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Interações entre CEIM e Famílias na Educação Infantil

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24
EDUCAÇÃO INFANTIL, CRIANÇAS PEQUENAS, FAMÍLIAS: 
“A CASA É SUA/POR QUE NÃO CHEGA AGORA?”[footnoteRef:1] [1: Frase da letra da música “A casa é sua”, de Arnaldo Antunes. ] 
AnaBeatriz Martins Salomão[footnoteRef:2] [2: Aluna do Curso de Pedagogia, na modalidade a distância, Polo de Bela Vista/MS, ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/EaD. E-mail: anaeanacmartins@hotmail.com] 
Mirian lange Noal[footnoteRef:3] [3: Doutora em Educação/FE/UNICAMP, professora do Curso de Pedagogia/FaEd/EaD/UFMS. Orientadora. E-mail: miriannoal@gmail.com] 
Resumo 
Famílias e instituições de educação infantil são corresponsáveis, socialmente, por efetivar o cuidar e o educar de maneira indissociável e colaborativa, a serviço do crescimento saudável, integral e brincante das crianças. Desse contexto, nasceram as perguntas de pesquisa: Quais as peculiaridades históricas do município de Caracol/MS? Como tem sido o relacionamento da equipe pedagógica do CEIM com as famílias das crianças? Quais as maiores dificuldades para que se estabeleçam as interações entre as famílias e o CEIM? Quais os benefícios que a participação das famílias no CEIM traz para as crianças? Como aproximar mais as famílias e o CEIM, sem confundir os respectivos papeis? Como a pandemia afetou as interações da instituição com as crianças e as famílias? Dessa sequência de questões, foi pensado o objetivo geral: Compreender como se estabelecem as interações entre CEIM e famílias para que cada instituição assuma seus respectivos papeis, tendo as crianças como protagonistas. Na busca de alcançar essa meta, traçamos os objetivos específicos: efetivar revisão bibliográfica para conhecer as responsabilidades do CEIM e das famílias; ouvir as pessoas adultas, profissionais do CEIM e familiares das crianças, para saber suas percepções; refletir sobre os cotidianos do CEIM e as ações voltadas para a participação das famílias. Foi realizado um estudo bibliográfico e de campo, em um CEIM, localizado no município de Caracol/MS, com a participação da coordenadora, de uma professora e de uma mãe de criança que frequenta a referida instituição. Apresentando os resultados de pesquisa realizada no período de março a agosto de 2021, o artigo compartilha concepções que ressaltam a importância da responsabilidade coletiva, envolvendo a equipe pedagógica do CEIM, as famílias e a sociedade como um todo, como está preconizado na Constituição de 1988 e na LDB de 1996. Na situação atípica que o mundo está vivendo, percebemos que as famílias têm um papel fundamental e indispensável com as crianças, embora muitas vezes não sejam ouvidas e apoiadas para assumir essa responsabilidade com a qualidade necessária. 
Palavras-chave: Crianças pequenas. Educação infantil. Famílias. Interações. Práticas político-pedagógicas.
1. Introdução
 O artigo apresenta resultados de pesquisa que buscou melhor compreender as aproximações de uma instituição de Educação Infantil com as famílias e com as crianças pequenas que a frequentam. Ressaltamos que a coleta de dados foi realizada durante o período de março a agosto de 2021, quando vivíamos uma atípica situação, por conta da necessidade de isolamento físico e social, como uma das medidas para conter o avanço desenfreado da pandemia, causada pelo novo Coronavírus. Nesse contexto, a temática da pesquisa, que havia sido definida anteriormente, precisou passar por algumas adequações, considerando os processos de suspensão das atividades presenciais e a implantação da educação remota[footnoteRef:4]. As famílias, nesses processos, passaram a ser as maiores responsáveis pelos cuidados e pela educação das crianças, muitas vezes tendo que assumir responsabilidades para as quais não estavam preparadas e para as quais não dispunham de tempo livre. [4: Utilizarei “educação remota” por considerar que a Educação Infantil se caracteriza por atividades que não são propriamente de “ensino”.] 
	Em Caracol/MS, município no qual a instituição que foi campo da pesquisa está localizada, houve significativa diversidade de encaminhamentos. No entanto, a maioria das pessoas adultas continuaram trabalhando e, dessa maneira, as crianças foram sendo cuidadas por quem estava disponível a cada dia e a cada horário. Poucas famílias tiveram estrutura para assumir essas responsabilidades com a qualidade e a regularidade necessárias. 
Nesse processo, que iniciou em março de 2020, as instituições educativas passaram e estão passando por muitos desafios, pois não estavam preparadas para vivenciar uma situação tão complexa. As famílias também foram pegas de surpresa, ficaram com as crianças em casa, mas a maioria das pessoas adultas, como afirmamos, não parou de trabalhar. Um certo caos se estabeleceu, sendo que as crianças pequenas, que frequentam a educação infantil, precisaram ser submetidas às situações possíveis para as suas famílias, muitas vezes distantes do que seria o desejado e o adequado para as suas faixas etárias. 
Foram momentos que pediram reinvenção e reformulação das práticas político-pedagógicas na busca de outras metodologias, com novas estratégias que pudessem minimizar os impactos da pandemia. No entanto, na maioria das vezes, as instituições também não compreenderam a delicadeza e a potência da situação, sobrecarregando as crianças e as famílias com excesso de tarefas que, certamente, poderiam ter sido relativizadas e adequadas ao que estava sendo vivido. Na maioria das vezes, os cotidianos das casas, instigantes laboratórios de experiências e de aprendizagens, conforme inúmeras lives proferidas por Tonucci (2020; 2021)[footnoteRef:5] durante a pandemia, foram desconsiderados em prol de crianças da educação infantil sentadas, em frente de celulares (e raros notebooks), realizando tarefas repetitivas e exaustivas. O estresse foi intenso e geral para as crianças, as famílias e as professoras. [5: Disponíveis em canais do YouTube, a partir da procura pelo nome do autor. ] 
Moradora em Caracol, um pequeno município de Mato Grosso do Sul (MS), percorri o processo de formação no curso de Pedagogia, na modalidade a distância, ofertado pela Universidade Federal de MS (UFMS), no polo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) de Bela Vista, cidade vizinha. Sempre que havia aulas e atividades presenciais, me deslocava de carro e, em Bela Vista, ficava hospedada na casa de minha avó ou na casa de alguma colega de faculdade.
Ao percorrer as disciplinas, fui reencontrando com a minha história de vida junto com minha mãe. Meu contato com a educação de crianças sempre foi muito direto, pois com dois anos de idade acompanhava minha mãe em suas aulas na faculdade. Íamos de ônibus para a cidade de Jardim/MS, na qual minha mãe cursava Normal Superior, na Universidade Estadual de MS (UEMS). Pequena, gostava de acompanhá-la, pois sempre participei das dinâmicas com as/os professoras/es e colegas de minha mãe.
No Centro de Educação Infantil (CEIM), no qual a minha mãe trabalhava, eu participava em todas as atividades e, à medida em que fui crescendo, passei a ajudar na organização das festas de formatura das crianças do Pré II, a cada final de ano. Nesse processo, fui me constituindo uma pessoa encantada com a educação infantil e, quando surgiu a oportunidade, não vacilei e fui ser aluna do curso de Pedagogia, na modalidade a distância.
Cursei esses quatro anos com muita dificuldade, por ter uma filha pequena. Quando iniciei o curso, agosto de 2017, ela estava com menos de um ano. Precisei desmamá-la. Ela e eu sofremos muito porque ela ficava em Caracol com a avó e, quando minha mãe ia para o CEIM, a Ana Carolina ficava com a minha tia. Foi muito sofrido o desmame, porque eu e ela somos muito grudadas, mas sabia que eu estava estudando por nós duas, para aprender mais e conquistar melhores condições de vida, podendo cuidar dela e educá-la como merece.
Quando percebia que eu ia viajar, ela chorava bastante, mas sempre conversei e expliquei que estava indo para garantir nosso futuro. Mesmo sendo bem pequena, sei que ela compreendia. Hoje ela temcinco anos, e se orgulha muito quando conta que a mamãe estuda para ser professora. Nesse processo, bastante exigente, aprendi que sou forte e que ela também é. Vencemos as dificuldades e os desafios impostos e faria tudo de novo, se fosse preciso.
Quando fui escolher o tema de TCC, sabia que seria relacionado com a educação infantil. Tanto por minha história de vida, por ter uma filha com cinco anos que frequenta o CEIM, por minha mãe ser professora de educação infantil há 25 anos e por considerar um tema bem atual e instigante. Por estar muito próxima de uma professora de educação infantil, acompanhar sua trajetória profissional e ouvir seus comentários, fui percebendo o quanto é bom para as crianças, quando as instituições educativas envolvem as famílias em seus planejamentos e em suas práticas pedagógicas. Fui observado como é essencial considerar a família para acolher as crianças e compreendê-las melhor, respeitando suas culturas e jeitos de ser. 
Para melhor contextualizar os contextos da pesquisa, passo a descrever um pouco da história do município no qual o CEIM está localizado. Caracol é um pequeno município, localizado no sul da região sudoeste de MS, na Microrregião de Bodoquena. A atual população do município é de, aproximadamente, 5.460 habitantes (IBGE, 2011), sendo que a maioria vive na área urbana. Por seu pequeno porte, a cidade permite que as pessoas se conheçam e as famílias tenham uma certa facilidade de se deslocar até as instituições educativas e conversar com as professoras.
Nesse percurso, pensei em compreender melhor as relações que se estabelecem entre a instituição de educação infantil, as profissionais que ali atuam e as famílias das crianças. Muitas vezes, presenciei encontros lindos entre essas duas instituições - responsáveis mais diretas -, pelas crianças pequenas. No entanto, também presenciei desencontros entre as pessoas adultas que afetavam as crianças de diferentes maneiras.
Desse contexto, nasceram as perguntas de pesquisa: Quais as peculiaridades históricas do município de Caracol/MS? Como tem sido o relacionamento da equipe pedagógica do CEIM com as famílias das crianças? Quais as maiores dificuldades para que se estabeleçam as interações entre as famílias e o CEIM? Quais os benefícios que a participação das famílias no CEIM traz para as crianças? O que é responsabilidade do CEIM e o que é função das famílias? Como aproximar mais as famílias e o CEIM, sem confundir os respectivos papeis? Como a pandemia afetou as interações da instituição com as crianças e as famílias? Dessa sequência de questões, foi pensado o objetivo geral: Compreender como se estabelecem as interações entre CEIM e famílias para que cada instituição assuma seus respectivos papeis, tendo as crianças como protagonistas. Na busca de alcançar essa meta, traçamos os objetivos específicos: efetivar revisão bibliográfica para conhecer as responsabilidades do CEIM e das famílias; ouvir as pessoas adultas, profissionais do CEIM e familiares das crianças, para saber suas percepções; refletir sobre os cotidianos do CEIM e as ações voltadas para a participação das famílias.
O artigo traz a concepção da importância da responsabilidade coletiva, principalmente das famílias, pois têm a importante tarefa de cuidar e de educar as crianças em casa, acompanhando e facilitando seus processos educativos na instituição de educação infantil. Portanto, o compromisso é coletivo, envolvendo a equipe pedagógica do CEIM, as famílias e a sociedade como um todo, como está preconizado na Constituição de 1988, no artigo 227 (BRASIL, 1988, grifos nossos):
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
A metodologia da pesquisa, considerando o período de pandemia, focalizou a revisão bibliográfica sobre a temática abordada. Posteriormente, foi possível efetivar conversas com a coordenadora, uma professora e a mãe de uma criança que frequenta o CEIM. Foi apresentado um roteiro de perguntas, diferente para cada segmento, sendo respondido via WhatssApp e presencialmente (minha mãe).
O artigo está organizado em 4 partes, sendo: introdução; fragmentos da história e das características atuais de Caracol/MS; os achados da pesquisa; e as considerações finais. 
2. Caracol/MS: histórias, lendas, culturas, famílias, crianças pequenas 
As crianças são seres culturais, influenciados pelos jeitos de ser e de viver de suas famílias e da sociedade, mas também capazes de influenciar e transformar os ambientes nos quais vivem (FARIA, DEMARTINI e PRADO, 2009). Portanto, partindo dessa premissa, considerei significativo apresentar um pouco da cidade de Caracol/MS por compreender que as crianças que chegam ao CEIM, e as suas famílias, trazem traços singulares de pertencimento a esse local, embora sejam diferentes entre si.
A história da cidade Caracol (MS) data de 1884, aproximadamente, sendo que as terras foram doadas por Corrêa da Costa, pecuarista já radicado havia anos nessas pastagens, como consta no site mantido pela Prefeitura Municipal[footnoteRef:6] e, por isso, primeiramente foi intitulada Vila Corrêa. A localidade foi elevada a distrito em 1914, passando a se chamar Menina Porteira, e apenas em 1963 teve a demarcação territorial feita, passando a se chamar Caracol, em homenagem ao rio que serpenteia o município e que tem formato de caracol. [6: Disponível em: http://ww2.pmcaracol.ms.gov.br/ Acesso em: 13 ago. 2021.] 
	Figura 1: Rio Caracol.
	 Figura 2: Avenida de entrada da cidade.
	
	
	Fonte: Projeto Pé na Água/UFMS.
	 Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Nessa região de fronteira, “onde o Brasil foi Paraguai”, com estradas precárias e muitas matas, a pequena localidade tinha fama de abrigar figuras lendárias das quais, de alguma maneira, as crianças vão ouvindo histórias, podendo haver alguma ligação com as suas famílias. Na maioria das vezes eram homens que se escondiam para não serem punidos por crimes cometidos em outros locais. Para se defender, andavam fortemente armados, fazendo da região um cenário de guerra, no qual valia a lei do mais forte, sendo muitas batalhas travadas na região. Até os dias atuais, nas brincadeiras de bingo, o número 44, é cantado como “justiça de Mato Grosso”.
Esse foi o percurso de um dos últimos bandoleiros da região, Silvino Hermiro Jacques (1906-1939), afilhado político do presidente Getúlio Vargas. De acordo com historiadores, o bandoleiro, após cometer alguns homicídios, ainda muito jovem, veio do Rio Grande do Sul procurar abrigo na região de “Porteiras”, atualmente município de Caracol/MS. Por aqui chegou, fez morada e viveu uma história que virou lenda (IBANHES, 2007).
	Figura 3: Livro sobre Silvino Jacques
	 Figura 4: Silvino Jacques e seu bando.
	
	
	Fonte: Arquivo da pesquisadora.
	Fonte: Arquivo da pesquisadora.
O bando de Silvino Jacques sobreviveu e atuou na região de fronteira, no então Mato Grosso, com a proteção de Getúlio Vargas. No entanto, no momento em que os serviços dele e de seu bando não interessavam mais ao Estado Novo, foram feitas articulações para que fossem eliminados. Surpreendido por uma captura chefiada por Orcírio dos Santos, na beira do rio da Prata, em 19 de maio de 1939, o célebre bandoleiro gaúcho foi atingido e morto, em uma emboscada comandada pelo coronel populista Alípio dos Santos, nos campos da fazenda Aurora, tendo como último consolo a face da mulher amada, uma de suas concubinas - Raída -, que o tinha nos braços, como descreve Ibanhes (2007, p. 233): “Falecia assim, aos trinta e três anos, Silvino Ermínio Jacques, e nascia o mito grandioso do capitão Silvino Jacques, um gaúcho predestinado a sofrer a perseguição dos homens, gerada pela sua própriaviolência, um inimigo implacável e esperto que pensara um dia vencer sua guerra.”.
	Figura 5: Casa de Silvino Jacques.
	Figura 6: Notícia da morte de Silvino Jacques
	
	
	Fonte: Arquivo da pesquisadora.
	Fonte: Arquivo da pesquisadora.
 Sem a liderança de Silvino, o bando dispersou, mas a lenda continua viva na região, pois se transformou em mito “gaúcho sul-mato-grossense”, como descreve Ibanhes (2007, p. 14): “[...] com o tempo foi se transformando em lenda, ultrapassando os limites da compreensão racional da própria história.”. Sua história chegou até o município de Bonito/MS, sendo que, atualmente, há um espaço cultural de memórias e de contação de histórias da região - Museu Casa da Memória Raída - que, além de fotografias, documentos e vídeos, agenda momentos para contação de histórias que falam dos indígenas Kadiwéu; de Silvino Jacques, o bandoleiro; de Sinhozinho, curandeiro milagroso e de outras lendas regionais[footnoteRef:7]. [7: Mais informações podem ser obtidas em: http://casadamemoriaraida.blogspot.com/] 
Atualmente, Caracol é uma pequena cidade que guarda muitas histórias de bruxas, lobisomens, assombrações e do Saci Pererê, misturando o real e o imaginário, fazendo parte das conversas nas rodas de tereré[footnoteRef:8]. Nesses momentos, as histórias de Silvino Jacques, seu bando e feitos sempre são contadas, num misto de medo e orgulho, relatando fatos reais de guerras, lutas e violências, mas também do fabuloso que perpassa as lendas e os mitos repassados de geração em geração pela oralidade. [8: Bebida gelada, típica de MS, feita com erva-mate especial, às vezes com toques de limão. É uma bebida coletiva, pois todos bebem na guampa sugando a mesma bomba (às vezes pode ser servida no copo ou em outro recipiente|), sendo ingerida por pessoas que compõem uma roda e, de praxe, é acompanhada de conversas, causos e/ou cantorias. As crianças também participam dessa roda e tomam o tereré.] 
Em minha infância, ouvi muitas dessas histórias-lendas. A que mais recordo, foi contada pelo senhor Valentim ou “Valé”, como gosta de ser chamado. Em seus 87 anos, seu Valé recorda com riqueza de detalhes do dia em que o lobisomem esteve em frente à sua casa, deixando seus cães acovardados, se lembra da estranheza da criatura e do medo sentido naquela noite. Essas narrativas são para serem ouvidas e não questionadas, pois se configuram como exercícios diários de velhos moradores de pequenas cidades como Caracol que vivem em seus cotidianos a certeza de que: “Nossa viagem não é ligeira, ninguém tem pressa de chegar...”[footnoteRef:9]. [9: A música “Comitiva Esperança”, dos compositores Almir Sater e Paulo Simões, foi composta no Pantanal Sul-Mato-Grossense, no ano de 1983, durante uma viagem de três meses para conviver e ouvir antigos moradores e moradoras da região.] 
São histórias com saberes e sabores que são passados de bocas a ouvidos. São causos que são narrados geração após geração, com supressões e acréscimos, para manter a atenção de quem ouve, mesmo que sejam repetidas de jeitos diferentes e inventados. Esses senhores, que também podem ser senhoras, embora poucas vezes tenham estado distantes de Caracol, são semelhantes ao “[...] homem que ganhou honestamente a sua vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições.” (BENJAMIN, 2012, p. 214).
Assim têm sido compreendidos os registros realizados por Ibanhes (2003), que se pretendem históricos, mas que também são literários, na concepção do próprio autor que buscou narrar: “[...] a realidade dos fatos que com o tempo foram se transformando em lenda, ultrapassando os limites da compreensão racional da própria história.” (IBANHES, 2003, p. 12). Mais do que um historiador, preocupado com a fidedignidade dos fatos ocorridos, o autor compartilha narrativas que compilam relatos orais em diálogo com documentos oficiais, ficando no limiar entre a lenda e a realidade, a história e a ficção. Até pouco tempo havia uma neta de Silvino Jacques - Solange Jacques - que residia em Caracol, mas mudou para a Brasília/DF. 
No entanto, percebo que, atualmente, pouco se fala com as novas gerações de Silvino Jacques e de outras figuras que viveram nessa região. Suas histórias são mantidas vivas na memória das pessoas mais antigas, nas rodas de tereré. Para as crianças, Silvino tem sido descrito como um “herói de faroeste”, como um homem bom de pontaria, corajoso e destemido. Ainda lembro, com muita clareza, quando a minha mãe lia, todas as noites, para mim e meu irmão, um capítulo do livro. Deitávamos e imaginávamos as cenas descritas, que até hoje vivem no meu imaginário. Continuo contando para a minha filha, pois gosto das façanhas de Silvino Jacques e a Ana Carolina diz que o Silvino viveu aqui quando o “Vô Valé”, já citado neste artigo, ainda era criança. Ela fala que imagina Silvino como os cowboys dos filmes que assistimos, e que ela não teria medo dele se vivesse naquela época. Será?
Para minha mãe, professora na educação infantil, essas memórias deveriam ser mantidas vivas, como parte da história de Caracol e região. Ainda há resquícios do que foi vivido na inimizade entre as famílias Jacques e dos Santos. Silvino divide opiniões, ora como herói, ora como bandido. É uma história que não pode se perder no tempo e que deveria ser conhecida, pois seu enredo já gerou livros, dissertações, teses, artigos, notícias e documentários. No entanto, a compreensão e o interesse por essa história estão cada vez mais distantes dos cotidianos locais.
 	Atualmente, em Caracol, dentre suas matas e rios, escondem-se montanhas calçadas com pedras e até mesmo uma casa toda feita de pedras, que coincidentemente foram construídas pelo avô do meu bisavô Joseph Abraão Salomão, pai de Modesto Salomão, citado no livro Ibanhes (2007), como dono do único comércio de Caracol e também fornecedor de munições para Silvino Jacques e seu bando. Sempre ouvi a história de que meu bisavô era construtor de castelos na Áustria e que, durante o Holocausto (1941–1945), fugiu com a família para o Brasil, por serem judeus.	Comment by C: Rever. Silvino foi morto em 1939 e o Holocausto foi em 1941-1945. O avô do teu Bisavô não poderia ter vendido armas para ele ou veio antes do Holocausto... Verifica... Tem algum erro.
 Em 2021, Caracol é uma cidade pacata e tranquila, de gente simples e trabalhadora. As bravatas de lutas e bandoleiros ficaram no passado e nas histórias, repetidas e ouvidas incansavelmente. Uma das únicas fontes de renda da cidade está atrelada aos empregos municipais, pois está cercada por grandes fazendas de criação de gado, sendo que algumas estão iniciando o trabalho com lavouras agrícolas. Caracol, apesar de ser pequenininha, é uma cidade linda, de ruas limpas e gente hospitaleira. Quem a conhece, jamais a esquece. Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Figura 7: Amanhecer em Caracol.
O município conta com quatro escolas: uma estadual que oferece Ensino Fundamental e Ensino Médio; três municipais, localizadas na mesma rua e quadra, sendo que cada uma atende uma fase de escolaridade, indo da pré-escola ao nono ano do Ensino Fundamental. No período matutino o público principal são crianças e jovens da área urbana, sendo que o período vespertino é reservado para quem reside no campo. Há transporte público municipal que passa de fazenda em fazenda, trazendo as crianças e jovens para estudar. As crianças, a partir dos quatro anos de idade, já utilizam o transporte municipal para vir do campo para as instituições educativas. Todos os ônibus possuem uma fita colorida e cada criança um crachá, da cor da fita do ônibus, para facilitar a identificação. Algumas crianças e jovens saem das fazendas ainda de manhã, para frequentarem o turno vespertino, retornando para as suas casas quando a noite já está chegando. 
 Com o período pandêmico que enfrentamos e ainda estamos enfrentando, houve necessidade de períodos de isolamento físico e social, por mais de ano. As aulas no município se tornaram remotas, sendo postados materiais de apoio pedagógico em uma plataformaonline. Também foram e são disponibilizadas cópias impressas aos que não possuem acesso à internet, ou quem convive com a instabilidade desse acesso.
Caracol, por estar localizada próxima da fronteira, também abriga muitas/os alunas/os vindas/os do Paraguai (PY). Essas crianças e jovens, muitas vezes chegam às instituições educativas falando apenas espanhol ou guarani, sem saber falar uma palavra em português. Essa situação exige adaptações e práticas pedagógicas que facilitem as aprendizagens. Nesses casos, o diálogo com as famílias é muito importante, pois algumas professoras e professores não têm suporte de intérpretes de espanhol e de guarani, que seriam de suma importância nessa região de fronteira. Ministrar aulas em português, com crianças e jovens que não compreendem a língua, é uma tarefa extremamente dificultosa e exigente, resultando em reprovações e evasões.
Apesar de tantas dificuldades, a infância vivida em Caracol e seus arredores, pode ser descrita como experiências de “crianças-borboletas”, livres e soltas ao vento, correndo pelos gramados, brincando nas ruas, andando de bicicleta, tomando banho no rio, nos córregos e açudes. Observar essas infâncias, vividas ainda com liberdade de brincar para além dos espaços domésticos, me faz lembrar de um trecho do poema “Meus oito anos”, de Cassimiro de Abreu (ano, p. ): 
Livre filho das montanhas,/ Eu ia bem satisfeito, /Da camisa aberto o peito,/ - Pés descalços, braços nus -/ Correndo pelas campinas/ À roda das cachoeiras, /Atrás das asas ligeiras/ Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos/ Ia colher as pitangas, /Trepava a tirar as mangas, /Brincava à beira do mar;/ Rezava às Ave-Marias, /Achava o céu sempre lindo, /Adormecia sorrindo/ E despertava a cantar!
Fecho os olhos e é possível imaginá-las correndo e brincando. Viver a infância em uma cidade do interior tem cheirinho de doce de leite no fogo e abraço de mãe, de avó e de avô. Em Caracol as crianças crescem em contato com animais, rio, brincando nas ruas. Tudo ainda é mágico e intenso, certamente deixando marcas nas memórias e nos corações.
3. A educação infantil, o CEIM e as interações com as famílias
A pesquisa de campo, entremeada com estudos de revisão bibliográfica, foi realizada em um CEIM, no período de dezembro de 2020 a março de 2021, por meio de registros de memórias pessoais da pesquisadora, complementados com conversas realizadas pessoalmente com uma professora (minha mãe), uma coordenadora do CEIM e com a mãe de uma criança que frequenta o CEIM e que concordou em participar da pesquisa. 
O foco, tanto da revisão bibliográfica, como das conversas, foi compreender o papel das famílias nos processos de educação institucional das crianças pequenas. A pesquisa bibliográfica é essencial para a compreensão conceitual e a abordagem de estudos realizados com temáticas semelhantes, corroborando com a análise de nossos achados de pesquisa de maneira mais ampla, sem a necessidade de pesquisar novamente o que já foi evidenciado por outros estudos (GIL, 2008).
O CEIM Hérmito Benigno de Souza[footnoteRef:10], localizado na rua Alan Kardec, centro, atende a educação infantil com crianças de 0 a 5 anos de idade, nos seguintes níveis: berçário, Maternal, Pré I e II. Em todos os níveis há uma professora e uma auxiliar, sendo que o quadro de profissionais está organizado em: diretora; coordenadora pedagógica; secretária; sete professoras efetivas, duas professoras temporárias; seis auxiliares de ensino; duas pessoas responsáveis pelos serviços gerais; cinco merendeiras; um funcionário que atua na recepção e acompanha as entradas e as saídas de pessoas adultas e crianças. 	Comment by C: Quais as formações das auxiliares? [10: Optei por manter o nome do CEIM, neste artigo, porque é a única instituição municipal que atende a educação infantil.] 
Ao analisar o quadro de profissionais que atuam no CEIM, é possível perceber a predominância de mulheres, havendo um único homem em um total de 26 pessoas. Esse contexto está relacionado com a concepção de que ser professora era uma continuidade do papel de dona de casa e de mãe, sendo, portanto, uma profissão eminentemente feminina, embora o número de homens professores esteja aumentando nos últimos anos (SAYÃO, 2005).
A estrutura física contempla uma sala de direção e coordenação; uma sala para secretaria; uma cozinha; um refeitório; uma sala de professoras/es; um banheiro de pessoas adultas; um banheiro com acessibilidade; um banheiro infantil; quatro salas de atividades pedagógicas; um parquinho; e um almoxarifado. O espaço físico é bem cuidado e conservado, sendo disponibilizados recursos materiais que são essenciais para o desenvolvimento das atividades com as crianças. 
Os principais valores apresentados no Projeto Político Pedagógico (PPP) do CEIM são: a valorização da família como parceira nos processos educacionais das crianças; o respeito com as diversidades culturais; a transparência e a ética nas relações; a humanização, a solidariedade, a inovação; o ambiente acolhedor e estimulador; profissionais com boa formação e capacitação contínua. O objetivo principal da instituição é de proporcionar uma educação integral de acordo com proposta pedagógica e metodológica que envolva as crianças em diversas atividades. 
O CEIM, como já ressaltei, sempre foi a minha segunda casa, pois desde muito cedo estive envolvida nas atividades da instituição, por minha mãe ser professora. Fui conhecendo e me apaixonando pela educação infantil e compreendo que ser professora, nessa primeira etapa da educação básica, é um dom que cresce no exercício da convivência respeitosa e amorosa com as crianças pequenas. 
3.1 O que indicam as falas da coordenadora, da professora, das famílias e das crianças
Após os primeiros contatos, para apresentação da proposta de pesquisa e solicitação de autorização para realizá-la, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), encaminhei um roteiro de perguntas para serem respondidas, via WhatsApp, por estarmos vivendo o período pandêmico, causado pelo Coronavírus, com ensino remoto, com isolamento físico e social. No entanto, as conversas com a coordenadora e a professora que atuam no CEIM foram presenciais, com respeito aos protocolos de biossegurança e realizadas em ambientes externos. Considerando a diferença de papeis que são desempenhados pelos três seguimentos de participantes (coordenadora, professora, familiares), foram elaborados três roteiros de perguntas.
O roteiro de perguntas, elaborado para as profissionais do CEIM, focaram questões estruturais da instituição, proposta pedagógica, maiores desafios e a relação com as famílias das crianças. As questões apresentadas para as famílias buscaram compreender a constituição de cada uma, as rotinas vividas no cotidiano e a relação com o CEIM. Considerando que a pesquisa foi desenvolvida no período de pandemia, foram acrescentadas algumas perguntas sobre o ensino remoto, embora esse não seja o principal objetivo da pesquisa. 
A coordenadora está na função há 18 anos, tem formação em Pedagogia (Instituição), com especialização em Gestão Escolar e é concursada para o cargo, com 40h semanais. A professora atua há 25 anos na educação infantil, sendo graduada no curso Normal Superior (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/UEMS), com especialização em Coordenação Pedagógica e Planejamento. A mãe estudou até o .... ano do ensino fundamental e, atualmente, reside numa fazenda e é responsável pelos cuidados e educação das crianças, tarefas domésticas e serviços no entorno da residência (roça, criação de pequenos animais e outros). 
3.1.1 As narrativas da coordenadora e da professora
O contato com a coordenadora foi estabelecido pessoalmente, sendo que as perguntas foram sendo feitas e respondidas com a fluidez de uma conversa. O roteiro foi organizado com o objetivo de compreender como o CEIM estabelece o contato com as famílias e assim contou a coordenadora[footnoteRef:11]: [11: A transcrição das respostas será apresentada em itálico ecom recuo de parágrafo normal, para as diferenciar das citações diretas.] 
No início de cada ano há reunião para apresentar a proposta educativa do CEIM para as famílias, sendo realizadas reuniões regulares durante o ano. No entanto, durante a pandemia não estamos tendo encontros com o coletivo de famílias, mas a instituição está aberta para o diálogo pelo WhatsApp. 
Antes da pandemia tínhamos muitos eventos com a participação das famílias, pois sempre foi realizado um trabalho em conjunto. Na grande maioria, as crianças são bem cuidadas e educadas pelas famílias. Percebo que as famílias facilitam a adaptação quando conversam com as crianças, explicam a importância de estarem na educação infantil e reconhecem no CEIM um lugar seguro no qual suas filhas e filhos estão bem cuidados pelas profissionais que ali atuam.
As famílias dificultam a adaptação da criança no CEIM quando são super protetoras, ausentes e irresponsáveis (sic!). As famílias superprotegem as crianças quando sedem ao primeiro choro ao ambiente escolar novo, criando barreiras entre a instituição e a criança. Observo que essas crianças ficam inseguras e fragilizadas, demorando para participar das atividades com alegria e liberdade.
Percebo que as famílias e o CEIM devem estar em sintonia para cuidar e educar as crianças. Deve ser um trabalho desenvolvido em equipe, um completa o outro. A presença das famílias no CEIM contribui muito com professoras e as crianças, pois por meio do diálogo podemos desenvolver melhor o nosso trabalho. Na maioria dos casos há confiança mútua entre as famílias e o CEIM, pois as famílias confiam nas professoras e demais profissionais que ali atuam. No entanto, algumas vezes algumas famílias demonstram insegurança. Penso que algumas famílias poderiam participar mais, pois são muito relapsas e ausentes, prejudicando as crianças. São poucas famílias, mas existem as que não conseguimos estabelecer uma relação de diálogo e corresponsabilidade. São famílias que não acompanham a vida das crianças no CEIM, não estabelecem o diálogo. 
As respostas da coordenadora evidenciam que são estabelecidas relações de diálogo e de confiança mútua entre as famílias e a instituição, com raras exceções. Certamente as características de Caracol/MS colaboram com essa integração, por ser uma cidade pequena que facilita o deslocamento das famílias até a instituição e na qual as pessoas se conhecem. No entanto, há exceções, destacadas pela coordenadora, de famílias que são mais retraídas e ausentes. Esse distanciamento é analisado por Silva (2014), apoiada em outros estudos realizados no Brasil, como um distanciamento cultural existente entre algumas famílias e as instituições educativas, dificultando o diálogo e a aproximação. 
De maneira geral, as famílias das classes trabalhadoras, geralmente com pouca escolaridade, esperam que a instituição tenha iniciativas de aproximação. Certamente essas famílias gostariam de compreender melhor as atividades político-pedagógicas realizadas com as crianças, mas limitadas pelas exigências do trabalho e pelas dificuldades de compreensão do que é abordado nas reuniões institucionais, acabam se afastando, exigindo um olhar institucional mais sensível aos aspectos culturais e socais, como destaca Silva, 2014, p. 269): “A questão do compartilhamento, a nosso ver, constitui-se mais como um desafio do que como uma prática dessa etapa da Educação Básica em nosso país. Desafio do ponto de vista conceitual, político e prático.”.
A professora entrevistada atua há 25 anos na educação infantil, sempre no CEIM que foi campo da pesquisa. Atualmente é concursada, com 40h, atuando no Pré II. Com essa larga experiência, assim falou sobre a sua atuação na educação infantil:
Sinto que estou apta para ser professora na educação infantil por ter experiência e amar o que faço, e estou sempre buscando me capacitar. Atuar na educação infantil é uma escolha. Atuo em dois turnos, com turmas diferentes. No matutino são 33 crianças e no vespertino são 30, com auxiliar nos dois turnos.
 Embora a professora não comente, o quantitativo de crianças extrapola o número recomendado em diferentes documentos, inclusive no Parecer do Conselho Nacional de Educação - Câmara de Educação Básica, nº 20 (BRASIL, 2009). De acordo com este parecer, a proporção deve ser de 20 crianças por professora, no caso de crianças de 4 e 5 anos. Entretanto, o próprio Ministério de Educação (MEC), ressalta que essa proporção pode variar de acordo com a regulamentação dos órgãos normativos dos sistemas de ensino, sejam municipais ou estaduais. Por outro lado, na Deliberação nº 10.814 do CEE/MS (MS, 2016), o quantitativo máximo de crianças não está definido, mas reporta para o que está definido nacionalmente, portanto, 20 crianças. 
Na continuidade de perguntas, foquei em suas concepções de educação infantil, no binômio cuidar e educar, na atuação pedagógica, nas rotinas. Assim falou a professora:
A finalidade da educação infantil é contribuir com o desenvolvimento integral das crianças, físico, psicológico, intelectual e pessoal, completando a ação das famílias. No Pré II, trabalhamos com leitura e escrita, por meio de contação de histórias, contatos com livros e outros portadores de textos. Avalio que desenvolvemos um trabalho político-pedagógico de suma importância, por ser o norteador da instituição. Trabalhamos com apostila, desenvolvida manualmente pelas professoras, por decisão da Secretaria Municipal de Educação e a coordenação, mas há liberdade para propor atividades diferenciadas e brincantes. Faço planejamento quinzenal. 
Cuidar para mim é dar colo quando necessário, se preocupar com cada criança, estar atenta no desenvolvimento de cada uma. Educar é orientar, compreender, estimular. No cotidiano, nas duas turmas de Pré II, a auxiliar e eu revezamos todas as atividades. Trocamos fraldas, damos banho, auxiliamos nos momentos de alimentação que são de responsabilidade das merendeiras do CEIM. 
As rotinas diárias seguem um mesmo roteiro: acolhida, atividades, lanche, brincadeiras livres e contação de histórias. Há momentos em que as crianças interagem com outras turmas, durante as brincadeiras livres, sendo as mais frequentes: jogar bola, brincar no parquinho, pular corda. Também há momentos que assistem desenhos animados na TV. 
A profissão docente, principalmente quando exercida na educação infantil, tem passado por inúmeras modificações que migram da centralidade nos cuidados de higiene e disciplinadores, para a ampliação ao educar, que envolvem questões político-pedagógicas (KULHMANN JR., 2010).
O mesmo autor, na mesma obra, evidencia que a educação das crianças pequenas, em espaços institucionais, para além das famílias, esteve por longo tempo focalizada nos cuidados com a saúde e a assistência social, sendo que o binômio cuidar e educar pode ser considerado recente e ainda não efetivado em muitas instituições de educação infantil. 
No entanto, a narrativa da professora evidencia que busca desmistificar o papel de cuidadora e avança para o de educadora, na valorizando de sua profissão e na busca de aperfeiçoar suas práticas. Demonstra compreensão da complexidade do binômio cuidar e educar que assegura o direito ao colo, mesmo que as crianças estejam distantes de suas famílias, mas que também é preciso educar, no sentido amplo da palavra, transitando entre os momentos de convivência, a contação de histórias, as brincadeiras livres e as interações com outras turmas. 
É possível perceber que, para a professora, o seu trabalho é educativo, acontecendo na estreita interação com os aspectos afetivos e de cuidado. Demonstra valorizar e assumir todas as atividades em conjunto com a auxiliar, sem hierarquizá-las em cuidar e educar. Essa integração entre as profissionais, certamente assegura bem-estar, confiança e segurança para as crianças, que são atendidas em suas necessidades. O tempo de atuação na educação infantil, por opção pessoal, certamente assegura o envolvimento com o trabalho desenvolvido, o olhar de admiração pela própria profissãoe com a escolha feita, não a isentando, no entanto, de fazer o planejamento quinzenal. 
3.1.2 Família “Romper da Aurora”
Ao planejar a pesquisa projetei observações a serem realizadas presencialmente no CEIM, mas a pandemia virou tudo de pernas para o ar. Foram tempos difíceis e quase desisti de conversar com as famílias das crianças. Na cidade, as pessoas adultas estavam sobrecarregadas, divididas entre os trabalhos profissionais e os domésticos. Não me senti no direito de sobrecarregar ainda mais os cotidianos que já estavam exigentes.
Na sequência, após muita procura, consegui contatar uma mãe de criança que frequenta o CEIM e que, atualmente, reside na fazenda “Romper da Aurora”, que fica a 40 km do município de Caracol. Maria[footnoteRef:12] possui três filhos, mas apenas dois em idade escolar e aceitou participar da pesquisa que foi feita via WhatsApp e pessoalmente, com atenção aos protocolos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (uso de máscaras e álcool gel, distanciamento físico). [12: Optei por usar um nome fictício, para preservar a sua identidade.] 
O fato da família morar na fazenda, facilitou enfrentar os tempos de pandemia, pois as pessoas adultas trabalham próximas da moradia e as crianças podem participar da maioria das atividades. Os cotidianos não foram tão alterados como os das famílias que residem na cidade. No entanto, o acompanhamento das atividades enviadas pelo CEIM, por meio de aportilhas impressas, foi muito exigente, pois Maria e João - seu marido -, frequentaram a escola por pouco tempo.
Ao chegar na fazenda fui me deparando com uma paisagem encantadora e com crianças animadas, brincando com liberdade. Após minha apresentação, fui convidada para um café com chipas quentinhas. Entre um assunto e outro, expliquei para Maria qual era a finalidade de estar ali e perguntei se poderíamos conversar sobre o seu filho e o CEIM. Inicialmente ela se mostrou feliz e surpresa, porém logo em seguida se sentiu insegura, por ter pouca escolaridade. Rimos. Aos poucos ela foi descontraindo e contando de suas rotinas familiares na fazenda. Apesar de ser jovem, aproximadamente 35 anos, Maria é uma mulher matuta, de fibra, que lamina postes de madeira, roça pastos e cuida das crianças e dos afazeres de casa. Esperei o tempo dela e a conversa foi fluindo e se desenvolvendo rapidamente.
Moramos na fazenda, que pertence ao município de Porto Murtinho (MS), mas que é atendida pelo município de Caracol/MS. Nossa família é formada por cinco pessoas adultas, eu e meu esposo, com três crianças. Temos uma bebê de 1 ano e 10 meses, um menino de 5 anos e uma menina de 13 anos. Moramos na casa da fazenda, que possui cinco cômodos. 
Meu marido é capataz da fazenda, eu cuido da casa e das crianças. Ele trabalha perto e eu, em casa. Eu sou a responsável pelos cuidados com a alimentação e ajudo nos deveres escolares. Meu marido vai para o campo às 5 da manhã, e volta perto do meio-dia, almoçamos todos juntos. Temos uma televisão. De manhã as crianças me ajudam a tratar as galinhas, porcos e bezerros. Cuidamos da roça, e após isso brincam no pomar próximo a casa, com brinquedos, barro e comidinhas.
Apenas o menino do meio, de cinco anos, frequenta o CEIM. Está no Pré II. Quando entrou no Pré I, a adaptação foi muito difícil, pois ele tinha quatro anos e precisava ir no transporte escolar sozinho, da fazenda até a cidade. Acabei não mandando ele muitas vezes, e neste ano aconteceram apenas as atividades remotas e ele não foi no CEIM. 
A narrativa de Maria conta de uma vida de fazenda, na qual ela se diz responsável somente pelos cuidados com as crianças e os afazeres domésticos, não incluindo como trabalho extra as demais atividades desenvolvidas no entorno da moradia. Sua fala foi tranquila e possibilitou perceber que o tempo familiar é regido pela natureza, sem correrias e atropelos. As crianças vivem as suas infâncias entre a convivência com a mãe e o pai, as atividades típicas do campo e brincadeiras que envolvem a natureza. Ao perceberem que eu estava com um celular, pediram para serem fotografadas e assim registrei as poses que elas foram fazendo. As crianças, Maria e João, estavam lá e, como afirma Sebastião Salgado (2000, p. 7), percebi que: “Ao ver uma câmera, dão pulos de entusiasmo, riem, acenam, [...] na esperança de serem fotografadas.”. 
	Fotos 1, 2, 3, 4, 5: Maria, João, as filhas e o filho Francisco.
	
	
	
	
	
	Fonte: Arquivo da pesquisadora.
 
Após os primeiros momentos, que foram de descontração, Maria e eu começamos a conversar sobre o CEIM. Ela afirmou que costumam convidar as famílias para participarem de atividades, reuniões e outras ações. Apesar de afirmar que o CEIM foi a única opção acessível para matricular o filho, pois é municipal, reconhece que a família confia nas professoras e demais profissionais que atuam na instituição. Reconhece que a família gostaria de ser mais presente e participativa no CEIM, pois considera que a instituição é de grande importância na vida do seu filho. Compreende que a família e as professoras devem estar em sintonia para cuidar e educar as crianças. Afirmou gostar do CEIM por ser um espaço bonito e as professoras muito atenciosas. Não apresentou nenhuma crítica e tampouco sugestões:
Sim, mesmo com todas as dificuldades a escola está sempre presente, principalmente as professoras. Confiamos nas profissionais e no CEIM, pois sabemos que não está fácil para ninguém, e lá oferecem o suporte necessário quando precisamos. Gostaria de fazer mais parte das ações escolares”, pois para que as crianças consigam aprender de verdade, a família e a escola precisam trabalhar juntas.
A fala de Maria foi tímida e busquei respeitar a sua narrativa. Apesar de haver demonstrado desenvoltura e conhecimentos essenciais para desempenhar suas responsabilidades como mãe e moradora em uma fazenda, ficou evidente que não conhece muito bem o cotidiano do CEIM, embora seu filho o frequente há quase dois anos. Essas dificuldades, de pouca compreensão das linguagens pedagógicas, por parte das famílias trabalhadoras com pouco tempo de escolarização, foram evidenciadas por Bhering e De Nez (2009, p. 71): 
Os pais se colocam numa posição passiva de favorecimento e gratidão frente ao que a creche lhes oferece (e à sua criança), se vendo de uma forma não participativa frente ao que acontece com as crianças na creche. Os pais acreditam que não tem nada a contribuir para com a instituição em relação à criança e acham o serviço oferecido pela creche “necessário e suficiente”. O posicionamento da creche em relação aos pais e à criança caracteriza-se por uma postura tradicional e conservadora, de uma educação centrada no adulto, onde o professor é visto como o guia exclusivo do processo educativo (PCN, MEC, 1997). Diante deste modelo, percebe-se que os pais se auto intimidam diante das ações da creche, permitindo que ela desempenhe a sua função de maneira independente, isentando-se e à creche de qualquer questionamento.
Percebe-se que a comunidade não se encontra suficientemente informada sobre como e o que reivindicar para a educação dos filhos. Não estão também devidamente equipados para lutar por uma educação infantil de qualidade e que faça a diferença social que eles almejam para os filhos. [...]. Os pais, por sua vez, também parecem concordar que estão despreparados quanto a sua participação e contribuição para com a creche, por não saberem se posicionar e responder às demandas da instituição. 
Para assegurar o protagonismo das crianças, conversei com o filho de Maria, Francisco, com 5 anos que assim manifestou a sua opinião:
- Você gosta de estar no CEIM?
- Um pouco, só acho ruim ficar longe da minha mãe.
- Você gostaria de ficar em casa e não ir ao CEIM?
- Ficar em casa brincando.
- O que você mais gosta de fazer no CEIM? 
- Brincar com meus amigos, e brincar de massinha, assistir.
- O que você menos gosta de fazer no CEIM? 
- Ficar longe de casa e fazer muitas atividades.
- Você sente que a sua família gosta que você frequente o CEIM?
- Sim.
- Vocêgosta quando a sua família vai ao CEIM? Por quê?
- Sim, fico muito feliz. Gosto que me vejam estudando.
- Sua professora já foi na sua casa? Você gostou da visita? O que você sentiu?
- Sim, fico muito feliz quando ela me visita, mostro minhas atividades e minhas brincadeiras.
As respostas de Francisco foram rápidas e demonstraram como uma criança de cinco anos, quando tem uma família afetuosa e espaços de liberdade, gosta de ficar em sua casa. Evidenciaram também que o brincar é essencial na educação infantil. No entanto, na maioria das vezes, esse direito não tem sido respeitado pelas instituições. De maneira geral, as pessoas adultas que atuam nas instituições de educação infantil planejam e atuam a partir de suas próprias concepções, seguindo as orientações emanadas pelas secretarias de educação e as coordenações da instituição. Pouco se exercita o observar e o escutar as crianças que, certamente, têm muito a dizer sobre seus desejos e necessidades, como ressaltam Larrosa, Lopes e Teixeira (2006, p. 11-29):
É a criança que educa o adulto a olhar as coisas pela primeira vez, sem os hábitos do olhar constituído. Wim Wenders diz de um olhar sem opiniões, sem conclusões, sem explicações. De um olhar que simplesmente olha. E isso, talvez, seja o que perdemos. É como se tudo que vemos não fosse outra coisa senão o lugar sobre o qual projetamos nossa opinião, nosso saber e nosso poder, nossa arrogância, nossas palavras e nossas ideias, nossas conclusões. É como se fôssemos capazes de olhares conclusivos, de imagens conclusivas. É como se nos desse a ver tudo coberto de explicações. 
O convite é para as equipes pedagógicas e as professoras estarem mais abertas para estar com as crianças e escutar o que têm para dizer e sugerir. É essencial e urgente compreender que educação infantil não se faz com aulas e crianças sentadas, mas com movimentos, brincadeiras, contação de histórias, liberdade, imaginação, alegria, vida. Também com silêncios, aquietamentos, sensibilidades, intuições. Para fazer acontecer essas transformações, estudar também é essencial. 
 
3.1.3 O CEIM em tempos de pandemia: “Só falta você estar...”
A pandemia exigiu a implantação do ensino remoto e, embora esse não seja o foco da pesquisa, o tema perpassou as conversas. A coordenadora pedagógica explicou que as atividades continuaram, por meio de apostilas elaboradas pela equipe do CEIM. No entanto, a maior dificuldade das famílias foi com a falta de tempo e com o pouco estudo das pessoas adultas com quem as crianças residem. De acordo com a coordenadora, as crianças apresentaram dificuldades no desenvolvimento e na aprendizagem por conta de: a ausência de contato presencial com as professoras especializadas; e com a falta de tempo das famílias para retirar, no CEIM, as apostilas com as atividades.
Para a professora, as crianças acompanham o programa por meio das apostilas distribuídas quinzenalmente. Ressalta que estão dando total apoio no CEIM e por meio do WhatsApp. No entanto, reconhece que a falta de contato com as crianças, a perda da rotina escolar e a troca do afeto presencial trouxe a sensação de que as crianças não aprenderam como se esperava.
Percebe-se, na análise da coordenadora, a preocupação com a aprendizagem. A professora também manifesta essa preocupação, mas amplia para a ausência de contato e troca de afeto, em diálogo com Paulo Freire (1999, p. 50): “O que importa na formação docente é a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser ‘educado’, vai gerando a coragem.”.
No entanto, mesmo na educação infantil, o foco foi a aprendizagem de conteúdos e a preocupação com as perdas. Com concepção contraria, Tonucci (2020; 2021), em várias lives realizadas durante a pandemia, alertou para evitar o excesso de tarefas e que se pensasse na potência das aprendizagens que poderiam ser realizadas nesse período. Sugeriu que se transformasse as casas em laboratórios de convivência, participação coletiva e aprendizagens: cozinhar; limpar; cultivar hortaliças, temperos e flores; contar e ouvir histórias etc. Ampliando as sugestões de Tonucci (2020; 2021), poderíamos ter pensado em ouvir histórias das próprias famílias; olhar fotografias antigas e comentar com as crianças; cantar; dançar; desenhar; brincar livremente. As fotografias compartilhadas anteriormente, possibilitam pensar em outras práticas político-pedagógicas que dialoguem mais com os cotidianos familiares.
Durante o processo de pesquisa mantive algumas conversas com a professora orientadora. Minha filha de cinco anos, Ana Carolina, que frequenta o CEIM, começou a participar. E assim foi falando nos áudios. A cada fala, evidenciava o que estava fazendo e aprendendo nos tempos de pandemia. Não falou em tarefas da apostila, mas em muitas outras experiências que, lamentavelmente, não cabiam nas concepções institucionais:
- Eu gosto de ir na escola, dos amiguinhos, das professoras.
- Eu aprendi a comer maçã com casca, a brincar.
- Não tô gostando nada dessa quarentena.
- Tô doida pras aulas voltarem.
- Tenho um cachorro, nome dele é Guri.
- Tenho porquinho da índia e dois gatos, o Gordo e o Leo.
- Ajudo a minha mãe cozinhar, sabia?
- Eu lavo alface, corto alho pro feijão... 
- Limpo as sujeiras dos bichos...
A professora ficou surpresa com tudo que ela fazia...
- Eu não faço tudo isso no mesmo dia (risos). Algum dia eu faço uma coisa, outro dia faço outra...
- Ontem eu fiz uma salada pro prato da minha mãe.
- Boa noite professora, eu gostei de conversar com você...
A professora envio umas fotografias da praça em frene da casa dela...
- Que lugar lindo!!!! Quando o Coronavírus, acabar eu vou aí te visitar...
- Boa noite, beijos professora...
	Na sequência, Ana Carolina pediu para eu enviar fotografias dela trabalhando, do robô que havia feito e dos bichinhos de estimação: 
	Fotos 6, 7 e 8: Ana Carolina e suas atividades na pandemia.
	
	Inserir a foto do robô que enviou para mim, não consegui fazer.
	Inserir a foto dela com o cachorro.
	Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Sensibilizada pelas leituras realizadas e pela pesquisa em andamento, comecei a observar o cotidiano da Ana Carolina e a perceber que ela estava tendo outras oportunidades e efetivando aprendizagens que eu não estava observando e que a professora do CEIM também não estava solicitando. 
Na fala de Maria, a mãe da família “Romper da aurora”, também foi possível compreender um pouco melhor os equívocos cometidos pela instituição ao impor um quantitativo de tarefas acima das possibilidades das crianças e das famílias, desconsiderando os cotidianos vividos pelas crianças em suas casas:
As professoras mandam apostilas pelos motoristas do transporte escolar que são entregues aqui, não vou negar que tem sido bem difícil, pois eu não possuo estudo e tem coisas que não sei como ensinar a ele.
Convido a pensarmos na situação dessa família, na angústia que foi vivida ao sentir a responsabilidade pela aprendizagem do filho Francisco, mas saber que não daria conta de ajudar. Certamente poderia ter sido diferente. Com a pesquisa foi possível compreender como é importante, para as crianças, a existência de diálogo entre as famílias e o CEIM. Ressalto que essas duas instituições têm abrangências e responsabilidades diferentes, com papeis específicos a cumprir. No entanto, são complementares e é esperado que atuem em conjunto, cuidando e educando as crianças com compreensão de seus limites e possibilidades. 
Esses equívocos, e o que foi possível realizar durante a pandemia mediante a corresponsabilidade das famílias e do CEIM, precisam ser analisados e melhor compreendidos. As crianças que retornam ao presencial precisam ser observadas e escutadas a partir de suas experiências vividas nesse período. Não será possível fazer de conta que estão retornando de um longo período de férias. Os impactos pandêmicos afetaram muito, tanto as crianças como as pessoas adultas e, mais do que nunca, o CEIM e as famílias terão de conversar e buscar alternativaspara que a vida possa retomar de outros jeitos, com mais delicadeza e flexibilidade.
4. Considerações finais
Com o término da pesquisa foi possível constatar a importância das famílias na vida das crianças, pois é nessa e por meio dessas instituições que chegam ao mundo e vivem as suas primeiras experiências. No entanto, a atual dinâmica social e econômica, tem exigido que as crianças passem a frequentar a educação infantil desde muito cedo. Nesse percurso, muitas crianças chegam na instituição de educação infantil usando fraldas e com quase total dependência das pessoas adultas para realizarem as suas necessidades básicas como alimentação e higiene. 
Esse contexto trouxe para a educação infantil a indissociabilidade entre o cuidar e o educar, exigindo o estreitamento de interações com as famílias. No entanto, ainda é perceptível as dificuldades dessas duas instituições conversarem e assumiram suas corresponsabilidades, a partir do protagonismo das crianças. Os tempos de pandemia evidenciaram esses distanciamentos, quando as instituições passaram a exigir das famílias o acompanhamento de tarefas que elas não estavam preparadas para assumir. 
A narrativa de Maria - mãe de Francisco -, evidenciou as inúmeras dificuldades em diferentes aspectos, seja por falta de recursos tecnológicos, seja por não ter uma escolaridade que possibilitasse auxiliar nas atividades enviadas por apostilas, seja pela indisponibilidade de tempo diário.
Diante do cenário atípico que vivemos e no qual ainda estamos envolvidas/os, houve a necessidade de fortalecer o elo com as famílias e a instituição de educação infantil (CEIM), mas o processo foi acelerado, pela necessária imposição do distanciamento físico e social. As famílias ficaram sobrecarregadas, pois os trabalhos de sobrevivência continuaram e as crianças precisaram ser cuidadas e acompanhadas em suas tarefas, sem o apoio presencial da instituição educativa. Certamente ocorrem perdas que poderiam ser evitadas se as crianças tivessem sido observadas e escutadas com maior atenção. Elas não queriam passar horas e horas preenchendo atividades em apostilas, na maioria das vezes de maneira mecânica, para atender às exigências institucionais. As crianças - em especial as que frequentam a educação infantil -, queriam brincar, viver o cotidiano de suas casas, falar e serem escutadas. Sentiram muita saudade das outras crianças e das professoras, pouco ou quase nada das denominadas atividades pedagógicas, equivocadamente, escolarizantes.
A pesquisa evidenciou a necessidade da equipe pedagógica do CEIM provocar a participação das famílias para escutar as suas dificuldades e as suas sugestões, a partir da compreensão da timidez e até da vergonha que as pessoas com pouca escolaridade têm de se dirigir às pessoas que ocupam cargos de coordenação e/ou que são professoras das crianças. Geralmente são famílias que, por tantas exclusões sofridas em suas trajetórias de vida, passam a ocupar um lugar de submissão, pensando que não possuem conhecimentos e experiências significativas a serem compartilhadas com a instituição. 
Avalio que a necessária integração entre as instituições educativas e as famílias está bem elaborada nos discursos, nas teorias, mas não se efetiva com a potência que deveriam, nas práticas. Não são percebidas e vividas pelas crianças que sentem o dualismo e, não raras vezes, as acusações recíprocas entre as duas instituições sociais diretamente responsáveis pelos cuidados e pela educação. Podemos perceber que muitas vezes as próprias professoras defendem uma idéia de indissociabilidade entre o cuidar e o educar, sem compreender o que isso implica no seu trabalho, no seu cotidiano profissional. 
Ressalto também, que o período de pandemia deixou evidente a fragilidade dos estilos de vida que a humanidade construiu ao longo dos anos e evidenciou como as crianças não estão sendo protagonistas, tanto nas instituições educativas, como nas famílias. É como se ficassem com o tempo que sobra e estamos convidas/os e provocadas/os a repensar nossas próprias vidas. 
Referências
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Jan-Abr 2002, Vol. 18 n. 1, pp. 063-073. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ptp/a/dnfKz5dknbC5Yttfq3YQmXG/abstract/?lang=pt Aceso em: 21 set. 2021.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 ed. São Paulo: Atlas S.A, 2008.
IBANHES, Brígido. Silvino Jacques: o último dos bandoleiros. Curitiba, PR: Prismas, 2007.
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SAYÃO, Déborah Thomé. Relações de gênero e trabalho docente na educação infantil: um estudo a partir de professores na creche. Florianópolis, 2005. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina.
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