de ver, estabelecer relações, agir e pensar, e esta faixa etária não era percebida em suas especificidades. A preservação da infância impõe-se enquanto valor e meta de vida; porém, como sua efetivação somente pode se dar no espaço restrito, mas eficiente, da família, esta canaliza um prestígio social até então inusitado. A criança passa a deter um novo papel na sociedade, motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a 20 pedagogia ou a pediatria) de que ela é destinatária (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 17, grifo meu). No que diz respeito à escola, essa era facultativa até o século XVIII, por força de dispositivos legais, passou a ser obrigatória para todas as crianças, deixando de ser exclusividade das crianças burguesas. O ingresso na escola tornou-se algo natural e obrigatório, justificado pela “fragilidade e despreparo dos pequenos” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 17), que urgentemente precisavam ser preparados e capacitados para o futuro, por meio da educação, a fim de enfrentar um mercado competitivo, em rápida expansão. Assim como a família, a escola passou a exercer um papel na constituição dessa criança. Ao surgir em meio à industrialização da Inglaterra, a literatura infantil assumiu, desde o início, a condição de mercadoria. A produção e o consumo de livros aumentaram e, como conseqüência, houve a propagação de outros gêneros literários. Nesse contexto, nasceu a relação entre a escola e a literatura infantil, uma vez que esta exigiu o domínio da língua escrita, a capacidade da leitura. Segundo Lajolo e Zilberman (2007, p. 18), “os laços entre a literaturae a escola começam desde este ponto: a habilitação da criança para o consumo de obras impressas”. Atrelada à escola e aos interesses da burguesia, a literatura infantil adquiriu características de cunho pedagógico e os livros passaram a ser utilizados como instrumento de apoio ao ensino na formação da criança. De acordo com Cunha (1990, p. 23), [...] fica evidenciada a estreita ligação da literatura infantil com a pedagogia, quando vemos, em toda a Europa, a importância que assumem os grandes educadores da época, na criação de uma literatura para crianças e jovens. Suas intenções eram fundamentalmente formativas e informativas, até enciclopédicas. Ressalta-se que o caráter pedagógico assumido pela literatura infantil, justificou-se na intenção de viabilizar e garantir sua própria circulação, seu consumo e sua utilidade. Das obras literárias publicadas, durante o século XVIII, poucas permaneceram, devido à ligação que mantinham com as escolas, com exceções, como: os contos de fadas de Perrault; os clássicos Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe; e Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift. Autores estes que “asseguraram a assiduidade de criação e consumo de obras” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 20). No século XIX, em 1812, os irmãos Grimm lançaram, na Alemanha, uma coleção de contos de fadas, que se tornou sinônimo de literatura para crianças, em virtude da repercussão do sucesso. A partir de então, a literatura definiu sua linha de livros para crianças, tendo em 21 vista as preferências e os tipos de histórias que agradam este público, elegendo as histórias fantásticas, as de aventuras e as de “apresentação do cotidiano da criança [...] procurando apresentar a vida diária como motivadora de ação e interesse” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 21). Ainda, no século XIX, a literatura infantil europeia se concretiza, possuindo um perfil definido e representando uma parcela significativa da produção literária da sociedade burguesa e capitalista, garantindo assim sua permanência e seu fascínio. 4.1 A literatura infantil brasileira A literatura infantil brasileira surgiu quase no século XX, muito tempo depois da europeia. Seu surgimento está ligado ao início da atividade editorial no Brasil, com a implantação da Imprensa Régia, em 1808, e a publicação de livros para os pequenos. As publicações voltadas para as crianças, traziam histórias morais, diálogo sobre Geografia, histórias sobre Portugal, contudo essas publicações aconteciam raramente, “portanto, insuficientes para caracterizar uma produção literária brasileira regular para a infância” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 24). A história da literatura infantil brasileira iniciou-se próximo à Proclamação da República, período em que o Brasil sofria inúmeras transformações, como a industrialização, a abolição da escravatura, a política econômica do café, o surgimento das várias camadas populares com o aumento da população e, consequentemente, a urbanização, o que tornou o momento favorável ao aparecimento da literatura infantil. A respeito desse período, Lajolo e Zilberman (2007, p. 25) afirmam que Gestam-se aí as massas urbanas que, além de consumidoras de produtos industrializados, vão constituindo os diferentes públicos, para os quais se destinam os diversos tipos de publicações feitos por aqui: as sofisticadas revistas femininas, os romances ligeiros, o material escolar, os livros para crianças. Ao longo do processo de transformação do Brasil, de uma sociedade rural em urbana, a escola exerceu um papel fundamental, igualmente ao que ocorreu na Europa, a ela foi confiada a iniciação da infância. Em decorrência disso, entre os séculos XIX e XX, iniciou-se uma produção didática e literária dirigida, em especial, às crianças. O modelo econômico do Brasil republicano, como já mencionado, favoreceu à urbanização e, com ela, à origem de novos grupos sociais e ao consumo de bens culturais, como o livro e a literatura. O contato com esses bens, segundo Lajolo e Zilberman (2007), 22 refletia o padrão de escolarização e cultura que os novos segmentos da sociedade almejavam apresentar a outros grupos, com os quais buscavam ou a identificação (no caso da alta burguesia) ou a diferença (os núcleos humildes de onde provieram). Diante disso, segundo as autoras, o saber ganhou destaque, passou a exercer um papel de grande importância no novo modelo social que se impunha. Campanhas a favor do ensino, da alfabetização e da escola surgiram, evidenciando, também, a necessidade de uma literatura infantil nacional, tendo em vista a falta de material apropriado para alfabetizar as crianças e a falta de livros para a infância. Registra-se, como material para a alfabetização, a utilização de velhas sentenças fornecidas pelos cartórios da época. A carência de material de leitura e livros para crianças, demonstra a concepção que se tinha sobre o hábito da leitura, sendo este considerado, à época, de suma importância para a formação do cidadão, formação esta destinada à escola. Os apelos pela falta de livros infantis brasileiros, levaram jornalistas e professores a produzir tais livros, porém com um destino certo: as escolas, que tinham como função a consolidação do projeto de um Brasil moderno, tarefa esta de cunho patriótico. As autoras Lajolo e Zilberman (2007, p. 29) argumentam que “a justificativa para tantos apelos nacionalistas e pedagógicos, estimulando o surgimento de livros infantis brasileiros, era o panorama fortemente marcado por obras estrangeiras”, tendo-se em vista o grande número de obras infantis traduzidas e adaptadas que circulavam pelo Brasil. Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel são alguns dos responsáveis pelas traduções e adaptações. A dificuldade que as crianças tinham de interpretar os textos das obras traduzidas também justificou o incentivo à criação de uma literatura infantil brasileira, já que muitas histórias europeias transitavam em edições portuguesas, portanto eram escritas num português que se diferenciava muito do português brasileiro, havia uma “distância entre a realidade lingüística dos textos disponíveis e a dos leitores” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 31). Em decorrência desses apelos, surgiram, segundo as autoras, vários programas de nacionalização do acervo literário europeu, circulando entre a infância brasileira as obras de Perrault (Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, O Barba Azul, O Gato de Botas, Pequeno Polegar), de Grimm (A gata borralheira, Branca de Neve, João e Maria) e Andersen (O patinho feio). No final do século XX, várias obras foram criadas e editadas destinadas ao público infantil, como contos infantis, contos pátrios, poemas e poesias infantis e antologias folclóricas, num contexto em que as crianças eram vistas como o futuro do País. 23 De acordo com as autoras citadas, a adaptação do modelo europeu não se deu apenas na literatura, a educação brasileira também se apropriou de um projeto educativo e ideológico que via, nos textos infantis e na escola, aliados importantes para a formação de cidadãos. Esse projeto teve origem em livros, nos quais os personagens geralmente eram crianças, contavam histórias que tinham como objetivo evidenciar o patriotismo, o sentimento nacional, a dedicação à família, aos professores e à escola, algumas noções de obediência e a prática das virtudes civis. Logo as histórias infantis passaram a ter crianças como personagens centrais e que, por meio de várias situações e aventuras, contemplaram princípios de boa conduta e um forte nacionalismo. Lajolo e Zilberman (2007, p. 33) ressaltam que essas personagens infantis “são crianças modelares, cuja presença nos livros parece cumprir a função de contagiar de iguais virtudes e sentimentos seus jovens leitores”. Esse desenvolvimento da literatura infantil serviu de apoio à formação de uma identidade nacional, já que foi um períodode profundas mudanças e de consolidação do capitalismo. Ao mesmo tempo, começaram a surgir autores preocupados com uma forma de expressão que fosse verdadeiramente representativa do povo brasileiro, como exemplo, Monteiro Lobato. Preocupado com a necessidade de se escrever histórias para crianças numa linguagem que as interessasse, Lobato investiu na literatura infantil como autor, escrevendo vários livros, e, também, como empresário, fundando editoras. Monteiro Lobato introduziu inovações na linguagem e na ideologia, tendo se preocupado em despir a língua de qualquer rebuscamento, conduzindo o seu leitor a desenvolver conceitos próprios a respeito da realidade, estimulando seu senso crítico, por meio dos problemas sociais, políticos, econômicos e culturais que apresenta nas especulações e discussões dos personagens. A visão crítica da brasilidade é um dos compromissos de Monteiro Lobato perante o leitor. Conforme Cademartori (1994), o sentido inovador de Lobato foi fortemente observado, pois ele procurou romper com os padrões pré-fixados no gênero literário infantil. Em suas histórias, percebemos a busca de uma compreensão crítica do passado, permitindo uma releitura do presente e uma visão coerente sobre o futuro. A leitura dos seus textos possibilitou, e possibilita, um novo entendimento da realidade, na qual são valorizadas as vivências já adquiridas e viabilizadas novas experiências. É dessa maneira que o universo ficcional lobatiano propicia novas aspirações, instiga fins e pretensões que abrirão caminhos e futuras experiências. Fugindo a todo o moralismo que costuma acompanhar muito de perto a produção do livro infantil, sua obra incentiva a investigação e o debate sobre questões a que o consenso e os valores estabelecidos já haviam dado resposta (CADEMARTORI, 1994, p. 51). 24 Lobato, juntamente com outros escritores, tornou o período de 1920 a 1945 de grande relevância para a literatura infantil. Tem-se o crescimento quantitativo da produção literária para crianças, aumentando o número de obras, o volume das edições, além do interesse das editoras. 25 5 A LINGUAGEM LITERÁRIA E SUAS POSSIBILIDADES NA ED UCAÇÃO DAS CRIANÇAS A literatura é uma das linguagens manifestadas pelas crianças, linguagem pela qual a maioria delas demonstra encantamento. Algumas crianças têm contato com a literatura desde muito cedo, por meio das histórias narradas em seus contextos familiares e em contextos de Educação Infantil, nos quais, por vezes, também ocorre a interação com livros de histórias infantis. Contudo, muitas crianças têm contatos precários com a linguagem literária durante sua infância. A manifestação e a valorização dessa forma de linguagem faz-se necessária e é ponto de partida para a iniciação em outras linguagens, tendo-se em vista que a literatura provoca processos relacionados à imaginação, brincadeira, criação e, ainda, a contribuição para a constituição dessas crianças como sujeitos ativos e produtores de cultura. Argumentando a relevância das histórias, Rizzoli (2005, p. 22) defende que “[...] na história nos envolvemos e nos aproximamos; ela nos ajuda a nos reconhecer, imaginar, interagir com os outros, observar, confrontar o ouvido e o visto com o vivido, compreender a realidade e representá-la, associar a realidade e a representação”. As narrativas literárias, como já mencionado, são uma rica possibilidade para o desenvolvimento do imaginário. As situações propostas pela literatura levam as crianças a deslocarem seu pensamento real para atuar numa dimensão simbólica, adentrando no campo imaginário. Segundo Silveira (2005, p. 32), “as narrativas infantis são recheadas de palavras e são elas que irão acionar a fantasia, o medo, o mistério, o prazer, a poesia, enfim um outro mundo repleto de conceitos, de velhos e novos significados e sentidos”. O imaginário das crianças pode ser aguçado por meio de histórias que lhes proporcionem o conhecimento de outras realidades, ou que lhes apresentem uma “ficcionalização de experiências próximas ao seu cotidiano” (DEBUS, 2006, p. 20), trazendo- lhes um mundo de expectativas diferente do tradicional. Sendo assim, “a lógica ficcional, que, muitas vezes, não segue a lógica normal, na sua anormalidade aparente, tem muito para dizer” (DEBUS, 2006, p. 20). Ressaltando, ainda, a importância da imaginação e do faz-de-conta, no processo de conhecimento do mundo pelas crianças e da sua constituição como sujeitos ativos, Coutinho (2002, p. 114-115) argumenta que 26 A imaginação infantil é capaz de transformar, de recriar, de ressignificar a partir do que há no real. A cultura e a sociedade disponibilizam conhecimentos que impreterivelmente chegam até a criança, no entanto o seu jeito de olhar e ressignificar as informações permite que ela vá além, que ela crie, entendendo que: “Criar é deixar que o novo se componha, não como se ele fosse externo ao homem, mas que ele se componha dentro de todo homem e com a sua permissão, pois, na interação entre consciência e cultura, deixar nascer o novo é nascer junto com ele”. No exercício de criar, a criança se permite nascer a cada nova vivência como ela imagina, seja como a mãe, como um motor, como a professora, enfim como quem ou o que ela quiser ser. E, ao interpretar esses papéis, ela nos apresenta seu modo de ver o mundo, como percebe as relações que se travam no seu contexto de vida e ao mesmo tempo nos indica suas expectativas em relação a como gostaria que o mundo fosse, isso porque, "quando brinca, a criança cria uma situação imaginária que surge a partir do conhecimento que possui do mundo em que os adultos agem e no qual precisa aprender a viver". A literatura por intermédio da narrativa, segundo Gilka Girardello (1999), possibilita a inserção do sujeito na cultura, assim como sua produção cultural. Girardello, pesquisadora na área da comunicação, cultura, educação, infância, imaginação e narrativa, defende essa ideia afirmando, ainda, que a narrativa é [...] um dos estímulos mais importantes à imaginação infantil. Todos nós sabemos o quanto as histórias permitem o exercício constante da imaginação, o vôo para o mundo paralelo onde através do prazer poético as crianças estão na verdade “trabalhando”, ou seja, cumprindo sua tarefa fundamental de conhecer o mundo e de construírem a si mesmas. A narrativa é uma ponte entre a imaginação e a cultura (1999, s/p). Portanto, a literatura infantil, além de aguçar a imaginação, proporciona à criança a construção de sua cultura, ao possibilitar que ela conheça melhor a si, ao outro e ao contexto no qual está inserida. O contato com essa linguagem proporciona à criança desenvolver seu “potencial” criativo e ampliar os horizontes da cultura e do conhecimento, percebendo o mundo e a realidade que a cerca. As narrativas favorecem, instigam e facilitam a construção dos significados, pois, por meio delas, as crianças interpretam os eventos que acontecem com elas e dão sentido ao que realizam, isto é, às suas ações. Rizzoli (2005, p. 11) coloca que “quando ouve uma história [...], a criança pode retomar a sua própria experiência: ela ouve a experiência do outro e reelabora a experiência vivida. Nesse processo, ela percebe um significado e dá uma forma, um sentido, um sentimento legítimo ao que experimenta”. Nessa perspectiva, promover o encontro das crianças com a literatura infantil significa nas palavras de Debus (2006, p. 21), “ampliar o seu repertório lingüístico e cultural, possibilitando-lhes uma outra compreensão da realidade”. 27 Linice Jorge (2003), doutoranda na Área de Linguagem e Educação, discute a importância da criança vivenciar a literatura, por meio de práticas que possibilitem o contato com narrativas e inserção do sujeito na cultura.Jorge (2003, p. 97) também aponta as contribuições dessa linguagem: “[...] a narrativa compartilhada entre crianças e educadores estará estimulando o prazer de contar, ouvir, ler e criar novas histórias de forma lúdica e interativa, revigorando o conhecimento, tanto no âmbito do subjetivo, quanto em aspectos objetivos e de socialização”. Ao discutirmos as possibilidades da literatura infantil, faz-se necessário enfatizar a importância da contação oral de histórias para crianças. Segundo Abramovich (apud SILVEIRA, 2005, p. 38), “o primeiro contato da criança com um texto é feito, em geral, oralmente”. As narrativas orais estão presentes desde cedo na vida das crianças, por meio das músicas de ninar, das histórias contadas ou inventadas por seus pais e avós, e é basicamente, por essa oralidade, que se dá o processo de inserção da criança na cultura. De acordo com Silveira (2005, p. 38), “na expressão oral da linguagem, intercambiamos nossa experiências, nos tornamos contadores de história culturalmente ativos”, pois, diariamente, exercitamos nossa capacidade de narrar, em casa, no trabalho ou na escola, narramos fatos acontecidos em novas vidas. Sobre a origem da prática de narrar histórias, Silveira (2005, p. 35) expõe que A prática de narrar histórias é muito antiga, vem junto com a tradição oral das primeiras sociedades as quais ainda não eram letradas. Tinham como recurso a memória, tornando a comunicação essencialmente oral. Entretanto, mesmo com a aquisição da escrita, a oralidade continua exercendo sua função social. Ela é a base das fontes históricas, culturais e literárias dos povos antigos e contemporâneos. A permanência da tradição oral decorre da existência dos contadores de histórias, pessoas que desenvolveram o hábito de narrar histórias para crianças e adultos, sendo consideradas como a memória viva da comunidade, ressalta Silveira (2005). Essa tradição esteve ameaçada pelas transformações ocorridas ao longo da história em nossa sociedade. Transformações que dizem respeito aos modos de vida (rural - urbana), de produção (agrária - industrial) e “difusão da informação, facilitada pelo desenvolvimento tecnológico, da evolução dos aparelhos de comunicação e a facilidade da informação atingir em tempo real os diferentes cantos do mundo” (SILVEIRA, 2005, p. 37). 28 Entretanto, Marcuschi (apud SILVEIRA, 2005, p. 38) enfatiza que “a oralidade, enquanto prática social, é inerente ao ser humano e não será substituída por nenhuma outra tecnologia”, acredito ser essa a grande razão de sua permanência. As instituições educacionais, ao valorizar somente práticas de linguagem escrita no processo educativo-pedagógico, contribuem, também, para o declínio da tradição oral. Precisamos desenvolver um trabalho que valorize a oralidade na escola, pois, assim, estaremos incentivando o resgate de práticas orais tradicionais, “que vêm desaparecendo na espontaneidade da cultura, nas gerações atuais” (SILVEIRA, 2005, p. 39). Contudo historicamente a escola vem negligenciando um tipo de saber que pode ser construído ou transmitido oralmente – a tradição oral. Como uma das práticas sociais ligadas a esta tradição, está a arte de narrar histórias, especificamente, nas instituições de educação infantil [...]. Essa questão impõe um grande desafio à educação infantil quando entendemos que esta tem como objetivo maior ampliar o universo cultural da criança. Portanto, se constatamos que a dimensão imaginativa é essencial para o desenvolvimento saudável e pleno da mesma, tal como pontuamos no decorrer deste trabalho, conseqüentemente as instituições de educação infantil se colocam na responsabilidade de não deixar morrer o espaço do lúdico, da brincadeira, da arte e, aqui especificamente, da arte de narrar histórias (SILVEIRA, 2005, p. 39). Nesse contexto, surge a figura do professor que deve incorporar o espírito do narrador de histórias, resgatando a tradição oral, incentivando as narrativas, a oralidade, acionando o imaginário e valorizando essa forma de linguagem. Como professores não podemos deixar findar a arte de contar histórias. Se morreram as rodas em torno da fogueira, do fogão a lenha, nas noites enluaradas de verões longínquos, não feneceu a sedução do contar e ouvir histórias. Precisamos restituir seu espaço. Vivemos numa corrida contra o tempo, os pais ocupados com seus afazeres profissionais ou despreparados, e a escola com um currículo pragmático não privilegia o contar histórias. Mas sempre há tempo para ‘o tempo de contar histórias’ e fazer com que esta arte não se perca no tempo (DEBUS, 2006, p. 75). Nas instituições de Educação Infantil, muitas vezes, essa linguagem não é privilegiada devido às outras responsabilidades do professor, sendo relegada a um segundo plano, é vista apenas como forma de entretenimento, ou, como afirma Battaglia (2003, p. 117-118), “reduzida à condição de atividade didática”, não sendo reconhecida como “um direito que a ninguém pode ser negado”. Tratar a “hora da história” com improvisação, sacando um livro aleatório da prateleira, fazendo uma leitura monótona, interrompendo-a todo instante para forçar as crianças a permanecerem sentadas, chegar ao final e ainda concluir que as crianças não gostam de ouvir histórias, é no mínimo um desrespeito a elas e a função educativo-pedagógica da educação infantil. A narração de histórias não deve ser encarada como um momento banal no qual qualquer historiazinha cabe, pelo 29 contrário, assim como os demais acontecimentos do cotidiano infantil, esta tem que ser uma ação planejada [...] (SILVEIRA, 2005, p. 46). Essa prática exige do professor dedicação e empenho, no sentido de conhecer e escolher a história a ser contada e preparar esse momento, sugerindo formas de contar, ouvir e explorar as histórias, criando um contexto para a narração. O professor ainda desempenha um papel fundamental na mediação entre a criança e a literatura, a ele cabe conhecer as obras infantis, selecionar os livros a serem apresentados as crianças, dar vida às histórias contadas e, principalmente, vivenciar também este momento mágico e imaginário proporcionado pela literatura. A literatura está aí, para ser lida. E, como leitura, para ser vivida. Cabe, a cada um, a sua descoberta. E a você, professor, cabe ser o delineador das pegadas iniciais que incentivarão a curiosidade das crianças para segui-las, rumo ao mundo fantástico dos livros e das histórias (BATTAGLIA, 2003, p. 123). A autora Eliane Debus (2006, p. 84) afirma que “o ato de contar ou ler uma narrativa pode ser realizado em qualquer espaço e em qualquer momento, bastando para isso que existam aquele que conte e aquele que ouça”. No entanto, na Educação Infantil, “construir um ambiente propício à leitura, [...], é de fundamental importância ao pensar o exercício literário com as crianças”. O espaço onde será contada a história deve ser organizado de modo que desperte, na criança, o interesse de participar, que possibilite a ela vivenciar intensamente todos os momentos, tornando-os mais significativos e apresentando-lhe uma maneira mais prazerosa de estar com a leitura. Partilhando dessa concepção, Rizzoli (2005, p. 13) argumenta que A figura do adulto é extremamente importante nesse processo, porque ele propõe cenários para as histórias, faz as escolhas dos lugares onde contar as histórias, escolhe os temas. [...] O importante é oferecer um ambiente agradável para a criança, onde ela possa formar um significado para sua história – que não é o significado dado pelos adultos, é o sentimento que a criança vai levar consigo dessa história. A organização de um espaço para que as crianças e o professor possam ter acesso a livros, possam tocá-los, também deve ser considerado. Espaços específicospara leitura podem ser preparados, livros podem ser colocados à disposição nas salas, em estantes acessíveis ao olhar da criança, cenários, tapetes e almofadas podem compor um ambiente agradável e aconchegante, “propício às relações afetivas com o livro” (DEBUS, 2006, p. 85). Contudo, a seleção da história, a organização do espaço, a leitura e preparação do texto, “nada disso será suficiente se a professora-narradora não respeitar uma etapa 30 fundamental desse processo: ‘apaixonar-se’ pela história que irá contar. O texto narrativo precisa encantar primeiramente o narrador para depois ser oferecido ao ouvinte” (SILVEIRA, 2005, p. 46-47). Compartilhando com essas ideias, Girardello (2006, p. 133) enfatiza que o primeiro fator de uma narração bem-sucedida é o gosto pessoal do narrador, “sua certeza de que a história merece ser ouvida”, oferecendo à criança o prazer de ouvir uma história contada com prazer. O professor dispõe de vários recursos8 para apresentar e contar uma história às crianças pequenas: avental de histórias, fantoches, dramatizações, caracterização, máscaras, recursos audiovisuais, como CD, DVD e fitas de vídeo. No que se refere ao manuseio desses, Debus (2006, p. 84) afirma que A criança não deve ser mera espectadora das atividades, isto é, ela deve se tornar contadora de histórias, ampliar o seu repertório, e para isso todos os recursos não devem ser manuseados somente pelo professor. Deve ser concedido à criança o espaço para manuseá-los, brincar com eles, utilizando-os para construir suas próprias narrativas. Muitas vezes, a dedicação e o empenho na preparação da contação de história pelo professor não atingem os objetivos almejados, podem não encontrar receptividade nas crianças. Tendo em vista a pluralidade e heterogeneidade que compõem o grupo de crianças que frequentam a Educação Infantil, tem-se momentos que não se consegue a atenção de todos, porém isso não deve se tornar motivo para renúncia do exercício de contar histórias ou julgamento da atuação. Pelo contrário, deve-se refletir a situação e repensar a proposta e os caminhos trilhados, reelaborando-se outros. “Contar histórias não é algo inato – o repertório é construído aos poucos, como também é aos poucos que se descobre as manhas e artimanhas desse exercício” (DEBUS, 2006, p. 77). Para que a experiência humana, insubstituível, do encontro com a literatura, tenha “lugar garantido na vida das crianças, é preciso que a sala de aula torne-se uma roda de histórias”, afirma Girardello (2006, p. 129). Essa prática narrativa proporciona que adulto e criança revezem o papel de contar e de ouvir histórias, ela reconhece a importância da fala de cada um, à medida que cada participante é narrador, leitor e ouvinte. Por intermédio da roda de histórias, as crianças encontram na escola a valorização de uma de suas formas de expressão (a oralidade), pois essa é base de toda narração e 8 A respeito dos recursos para contar histórias ver mais detalhes em Debus (2006). 31 conversação. Na roda, as crianças também interagem, criam suas próprias histórias, relatam suas experiências e aprofundam seu conhecimento umas das outras. A “roda”, ao valorizar a memória coletiva e individual, entra como instrumento facilitador do diálogo cultural, retomando e disseminando de forma sistemática a narrativa. Daí sua importância como forma de relacionamento humano, ao mesmo tempo que de inserção do sujeito na cultura (JORGE, 2003, p. 98). Girardello (2006, p. 134), ao defender, assim como Jorge, a dinâmica proporcionada pela roda de histórias traz suas contribuições: A roda de histórias valoriza não só o falar, como também o ouvir; valoriza a palavra. Através das rodas de histórias nós, os adultos, podemos conhecer melhor as crianças, os dramas cotidianos que as afligem e algumas das fantasias que cultivam. Nas rodas de histórias podemos desenvolver formas de crítica construtiva em que as crianças aprendam, umas com as outras e com a nossa orientação, a falar com desenvoltura e a partilhar a riqueza de sua experiência e de sua imaginação. Enfatizando as contribuições das histórias nos contextos infantis, considerando as crianças também como seres narrantes e construtores de histórias, percebendo a relevância dessa forma de linguagem na construção de novas aprendizagens e como possibilidade de novas vivências, a autora afirma que [...] é ouvindo histórias (lidas e também contadas livremente, inspiradas na literatura ou na experiência vivida) e vendo ouvidas as suas próprias histórias que elas aprendem desde muito cedo a tecer narrativamente sua experiência, e ao fazê-lo vão se constituindo como sujeitos culturais. Na entrega ao presente do jogo narrativo no âmbito da educação infantil, professoras e crianças ampliam um espaço simbólico comum, pleno de imagens e das reverberações corporais e culturais de suas vozes. Tornam-se seres narrados e seres narrantes, como todas as implicações favoráveis disso para a vida pessoal, social e cultural de cada um e do grupo (GIRARDELLO, 2003, p. 10). Levando-se em consideração as perspectivas apresentadas até o momento, percebe-se que a literatura também é espaço de interação com o leitor. Nesse sentido, Cabral (1998) argumenta que a literatura só existirá enquanto possibilitar ao sujeito criar, viver, transformar, ou seja, interagir com as histórias, com o livro. [...] a literatura tem a possibilidade de confirmar no homem a sua condição de humano e existirá enquanto existirem leitores que a vivam, decifrem, aceitem, transformem. E uma das características próprias do ser humano é criar, modificar e ser modificado permanentemente pelo meio sociocultural. No que diz respeito à literatura infantil e ao ato da leitura nesse contexto, o livro só se torna legítimo quando é possível com ele interagir, recriando-o, suplementando-o como leitor com a sua própria visão de mundo. Do contrário, é texto sem leitor, página em branco (CABRAL, 1998, p. 154). 32 Entendendo e reconhecendo a literatura infantil como uma linguagem produzida para as crianças, a partir da qual elas constróem sentidos e significados, produzem e reproduzem cultura e levando em consideração os referenciais teóricos apresentados, faz-se uma reflexão sobre o modo como o documento “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil” (RCNEI - 1998) contempla-a. O referido documento está organizado em três volumes e foi distribuído pelo MEC aos professores de Educação Infantil. O RCNEI tem como objetivo auxiliar no trabalho educativo nas creches, entidades equivalentes e pré-escolas, apontando “metas de qualidade que contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos” (1998, p. 5). A literatura e a leitura de histórias em si são abordadas no “Referencial” como práticas que incentivam a leitura e a escrita. A literatura não é tratada como um eixo específico, como uma linguagem, ela é apresentada dentro do eixo da linguagem oral e escrita. Segundo Battaglia (2003, p. 117) [...] a literatura infantil não tem sido considerada em sua real e profunda importância na formação das crianças. No Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998), ela não se constituiu em um eixo de trabalho na denominada experiência de “conhecimento do mundo”, mas se viu restrita às práticas de leitura e construção de saberes culturais e lingüísticos, fazendo parte do eixo linguagem oral e escrita. Refletindo sobre essa restrição mencionada por Battaglia, fica a indagação: Por que a literatura não é contemplada como uma linguagem e não ocupa espaço de discussão privilegiado no RCNEI, tendo em vista as suas dimensões e contribuições, sendo este um referencial nacional para a constituição de práticas pedagógicasque visam a reconhecer os direitos à infância? Considera-se que uma das respostas para esse questionamento esteja na crítica realizada por Kuhlmann Jr. (1999, p. 56), em que ele afirma que o conteúdo apresentado, no “Referencial”, está atrelado, subordinado, ao modelo do Ensino Fundamental. Na versão preliminar dos Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, as propostas para as crianças menores subordinam-se ao que é pensado para as maiores, seguindo um atrelamento ao ensino fundamental. Para ser educacional, o modelo por excelência seria aquele. Daí a compartimentação e o contorcionismo para encaixar as especificidades da educação da criança na faixa etária dos zero aos seis anos, daí o recurso a expressões como “categorias curriculares flexíveis” – categoria delimita, enquanto flexibilidade retira limites, uma forma de recusar e tornar a repor conteúdos disciplinares, de modo truncado e desordenado. 33 Por fim, é importante lembrar que a literatura tem sentido em si mesma, deve ser reconhecida, principalmente dentro das instituições de Educação Infantil e das escolas, “como experiência cultural e artística com valor em si” (GIRARDELLO, 2006, p. 128), e não somente como um meio para ensinar conteúdos escolares e uma ferramenta que incentiva a leitura e a escrita. O potencial da literatura infantil vai muito além disso, pois se trata de uma linguagem que tem conteúdos próprios de prazer, alegria, fantasia, medo, criação, interação, cultura e que contribuem para a formação cultural e lúdica das crianças. Daí a necessidade de (re)significar a prática para que se viabilizem as reais condições de produção da leitura literária no cotidiano da Educação Infantil para que possamos, enquanto professores, acreditar que podemos cumprir a tarefa de espalhar nas crianças o pó de pirlimpimpim da imaginação (DEBUS, 2006, p. 124-125). Portanto, a linguagem literária deve fazer parte do universo infantil e do fazer pedagógico em sua acepção mais plena. 34 6 UM LEVANTAMENTO DA RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA NO ÂM BITO ACADÊMICO EDUCACIONAL SOBRE LITERATURA INFANTIL Atualmente, a literatura infantil se faz presente em muitos contextos de Educação Infantil, e diversas são as práticas que possibilitam a manifestação dessa linguagem e que introduzem a criança no mundo literário. Com o intuito de construir um maior entendimento acerca da literatura infantil e identificar o que vêm sendo produzido e discutido recentemente sobre esta linguagem no âmbito acadêmico educacional, realizou-se um levantamento de parte da produção teórica recente sobre o assunto, por meio de consultas no site da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). O levantamento possibilitou a localização de trabalhos apresentados, nas últimas nove edições da Reunião Anual da Entidade (ANPEd), realizadas no período de 2000 a 2008, que abordam a temática da literatura infantil, além de permitir o conhecimento das diferentes contribuições científicas disponíveis sobre o objeto de estudo. Foram localizados no total 12 (doze) trabalhos. Apresenta-se, a seguir, uma tabela na qual consta os títulos dos trabalhos selecionados, seus respectivos autores, o número de trabalhos localizados por Reunião e por Grupo de Trabalho (GT) e Grupo de Estudo (GE). O GT 07 tem como área temática de discussão: a “Educação de crianças de zero a seis anos”; o GT 08, a “Formação de professores”; o GT 10, “Alfabetização, leitura e escrita”; o GT 13 contempla discussões no campo da “Educação fundamental”; o GT 16, da “Educação e comunicação”; o GT 20 discute assuntos da “Psicologia da educação”; e o GE 01, trata da “Educação e arte”. 35 Grupos de Trabalho e Grupo de Estudo Edições - Reunião Anual da ANPED GT 07 GT 08 GT 10 GT 13 GT 16 GT 20 GE 01 TOTAL 23ª Reunião 2000 Título do trabalho “Eu quero aquele... Esse aqui não... Cenas de percepções infantis presentes na escolha do livro”. Autora: Gladys Rocha 1 24ª Reunião 2001 Título do trabalho “A leitura e os leitores na escola: refletindo a prática pedagógica em favor da formação de leitores”. Autora : Patrícia Constâncio Werner 1 25ª Reunião 2002 Título do trabalho “A literatura e suas apropriações (insubmissas) por leitores jovens”. Autora : Maria Zélia Versiani Machado 1 26ª Reunião 2003 Título do trabalho “Voz, presença e imaginação: a narração de histórias e as crianças pequenas”. Autora : Gilka Girardello 1 27ª Reunião 2004 Título do trabalho “Literatura infantil e escola: o papel das mediações”. Autoras: Maria Luiza Oswald e Andreia Attanazio Silva 1 36 28ª Reunião 2005 Título do trabalho “Infância, educação infantil e letramento na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro: das políticas à sala de aula”. Autora : Patrícia Corsino 1 29ª Reunião 2006 Título do trabalho “Um palco para o conto de fadas: uma experiência teatral com crianças na educação infantil”. Autor : Luiz Fernando de Souza 1 30ª Reunião 2007 Título do trabalho “A linguagem da literatura como encantamento na escola”. Autora : Aurélia Honorato 1 31ª Reunião 2008 Título do trabalho “A constituição de acervos de literatura infantil para bibliotecas escolares: a escola como mercado e as escolhas editoriais”. Autoras: Bruna Lidiane Marques da Silva e Elaine Maria da Cunha Morais Título do trabalho “A narrativa oral e escrita das crianças na fase inicial da alfabetização: reflexões sobre uma atividade de ensino”. Autora : Lilane Maria de Moura Chagas Título do trabalho “A narrativa verbo visual e seu processo de significação”. Autora : Flavia Brocchetto Ramos Título do trabalho “Narrativas de histórias: uma experiência com crianças em processo de alfabetização e letramento”. Autora : Rosilene de Fátima Koscianski da Silveira 4 TOTAL 4 1 5 0 0 0 2 12 37 Realizando-se a leitura e interpretação da tabela, percebe-se que, no GT 07 (“Educação de crianças de zero a seis anos”), foram selecionados 4 (quatro) trabalhos: um trabalho, na 26ª Reunião Anual da ANPEd; um, na 28ª Reunião; um, na 29ª Reunião; e um trabalho na 31ª Reunião. No GT 08 (“Formação de professores”), localizou-se apenas um trabalho, que foi apresentado na 24ª Reunião. No GT 10 (“Alfabetização, leitura e escrita”), foram localizados 5 (cinco) trabalhos: um, na 23ª Reunião Anual da Associação; um, na 25ª Reunião; um, na 27ª Reunião; e dois na 31ª Reunião. No GE 01 (“Educação e arte”), foram localizados 2 (dois) trabalhos: um, na 30ª Reunião; e um, na 31ª Reunião. Ressalta-se que não foram localizados trabalhos sobre literatura infantil em três dos GTs pesquisados, sendo, respectivamente o da “Educação Fundamental”, o da “Educação e comunicação” e o da “Psicologia da educação”. No total, selecionou-se, um trabalho por Reunião, com exceção da 31ª Reunião, realizada em 2008, em que foram localizados quatro trabalhos. A seguir, com o propósito de expor o que aborda e discute cada trabalho encontrado, faz-se uma descrição dos trabalhos, reunindo-os e apresentando-os por Grupo de Trabalho e Grupo de Estudo. 6.1 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Educação de crianças de zero a seis anos” (GT 07) No GT 07, foram localizados 4 (quatro) trabalhos. Um deles foi o da autora
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