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Comunicacao e Politica

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DEFINIÇÃO
Análise da política moderna, da esfera pública, da democracia e da poliarquia considerando
as novas mídias.
PROPÓSITO
Compreender o conceito e as origens do regime político democrático e analisar o papel das
novas mídias nas formas de vida pública e política contemporâneas.
OBJETIVOS
04/11/2021 17:28
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MÓDULO 1
Identificar as origens da noção de política moderna
MÓDULO 2
Definir a gênese da esfera pública
MÓDULO 3
Reconhecer a relação entre poliarquia e novas mídias
INTRODUÇÃO
A POLÍTICA MODERNA – UMA CONSTRUÇÃO
SURGIDA DE QUATRO GRANDES INOVAÇÕES.
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! Figura 1. Cícero denuncia Catilina, por Cesare Maccari
O conceito contemporâneo de política, e a própria política moderna, tal como é praticada
pela maior parte dos países atualmente, envolve quatro inovações ou quatro origens:
A inspiração no ideal de democracia grega.
A tradição republicana clássica e moderna.
A instituição da representatividade.
A lógica da igualdade como ideia impulsionadora da construção do sufrágio universal
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Esse conjunto de práticas, ideias e valores resultante de cada uma dessas origens produziu
as inovações institucionais que formam as nossas modernas democracias. Todas essas
diferentes origens, mescladas entre si no mundo moderno, dão forma à realidade política
que vivemos.
Outra dimensão de grande importância, diretamente relacionada ao mundo das
democracias modernas, é a emergência da esfera pública, não apenas ao se pensar o
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Página 3 de 66
público, o comum, mas também a ideia de publicidade, da visão e da expressão do que é
público. Recentemente alguns teóricos começaram a pensar a poliarquia, um sistema mais
igualitário ou com um melhor funcionamento da representatividade. Várias garantias
institucionais desse modelo estão relacionadas ao papel da mídia, como veremos nos
módulos a seguir.
MÓDULO 1
! Identificar as origens da noção de política moderna
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE
POLÍTICA
! Figura 2. A Escola de Aristóteles, por Gustav Adolph Spangenberg
Durante a segunda metade do século XX, a democracia se tornou um regime político
extremamente popular. Da mesma forma, as repúblicas passaram a ser uma das mais
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recorrentes imagens de bom governo ou governo equilibrado. A participação popular e as
demandas do coletivo em função da política são outra característica. Essa construção é
histórica, e a contemporaneidade política do conceito passa necessariamente por seus
reconhecimentos. Sendo assim, passamos agora a buscar o entendimento da formação
histórica da nossa ideia de política.
A maioria dos regimes se autoproclama democrático, e mesmo regimes ditatoriais se
apropriaram de uma parte ou outra da linguagem democrática como forma de legitimar seu
poder. Apesar da expansão sem precedentes na adoção do termo democracia para
designar os regimes políticos, o termo passou a corresponder a uma ideia popular vaga.
Assim, vale a pena começar este tema perguntando: o que significa politicamente a palavra
democracia no mundo contemporâneo?
A noção contemporânea de democracia carrega os principais elementos da linguagem e da
institucionalidade da política moderna. Para compreendermos o seu significado de modo
mais profundo e amplo, é necessário entender que essa forma política é uma mistura de
ideias, experiências, instituições e práticas que se formaram ao longo de mais de dois mil
anos de história. Com o objetivo de tornar a compreensão dessa longa história mais
acessível, podemos dizer que as democracias modernas têm quatro origens históricas, das
quais passaremos a tratar.
A DEMOCRACIA DA GRÉCIA CLÁSSICA
Há cerca de dois mil e quinhentos anos (no século V a.C.) ocorreu uma grande
transformação entre os gregos antigos na sua forma de se organizar. Muitos estudiosos
marcaram esse importante momento, essa mudança profunda de mentalidade como a
invenção da política. A História trata esse momento como uma transição importante de
modelos palacianos – representados por lideranças familiares – para modelos políticos,
adotados pela interação entre grupos aristocráticos diversos. A demokratia ateniense não
foi a única, mas é a que foi recuperada mais recorrentemente, transformando-se em um
ícone ocidental e fundamento desse modelo político.
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DEMOKRATIA
A demokratia ateniense continuava a ser aristocrata. A minoria absoluta dos
habitantes da cidade tinha direito à cidadania. Conceitualmente, ampliou-se a
possibilidade de participação, mas recorrentemente os grupos locais precisavam
pressionar pelo direito à cidadania, como os soldados durante os conflitos com outras
póleis.
Este ponto é muito importante: o passado não é uma reminiscência, algo que fica e
nos marca por ser muito importante no passado, mas sim um discurso, uma
constante reinvenção.
Portanto, o que foi vivido nas póleis da sociedade grega clássica é importante não pelo que
aconteceu, mas por ter sido considerado um evento muito emblemático e repetido por
muitas sociedades ao longo da história. Podemos afirmar que a ideia de Ocidente passa
pela admiração e reinvenção daquilo que aconteceu na Grécia. Leve essa informação com
você para fazer todo o trajeto histórico sobre política.
Fonte: Wikipedia
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Página 6 de 66
! Figura 3. Heitor adverte Páris por sua suavidade e exorta-o a ir à guerra, por Johann
Heinrich Wilhelm Tischbein
O que ocorreu nesse período foi a invenção de uma forma de governo que até então era
incomum. Predominavam governos compostos por reis ou famílias, que muitas vezes se
comparavam a deuses (como no caso do Egito Antigo) ou acreditavam ter origens divinas,
ou por tiranos (indivíduos que governavam segundo sua vontade, sem nenhuma restrição)
e aristocratas (conselheiros de chefes guerreiros).
No século V a.C., os gregos inventaram uma nova forma de organizar o poder: a maioria
dos homens livres e adultos podia decidir os assuntos mais relevantes de sua comunidade
e escolher aqueles que exerceriam cargos importantes na direção da cidade-estado. A essa
forma de organização política deu-se o nome de “democracia”, que em grego significa
“governo do povo” ou “governo popular”.
Fonte: Wikipedia
! Figura 4. O Parthenon, na Acrópole de Atenas
A democracia era baseada em duas importantes ideias que possuem forte influência até os
dias atuais: a isegoria (o direito igual de fala para todos os cidadãos nos debates sobre os
assuntos políticos) e a isonomia (igualdade de todos os cidadãos perante a lei – ideal que
ainda encontra eco nos Estados democráticos de direito modernos). É elemento importante
o fato de que esse modo de governo não legitimava seu poder de forma mágico-religiosa
(ou seja, a religião não exercia autoridade nem tornava o poder legítimo). Também não era
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comum a todos aqueles povos antigos que conhecemos por gregos, mas tornou-se o modo
particular de governo de uma cidade independente chamada Atenas. Sobre a democracia
ateniense, é importante sabermos que:
O número de participantes era muito restrito: tratava-se de uma cidade muito menor
do que as cidades modernas. Além disso, seus cidadãos (os homens adultos e livres)
eram poucos com relação à população geral.
Apenas homens adultos e livres eram considerados cidadãos, a democracia
ateniense excluía mulheres, estrangeiros e escravos – que eram a maior parte da
população. Além disso, apenas os filhos de cidadãos atenienses eram considerados
cidadãos (filhos de mães atenienses com estrangeiros não contavam nessa
categoria).
A participação dos cidadãos nos assuntos públicos e nos cargos políticos existentes
era toda decidida e exercida em reuniões públicas (assembleias). Isso reduzia o
espaço dessa forma de organização a apenas uma pequena cidade, como era o caso
de Atenas nos tempos da antiguidade clássica.� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
É importante destacarmos estas três características da democracia grega para
compreendermos o quanto ela se distingue das atuais democracias:
Era restritiva quanto ao direito de cidadania, que era concedido apenas a homens e
excluía mulheres, estrangeiros e escravos.
Era restrita ao pequeno território de uma cidade (ao contrário das democracias
contemporâneas que cobrem populações de países inteiros).
Era restrita a interesses homogêneos, os cidadãos tinham interesses, objetivos e
mentalidades muito próximos (ao contrário das democracias contemporâneas, que
tendem a ser mais conflituosas em função da sua heterogeneidade, ou seja, das
diferenças de interesses, objetivos e mentalidades).
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� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Podemos dizer que a democracia ateniense era uma democracia restritiva se comparada
às democracias modernas. Essa característica foi responsável por sua breve existência:
essa experiência durou menos de duzentos anos, e os atenienses foram dominados e
absorvidos por povos que possuíam formas de organização política que agregavam
populações maiores e governavam territórios mais amplos.
A TRADIÇÃO REPUBLICANA
De todas as fontes de origem dos ideais, valores, princípios e instituições que inspiram
nossas democracias modernas, a mais longa, diversificada e rica é, sem dúvida, a tradição
do pensamento republicano. Rica em experiências, formas institucionais e elaboração
jurídico-filosófica, é uma tradição que surge no auge da antiguidade clássica e reaparece
com força na Europa da Idade Moderna.
Fonte: Wikipedia
! Figura 5. Alto-relevo de Políbio no Museu da Civilização Romana
Apesar de ter seus primeiros vestígios no seio da cultura grega clássica, podendo ser
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vinculada à crítica democrática, à teoria das formas de governo do filósofo grego Aristóteles
(384-322 a.C.) e à ideia de governo misto do historiador grego Políbio (200-120 a.C.), a
tradição republicana não deve suas origens à democracia grega. Filosoficamente, a
concepção polibiana de governo misto ilustra bem as formas institucionais e as relações
de governo da maior parte das experiências clássicas do republicanismo: a necessidade de
representar todas as formas clássicas de governo em uma só para produzir um governo de
grande estabilidade e ordem.
A CONCEPÇÃO DE POLÍBIO SOBRE UM
REGIME MISTO
Para a tradição grega clássica, a política era uma arte e, por isso, tema recorrente nos
embates públicos da ágora – espaço público do encontro dos cidadãos na Grécia. Os
regimes de governo eram tema de debates intensos, principalmente em Atenas,
abordando frequentemente a questão da superioridade do modelo aristocrático ou
democrático, além da persistente crítica à tirania. Todos esses modelos comumente
implementados em cidades gregas.
O modelo de governo misto proposto por Políbio procurava conciliar a ampliação da
participação política, característica dos regimes democráticos, com a necessidade de
se preservar o poder nas mãos de indivíduos capazes e experientes, que acreditava
ser uma vantagem das aristocracias.
De maneira simplificada, é como se o governo misto juntasse a democracia (governo do
povo), a aristocracia (governo dos melhores) e a monarquia (governo de um rei) numa
mesma forma de governo. Em tese, isso eliminaria os defeitos e as instabilidades de cada
uma das formas descritas, seus riscos de degeneração e desequilíbrio, produzindo uma
forma de governo estável, equilibrada e ordenada.
" SAIBA MAIS
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Para termos uma ideia clara do que significa essa tradição, precisamos atentar que nos
notórios movimentos intelectuais da modernidade – Renascimento e Iluminismo – as teorias
filosóficas sobre a República – gregas e romanas – foram relidas e influenciaram toda a
imensa corrente de filósofos políticos que enriqueceram a tradição republicana nos tempos
modernos: Nicolau Maquiavel (1469-1527), John Locke (1632-1704), Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), Montesquieu (1689-1755) e Immanuel Kant (1724-1804), por
exemplo. Também inspiraram pensadores políticos e homens de Estado que tiveram
fundamental importância na gestação dos republicanismos constitucionais inglês e
americano entre os séculos XVII e XVIII, como o inglês John Harrington (1561-1612) e
federalistas estadunidenses, como Alexander Hamilton (1755-1804), John Jay (1745-1829)
e James Madison (1751-1836).
! Figura 6. Origem da República Romana, por Casto Plasencia
Historicamente, a tradição republicana se “encarnou” na República Romana (entre os
séculos VI e I a.C.), nas cidades-estados renascentistas de Veneza e Florença (entre os
séculos X e XVIII) e na Inglaterra e nos Estados Unidos (séculos XVII e XVIII).
Institucionalmente, sua grande inspiração foram as instituições da República romana
clássica que ilustram também a ideia de governo misto: o poder popular tinha espaço
através da magistratura dos tribunos da plebe, os aristocratas exerciam funções no Senado,
a função monárquica do governo era exercida pelos cônsules.
Desse modo, o povo e os aristocratas participavam do governo, e estavam amalgamadas
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as três formas clássicas de governo: a democracia (representada pelos tribunos da
plebe), a aristocracia (representada pelo Senado) e a monarquia (representada pelos
cônsules). Tanto a cidade renascentista de Florença como a cidade de Veneza (recordada
por ter mantido um regime republicano que durou centenas de anos) tinham instituições
semelhantes e foram referências de governos mistos para os pensadores republicanos
modernos.
Essa breve exposição da tradição republicana e da noção de governos mistos pode lembrar
bastante as democracias modernas – sobretudo aquelas que são repúblicas federativas
presidencialistas – como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos da América. Mas é
importante notar três grandes diferenças entre a história e as ideias da tradição republicana
e a vida política das democracias contemporâneas:
As repúblicas de governos mistos tinham que lidar com dois grupos de interesse
opostos, mas homogêneos: o povo e a aristocracia. O mundo contemporâneo possui
uma multiplicidade de grupos de interesses muito mais complexa.
Os governos mistos tinham cargos que eram populares e aristocráticos, ocupados,
respectivamente, por aqueles que eram oriundos de cada um desses grupos: um
plebeu nunca se tornava senador no mundo da República romana. O Senado era
reservado somente aos aristocratas nascidos de famílias antigas e poderosas. Tal
situação se repetiu em outras repúblicas históricas, como as de Florença, Veneza e
Inglaterra dos séculos XVII e XVIII.
A participação pública, por meio de cargos e magistraturas importantes, era limitada a
uma cidade central: não existia uma cidadania nacional como a das democracias
modernas. O cidadão da República romana era somente o romano nascido em Roma
de famílias romanas, o mesmo ocorria em Florença, Veneza e Inglaterra dos séculos
XVII e XVIII.
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
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SENADO
Nas repúblicas ocidentais influenciadas pelos modelos europeus iluministas, ainda é
recorrente encontrarmos Senados – como no Brasil e nos Estados Unidos – ainda que
com funções e características diversas.
Podemos dizer que as democracias contemporâneas são mais democráticas que as
repúblicas antigas e modernas. Além disso, elas possuem uma institucionalidade capaz de
representar muito mais que apenas dois interesses opostos (povo versus aristocracia). Mas
o que queremos dizer aqui com representação de interesses? Trataremos disso a seguir ao
abordarmos a terceira fonte de origem das democracias contemporâneas.
O GOVERNO REPRESENTATIVO
NO TAXATION WITHOUT REPRESENTATION!
Essa sentença – traduzida parao português como: “Não pagaremos impostos se não
tivermos representação!” – foi o slogan de uma das mais importantes revoluções dos
tempos modernos: a Revolução Americana (1776-1783).
O que nos interessa aqui não são propriamente os acontecimentos, cenários e
personagens dessa história, mas a invenção do governo representativo. Ao falarmos da
democracia grega e da tradição republicana, observamos como suas origens e práticas
históricas tiveram a limitação de serem localizadas em territórios muito pequenos:
centralizados em apenas uma cidade (Atenas, a cidade de Roma, Florença, Veneza etc.).
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Página 13 de 66
Fonte: Wikipedia
! Figura 7. Washington atravessando o Delaware, por Emanuel Leutze
Mesmo na Inglaterra, com a invenção de um Parlamento (dividido a princípio em Câmara
dos Lordes – ocupada pelos aristocratas – e a Câmara dos Comuns – ocupada por aqueles
que não tinham origem familiar na nobreza britânica), a participação era reduzida apenas
aos habitantes da grande cidade que era Londres no século XVII. Desse modo, não eram
todos aqueles que viviam sob o governo londrino – o governo inglês da época – que
podiam participar das grandes decisões tomadas no Parlamento. Muitas dessas decisões
eram relativas aos impostos cobrados, aos preços das mercadorias etc. E com o advento
da Câmara dos Comuns, muitos negociadores, investidores e comerciantes (que não
vinham de famílias nobres) passaram a tomar parte nessas decisões econômicas que os
afetavam.
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Fonte: Wikipedia
! Figura 8. William Pitt discursando na Câmara dos Comuns sobre a eclosão da guerra
com a Áustria, por Karl Anton Hicke
Antes da invenção da Câmara dos Comuns, era corriqueiro que a realeza e os nobres
aumentassem os impostos sobre esses grupos mercantis e de negociadores para seus
próprios fins. Ao tomarem parte nas decisões públicas, essa nova classe de comerciantes e
negociantes prósperos passou a ter a capacidade de proteger seus próprios interesses.
Mas isso se resumia apenas aos prósperos comerciantes e homens de negócio da grande
cidade de Londres, não a todos aqueles que viviam sob o governo da recém-criada
monarquia parlamentar inglesa.
Assim, eram poucos os que, sob o domínio do governo londrino, tinham meios de defender
seus interesses: sendo que aqueles que viviam nas longínquas colônias do nordeste da
América do Norte sequer tinham suas vozes ouvidas no recém-criado Parlamento de
Londres.
O Parlamento inglês aberto aos “comuns” foi produto de um intenso conflito ocorrido na
Inglaterra do século XVII, marcado por uma guerra civil – a Revolução Inglesa (1640-1651)
–, uma ditadura – o período do Protetorado (1653-1659) – e uma ampla conciliação entre
os grupos em conflito durante a Revolução Gloriosa (1688-1689). Esta última é chamada
assim por ter transformado as instituições políticas sem guerra ou conflito sangrento: esse
acordo entre as partes, que fez cessar o conflito, deu origem ao Parlamento e à
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Constituição moderna da Inglaterra.
Durante o período de 1640 a 1689, as longínquas colônias do nordeste da América do
Norte se viram esquecidas por seus governantes, absorvidos nos conflitos mencionados.
Elas edificaram uma vida bastante próspera e mais igualitária entre homens e mulheres
brancos do que a realidade europeia do outro lado do Oceano Atlântico (não tão igualitária:
lembremo-nos de que em alguns lugares dessas colônias, mas não em todos, existia a
brutal escravidão negra – como houve no Brasil, na mesma época).
Não era um mundo perfeito, mas havia mais prosperidade – e menos luxo – do que na
Europa da época, apesar das grandes desigualdades existentes. Durante essas décadas
de abandono relativo dos assuntos coloniais por parte dos interesses britânicos, os colonos
do norte da América puderam se autogovernar com um nível de autonomia muito grande
para a época.
Com o fim dos conflitos ingleses, o governo britânico começou a reorganizar seus
interesses nas suas colônias do outro lado do Atlântico mediante taxações e outras
intervenções nos assuntos das colônias. Entretanto, seriam as taxações diretas sobre
mercadorias como o chá (Lei do Chá, de 1773), o açúcar (Lei do Açúcar, de 1764) e sobre
documentos impressos (Lei do Selo, de 1775), que taxava em moeda britânica revistas,
jornais, documentos oficiais e outros materiais impressos pelos colonos americanos, que
inflamariam o ânimo dos colonos.
Fonte: Wikipedia
! Figura 9. Festa do Chá de Boston, de autor desconhecido
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Tais taxações – entre outras – eram consideradas abusivas para os colonos da América do
Norte, que viam isso como uma situação injusta por não terem seus interesses
representados no Parlamento britânico. Daí o slogan da Revolução Americana ter sido “No
taxation without representation” – ou seja, tratava-se inicialmente de uma exigência por
representação no Parlamento britânico em função das taxações serem vistas como
ilegítimas na ausência de uma representação colonial.
Fonte: Wikipedia
! Figura 10. Assinatura da Constituição dos Estados Unidos, por Howard Chandler
Christy
O desenvolvimento desse conflito culminou com a Independência Americana. Contudo, a
demanda por representação por parte dos colonos americanos foi uma experiência que os
influenciou a produzir uma forma de governo que levasse em conta a representação como
um fator de grande importância. Desde a convenção que deu origem à Constituição
americana (1787) até o modo como foi configurado o governo pós-independência, a
representação teve um papel central e extremamente inovador na história da política
moderna. A prática moderna de populações elegerem representantes que agem como
mediadores de seus interesses na condução dos assuntos públicos, em um país de
grandes proporções (a princípio apenas nas treze colônias originais), foi uma contribuição
legada ao mundo moderno pelos nascentes Estados Unidos da América.
Outro elemento importante oriundo da experiência política estadunidense desse período foi
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Página 17 de 66
a subordinação do poder militar à autoridade presidencial eleita e de natureza civil,
aspecto que ganharia bastante importância em todas as democracias constitucionais
modernas. Porém, devemos lembrar que a representação por voto nos Estados Unidos era
bastante limitada em suas origens.
Apesar da representação americana ter sido, historicamente, um elemento inovador nas
práticas de governo e um diferencial com relação à tradição republicana europeia, ela
padecia de grandes limitações quando comparada às nossas democracias modernas por
três motivos centrais:
Tratava-se de uma lógica de representação restritiva, pois apenas homens brancos
livres, proprietários de terras e alfabetizados podiam eleger seus representantes.
Essas características designam o que chamamos de voto censitário: por estipular
critérios que restringem o nível de participação política das populações.
Os votos eram por distritos e não por pessoa. A lógica de que cada pessoa
corresponde a um voto não era aplicada.
A lógica do voto censitário não permitia que negros e mulheres votassem. Eles eram,
portanto, excluídos do “governo representativo” dos Estados Unidos.
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Ao longo dos séculos, a representação e o direito ao voto nos EUA foram ampliados em um
longo processo de conflitos e pressões por grupos diferentes da sociedade civil. Mas foi
apenas em 1965 que o direito ao voto universal (aberto a todos e sem nenhuma
restrição) foi adotado nos Estados Unidos.
Podemos dizer, como frisamos anteriormente, que as desigualdades existentes nos
Estados Unidos na época da fundação de seu sistema de governo representativo
restringiam bastante as suas inovadoras práticas de representação. A relação entre
interesse e representação era demasiado restritiva. Essas restrições relativas à igualdade
de todosos cidadãos no exercício da cidadania, do direito de voto e de, portanto, ter seus
interesses representados na esfera dos assuntos políticos e no governo nos levam à quarta
origem das democracias contemporâneas: a lógica da igualdade.
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A LÓGICA DA IGUALDADE
Tal como as três origens distintas das democracias modernas que abordamos
anteriormente, a lógica da igualdade tem sua própria história e não se vincula àquela da
tradição democrática grega, nem da tradição republicana e nem da invenção da
representação. Suas origens são modernas e podem ser reconduzidas ao humanismo e
aos movimentos puritanos do século XVI que ressignificaram todo um conjunto de ideias
religiosas.
O humanismo clássico teve o papel de trazer para a cultura europeia do século XVI o
homem para o centro dos debates da época, relegando as discussões teológicas para um
segundo plano, como afirma Skinner (1996). Foi do seio do humanismo clássico que
surgiram as discussões filosóficas sobre tolerância religiosa e da dignidade humana como
valor civilizacional de importância.
Fonte: Wikipedia
! Figura 11. Retrato de Erasmus de Roterdã, o “príncipe dos humanistas”, por Quentin
Matsys
Já o puritanismo teve um papel fundamental nos movimentos religiosos e políticos do
século XVII ao trazer para a linguagem político-religiosa da época a ideia de igualdade dos
homens perante Deus. As ideias religiosas de igualdade entre os homens pregadas pelos
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puritanos tiveram bastante impacto na Inglaterra e nos Estados Unidos e influenciaram
muitos movimentos políticos entre os séculos XVII e XVIII.
Mas uma outra corrente filosófica teve uma influência mais radical nesse processo de
defesa da igualdade entre os homens: o Iluminismo. Movimento intelectual de grande
abrangência na Europa (Inglaterra, Países Baixos, Itália, Alemanha e, principalmente,
França), o Iluminismo trazia em sua bagagem uma forte crítica ao Antigo Regime, ao clero
e ao obscurantismo, forças que submetiam a maioria dos homens ao poder de poucos: os
aristocratas e o clero.
Fonte: Wikipedia
! Figura 12. Prisão do Palácio das Tulherias, por Jean Duplessis-Bertaux
Na França, as ideias dos filósofos iluministas (principalmente de Jean-Jacques Rousseau –
crítico feroz das desigualdades, tal como podemos ver em sua obra Discurso sobre a
desigualdade entre os homens) inspiraram os revolucionários de 1789 e, principalmente, a
ala mais radical (os jacobinos) a derrubar o regime monárquico existente. O lema da
Revolução Francesa (1789-1799), “Igualdade, Fraternidade e Liberdade”, tinha como
inspiração o iluminismo francês.
A crença iluminista e religiosa da igualdade entre os homens foi uma ideia bastante radical
na época, mas teve, num primeiro momento, sua realidade limitada aos homens
proprietários frente aos aristocratas que perdiam seus direitos de nascença.
Apesar dos direitos políticos e da cidadania terem se expandido com as revoluções dos fins
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do século XVIII e início do século XIX, eles ainda excluíam os pobres, as mulheres e, nas
Américas, outras etnias, como negros e indígenas.
Seriam os movimentos sufragistas do século XIX que expandiriam o voto e os direitos de
cidadania às mulheres e, posteriormente, no século XX, sob a rubrica dos direitos humanos
universais, a lógica da igualdade se expandiria a outros povos e etnias. Essas ideias de
igualdade tiveram histórias e crenças com fontes distintas, com bases sociais e movimentos
diferentes e ocorreram em cada país moderno em épocas diversas. Essa lógica da
igualdade formou o que chamamos de sufrágio universal, que é a última característica das
democracias modernas abordadas aqui.
Vamos ouvir o professor Rodrigo Rainha aprofundando sobre a questão da Igualdade.
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# ATENÇÃO
A História não é feita de pilares sólidos sobre o que foi construído no tempo, mas sim no
discurso, na construção idealizada. A política contemporânea bebe nessa relação que foi
apresentada, não como pilares duros, basilares, e sim na invenção e reinvenção, na
construção do valor de cada um desses discursos que constroem uma legitimidade do
discurso político.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. POLÍTICA CONTEMPORÂNEA É UMA IDEIA HERDEIRA CONCEITUAL
DE IMPORTANTES PROCESSOS HISTÓRICOS. A AFIRMATIVA QUE FAZ
A RELAÇÃO CORRETA É:
A) A Grécia Clássica – ateniense – inaugura a ideia de democracia representativa, em que
todos os cidadãos tinham direito à voz.
B) República é um fenômeno especialmente romano e com base em seus preceitos foi
difundido no Ocidente.
C) A noção contemporânea de política baseia-se em dois pilares históricos fundamentais:
república e democracia. Esses pilares são historicamente construídos e reafirmados ao
longo do tempo.
D) A tradição iluminista inaugura princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, sendo o
mais importante na relação política do século XX.
2. AO IDENTIFICARMOS A TRADIÇÃO ILUMINISTA RELACIONADA À
POLÍTICA, PRECISAMOS FALAR EM:
A) Liberdade, igualdade e fraternidade.
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B) Democracia e república.
C) A lógica da igualdade.
D) A representatividade democrática.
GABARITO
1. Política contemporânea é uma ideia herdeira conceitual de importantes processos
históricos. A afirmativa que faz a relação correta é:
A alternativa "C " está correta.
O princípio contemporâneo da política é entendido como a junção de conjuntos históricos e
filosóficos. Destaca-se, nesse processo, a tradição discursiva, adaptada, reformulada, mas
recorrente de que os conceitos atuais são tributários dos conceitos de democracia e
república.
2. Ao identificarmos a tradição iluminista relacionada à política, precisamos falar em:
A alternativa "C " está correta.
Apesar do valor dado ao lema da Revolução Francesa, o Iluminismo, como movimento
intelectual, debatia sobre aspectos diversos da sociedade e entre os conceitos em que se
ancoravam e discutiam a igualdade como uma operação intelectual lógica, como
fundamento político – para várias direções do movimento – tornando-se a base.
MÓDULO 2
! Definir a gênese da esfera pública
A GÊNESE DA ESFERA PÚBLICA
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Quando nos debruçamos sobre as quatro origens da política e das democracias modernas,
vimos que a participação política na experiência da democracia grega na antiguidade e das
repúblicas clássicas era limitada apenas a uma vida em certas cidades centrais. Isso
ocorria em função de as decisões e a participação nos assuntos públicos serem privilégio
de uns poucos que podiam adentrar espaços bem delimitados.
Esses espaços foram se tornando mais abertos àqueles sem privilégios de nascença, mais
“públicos”. A participação física em espaços públicos foi uma grande limitação da
experiência republicana ao longo da história, sendo o alargamento da participação política
ligado, nos últimos duzentos anos, a um fenômeno singular que trataremos aqui – a gênese
da esfera pública.
Esfera pública não é o mesmo que espaço público. Usaremos uma definição de esfera
pública que nos ajudará a perceber essa diferença:
ARENA DA DISCUSSÃO E DO DEBATE PÚBLICO
NAS SOCIEDADES MODERNAS, PODENDO SER
ESPAÇOS FORMAIS E INFORMAIS.
(GIDDENS, SUTTON, 2017)
A definição nos chama a atenção para um ponto: a esfera pública surgiu com a emergência
da sociedade moderna – ou seja, não existia antes do século XVI. Isso não quer dizer que
ela surge exatamente aí; pelo contrário, ela se desenvolveu nesses últimos quatro séculos
até adquirir as características que atualmente podemos destacar. Para compreendermos
melhor, analisaremos o principal fator relacionado aos seus primeiros desenvolvimentos: o
surgimento de um público leitor.
NEWSLETTERS, SALÕES, CAFÉS E
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FILÓSOFOS: A EMERGÊNCIA DA ESFERA
PÚBLICA CLÁSSICA
O surgimento da esfera pública é singular na história e tal fenômeno se desenvolveu
apenas nos últimos quatroséculos. Tem correlação com uma série de invenções técnicas:
da tipografia de Gutenberg às novas embarcações que permitiram viagens e comércio
pelas regiões “descobertas” do século XVI em diante. Porém, o mais importante disso tudo
não foram as invenções tecnológicas apenas, e sim a profunda transformação ocorrida com
o surgimento de um público leitor.
GUTENBERG
Johannes Gutenberg (1400-1468) foi o criador da prensa mecânica europeia,
invenção que transformou o mundo e ajudou a fundar a Idade Moderna. Sua máquina
de tipos multiplicou a produção de impressos, tornando o conhecimento muito mais
acessível, sobretudo em relação ao que era quando dependia do trabalho dos
copistas.
O QUE SIGNIFICA A EXPRESSÃO PÚBLICO
LEITOR?
Um público leitor é uma grande população de leitores – seja de que gênero de texto for.
Vivemos em um mundo onde nunca houve um público leitor tão amplo: ideias, informações,
sentimentos, percepções, notícias e acontecimentos circulam de forma escrita, podendo ser
lidos por massas cada vez maiores de pessoas de um modo inimaginável nos últimos
séculos. Esse público discute, comenta e escreve também, expressando-se de modo a
conferir ainda mais dinamismo a esse movimento de circulação.
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Fonte: bbernard/Shutterstock
! Fonte: bbernard/Shutterstock.
MAS SEMPRE EXISTIU ESSA GRANDE MASSA DE
LEITORES?
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Fonte: Dayna More/Shutterstock
! Fonte: Dayna More/Shutterstock.
A resposta a essa pergunta é um absoluto não!
Durante a maior parte da história, apenas uma minúscula parcela de pessoas dominava a
técnica de ler e escrever: somente uma limitada aristocracia governante e seus funcionários
(escribas, secretários etc.) era alfabetizada. A maior parte das pessoas era iletrada e
ignorava qualquer forma de conhecimento formal como compreendemos atualmente.
Essa situação só começou a se modificar no século XVI e com o advento do protestantismo
no século XVII. Ainda assim, as tipografias, recém-inventadas por Gutenberg, imprimiam
sobretudo Bíblias – não jornais, livros e revistas. E mesmo com essa restrição, a Reforma
Protestante foi um poderoso agente alfabetizador: como acreditavam que todos os homens
eram dotados de uma luz natural e, por isso, capazes de acessar a palavra divina dos
Testamentos, tratou-se de alfabetizar as massas conforme o protestantismo se
disseminava.
Mas não foi exclusivamente o protestantismo que criou o público leitor moderno,
precondição para a formação da esfera pública moderna. Esse fenômeno esteve ligado
também a outros fatores, como a criação de novas formas, gêneros e modos de leitura. E
as discussões ao redor desses escritos, promovidas em diferentes espaços (formais e
informais), desempenharam um papel de grande importância na formação da esfera
pública. Abordaremos a seguir diferentes aspectos desse fenômeno, que juntos deram
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origem à esfera pública.
NEWSLETTERS E PRAÇAS DE COMÉRCIO
As primeiras circulações de periódicos estiveram profundamente ligadas à ampliação das
atividades mercantis entre a Europa e outros continentes, aos interesses dos mercadores e
às bolsas de valores primitivas que surgiram nas grandes cidades europeias.
Essa necessidade de circulação de notícias estava associada inicialmente à demanda de
informação dos grupos de comerciantes e investidores do comércio ultramarino surgida em
meados do século XVII. De acordo com Brigs e Burke (2006), nos primeiros jornais desse
gênero – surgidos em Amsterdã –, já havia críticas à Igreja e ao governo.
# ATENÇÃO
Não existem leitores somente físicos. O espaço das praças de comércio era o local da
reunião de muitos leitores de “ouvido”, leitores que multiplicavam a troca dos
conhecimentos e, ainda que multiplicassem as informações a partir da força de um senso
comum recorrente, faziam a cultura letrada circular. O termo em inglês – clássico entre os
estudiosos de comunicação – fundamenta-se na tradição das cartas medievais. Cartas que
uma vez recebidas eram lidas de forma pública. Então, quando a prensa, os jornais, os
livretos começam a circular, não é possível imaginar a multiplicação automática de letrados,
mas sim uma multiplicação efetiva de leitores – em todas as suas formas.
A ESFERA LITERÁRIA
O surgimento de gêneros literários novos como o romance de sentimentos (como A Nova
Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau) e o romance de formação (como Os anos de
aprendizado do Jovem Wilhelm Meister, de Johann Wolfgang Goethe), de ampla circulação
no século XVIII entre a população letrada, estimulou novas formas de identificação entre os
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leitores.
Fonte: Wikipedia
! Figura 15. Edição de 1795 de Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, de Johann
Wolfgang von Goethe
Por se identificarem com os personagens, os leitores sentiam empatia por eles para além
da língua, classe social, sexo e país. Também foram importantes no sentido de formarem
uma ideia geral e compartilhada de que as pessoas eram semelhantes em função de seus
sentimentos íntimos, estimulando bastante uma noção sentimental de um senso de
igualdade no público leitor de romances.
Entre os séculos XVII e XVIII, foi extremamente comum a formação de círculos
literários nos salões das casas de senhoras abastadas, que reuniam pessoas em
discussões sobre esses livros e promoviam debates e reflexões que abarcavam a
vida cotidiana, a realidade sentimental e a noção de igualdade produzida pela leitura
desses escritos.
Mais uma vez, devemos notar a maturação de longos processos históricos que se
reproduzem na construção dessa esfera literária. Era comum, nas cortes e depois nas ruas,
a reunião para ouvir os contadores de história. São famosos na literatura das tabernas e
guardavam de cabeça as histórias rimadas e as multiplicavam. O mundo dos séculos XVIII
e XIX era cada vez mais urbano, mais cheio de gente e informação, porém, as heranças
ficaram. Agora eram os leitores públicos, os leitores de jornais, os jovens e tropeçadores
leitores. No Brasil, livros famosos saíam em capítulos em séries de jornal; na França,
alguns livretos muito picantes – como o de Marquês de Sade (1740-1814) – multiplicavam-
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se e faziam crescer o interesse pela leitura.
TROPEÇADORES LEITORES
O termo utilizado na alfabetização foi fortemente ampliado para estudantes que não
conseguem reconhecer a ideia principal de um texto ou relacioná-lo com
conhecimentos próprios. Então acabam lendo manchetes, fazendo leituras gerais,
parciais ou que não geram plena compreensão.
AS IDEIAS FILOSÓFICAS E POLÍTICAS –
CLUBES, CAFÉS E SALÕES
Fonte: Wikipedia
! Figura 16. No salão de Madame Geoffrin, por Anicet Charles Gabriel Lemonnier
A ampla circulação de livros entre os grupos letrados da Europa moderna, principalmente
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no século XVIII, deu origem a espaços informais de discussão e associações que se
expandiriam para além da lógica dos salões literários: as discussões ao redor de tratados
filosóficos e políticos (gênero filosófico propriamente moderno) e de troca de opiniões sobre
os acontecimentos fermentaram com grande força em países como a Inglaterra e a França.
Na Inglaterra, alguns dos primeiros jornais ingleses, como o Spectator, que começou a ser
publicado em 1711, tinha como objetivo explícito trazer a Filosofia para fora das instituições
acadêmicas a fim de ser tratada em clubes, assembleias, mesas de chá e cafés. O caso da
França também é emblemático quanto a esse fenômeno – sendo o iluminismo francês
extremamente importante para sua compreensão.
A Luz da Razão, – palavra-chave da época, utilizada para se opor à tradição, à fé, à
superstição e ao preconceito – associada à noção de crítica (utilizada como forma de
problematizar os excessos e abusos dos governos monárquicos e da Igreja católica
francesa), teve um papel fundamental na criação da linguagem que formaria a ideia de
públicona França da época.
Eles se consideravam homens de letras e são vistos por muitos como os primórdios do
intelectual público moderno, no sentido de serem os primeiros intelectuais independentes
de patronos e por terem sido agentes engajados em promover um debate amplo sobre os
assuntos públicos referente aos regimes sob os quais viviam. Difundiram suas ideias na
França e fora dela para homens e mulheres, apesar de terem pouca intenção de atingir o
povo.
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Fonte: Wikipedia
! Figura 17. François-Marie Arouet de Voltaire, por Nicolas de Largillière
HOMENS DE LETRAS
O papel central desse movimento foi desempenhado por um conjunto de pensadores
franceses chamados philosophes (filósofos, em francês), e entre esses personagens
destacam-se Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1798), Diderot (1713-1784) e
D’Alambert (1717-1783).
As monarquias e os governos da época impunham uma forte censura aos escritos
filosóficos (esta era menor na Inglaterra porque, após o período revolucionário de 1640 a
1688, criou-se um ambiente de maior tolerância e ampliação dos debates acerca dos
assuntos de governo em função da criação do Parlamento), uma vez que estes eram
considerados subversivos, ou seja, afetavam a ordem estabelecida por promoverem a
agitação e o descontentamento.
Esse fator fez com que a discussão sobre esses escritos e ideias permanecesse fora dos
ambientes formais, tornando extremamente importante a cultura oral dos cafés, clubes,
associações e salões (encontros organizados por senhoras aristocráticas para promover
debates com intelectuais). Além disso, a censura estimulava uma circulação extremamente
importante de correspondência privada entre intelectuais de diferentes nações da Europa, o
que foi um poderoso fator de circulação das ideias políticas da época.
OS PRIMEIROS JORNAIS
Muitos dos primeiros jornais, mais parecidos com o que chamamos por esse nome
atualmente, surgiram no século XVIII e eram derivados dessa efervescente cultura dos
cafés, salões e clubes surgida em meados do século XVII. A princípio, não eram grandes
veículos de discussões políticas diretas, tratavam de manifestações artísticas (peças de
teatro, literatura), publicavam contos, retratavam acontecimentos da vida cotidiana
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europeia, curiosidades etc.
O conteúdo dessas manifestações pode parecer um tanto trivial, contudo, seus editores
demandavam de seus leitores uma ampla participação: pedindo que cartas com opiniões
sobre todos esses assuntos fossem enviadas, sendo a maioria publicada. Isso estimulava
uma cultura de troca de opiniões, um ambiente cultural de debate diversificado e fazia com
que os jornais tivessem uma função de fóruns de discussão.
Fonte: Wikipedia
! Figura 18. A Liberdade guiando o povo, por Eugène Delacroix
Já os acontecimentos políticos ganhariam destaque com os eventos efervescentes da
Revolução Francesa: pelo menos 250 jornais foram fundados nos últimos seis meses do
ano de 1789 na França. O ambiente político tumultuado do fim do século XVIII e da maior
parte do século XIX (marcado por guerras, revoluções e movimentos populares de todo
tipo) não somente estimulou os jornais a tratar os acontecimentos políticos, mas também
uma cultura de panfletos de associações e movimentos sociais dos mais diversos:
operários, sufragistas (defensores da ampliação do direito de voto) etc.
Todos esses fatores foram fundamentais para emergência do que chamamos de esfera
pública. Apesar de seu desenvolvimento ter sido iniciado em ambientes informais (cafés,
salões, clubes e associações) em função da censura dos governos monárquicos da época,
o período de revoluções (Revolução Inglesa, Revolução Americana, Revolução Francesa e
as Revoluções de 1830 e 1848) foi transformando a realidade política mais centralizada,
04/11/2021 17:28
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fechada e aristocrática em formas políticas, republicanas e democráticas mais abertas.
Assim, houve a ampliação da esfera de debates, opinião e discussão sobre os assuntos
políticos, sociais e culturais, formando, portanto, as bases da esfera pública moderna.
Os debates que eram reservados apenas às discussões orais em ambientes informais
ampliaram sua circulação por meio de jornais, revistas e periódicos de todos os tipos,
podendo ser acessados por um grande público e discutidos nos mais diversos espaços
sociais. Essa esfera, abstrata por ser discursiva (independente do meio pela qual se
propaga) e se situando no espaço onde discussões e debates ocorrem (formais ou
informais), é o que chamamos de esfera pública – sendo que a sua formação teve uma
imensa influência e importância para o desenvolvimento das democracias como as
conhecemos atualmente.
No século XIX, a esfera pública se opõe à esfera íntima, espaço da intimidade e da
privacidade, ou seja, a dimensão das relações íntimas, da família, dos sentimentos
pessoais. Por muitas décadas tratava-se de duas esferas distintas e rigidamente
separadas. Atualmente, poderíamos dizer que as fronteiras entre elas se tornaram muito
mais difusas. Além disso, com a multiplicação de novas mídias para além do texto impresso
em função da multiplicação de novas tecnologias comunicacionais no século XX (primeiro o
rádio, depois a televisão, e no final do século XX a internet), pode-se dizer que emergiram
novas arenas constituintes da esfera pública.
Fonte: blackzheep/Shutterstock
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! Fonte: blackzheep/Shutterstock.
Do mesmo modo, pode-se dizer que dos séculos XVIII e XIX aos séculos XX e XXI, ocorreu
uma transformação na esfera pública muito grande com o surgimento da mídia de massa,
que profissionalizaria todas as etapas de produção técnica da comunicação, formando
grupos comerciais de comunicação, entre outros. Para muitos estudiosos da esfera pública,
da mídia e da teoria da comunicação, tal mudança causou grandes transformações na
esfera pública do século XX aos dias atuais.
HABERMAS E O DEBATE
CONTEMPORÂNEO SOBRE A ESFERA
PÚBLICA
Fonte: Wikipedia
! Figura 20. Jürgen Habermas em 2007
No que se refere aos debates contemporâneos sobre a esfera pública, um trabalho de
grande influência no tema foi a análise do filósofo alemão Jürgen Habermas no texto
Mudança estrutural da esfera pública (1962). Nessa obra, Habermas preocupa-se em
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reconstituir a gênese histórico-sociológica da esfera pública e percebe que, em suas
origens, ela envolvia a reunião de indivíduos igualitariamente como em um fórum para o
debate público. Esse período inicial de desenvolvimento da esfera pública é chamado por
Habermas de esfera pública burguesa.
Entretanto, em sua perspectiva, essa promessa inicial de desenvolvimento da esfera
pública não se cumpriu: a emergência da mídia comercial, com uma linguagem de massa e
baseada no entretenimento, teria feito a esfera pública definhar gradualmente.
Pela mídia comercial ser prisioneira da renda das propagandas e dos índices de
audiência, haveria uma deformação de toda a possibilidade de formação de um
debate público racional e aberto, sendo que a manipulação e o controle da audiência
com fins de audiência por meio do entretenimento também começam a surgir.
Assim, a esfera pública deixa de ser uma arena de debates e torna-se uma esfera onde o
consenso é fabricado pela publicidade. Essa atrofia da esfera pública, causada em parte
pela mídia de massas, faz com que o entretenimento prevaleça sobre os debates e as
polêmicas, enfraquecendo a participação dos cidadãos no debate público. Isso produziu um
deslocamento na avaliação da importância da mídia com relação à esfera pública: de uma
promessa capaz de engajar muitos indivíduos de maneira igualitária na arena dos assuntos
públicos, ela teria – com a mídia de massa – mudado de foco e passado a constituir-se
como parte dos problemas que concorrem contra o amadurecimento da esfera pública.
MUDANÇAS NA RELAÇÃO ENTRE AS
ESFERAS ÍNTIMA E PÚBLICA: RICHARDSENNETT E AS TIRANIAS DA INTIMIDADE
Outra análise de grande importância nos estudos relativos às transformações na esfera
pública contemporânea aparece no livro, do sociólogo Richard Sennett, O declínio do
homem público: as tiranias da intimidade (1977). Para o sociólogo americano, a distinção
entre as esferas pública e íntima tem se tornado cada vez mais tênue e diluída, sendo que
nas últimas décadas podemos falar de uma “colonização da esfera pública pela esfera
íntima”.
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Fonte: Wikipedia
! Figura 21. Richard Sennett em 2010
Isso se daria em função do fenômeno midiático da excessiva publicidade ao redor das
grandes personalidades, o que afetaria a vida pública no sentido de as características
pessoais e sentimentais dos homens públicos (sua vida privada, honestidade e sinceridade)
terem ganhado mais importância do que características fundamentais em outros períodos,
como o comprometimento público, a dedicação aos assuntos políticos etc.
$ RESUMINDO
Vamos recuperar o nosso debate:
A noção de que o espaço público é de um coletivo limitado para informações é ilusória.
Demonstramos que a esfera pública sempre existiu – só não tinha essa concepção, essa
materialização. O que Sennett aponta, cria, discute, é que o fato de haver uma mudança
significativa do privado, retirando de esferas públicas elementos que não se tinha clareza
de que eram intercessões, criando um novo espaço, uma nova esfera e que – dialogando
com o primeiro módulo – transforma a política como um exercício da esfera pública,
retirando seus aspectos privados e modificando suas dinâmicas privadas como contra o
interesse público.
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Vamos ouvir o professor Rodrigo Rainha refletindo sobre esfera pública.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. UM DOS MAIS IMPORTANTES AUTORES É HABERMAS. AO
CARACTERIZAR A ESFERA PÚBLICA, ELE A DEFINE COMO:
A) Tendo origem na esfera pública aristocrática.
B) Uma tradição histórica iluminista que perdeu sentido conceitual na contemporaneidade.
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C) Tendo origem na esfera pública burguesa.
D) Debates públicos que geram interesse para a maioria.
2. SOBRE A CONSTRUÇÃO DA ESFERA PÚBLICA MODERNA,
PODEMOS AFIRMAR QUE:
A) Emerge das práticas da Revolução Industrial.
B) Passa pela negação completa da religião, abandonada naquele momento.
C) É construída como ideia pelos salões das cidades no século XVIII, em especial
franceses.
D) Os jornais alemães, a partir de Gutenberg, criam um público leitor ativo e político,
construindo a noção de esfera pública.
GABARITO
1. Um dos mais importantes autores é Habermas. Ao caracterizar a esfera pública, ele
a define como:
A alternativa "C " está correta.
Como crítico da modernidade, Habermas afirma que o mundo é construído a partir dos
discursos. O conceito de discurso de Habermas é considerado um prenúncio da pós-
modernidade, que de alguma forma desconstrói as verdades do mundo burguês. Para tal,
ele recupera a história da formação da burguesia e sua mudança de perspectiva social, que
tem com pedra fundamental a criação da esfera pública.
2. Sobre a construção da esfera pública moderna, podemos afirmar que:
A alternativa "C " está correta.
A esfera pública é modificada com o tempo. A modernidade cria o modelo francês de
público como espaço de troca e circulação pelo Iluminismo, por isso a ideia dos salões será
vital.
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MÓDULO 3
! Reconhecer a relação entre poliarquia e novas mídias
POLIARQUIA
Fonte: Wikipedia
! Figura 22. Robert Dahl em 1966
O conceito de poliarquia foi desenvolvido pelo cientista político estadunidense Robert Dahl
como uma forma mais realista de avaliar os regimes políticos contemporâneos. Em função
de nenhum país contemporâneo conseguir encarnar em níveis absolutos a ideia de uma
democracia plena, Dahl concebeu seu conceito de poliarquia como um modo de categorizar
e nivelar o quanto os regimes políticos existentes se aproximam de um regime mais ou
menos democrático.
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ROBERT DAHL
Robert Dahl (1915-2014), cientista político e um dos mais importantes nomes da
ciência política americana, foi considerado figura vital uma vez que, diante de um
mundo polarizado, conseguiu fugir das relações de conflito entre EUA e URSS,
buscando conceber dinâmicas de funcionamento político e superando a ideologização
vivida.
O conceito de poliarquia é desenvolvido e categorizado em dois livros de Dahl, Um prefácio
à teoria democrática (1956) e Poliarquia: participação e oposição (1971). Os temas centrais
desses dois livros são abordados em uma obra mais acessível, atualizada e com um
caráter mais didático: A democracia e seus críticos (1989). De maneira geral, definem-se
como uma poliarquia plena os sistemas democráticos modernos em funcionamento nos
países desenvolvidos.
Levando em conta o conjunto de obras mencionado anteriormente, poderíamos dizer que
as características apontadas para o desenvolvimento de uma poliarquia plena (ou seja, de
um regime político com características contemporaneamente consideradas democráticas,
exercidas de maneira ampla e generalizada) são de duas naturezas:
Relativas a um critério ligado às oportunidades disponíveis aos cidadãos e suas
instituições
Relativas ao seu caráter moderno, dinâmico e plural
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
CARACTERÍSTICAS DAS INSTITUIÇÕES E
OS DIREITOS NECESSÁRIOS 
À EXISTÊNCIA DE UMA POLIARQUIA
04/11/2021 17:28
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Para Dahl (2005), a democracia é um sistema político que tem, como uma de suas
características, a qualidade de ser inteiramente, ou quase, responsivo a todos os
seus cidadãos. Para que um sistema seja considerado democrático sob as condições
delimitadas, todos os cidadãos devem ter oportunidades plenas de:
Formular suas preferências;
%
Expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo por meio da ação individual
e da coletiva;
%
Ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, sem
discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte de preferência.
Para que essas preferências sejam devidamente passíveis de prática, é necessário um
conjunto de garantias institucionais, como podemos ver a seguir:
Para a
oportunidade
de:
Formular
preferências
Exprimir
preferências
Ter preferências
igualmente
consideradas na
conduta de
governo:
Liberdade de
formar ou
Liberdade de
formar ou
aderir
organizações;
Liberdade de
Liberdade de
formar ou aderir
organizações;
Liberdade de
expressão;
Direito de voto;
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Página 42 de 66
São
necessárias
as seguintes
garantias
institucionais:
aderir
organizações;
Liberdade de
expressão;
Direito de
voto;
Direito de
líderes
políticos
disputarem
apoio;
Fontes
alternativas
de
informação.
expressão;
Direito de
voto;
Elegibilidade
para cargos
políticos;
Direito de
líderes
políticos
disputarem
apoio;
Fontes
alternativas
de
informação;
Eleições
livres e
idôneas.
Elegibilidade
para cargos
públicos;
Direito de
líderes políticos
disputarem
apoio;
Fontes
alternativas de
informação;
Eleições livres
e idôneas;
Instituições
para fazer com
que as políticas
governamentais
dependam de
eleições e de
outras
manifestações
de preferência.
� Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
Fonte: DAHL, 2005. p. 27. (adaptado)
Quanto mais inclusivas são essas oportunidades, maiores podem ser os níveis de
contestação e, portanto, o nível de responsividade de determinado sistema político; e,
desse modo, maior poderá ser o nível de uma poliarquia. Entretanto, não são apenas esses
conjuntos de oportunidades referidos às garantias institucionais delimitadas anteriormente
que atestam o funcionamento de uma poliarquia e sua estabilidade. Existem, além das
04/11/2021 17:28
Página 43 de 66
características elencadas, um conjunto de fatores que estáinterrelacionado à existência de
uma poliarquia, como veremos no próximo tópico.
OUTROS FATORES QUE PROPICIAM A
FORMAÇÃO E ESTABILIDADE 
DE UMA POLIARQUIA
SOCIEDADE MODERNA, DINÂMICA E
PLURALISTA (MDP):
De acordo com Dahl (2012), pode-se perceber que, historicamente, as sociedades
associadas ao desenvolvimento de uma poliarquia plena são marcadas por uma série de
fatores interrelacionados:
Nível relativamente alto de crescimento e de renda e riqueza per capita
Alto nível de urbanização
População agrícola em rápido declínio ou relativamente pequena
Grande diversidade ocupacional
Ampla alfabetização
Número comparativamente grande de pessoas que frequentaram instituições de nível
superior
04/11/2021 17:28
Página 44 de 66
Ordem econômica na qual a produção é desenvolvida principalmente por empresas
relativamente autônomas e cujas decisões são orientadas para mercados nacionais e
internacionais em níveis relativamente altos de indicadores convencionais de bem-
estar, como médicos e leitos hospitalares para cada mil pessoas, a expectativa de
vida, a mortalidade infantil, a porcentagem de famílias com diversos bens de
consumo duráveis e assim por diante.
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Muitos desses fatores podem ser condensados em três ideias-chave: modernidade,
dinamismo e pluralismo social.
Sobre a ideia de modernidade, podem ser compreendidos fatores como níveis mais altos
de riqueza, renda, consumo e educação; maior diversidade ocupacional, ou seja, ampla
gama de empregos diversificados; aumento da população urbana em proporção à rural;
diminuição crescente da importância econômica da agricultura em função de setores
econômicos que agregam maior valor à produção.
Sobre a categoria do dinamismo, podemos compreender fatores como o crescimento
econômico, a competição empresarial e a possibilidade da ascensão do padrão de vida. E,
por fim, sobre o pluralismo, seriam fatores como uma ampla gama de associações, grupos
e organizações relativamente autônomos, particularmente no âmbito da esfera econômica.
Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock
04/11/2021 17:28
Página 45 de 66
! Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock.
Essas três ideias condensam uma série de fatores econômicos, sociais e técnicos que
formam o que Dahl conhece por países ou sociedades modernas, dinâmicas e pluralistas (o
que o cientista político chama de MDP).
De acordo com Dahl (2012), uma sociedade ou um país com os fatores agregados ao MDP
é marcado pelas seguintes características:
A dispersão dos recursos políticos, tais quais o dinheiro, o conhecimento, o status e o
acesso às organizações;
%
A dispersão das localizações estratégicas, particularmente em assuntos econômicos,
científicos, educacionais e culturais;
%
A dispersão das posições de negociação, tanto manifestas quanto latentes, nos assuntos
econômicos, na ciência, nas comunicações, na educação e em outras áreas.
Uma sociedade com essas características tende a promover a inibição da concentração de
poder em poucas pessoas ou grupos, dispersando-o entre uma série de grupos e pessoas
independentes. Além disso, esses fatores favorecem atitudes, convicções e crenças
favoráveis às ideias democráticas, como a de que ganhos conjuntos podem ser obtidos
com o aumento dos resultados e de que a negociação e a barganha podem levar a acordos
benéficos para toda a sociedade.
Portanto, essas características podem promover um sistema político competitivo no qual o
acordo é considerado normal: sem que as partes políticas em oposição sejam vistas como
inimigas ou dispostas em um conflito impossível de ser equilibrado. Mas a relação entre
MDP e poliarquia não é uma relação de causa e efeito: uma sociedade com MDP pode não
ser necessária e nem suficiente para garantir a poliarquia – historicamente, existem
exceções a isso.
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MÍDIA E POLIARQUIA: ALFABETIZAÇÃO,
EDUCAÇÃO, INFORMAÇÃO 
E PLURALISMO
O conjunto de oportunidades plenas que os cidadãos devem ter em um sistema
considerado como uma poliarquia (formular, exprimir e ter preferências igualmente
consideradas na conduta do governo) depende de várias garantias institucionais, entre elas
duas que são interrelacionadas à mídia: a liberdade de expressão e o acesso a fontes
alternativas de informação.
Quando falamos aqui em liberdade de expressão, trata-se de liberdade de crítica (no
sentido filosófico do termo, como vimos quando tratávamos da gênese da esfera pública),
que poderíamos condensar com a seguinte definição:
O DIREITO PROTEGIDO POR LEI À LIBERDADE DE
EXPRESSÃO, PARTICULARMENTE À EXPRESSÃO
POLÍTICA, INCLUINDO A CRÍTICA ÀS
AUTORIDADES, À CONDUTA DE GOVERNO, AO
SISTEMA POLÍTICO, ECONÔMICO, SOCIAL E À
IDEOLOGIA DOMINANTE.
(DAHL, 2012)
Quanto ao acesso a fontes alternativas de informação, Dahl (2012) as define do seguinte
modo: acesso a fontes alternativas de informação que não sejam monopolizadas pelo
governo ou por nenhum outro grupo em particular.
Mas vejamos que esses itens não se sustentam autonomamente, eles estão vinculados a
quatro fatores:
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Alfabetização
Educação
Informação
Pluralismo
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
O acesso à informação plural por um público alfabetizado e que tenha ao menos um nível
de instrução médio é um fator muito mais importante para a formação de uma poliarquia
que outros fatores elencados. Eles são fundamentais para a produção de uma opinião
pública que possa amadurecer ao longo do tempo. Além disso, a correlação entre
alfabetização ampla, acesso à educação – mesmo que modesta – e de uma pluralidade de
meios de informação pode fazer com que países e sociedades satisfaçam os níveis
mínimos requeridos para o funcionamento de uma poliarquia, mesmo em sociedades
predominantemente agrícolas e que não tenham nenhuma indústria.
Em países onde se generalizou o acesso às primeiras letras e onde houve uma prematura
ampliação dos meios de informação escritos, formou-se precocemente alguma forma de
poliarquia, mesmo em condições rurais, como, por exemplo, Nova Zelândia, Austrália,
Canadá, Noruega, Finlândia e Islândia.
O CONTROLE CIVIL DA COERÇÃO
VIOLENTA
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! Fonte: bgrocker/Shutterstock.
Um fator de grande importância para a formação e estabilidade de uma poliarquia é aquilo
que Dahl chama de controle civil da coerção violenta, ou seja, a submissão das forças
policiais e militares ao poder civil. Uma das características do Estado são seus instrumentos
para coerção física cuja tarefa é a ameaça ou o emprego da violência para a manutenção
da ordem e da segurança.
Nos parâmetros de uma poliarquia, duas condições são necessárias para o exercício
democrático: 1) Que o poder civil seja capaz de efetivar o controle das forças de coerção
(militares e policiais); 2) Que os próprios civis que controlam as forças de coerção estejam
sujeitos ao processo democrático.
Historicamente, quatro fatores têm ajudado nessa questão:
Quando países reduzem seus contingentes militares e policiais à sua virtual
insignificância (como nos casos do Japão e da Costa Rica).
Quando as forças militares ou policiais são dispersadas em seus comandos em uma
série de controles locais (o que é comum nos países de língua inglesa).
Quando as tropas militares são formadas por pessoas com fortes convicções
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democráticas compartilhadas pela sociedade civil (como no caso da Europa pós-
Segunda Guerra Mundial, onde as tropas terrestres são formadas por alistamento
para breves períodos – ou seja, todos são civis de uniforme).
O profissionalismo militar doutrinário, que incute nos militares profissionais a criação
e a manutenção de crenças relacionadas ao regime democrático ao qual estão
submetidos e que devem proteger por fidelidade.
� Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
O quarto fator citado podecausar certas distorções, de acordo com Dahl:
TODAVIA, SOB CERTAS CIRCUNSTÂNCIAS, O
CONTROLE CIVIL DE UMA INSTITUIÇÃO MILITAR
PROFISSIONAL NUM PAÍS DEMOCRÁTICO PODE
SER PREJUDICADO. O CONTROLE CIVIL É
AMEAÇADO QUANDO O PROFISSIONALISMO CRIA
UM PROFUNDO ABISMO SOCIAL E PSICOLÓGICO
ENTRE OS MILITARES E CIVIS, DE FORMA QUE,
COMO OCORREU NO BRASIL EM 1950 E 1960, OS
MILITARES SE TORNAM UMA ORDEM SOCIAL
CLARAMENTE À PARTE, UMA CASTA MILITAR
ISOLADA DA SOCIEDADE CIVIL. OU AINDA, SE OS
PROFISSIONAIS ACREDITAM QUE OS INTERESSES
FUNDAMENTAIS DA INSTITUIÇÃO MILITAR ESTÃO
AMEAÇADOS PELA LIDERANÇA CIVIL, É
PROVÁVEL QUE RESISTAM AO CONTROLE CIVIL E
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É POSSÍVEL QUE O REJEITEM INTEIRAMENTE,
COMO OCORREU NO BRASIL EM 1964, EM GANA
EM 1965, E NA ARGENTINA, REPETIDAS VEZES,
ENTRE 1955 E 1983.
(DAHL, 2012, p.392-393)
Assim, lideranças militares podem também, se não são devidamente doutrinadas pelo
profissionalismo militar na crença e no dever de proteger o governo ao qual devem se
submeter, ameaçar a estabilidade de uma poliarquia plena.
Fonte: Wikipedia
! Figura 25. Militares protegendo o Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, durante o
Golpe Militar no Brasil em 1964
Em outras palavras, podem, em função de desordem, conflito civil, polarizações agudas,
crises econômicas contínuas, efetivar golpes militares – e desarticular poliarquias instáveis,
como ocorreu no Brasil em 1964, no Chile e no Uruguai em 1973 e na Argentina em 1976.
A presença ou ausência de uma poliarquia não pode ser definida apenas pelo controle civil
da coerção violenta, mas esse fator é um elemento que contribui para a estabilidade de um
sistema poliárquico.
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NOVAS MÍDIAS, NOVOS ATORES: A
ESFERA PÚBLICA CONTEMPORÂNEA
Cientistas sociais sérios não costumam fazer muitas previsões quando se defrontam com
fenômenos novos ou se encontram em meio a processos em curso: é sabido que é mais
fácil compreender rigidamente processos que se estabilizaram ou ciclos de mudança que já
terminaram.
Nos últimos 30 anos, com a expansão da internet e de outras redes de computadores,
atividades econômicas, sociais, políticas e culturais têm sido cada vez mais estruturadas ao
redor dessas novas redes informacionais, transformando nesse processo muitos modos
tradicionais de nos relacionarmos, trabalharmos, produzirmos e a maneira como a esfera
pública funciona.
Fonte: ArtShotPhoto/Shutterstock
! Fonte: ArtShotPhoto/Shutterstock.
Apesar dessa ampla difusão e popularização tecnológica sem precedentes, a lógica, a
linguagem e os limites da internet ainda não são completamente compreendidos pelas
disciplinas acadêmicas que não pertencem diretamente a essa esfera tecnológica. A
velocidade de transformação tecnológica, em ciclos mais curtos, ligada à emergência de
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novos serviços e mídias, contando com um número maior de agentes engajados em suas
diversas utilizações, vem tornando cada vez mais difícil uma análise aprofundada desses
fenômenos. Trata-se de um desafio para a pesquisa acadêmica, por isso há certa
dificuldade para produzir estudos empiricamente embasados que analisem com rigor as
transformações econômicas, políticas e sociais causadas pela aplicação crescente das
tecnologias informacionais.
Esse vácuo de conhecimento acerca dos efeitos, limites e consequências múltiplas
da expansão crescente dessas novas tecnologias tem sido preenchido
frequentemente mais pela boataria, pelas visões utópicas ou distópicas e pela
ideologia que permeiam a compreensão dos fenômenos ligados a esse tema, o que é
comum ocorrer em tempos de rápida mudança social.
As últimas décadas têm sido repletas de previsões futurológicas apresentando um porvir de
consequências simplistas baseadas nas maravilhas da tecnologia, enquanto, por outro
lado, surgiram imagens de distopias críticas sugerindo os efeitos alienantes da internet
antes mesmo deles acontecerem. Paralelo a isso, a mídia desejosa de informar seu público
ansioso por novidade, mas carente das capacidades de analisar de modo rigoroso e
embasado as diversas transformações em curso, espalhou boa parte dessas previsões
futurológicas – negativas e positivas – com todos os elementos descritos (CASTELLS, 2003
p. 8-9).
O aumento de agentes operando nas redes de computadores, que tem se expandido
massivamente nas últimas décadas, gerou efeitos ambivalentes. Por um lado, foi
extremamente importante na emergência de movimentos populares em diversos países,
como, por exemplo: a Primavera Árabe, em 2011, possibilitada pela internet e pelas redes
sociais; o Occupy Wall Street, também em 2011; as manifestações ocorridas na Turquia,
em 2013, no Brasil, em 2013 e 2014, e também no Chile, em 2011 e 2013 (CASTELLS,
2017). Por outro lado, as relações entre os meios de comunicação e as redes sociais
podem gerar efeitos corrosivos e causar crises no funcionamento das democracias liberais:
NOSSAS VIDAS TITUBEIAM NO TURBILHÃO DE
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MÚLTIPLAS CRISES. UMA CRISE ECONÔMICA QUE
SE PROLONGA EM PRECARIEDADE DE TRABALHO
E EM SALÁRIOS DE POBREZA. UM TERRORISMO
FANÁTICO QUE FRATURA A CONVIVÊNCIA
HUMANA, ALIMENTA O MEDO COTIDIANO E DÁ
AMPARO À RESTRIÇÃO DA LIBERDADE EM NOME
DA SEGURANÇA. UMA MARCHA APARENTEMENTE
INELUTÁVEL RUMO À INABITABILIDADE DE NOSSO
ÚNICO LAR, A TERRA. UMA PERMANENTE
AMEAÇA DE GUERRAS ATROZES COMO FORMA
DE LIDAR COM OS CONFLITOS. UMA VIOLÊNCIA
CRESCENTE CONTRA AS MULHERES QUE
OUSARAM SER ELAS MESMAS. UMA GALÁXIA DE
COMUNICAÇÃO DOMINADA PELA MENTIRA,
AGORA CHAMADA PÓS-VERDADE. UMA
SOCIEDADE SEM PRIVACIDADE, NA QUAL NOS
TRANSFORMAMOS EM DADOS. E UMA CULTURA,
DENOMINADA ENTRETENIMENTO, CONSTRUÍDA
SOBRE O ESTÍMULO DE NOSSOS BAIXOS
INSTINTOS E A COMERCIALIZAÇÃO DE NOSSOS
DEMÔNIOS.
(CASTELLS, 2018, grifo nosso)
A ampliação das novas tecnologias tem, portanto, gerado efeitos ambíguos e ainda pouco
compreendidos em suas implicações diretas com o âmbito da esfera pública. Segundo
Castells (2018), a hipotética “ágora virtual”, profetizada por vários utopistas tecnológicos,
tem gerado muitos problemas em tempos onde as “notícias falsas” circulam na “velocidade
do sinal eletrônico”: gerando problemas de deslegitimação para as mídias tradicionais e nos
mecanismos institucionais das democracias estabelecidas.
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Fonte: Panchenko Vladimir/Shutterstock
! Fonte: Panchenko Vladimir/Shutterstock.
A própria popularização das notícias falsas nos meios digitais tem sido objeto de estudos na
área de Comunicação e Jornalismo: seja analisando suas peculiaridades atuais e sua
propagação nas redes, seja sob uma perspectiva de que se trata de um fenômeno
semelhante a outros já ocorridos anteriormente em momentos de ampliação da esfera
pública e de meios de informação alternativos.
É possível vermos positiva ou negativamente todos os fenômenos citados? É possível
adotar uma narrativa acerca do futuro da esfera pública e suas relações com as novas
tecnologias informacionais com o rigor acadêmico e alicerçado nos estudos de mídia e das
Ciências Sociais atuais? Muito tem sido produzido na área atualmente, mas é difícil analisar
ainda todas as suas consequências e os seus limites.
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Vamos ouvir o que o professor Rodrigo Rainha tem a nos dizer sobre essa relação.
No debate atual, para além da análise das Ciências Sociais, como é colocada a questão
dos movimentos sociais e políticos, da relação entre a mídia tradicional e a emergência das
mídias alternativas, da ascensão de novos atores sociais e no que tange às novas
tecnologias de informação? A seguir, fazemos uma síntese desses debates em três tópicos.
Movimentos sociais e políticos
Dentro do contexto entre mídia e política, é importante citar que, principalmente a partir de
2010, houve a emergência de movimentos sociais e políticos que aparentavam ter três
características gerais:
1) Busca por uma ação política direta;
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%
2) Espontaneidade e abertura participativa;
%
3) Reivindicações específicas no início que se desenvolvem em pautas mais gerais.
Quando observamos certos movimentos, como o Occupy Wall Street (EUA, 2011), a
Primavera Árabe (Oriente Médio e Norte da África, 2010), o movimento dos coletes
amarelos (França, 2018) e as chamadas Jornadas de Junho (Brasil, 2013), é possível dizer
que se trataram de movimentos de cunho social e político, manifestados de modo imediato
e direto.
Isso quer dizer que tais movimentos não eram condicionados pelo intermédio de
partidos políticos ou sindicatos – que até então se estruturavam como os próprios
mediadores entre os indivíduos que possuíam demandas e os representantes nas
instituições políticas.
Exatamente por isso eles possuem como característica comum não apenas a retomada de
protestos de rua – ação política muito marcante nas décadas de 1960 e 1970 –, mas ainda
se utilizaram da internet, principalmente das redes sociais, como meio de expor
reivindicações, cobrar resoluções e exigir transparência diretamente.
Pode-se dizer que há uma maior abertura participativa, uma vez que cada indivíduo se faz
como agente político engajado, não só confirmando a noção de uma crise de representação
iniciada na última década, como ainda o fato desses movimentos apresentarem uma ação
espontânea e até mesmo explosiva – basta um evento marcado no Facebook ou certa
mobilização simbólica (caso dos coletes amarelos) para que se espalhe um entusiasmo
crescente nos indivíduos e, por conseguinte, que eles se auto-organizem em tais
manifestações. Isso marca a emergência de novos atores sociais, modificando também o
próprio modo de fazer política.
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Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock
! Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock.
Por conta dessa espontaneidade e abertura participativa, é possível observar uma espécie
de ligação cronológica em tais manifestações, uma vez que elas começam por demandas
específicas (lembremo-nos de que as Jornadas de Junho foram incialmente deflagradas
pelo aumento ínfimo nos preços do transporte público) e geram uma mobilização maior das
massas que aumentam o escopo das reivindicações para demandas mais gerais, tais como
o fim da corrupção ou o combate às desigualdades sociais.
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Fonte: Casimiro PT/Shutterstock
! Fonte: Casimiro PT/Shutterstock.
Mídias alternativas
Principalmente com o advento da internet, começou-se a colocar em questão o modo como
a informação é produzida e quais agentes se implicam financeiramente no campo midiático.
Na medida em que o monopólio dos conglomerados de comunicação se tornou alvo de
debates (a questão de grandes mídias que concentram o aparato informativo), mídias
alternativas começaram a surgir, facilitadas pela internet e seu acesso mais democrático.
Assim, observa-se a eclosão de grupos que se propõem a comunicar estando fora de
grandes corporações que até então ditavam o modo como a informação deveria ser
veiculada – lembremos de certos modelos televisivos que se tornaram ultrapassados ou
ainda o próprio jornal, mídia extremamente tradicional que cada vez mais perde leitores e
assinantes. Um grande exemplo disso são revistas eletrônicas, sites de notícias e canais no
YouTube que funcionam a partir de autogestão colaborativa (caso da Mídia Ninja) ou
financiamento digital (crowdfunding) – como é o caso do The Intercept, que já se ramificou
globalmente por meio desse tipo de financiamento.
O maior apelo desses canais midiáticos ditos alternativos é a recusa de estar refém
de interesses, algumas vezes escusos, dos canais conservadores e tradicionais de
mídia. Isso permite um movimento contra-hegemônico no âmbito da esfera pública,
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visto que contesta essa mídia tradicional pautada fundamentalmente em uma
imparcialidade questionável, sendo possível se perguntar a quem interessam certas
informações e quais grupos lucram com elas.
É dentro desse contexto que a própria ideia de informação imparcial passa a ser
questionada, abrindo lugar para a possibilidade de uma mídia engajada ou ainda que deixe
de modo transparente seus próprios referenciais teóricos e inclinações – como é o caso de
editoriais prévios, a exemplo da revista de economia The Economist.
Minorias e representatividade
É importante salientar que com a modificação atual tanto dos movimentos sociais e políticos
como dos próprios canais de informação alternativos, há uma crescente democratização
nesses campos que, justamente, abre espaço para protagonistas que até então eram social
e politicamente negligenciados. É o caso de certas minorias sociais que se alicerçam em
pensamentos identitários e ganham espaço e representatividade com meios midiáticos que
fogem das grandes corporações tradicionais.
Em termos políticos, essas mesmas minorias acumulam certas exigências no que se
refere ao seu lugar na participação política, exigindo uma democracia que não seja
apenas formal (ou seja, que não se limite ao voto de representantes muito distantes
do eleitorado dos grupos minoritários), buscando uma expansão do sentido de
representação e uma democracia real. Isso retroalimenta o alargamento da esfera
pública que deixa de ter um perfil tradicional e se torna mais multicultural.
A ideia de multiculturalismo reflete um movimento cada vez mais intenso de pluralidade de
culturas acompanhado de um reconhecimento mútuo dos indivíduos enquanto coparticipes
da democracia.
A esfera pública também se torna a arena de divulgação e discussão de certas correntes de
pensamento que possuem uma implicação claramente política, como feminismo, teoria
queer, pensamento decolonial etc. A questão da representatividade e da necessidade do
reconhecimento das demandas dos grupos minoritários envolvidos nessas correntes das
ciências humanas começa a se fazer ouvir.
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! Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock.
A própria popularização de conceitos como lugar de fala e necropolítica são evidências não
só da politização das minorias que exigem voz e mudança social, como ainda apontam
demandas políticas cada vez mais democráticas – como, por exemplo, uma representação
política cada vez mais paritária entre os gêneros masculino e feminino.
Um exemplo claro que não apenas demonstra uma abertura maior para agentes políticos
até então negligenciados e que possuem um modo de participação profundamente
condicionado pela internet e novas mídias sociais é o caso do Black Lives Matter,
campanha virtual direcionada à discussão sobre racismo que conjuga elementos de
militância, exigindo dos representantes políticos ações positivas no combate à
discriminação e violência contra a comunidade negra.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE A ESFERA PÚBLICA E AS NOVAS
TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS, QUAL DAS ALTERNATIVAS ABAIXO
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ESTÁ CORRETA?
A) As redes sociais e a internet afastam as pessoas do contato pessoal e são poderosas
forças de alienação em nossa sociedade.
B) Tal relação produz efeitos ambivalentes, que podem reforçar movimentos populares ao
mesmo tempo que podem prejudicar o funcionamento das democracias instituídas.
C) O aumento do acesso à internet poderá produzir o surgimento de uma aldeia global,
onde todos estarão integrados a uma esfera pública renovada e aberta, fortalecendo a
democracia e os direitos humanos.
D) Temos grande conhecimento sobre a interação entre a ampliação das redes de
computadores. Uma ampla gama de trabalhos acadêmicos extremamente rigorosos tem
sido produzida nos últimos anos explicando a interação entre a esfera pública e as novas
tecnologias informacionais.
2. ACERCA DAS RELAÇÕES ENTRE AS FORÇAS DE COERÇÃO
(POLICIAIS E MILITARES) E A ESTABILIDADE DE UMA POLIARQUIA,
QUAL DAS RESPOSTAS ABAIXO ESTÁ CORRETA?
A) Os militares e policiais devem ser os guardiões da ordem e da estabilidade

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