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METODOLOGIA (REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO) Neste tópico, buscando abordar o referencial teórico, reitero que para o desenvolvimento da pesquisa foi necessário realizar um amplo levantamento bibliográfico sobre as produções que, de algum modo, se relacionam às formas de organização estudantis universitárias. Nesse sentido, a base teórica da pesquisa se apoia nos campos dos Estudos Sociais da Infância, da Sociologia da Juventude e dos Movimentos Sociais. Os estudos sociais da infância constituem-se como um campo de conhecimento que, em síntese, partilha entre si a visão das crianças como atores com significativa participação na construção da história e da cultura (CORSARO, 2011), a visão da infância como construção social (JAMES; PROUT, 1997) e, também, como categoria estrutural subordinada da sociedade. Desde as duas últimas décadas do século XX, tais estudos vêm trazendo profundas transformações para o modo de se olhar a infância e as crianças, bem como para a eleição de estratégias para estudá-las que as privilegiem como unidade direta e primária de análise. (PRADO; VOLTARELLI, 2018, p. 2) O texto há pouco abordado sobre os estudos sociais da infância indica o quadro geral de lutas e estudos que se desenrolaram na constituição da área, que é importante para que possamos entender como a geração se estrutura como eixo de dominação, por esse motivo foi preciso aprofundar os estudos em uma esfera ainda mais específica e necessária para esta pesquisa: a sociologia da juventude. Esta busca compreender as necessidades, tendências, conflitos e movimentos compostos pelos jovens. Aqui temos, então, um campo de pesquisa que se constitui a partir da geração. Uma geração é constituída pelos corpos que vivenciam uma situação comum diante das dimensões históricas do processo social, esse processo possui o nome de “situação de geração”, e para que se participe de uma mesma situação de geração é preciso nascer dentro da mesma região histórica e cultural (MANNHEIM, 1982, p. 85). A utilização do termo juventude traz consigo uma série de ambiguidades pertencentes ao contexto geracional, desse modo é possível entender que Ser jovem é viver um “contato original” com a herança social e cultural, constituído não apenas por uma mudança social, mas por fatores biológicos. Este é um fator importante a ser considerado, porque esse novo contato assume uma tipologia de potencialidade – é potencial uma vez que, como novo participante no processo da cultura, a mudança de atitude ocorre diferentemente em cada um, fazendo com que a atitude em relação à herança transmitida por seus predecessores seja completamente nova. (MANNHEIM, 1982, apud SOUSA, 2006, p. 10) Desse modo é possível assinalar as ambiguidades mencionadas como sendo auto dimensionadas individualmente e sob a influência de aspectos psicossociais, o que resulta em um percurso de indefinições como a busca identitária, a tendência de estar em grupo, atitude de contestação e insatisfação sociais, separação do universo familiar e o questionamento de valores sociais (2006, p.11). Nesse sentido, compreendo que os estudos desta esfera apontam também para a concepção de dois conceitos fundamentais para a compreensão da juventude, o de geração enquanto realidade e o de unidade de geração. Dessa forma, entende-se que A geração enquanto realidade implica algo mais do que copresença em uma tal região histórica e social; implica a criação de um vínculo concreto entre os membros que a compõem mediante a sua exposição aos mesmos sintomas sociais e intelectuais de um processo de desestabilização dinâmica. Por sua vez, a unidade de geração implica um vínculo ainda mais concreto do que o verificado na geração enquanto realidade: ela refere-se a um compartilhar de experiências comuns que lhe confere unidade. Essa unidade de geração ocorre quando os jovens compartilham conteúdos mais concretos e específicos, formados por uma socialização similar, e desenvolvem, em função disso, laços mais estreitos, levando à identificação e ao reconhecimento mútuo devido às similaridades das situações e das experiências, constituindo uma comunidade de destino (MANNHEIM, 1982, apud WEISHEIMER, 2015, p. 93). Constata-se também que uma unidade de geração por si só não constitui um grupo concreto, estes só são possíveis graças à similaridade das situações que passam. Estas similaridades possibilitam a execução de atividades integradoras que provocam a participação e os capacita a expressarem exigências relativas a essa situação comum (2015, p. 93). Dessa forma, é preciso compreender que as formas de ação coletiva e o protesto político de jovens precisam ser inseridos no quadro de mudanças importantes nos últimos anos (SPOSITO; ALMEIDA; CORROCHANO, 2020, p. 2). Essa afirmação é acompanhada da constatação de que é preciso ponderar que as relações entre conjunturas econômico-políticas e a capacidade de ação da sociedade e de seus grupos não são lineares; ou seja, não se pode deduzir, de modo imediato, possibilidades ou impasses que descortinam o conflito social a partir de análises macroeconômicas, desprezando significativas mediações político-culturais. (2020, p. 2) Assim, não é possível estabelecer uma relação direta imediata entre as mobilizações sociais e situações, ou impasses, que as motivem a partir de análises muito amplas, é preciso investigar mais a fundo o contexto e explicitar outras possíveis razões que ajudem a explicar os motivos para o movimento. Ao relacionar isso ao caso dos estudos sobre os movimentos sociais, é importante ressaltar que Em 1992, em um artigo que fazia uma revisão de várias definições de movimentos sociais, Mario Diani ressaltou três aspectos em comum na literatura: movimentos sociais seriam (1) uma rede de interações informais entre indivíduos e organizações que (2) se orientam de forma conflituosa em relação a um adversário definido e (3) têm uma identidade compartilhada (apud Diani, 1992). Nessa definição, portanto, redes de interações só podem ser caracterizadas como movimentos sociais na medida em que existe, ao mesmo tempo, orientação conflituosa e formação de identidade coletiva. (ABERS; BÜLOW, 2011, p. 21) Essa definição é base para a assertiva de que o movimento social considerado como um todo pode ser qualquer coisa, menos uma entidade homogênea e que dessa forma o diagrama que melhor o representa é o de uma rede, e não o de uma organização (BARKER 2014, p. 5). Os textos de Diani (1992) e Barker (2014) se complementam para explicar que enxergar os movimentos sociais como bolhas individuais tem como resultado direto o esvaziamento de suas potencialidades. Esse pensamento se explicita na medida em que descobrimos que Quanto mais heterogêneos os círculos sociais que compõem um movimento, maior a amplitude potencial de temas e preocupações que eles carregam consigo e mais diversas, consequentemente, serão as lutas particulares que constituem o movimento. Essa diversidade não significa necessariamente, de modo algum, a divisão do movimento e sua fragilidade, como se poderia imaginar. (BARKER, 2014, p. 5) A partir dessa base, é possível afirmar que o universo das culturas juvenis no Brasil fornece material para o estudo teórico e metodológico das formas plurais de se agregar que os jovens apresentam, e que essas mediações têm servido como recurso heurístico para produção de pesquisas sobre as culturas coletivas de jovens que não possuem vínculo com o movimento estudantil (SPOSITO, ALMEIDA E CORROCHANO, 2020, p. 8). Dessa forma, se faz necessária a devida atenção acadêmica à participação deste grupo na construção da história da sociedade, uma vez que sua ação dentro e fora de situações de conflito é parte de um processo complexo que afeta, direta e indiretamente, a conjuntura macroeconômica nacional. Cabe ressaltar que a sociedade brasileira se estrutura a partir de eixos de dominação bem demarcados, que vão além da classe social, em uma perspectiva teórica marxista, e se aprofundam nas dimensõesdas relações de gênero, sexualidade, raça e idade. Estudar as culturas da infância e dos jovens, e sua participação na sociedade e não destacar esses eixos é ignorar uma gama de fatores relacionados com a construção das identidades desses grupos, o que afeta diretamente a pesquisa. Por sua vez, o referencial metodológico que orienta a pesquisa tem inspiração no texto “Núcleos de Significação como Instrumento para a Apreensão da Constituição dos Sentidos”, como proposto por Aguiar e Ozella (2006). Este compreende uma primeira fase de coleta de dados, seguidos de uma segunda fase que exige a realização de uma leitura flutuante e construção dos indicadores, e uma última fase de organização dos núcleos de significação. A coleta de dados tem como objetivo a reconstrução das condições sociais e históricas de produção, transmissão e recepção das mediações político-culturais dos sujeitos. Necessita de exame rígido das regras e convenções, das instituições e relações sociais, das relações de poder envolvidas nos processos. Neste trabalho esta fase tem foco no contexto de elaboração, circulação e recepção das falas dos estudantes sobre o movimento estudantil. A leitura flutuante é adotada aqui como um instrumento de análise inicial do material coletado, que ocorre após a transcrição das entrevistas, e possui como objetivo o levantamento de indicadores, ou seja, questões que se repetem, falas emocionalmente carregadas e informações enfatizadas, levando em consideração as semelhanças, contradições e complementaridades presentes nas falas circuladas e apresentadas pelos estudantes. A última fase deste método compreende a organização dos indicadores, levantados a partir da leitura flutuante, em núcleos de significação que buscam verificar transformações e contradições que ocorrem no processo de construção dos sentidos e significados, e que permitam ir além do que está posto para considerar as condições subjetivas, contextuais e históricas que afetam os sujeitos (AGUIAR; OZELLA, 2006, p.231). Compreendendo que a adoção do método vai além de uma metodologia de análise, e que este texto precisa guardar referências teóricas que não sejam contraditórias, adoto para este texto o conceito de humanidade disposto pelo método: Assim, falamos de um homem constituído numa relação dialética com o social e com a História, sendo, ao mesmo tempo, único, singular e histórico. Esse homem constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência, revela - em todas as suas expressões -, a historicidade social, a ideologia, as relações sociais e o modo de produção. Ao mesmo tempo, esse mesmo homem expressa a sua singularidade, o novo que é capaz de produzir, os significados sociais e os sentidos subjetivos (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 224) Dessa forma, entende-se que o ser humano em questão é um ser singular, que é constituído ao mesmo tempo social e individualmente (2006, p. 224). Ainda em consonância com o método, é preciso pontuar que esse ser humano só constitui sua singularidade através das mediações sociais, que é o centro organizador objetivo da relação entre singularidade e universalidade (p. 225). Portanto, o que o método orienta, é “a apreender as mediações sociais constitutivas do sujeito, saindo da aparência, do imediato, [...] e indo em busca do sentido” (p. 225). Partindo disso, define-se como proposta para esse trabalho a oferta de uma interpretação sobre o movimento estudantil do Instituto de Educação de Angra dos Reis. Esta, por sua vez, é “arriscada e aberta à discussão” (THOMPSON, 2002, p. 411). Isto significa que não existe apenas um caminho para explicar os fenômenos oriundos da realidade subjetiva da pesquisa, e que a interpretação ofertada é apenas uma possibilidade entre tantas outras. Durante o período de pesquisa me dediquei a uma série de tarefas, tais como o levantamento de produção, acadêmica ou não, sobre o tema, bem como a organização de fichamentos e produção de análises críticas sobre o conteúdo apreendido, conduzi três entrevistas individuais com membros das primeiras gestões das entidades estudantis, que ocorreram entre 2015 e 2016, no âmbito do Instituto de Educação de Angra dos Reis, uma entrevista coletiva com outros quatro ativistas desse movimento, assim como também incluí na pesquisa aspectos importantes do registro de minha participação cotidiana no movimento estudantil. Neste sentido, cabe ressaltar que não pude contemplar neste texto todas as entrevistas planejadas para o período de coleta do material empírico, em razão do curto tempo de atuação no referido projeto de Iniciação Científica, e das orientações sobre a extensão de um trabalho de conclusão de curso, visto que esta pesquisa já se mostra relativamente extensa quando comparadas à outras de mesma categoria. Dessa forma, a ausência de relatos que pudessem ser complementares a esta análise não se determinou como parte da metodologia aplicada, mas resultou de uma adaptação sobre o que se tornou prioritário e secundário na pesquisa. É importante ressaltar que foi um ano atípico também para esses estudantes devido à pandemia e as limitações impostas a estes grupos, muitos sentiram grande dificuldade em conciliar seu tempo entre acompanhar as aulas através do ensino remoto e participar das reuniões dos movimentos, e decidiram abandonar suas gestões para direcionarem a atenção às suas necessidades pessoais. Para a realização das entrevistas adotei o uso da plataforma Google Meet por estarmos afastados presencialmente, e direcionei minha atenção inicial aos acordos éticos entre entrevistador e entrevistados. Para deixar os entrevistados mais tranquilos, comecei as entrevistas explicando que, apesar de estar gravando, o vídeo ou áudio não seria compartilhado com outras pessoas, e que após a conclusão do texto, este seria apresentado aos entrevistados para que pudessem conferir e confirmar o conteúdo das entrevistas. As entrevistas foram transcritas de forma literal, sem alteração de qualquer ordem em seu conteúdo. Além disso, também foi informado aos entrevistados que seus nomes serão atribuídos a seus relatos, como forma de reconhecimento de autoria, situação essa com a qual todos eles concordaram, com a possibilidade de rever essa decisão antes da publicação do material. Nesse sentido, se faz necessária a devida apresentação dos entrevistados, sendo estes Hugo Vilela, Thamara Maciel, Lucas Nascimento, Mayara Riscado, Bruna Rodrigues, Thalita Vieira, Daniel Octaviano e Rafaela Mendes, todos eles graduandos ou graduados em um dos cursos do IEAR. Outros estudantes também foram convidados, mas não puderam estar presentes no dia da entrevista. Hugo Vilela é Analista em Políticas Públicas UFF/Angra, mestrando en Estado, Gobierno y Políticas Públicas pela Flacso - Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, militante do MNU, Co-fundador do Coletivo Nacional de Juventude Negra - ENEGRECER, fez parte da gestão do Centro Acadêmico Antônio Conselheiro/Centro Acadêmico Manoel Morais. Thamara Maciel é formada em pedagogia pelo Instituto de Educação de Angra dos Reis - UFF. Atuou no movimento estudantil durante o segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio, ambos em escola pública, compondo o grêmio estudantil. Participou como co-fundadora do Centro Acadêmico Luísa Mahin, do curso de Pedagogia da UFF de Angra dos Reis, no qual atuou como representante estudantil por 4 anos. Também foi representante estudantil no Diretório acadêmico Florestan Fernandes, da UFF de Angra dos Reis, durante 3 anos. Atualmente é professora da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis. Bruna Rodrigues é Mulher Afrikana em Diáspora, Analista de Políticas Públicas, Mestranda em Economia Política Mundial e Pesquisadora das Dinâmicas Raciais e de Classe, fez parte da gestão do Centro Acadêmico Antônio Conselheiro/Centro Acadêmico Manoel Morais. Mayara Riscado é estudante de Políticas Públicas na UFF/IEAR. Atua no movimento estudantil e constróio Movimento Kizomba. É também militante da Marcha Mundial das Mulheres. Na construção do movimento estudantil a partir do curso de Políticas Públicas, está como presidenta da FENECAP, a Federação Nacional dos Estudantes do Campo de Públicas, é coordenadora geral do Centro Acadêmico Manoel Morais e faz parte da direção do DCE Fernando Santa Cruz. Lucas Nascimento licenciado em Pedagogia, fez parte da gestão do Centro Acadêmico Luísa Mahin, atuou na Coordenação Política, foi membro da Diretoria Executiva do Movimento dos Estudantes de Pedagogia do Estado do RJ - MEPE-RJ e militante pelo Coletivo Nacional da Juventude Negra - ENEGRECER e do Coletivo de Estudantes Negros da UFF/IEAR - UBUNTUFF. Thalita Vieira é graduanda em Pedagogia, veio de São Paulo para estudar em Angra dos Reis. Fez parte da gestão do Diretório Acadêmico Florestan Fernandes e da gestão do Centro Acadêmico Luísa Mahin. Faz parte do grupo de pesquisa (CNPQ): "Espaços Educativos e Diversidade Cultural" e do Programa "Escolas do Território" desde 2018. Foi Bolsista de iniciação a docência no projeto Licenciatura "Formação de Professores na Educação Escolar Indígena Guarani Mbya" (2018 e 2019) e hoje é bolsista de iniciação científica (PIBIC/UFF) no projeto "A Construção de Currículos Diferenciados Indígenas e Caiçaras na Costa Verde". Daniel Octaviano é mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos pelo NEPP-DH/UFRJ e graduado em Políticas Públicas pelo IEAR/UFF. Pesquisa temas relacionados à Segurança Pública, Políticas Sociais e Violência Política. Rafaela Mendes é estudante do curso de Geografia, compõe as gestões do Centro Acadêmico Rui Ribeiro de Campos e do Diretório Acadêmico Florestan Fernandes, e faz parte do coletivo de estudantes negras e negros Ubuntuff. Entre as atividades executadas durante as fases seguintes da pesquisa estão a realização de cinco entrevistas individuais e uma entrevista em grupo com inspiração na metodologia de grupos focais sobre as relações construídas entre os estudantes durante os anos de 2018 e 2019 e o circuito de manifestações ocorridos na cidade de Angra dos Reis que teve início com o 15M, mobilização nacional contra a reforma da previdência e contra os cortes de recursos na educação, promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro (Sem Partido), bem como a análise do material obtido.
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