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Carvalho (2007) - Cap 20-22

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INOVAÇÕES FINANCEIRAS
E TRANSFORMAÇÕES
ESTRUTURAIS DOS SISTEMAS
FINANCEIROS
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, vamos discutir temas mais complexos do que os tratados ante-
riormente. Sistemas financeiros, atualmente, tanto domésticos quanto o inter-
nacional, passam por um período de mudanças profundas, alterando as
vantagens relativas de cada forma de organização conhecida no passado. Ban-
cos diversificam-se, abandonando a especialização do passado. Mercados de
capitais se transformam, criando-se permanentemente novas oportunidades de
negócios, mudando a escala de custos financeiros conhecidos e os riscos a que
a atividade está submetida. Novos agentes emergem, enquanto os tradicionais
reorganizam-se para participar destes novos mercados. Em todo este quadro
de mudança, as dificuldades são particularmente grandes para aqueles encar-
regados de supervisionar o sistema, que frequentemente esbarram até mesmo
na complexidade dos novos contratos financeiros que conquistam mercados.
Este capítulo visa mapear as principais dentre a miríade de transformações que
vêm ocorrendo nas últimas décadas e que, provavelmente, continuarão se des-
dobrando nos anos vindouros.
20.1. INOVAÇÃO FINANCEIRA E MUDANÇA
ESTRUTURAL
A capacidade das economias de mercado de introduzir continuamente inova-
ções na produção de bens e serviços foi apontada por grandes economistas
como Joseph Schumpeter como sendo a mais notável característica dessa forma
de organização social. Denominamos inovação a mudança na forma de produ-
zir, de organizar a produção ou de distribuir bens e serviços entre seus usuários.
Como em economias de mercado inovações são introduzidas o tempo todo, os
processos produtivos, à medida que o tempo passa, vão se tornando mais efica-
zes e baratos e a gama de produtos disponíveis para uso mais variada.
Normalmente associamos a ideia de inovação a novos processos ou novos
produtos agrícolas ou industriais. Inovações importantes na história do capita-
CAPÍTULO
20
lismo moderno foram, por exemplo, a introdução de novas formas de organização da produção, como a
linha de montagem em processos industriais; a utilização de novas fontes de energia, como a energia a
vapor, inicialmente, e depois a energia elétrica; a implantação das ferrovias, que revolucionou o trans-
porte de passageiros e de mercadorias; e a criação de novos produtos, como automóveis, aviões, equi-
pamentos eletrônicos, eletrodomésticos etc., apenas para citar alguns dos novos produtos com que con-
vivemos diariamente e que não estavam disponíveis para nossos antepassados há tão pouco tempo.
Inovações, porém, são também importantes, ainda que menos visíveis, em outros setores; e as que
nos interessam aqui são as inovações financeiras. Inovações financeiras referem-se à produção de no-
vos tipos de serviços financeiros ou a novas formas de produção de serviços financeiros já conhecidos.
Novos serviços financeiros, por exemplo, incluem o grande número de tipos de derivativos que foram
sendo criados a partir dos anos 80. Outra inovação financeira importante, recentemente, foi a introdu-
ção das contas remuneradas, na década de 1980, no Brasil, que permitiu aos depositantes defender-se
contra a inflação, enquanto permitia aos bancos manterem seus clientes. Novas formas de produção de
serviços já conhecidos incluem, por exemplo, processos de securitização, pelos quais a intermediação
bancária passa a se dar de forma mais barata para aqueles que têm acesso a esse instrumento.
Inovações financeiras são introduzidas pela mesma razão que qualquer outro tipo de inovação: por-
que representam armas competitivas nas mãos das empresas que tomam a iniciativa de implantar novos
métodos de produção ou novos produtos contra seus concorrentes. A ocasião propícia para inovar pode
ser aquela em que insumos usados normalmente na atividade tornam-se, por qualquer razão, mais caros
(por exemplo, quando a captação de depósitos junto ao público torna-se mais custosa), ou em que se de-
tecta uma demanda potencial por um serviço até então não ofertado (como no caso das contas remune-
radas); ou quando simplesmente se percebe a possibilidade de tornar o desenho de um dado serviço ou
produto mais adequado ao perfil de seus consumidores. No caso do setor financeiro, como já vimos,
“produtos” são, principalmente, contratos. Inovações se dão quando se desenham contratos que sirvam
melhor ao perfil de clientes, especialmente no que se refere a combinações risco/rentabilidade, ou, no
caso de tomadores de recursos, custo/risco. Por outro lado, como no caso de setores como a agricultura,
por exemplo, grande parte das inovações que emergem em mercados financeiros resultam de iniciativas
do Estado, que alteram leis e regulações e passam a permitir a inclusão de cláusulas em contratos que
contemplam interesses definidos. Via de regra, mesmo quando as inovações são geradas nas empresas
do setor financeiro, a permissão de reguladores e supervisores é necessária antes que uma inovação
possa ser introduzida.
Inovações representam, assim, novidades. Como toda novidade, inovações são, em si mesmas, fon-
tes de incerteza, para quem as introduz (porque não se sabe se os clientes vão aceitá-las ou não) tanto
quanto para quem as utiliza (porque não há como ter certeza de que as novas cláusulas respondem mes-
mo melhor às demandas de cada um ou se não há, implícita em alguma cláusula, alguma disposição ad-
versa que implique custos posteriores etc.). Muito mais do que ocorre com novos produtos industriais,
por exemplo, que podem ser examinados concretamente e ter sua performance determinada no momen-
to em que se tornam disponíveis, inovações financeiras são, como vimos, contratos, sobre cujos efeitos,
no presente, só se pode especular. Em outras palavras, enquanto o setor industrial ou o setor agrícola
produzem bens concretos e palpáveis, o setor financeiro produz combinações de expectativas (de retor-
no) e riscos em combinações variadas, cuja avaliação é não apenas muito mais subjetiva, como também
muito mais difícil. Por esta razão, tradicionalmente a atividade financeira tendia a ser desempenhada de
forma muito conservadora, com as instituições financeiras, como bancos, por exemplo, preferindo en-
fatizar sua solidez mais do que sua disposição a correr riscos para buscar maiores retornos. Bancos ven-
diam principalmente, assim, a sua capacidade de garantir o sono tranquilo de seus depositantes. Inova-
ções eram introduzidas, no mais das vezes, apenas quando algum choque mais importante ou persisten-
te atingia a economia e forçava aplicadores, tomadores e intermediários financeiros a rever seus méto-
dos de operação.
Essa situação se alterou profundamente a partir da década dos 1970. Inaugurou-se naquela década
um período de volatilidade dos mercados financeiros, por causa de diversos fatores a serem identifica-
dos mais adiante, que criou um prêmio para aquelas instituições financeiras mais capazes de desenvol-
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ver novas respostas para desafios que se diferenciavam a cada momento, desdobrando-se em novos de-
safios, e colocando novas demandas para as instituições, continuamente. Inflação elevada, taxas de
câmbio flutuantes, movimentos livres de capital através do mundo, taxas de juros voláteis, tudo isso
criou um ambiente onde o conservadorismo já não parecia atraente, estimulando-se as instituições fi-
nanceiras a buscar aumentar sua capacidade de resposta criativa a cada nova conjuntura que se colocas-
se. Em outras palavras, a partir daquela década, as instituições mais bem-sucedidas passariam a ser
aquelas capazes de se diferenciar com a evolução dos mercados financeiros ou, ainda melhor, em ante-
cipação às mudanças destes últimos. Em suma, as instituições financeiras pareciam ter descoberto que
inovar é a forma mais eficaz de competir e crescer numa economia de mercado.
Em função dessa mudança de atitudes, os mercados financeiros passaram a se comportar de forma
mais semelhante aos outrosmercados. A introdução frequente, quase contínua, de inovações torna a
mudança estrutural, isto é, a transformação das estruturas produtivas do setor, uma característica per-
manente de sua operação. Inovações exigem adaptações das estruturas financeiras que, por sua vez, es-
timulam ou criam obstáculos para novas inovações. Saber não apenas sobreviver, mas tomar a iniciati-
va da mudança em uma situação como esta se torna a marca do sucesso de uma instituição. Um banco
que enfatize sua capacidade de resistir à mudança (por sua solidez), ao invés de conduzi-la em benefício
de seus clientes, perderia rapidamente todos os seus clientes.
Na realidade, quando se estuda o setor financeiro, é frequentemente difícil separar inovações finan-
ceiras de mudanças estruturais. Muitas das inovações que são introduzidas consistem na abertura de no-
vos mercados, que definem, por si mesmos, mudanças estruturais. Mudanças não resultam das inova-
ções; a inovação é a própria mudança de estruturas. Assim, quando discutirmos, por exemplo, a emer-
gência de processos de securitização, é a mudança estrutural representada pela rápida expansão de mer-
cados de títulos para áreas onde relações de crédito eram até então predominantes que constitui a inova-
ção financeira relevante. De certo modo, também a tendência dos bancos à universalização, discutida
na Seção 20.3, se constitui, a um só tempo, em inovação financeira e mudança estrutural.
20.2. RAÍZES DO MOVIMENTO DE INOVAÇÃO FINANCEIRA
RECENTE
A partir de meados da década de 1970, os mercados financeiros iniciaram um processo de transforma-
ção que, décadas depois, ainda prossegue. Na verdade, como mostrado na seção anterior, inovar passou
a ser uma arma permanente da concorrência entre instituições financeiras. Esta tendência à inovação
permanente contrasta de forma aguda com a situação anterior. Suas raízes mais profundas remontam,
principalmente, ao colapso do sistema monetário internacional criado na conferência de Bretton
Woods, em 1944.
Naquela conferência, os países mais importantes do mundo capitalista decidiram organizar as rela-
ções monetárias internacionais em torno de um sistema de taxas de câmbio fixas, ancorado no dólar
norte-americano, cujo valor, por sua vez, era fixado com relação ao ouro. Para que um sistema monetá-
rio de taxas fixas de câmbio pudesse se manter em operação, era preciso evitar que nele se reproduzis-
sem as mazelas que haviam sido responsáveis pelo colapso de outro sistema de taxas fixas experimenta-
do no passado, o padrão-ouro. Este não é o lugar adequado para o exame do sistema de Bretton Woods,
mas é suficiente para nossos propósitos neste capítulo observar que várias medidas foram adotadas para
viabilizar o sistema escolhido. Entre as medidas mais importantes estavam o estabelecimento de meca-
nismos de ajuste das taxas de câmbio, se fossem detectados desequilíbrios fundamentais; a definição de
mecanismos de ajuste aceitáveis pelos participantes do sistema quando desequilíbrios mais superficiais
tivessem lugar; a adoção de controles de movimentos de capital, especialmente os de curto prazo, para
evitar que especuladores gerassem pressões instabilizadoras; e a criação de uma instituição, o Fundo
Monetário Internacional, para financiar os desequilíbrios de balanço de pagamentos dos países deficitá-
rios enquanto seus problemas estivessem sendo corrigidos.
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 287
Esse sistema funcionou de forma bastante satisfatória durante mais de vinte anos, mas começou a
dar sinais de esgotamento ao final dos anos 60. Nesta época, por questões variadas, acumulavam-se
pressões inflacionárias em vários países, notadamente nos Estados Unidos, onde um período de recupe-
ração cíclica da economia era reforçado pelo aumento de demanda agregada, apoiado na expansão da
participação do país na guerra do Vietnã. Essas pressões inflacionárias eram incompatíveis com a ma-
nutenção do sistema de taxas fixas de câmbio e com a fixação do valor do dólar em ouro. O colapso do
sistema iniciou-se em 1971, quando o presidente dos Estados Unidos suspendeu a paridade dólar/ouro,
e concluiu-se dois anos depois, quando o sistema de câmbio fixo foi formalmente abandonado. Em con-
sequência do fim do sistema de taxas fixas, a volatilidade cambial, naturalmente, intensificou-se. A ins-
tabilidade foi aumentada ainda neste período pelo primeiro choque do petróleo, ao qual vários países,
notadamente o Japão, responderam adotando políticas monetárias expansivas que validaram a acelera-
ção da inflação. Mais choques se seguiram, até que, ao final da década, generalizou-se o sentimento de
que o processo inflacionário estava saindo de controle. A reação a esse sentimento foi a adoção quase
universal, entre os países desenvolvidos, de políticas monetárias restritivas baseadas em aumentos dra-
máticos das taxas de juros.
Criou-se, assim, um ambiente de extrema incerteza para a operação dos mercados financeiros dos
principais países desenvolvidos. Instabilidades de preços, de taxas de juros e de taxas de câmbio combi-
navam-se para criar riscos para aplicadores e tomadores de recursos em escala praticamente desconhe-
cida até então. O desenvolvimento de procedimentos eficazes para administrar esses riscos, socializar
incertezas, diferenciar produtos para colocação junto a clientes com diferentes propensões a risco etc.,
tornou-se uma importante fonte de inovações financeiras, notadamente o desenvolvimento e diferen-
ciação de um grande mercado de derivativos.
Em paralelo a essas tendências, iniciou-se um período de revisão profunda dos princípios que re-
giam até então a ação reguladora do Estado nos mercados financeiros. Desregulação e liberalização da
atividade financeira passaram a ser objetivos perseguidos com afinco em todos os países, ainda que
com graus variados de entusiasmo. A tendência à liberalização dos mercados, que, aliás, não se restrin-
gia a mercados financeiros, acabou corroendo as barreiras que protegiam nichos de mercado, como, por
exemplo, o mercado para serviços bancários, que já vinha sendo solapado pela própria inflação, o que
induzia depositantes a procurar aplicações mais seguras fora do sistema bancário tradicional.
Finalmente, uma última grande força inovadora é aquela que é central nos outros setores da econo-
mia, mas que, normalmente, tem relativamente pouco peso no setor financeiro: o progresso tecnológi-
co. A evolução tecnológica, especialmente nos setores de comunicações e de informática, altera drama-
ticamente os custos de transação envolvidos na produção dos serviços mais convencionais, ao mesmo
tempo que viabilizou a criação de produtos até então inacessíveis, como aqueles que combinam eventos
que tenham lugar em praças financeiras geograficamente distantes. O avanço das tecnologias de comu-
nicações permitiu a unificação dos mercados financeiros, ainda em progresso. O avanço da informática
permitiu não apenas uma ampla racionalização da administração das instituições financeiras como tam-
bém o desenho de contratos financeiros complexos, onde eventos possam ser combinados ao gosto dos
clientes. Progressos em ambas as áreas viabilizaram a operação de instituições financeiras gigantescas,
24 horas por dia, em todos os mercados. Essas instituições tornaram-se ameaças formidáveis às institui-
ções financeiras que têm seu horizonte confinado a mercados locais, mesmo que bastante amplos, como
no caso da Europa ocidental.
O progresso técnico também se fez sentir na automação das operações de rotina do setor, especia-
lmente aquelas de saques, depósitos, transferências, realização de pagamentos etc. Os “caixas eletrô-
nicos”, como são conhecidos no Brasil, ou ATM (automatic teller machine) nos Estados Unidos, po-
tencialmente permitem a redução drástica do número de agências bancárias preservando a oferta de ser-
viços básicos aos clientes. Nova fronteira de expansão, no presente, é a realização de transações ban-
cárias, inclusive algumas mais complexas, como decisõesde aplicação de recursos, através da Internet.
Ao que tudo indica, a disseminação desses equipamentos e procedimentos, alterando de forma ainda
mais profunda e radical o modo de operação do setor bancário, só é limitada pelo apego de clientes a
formas mais pessoais de contato.
288 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
20.3. PRINCIPAIS INOVAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES RECENTES
DOS SISTEMAS FINANCEIROS
É possível classificar as transformações por que passam sistemas financeiros em todo o mundo de di-
versas formas. A escolha de critérios de classificação é, em grande parte, uma questão de conveniência
e de preferências pessoais. Aqui, dividiremos as inovações e transformações correspondentes em cinco
títulos: securitização; mercados de derivativos; emergência de investidores institucionais; tendência à
convergência estrutural dos sistemas bancários; e desregulação e liberalização financeiras.
20.3.1. SECURITIZAÇÃO
À medida que economias de mercado evoluem e se sofisticam, não apenas aprofundam-se mas também
modificam-se seus mercados financeiros. Economias menos avançadas têm seus mercados financeiros
definidos quase inteiramente em termos de mercados de crédito, dominados pela intermediação bancá-
ria. Mercados de capitais, com a colocação direta de papéis junto aos emprestadores finais nessas eco-
nomias, são raros e têm pequeno impacto sobre a atividade econômica e a acumulação de capital.
O custo de operação de crédito bancário compreende as despesas necessárias para a construção de
um cadastro, isto é, uma coleção de informações específicas sobre cada tomador potencial, de capacita-
ção de avaliadores dos riscos que cada um desses tomadores representa, e da criação de mecanismos de
monitoramento do desempenho desses tomadores após o crédito ser concedido. Esse custo é relativa-
mente elevado, mas é inevitável quando informações de natureza reservada são requeridas.
Operações de mercado de capitais, isto é, de colocação direta de papéis (títulos de propriedade,
como ações, ou de dívida, como bônus, debêntures, commercial papers etc.) evitariam esses custos.
Mercados de capitais são viáveis quando as características relevantes da obrigação gerada pela opera-
ção financeira são transparentes, acessíveis igualmente a todos os potenciais participantes. Para que
isto ocorra, é preciso que o ativo negociado obedeça a certas regras de padronização que permitam a
aplicação de métodos comuns de avaliação, que a informação necessária ao monitoramento do tomador
seja pública, e que os procedimentos a serem seguidos nos casos de inadimplência sejam transparentes.
Em suma, mercados de capitais são uma forma viável de canalização de recursos quando a atrativida-
de da obrigação emitida pelo tomador pode ser julgada diretamente pelo emprestador último. Este poupa-
dor não possui, via de regra, aparato especializado de coleta e avaliação de informações. Por esta razão, o
conhecimento relevante tem de ser tornado disponível pelo próprio tomador, de modo genericamente in-
teligível por qualquer emprestador. Itens, ou casos, de avaliação mais complexa podem ser analisados por
empresas especializadas, as empresas de rating. Cláusulas contratuais devem ser desenhadas de modo a
permitir que qualquer potencial emprestador possa julgar sua atratividade e, eventualmente, possa mesmo
revender esses contratos a outros em mercados secundários. As vantagens deste canal, quando ele é possí-
vel, referem-se à economia de custos que permite. Economiza-se em cadastros, avaliação e monitoração.
As cláusulas contratuais de amortização e serviço da dívida gerada podem prever e regular as contingên-
cias sob as quais alguma renegociação dos termos do contrato pode ter lugar. Em segundo lugar, ganha-se
em liquidez. A impessoalidade dessas transações, em contraste com a inevitável individualização do cré-
dito bancário, permite o desenvolvimento de mercados secundários para essas obrigações, aumentando
sua atratividade na medida em que adquirem um grau de liquidez inexistente no crédito bancário. Final-
mente, no caso da operação de mercados de capitais, economiza-se o risco do intermediário. Numa ope-
ração de crédito, o intermediário corre os riscos criados pela possibilidade de inadimplência do tomador e
pelo eventual descasamento entre passivos emitidos em favor dos aplicadores e os ativos representados
por direitos contra os tomadores. O intermediário cobra de seus clientes o custo de correr esses riscos. A
colocação direta de papéis no mercado elimina os riscos do intermediário.
Mercados de capitais são formas mais baratas de captação de recursos financeiros que os mercados
de crédito; mas são canais que só surgem e assumem alguma relevância em economias mais sofistica-
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 289
das. Isto porque um requisito essencial para sua viabilidade é que tanto tomadores quanto emprestado-
res últimos sejam razoavelmente sofisticados na sua demanda por serviços financeiros. Tomadores de
recursos, como empresas, têm de ser capazes de elaborar a informação relevante para a emissão de títu-
los para colocação no mercado. Isto significa a adoção de sistemas de contabilidade padronizados,
transparentes e confiáveis. É preciso, ainda, que a própria empresa seja capaz de avaliar as vantagens de
cada canal de tomada de recursos para utilizar-se das operações de mercado de capitais quando elas são
recomendáveis. Outra necessidade é a de adoção de sistemas de gerenciamento modernos e transparen-
tes, permitindo aos aplicadores monitorar essas empresas para avaliar se as disposições contratuais es-
tão sendo seguidas. Isto significa que empresas de domínio familiar, tradicionalmente fechadas e ciosas
do controle de seu empreendimento, têm de mudar seus métodos de administração para ter acesso a essa
fonte de recursos. Finalmente, é preciso que a empresa tenha uma dimensão relativamente grande, para
que suas colocações de papéis não sejam excessivamente esporádicas, reduzindo a sua liquidez.
Pelo lado do emprestador, as exigências não são menos profundas. Antes de mais nada, é preciso
que ele desenvolva sua capacidade de analisar opções de aplicação, pensando em termos de carteiras de
ativos, mais do que em “economias a serem guardadas”, como na atitude mais tradicional.
Por décadas, mercados de capitais só foram realmente relevantes para o financiamento da atividade
econômica e da acumulação de capital nos Estados Unidos. Enquanto a unidade responsável pela deci-
são de poupança foi a família, tais sistemas, novamente à exceção dos Estados Unidos, simplesmente
não se desenvolveram. Nos últimos anos, porém, uma mudança fundamental começou a ocorrer: a
emergência de investidores institucionais, discutida mais adiante neste capítulo. Investidores institu-
cionais, como fundos de pensão e fundos mútuos de investimento em mercados monetário e de capitais
permitiram precisamente a transformação de atitudes que viabilizam a expansão das operações de colo-
cação direta de papéis. Este processo é chamado de securitização.
O termo securitização deriva da palavra inglesa securities, que significa títulos financeiros. Securi-
tização refere-se à transformação de obrigações financeiras geradas anteriormente em processos de
oferta de crédito em papéis colocáveis diretamente no mercado. Securitização, assim, descreve um pro-
cesso de desintermediação financeira, em que cada vez mais bancos mudam seu padrão de atuação, dei-
xando de ser intermediários de crédito para se tornarem corretores e promotores de negócios.
Na realidade, securitização corresponde a dois tipos diferentes de processos financeiros. Securiti-
zação primária corresponde ao apelo crescente à colocação direta de papéis de tomadores junto ao pú-
blico não financeiro, em substituição ao crédito bancário anteriormente utilizado. Exemplo clássico
deste processo é a captação de recursos de curto prazo para financiamento de capital de giro pelas em-
presas, através da colocaçãode commercial papers, ao invés da tomada de recursos junto a bancos co-
merciais. Já a securitização secundária refere-se ao processo de transformação sofrido pelos próprios
intermediários financeiros que buscam se adaptar às novas tendências do mercado. Neste caso, o que é
securitizado são os ativos dos bancos, representados por empréstimos originalmente realizados aos to-
madores finais.
Ambas as formas de securitização desenvolveram-se inicialmente nos Estados Unidos e, depois de
crescerem intensamente naquele país nos últimos quinze anos, começam a se expandir de forma igual-
mente rápida na Europa. Em outras regiões, sua evolução é ainda incipiente. No caso da securitização
primária, o impulso inicial ao seu desenvolvimento foi dado pelas crises bancárias vividas pelos Esta-
dos Unidos na década de 1980. Assoberbados por problemas com empréstimos ao Terceiro Mundo e
também a tomadores domésticos, os bancos norte-americanos enfrentaram naquela década custos cres-
centes de captação de recursos, dada a incerteza percebida pelo público quanto à saúde do setor. Neste
contexto, diversas grandes empresas perceberam que poderiam captar recursos diretamente no merca-
do por taxas inferiores às pagas pelos bancos, sempre que os requisitos necessários para a participação
neste mercado fossem atendidos. Assim, grandes empresas, capazes de acessar esses recursos, coloca-
ram commercial papers como alternativa à tomada de créditos junto aos bancos. Tais operações foram
extremamente bem-sucedidas e se consolidaram mesmo após as crises bancárias, que lhes serviram de
estímulo, terem sido resolvidas. O segmento de tomadores representado pelas grandes corporações pa-
rece ter sido perdido para o mercado de crédito bancário para sempre.
290 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
Aos bancos que foram capazes de transformar seu mix de serviços, foram abertas novas possibilida-
des de atuação. Duas áreas desse processo são particularmente exploráveis por bancos: a organização
da operação de colocação de papéis, dada a rede de clientes e de relações que os bancos tendem a cons-
truir, e a oferta de linhas de crédito de apoio à venda dos títulos no mercado. A exploração desses canais
é um dos caminhos importantes para a convergência entre bancos comerciais e bancos de investimento,
com a crescente participação dos primeiros em procedimentos mais tradicionalmente ao alcance dos se-
gundos, como se discutirá mais adiante.
A securitização secundária é um processo mais complexo e institucionalmente inovador. Neste
caso, a instituição financeira continua a ofertar crédito de forma mais ou menos semelhante à tradi-
cional. Na verdade, já nesta fase, alguma mudança se dá na direção da homogenização dos contra-
tos, no sentido de que o banco ou outro intermediário deve tentar homogenizar as cláusulas que re-
gem os contratos de crédito, diminuindo o espaço de acomodação dos traços mais idiossincráticos
de cada operação. Esses contratos são posteriormente “empacotados” em um único ativo cujo re-
torno é constituído pelo serviço da dívida criada pelo intermediário, e vendido para um “poupa-
dor”, normalmente um investidor institucional, que controle recursos em volume suficiente para
absorver esses ativos. A securitização secundária, assim, descreve processos em que obrigações
inicialmente geradas sob a forma de crédito são transformadas em “papéis” e repassadas a investi-
dores, liberando recursos para as instituições financeiras retomarem o processo de crédito. Este
processo, criado principalmente para resolver a crise do sistema de financiamento da construção
norte-americano, permite aos bancos repassar para os aplicadores finais tanto o risco de crédito
(probabilidade de calote) quanto o risco de juros (probabilidade de que elevações de juros reduzam
o valor dos ativos mais do que o dos passivos) envolvidos na concessão de empréstimos, e também
reduzem seus custos de monitoração dos tomadores. Além disso, desde o Acordo da Basileia de
1988, a securitização reduz os custos de enquadramento dos bancos nos limites de coeficiente de
capital impostos por aquele documento. A securitização secundária tem sido importante nos Esta-
dos Unidos para bancos de poupança e empréstimo, para administradoras de cartões de crédito e
para supridores de créditos para financiamento ao consumo de duráveis, particularmente automó-
veis. Ela se mostra potencialmente promissora, na verdade, para o financiamento de qualquer ativi-
dade que gere um fluxo de receitas esperadas previsível e regular.
20.3.2. DERIVATIVOS
Derivativos são ativos cujo valor é derivado de outros. Seu papel mais importante é a possibilidade
que oferecem de decompor e negociar em separado os riscos que cercam uma dada transação finan-
ceira. Assim, em transações domésticas, é possível separar os riscos de produção dos riscos de
variação de preços, por exemplo; em operações financeiras internacionais, derivativos permitem
separar os riscos de juros dos riscos de câmbio, os riscos de amortização dos referentes ao serviço
de uma dívida etc.
Muito embora derivativos não sejam, em si mesmos, instrumentos de captação ou alocação de pou-
pança, eles se tornaram peças imprescindíveis em qualquer transação financeira de alguma importância
atualmente. Em primeiro lugar, pela sua capacidade de decomposição de riscos, os derivativos têm ser-
vido para que os diversos aspectos que caracterizam uma dada transação possam ser negociados separa-
damente, permitindo a cada parceiro aceitar apenas aqueles riscos que lhe atraem, transferindo o restan-
te para outros (isto é, fazendo hedge contra esses outros riscos, o que nada mais é que a compra de con-
tratos que lhe garantam uma compensação contra contingências específicas). Em segundo lugar, por-
que derivativos podem cumprir as mesmas funções que mercados secundários para um dado papel, à
medida que asseguram a possibilidade de revenda do título em condições adversas determinadas. Deste
modo, derivativos permitem conferir um atributo semelhante a liquidez a um dado ativo, asseguran-
do-lhe comprador e condições de negociação em contingências especificadas. Finalmente, derivativos
mais complexos permitem a parceiros mimetizar condições de mercados que, por alguma razão, pos-
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 291
sam ser inacessíveis àqueles transacionadores. Notadamente, esta é a propriedade dos swaps, contratos
derivativos em que a natureza das obrigações efetivamente aceitas por um agente correspondem àque-
las de um mercado diferente do que deu origem ao contrato.
O mercado para derivativos se expandiu, inicialmente, em função do aumento da volatilidade dos
mercados financeiros enraizado em uma causa comum, qual seja, a intensificação da inflação e a ado-
ção de políticas monetárias restritivas, que por sua vez perturbaram o já frágil equilíbrio das taxas de
câmbio entre as principais moedas do mundo. Por esta razão, isto é, a existência de causas comuns de
instabilidade, esta expansão foi em grande parte sentida no segmento de derivativos transacionados em
bolsas, através da negociação de futuros e, depois, de opções. Com o recuo mundial da inflação, a mu-
dança de estratégia de bancos centrais etc., aqueles riscos comuns foram perdendo relevância, sem que
se perdesse de vista a potencialidade dos derivativos em oferecer formas de “seguro” contra contingên-
cias adversas. À medida que os riscos mais relevantes foram se tornando mais idiossincráticos, a impor-
tância dos derivativos de balcão foi crescendo, até se tornarem os tipos de contratos mais intensamente
negociados no presente. Por outro lado, porém, a individualização crescente de contratos reduz sua li-
quidez, o que torna este segmento mais instável e frágil. O dinamismo dos derivativos de balcão se
mostrou tão incontrastável que as próprias bolsas de futuros passaram, nos últimos dois a três anos, a
concentrar seus esforços na oferta de facilidades ao segmento de balcão,através de serviços como os de
liquidação de contratos, e na busca de meios de provisão de liquidez a certas categorias mais comuns de
contratos, como os de swaps.
A oferta de derivativos de balcão estruturados expandiu-se com grande rapidez na primeira metade
desta década. A ocorrência de repetidas crises, porém – ocasionando grandes perdas aos investidores e
gerando processos legais em que os aplicadores alegavam consistentemente o desconhecimento das
condições efetivamente contratadas – diminuiu muito a atratividade desta área de negócios para os ban-
cos que investiram inicialmente no seu desenvolvimento.
A Tabela 20.1 mostra a expansão das operações com os tipos mais importantes de derivativos, de
bolsa e balcão.
TABELA 20.1
Mercados para Derivativos Selecionados
US$ bilhões
1992 1993 1994 1995 1996 1997
Trans. em bolsa 4.634,5 7.771,2 8.862,9 9.188,6 9.879,6 12.207,3
Futuros de juros 2.913,1 4.958,8 5.777,6 5.863,4 5.931,2 7.489,2
Opções de juros 1.385,4 2.362,4 2.623,6 2.741,8 3.277,8 3.639,9
Futuros de câmbio 26,5 34,7 40,1 38,3 50,3 51,9
Opções de câmbio 71,1 75,6 55,6 43,5 46,5 33,2
Balcão 5.345,7 8.474,6 11.303,2 17.712,6 25.453,1 28.733,4
Swaps de juros 3.850,8 6.177,3 8.815,6 12.810,7 19.170,9 22.115,5
Swaps de câmbio 860,4 899,6 914,8 1.197,4 1.559,6 1.584,8
Opções de juros 634,5 1.397,6 1.572,8 3.704,5 4.722,6 5,033,1
Fonte: BIS, 68th Annual Report, 1998.
O crescimento do mercado de derivativos se deu de forma paralela à expansão do processo de secu-
ritização, primária e secundária. A colocação de títulos, especialmente de dívida, por parte de empresas
e governos beneficiou-se da possibilidade de decompor seus riscos e formar seus preços de forma mais
acurada, buscando um público-alvo mais adequado a cada característica do papel lançado. Assim, a
possibilidade de fazer-se hedge contra alguns dos riscos envolvidos em uma dada colocação de papéis
permitiu ampliar as fontes de recursos financeiros, à medida que certas categorias de investidores não
292 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
desejam ou não têm permissão para operar com determinadas classes de riscos. Por outro lado, a rapi-
dez com que o processo de securitização tem se dado se constituiu num grande impulso à expansão e di-
versificação do mercado de derivativos.
Se, contudo, derivativos se casaram de forma bastante natural às transações com papéis nos merca-
dos de capitais e sofreram forte crescimento nos anos 90, a nova fronteira de expansão de derivativos no
novo milênio estão sendo os chamados derivativos de crédito. Derivativos de crédito são instrumentos
criados para permitir a doadores de crédito, especialmente bancos, possam administrar sua exposição a
riscos de crédito sem ter de recorrer a processo de securitização. Neste último, como já visto, o banco é
obrigado a transferir a posse sobre o ativo para outra instituição. Esta transferência, muitas vezes, en-
frenta a ativa oposição do tomador de empréstimo, por exemplo, que o banco pode preferir não hostili-
zar para manter com ele uma relação mais duradoura. O derivativo de crédito é uma forma de adminis-
tração de risco que evita este problema. O instrumento mais utilizado atualmente é a chamada transfe-
rência de calote de crédito (credit default swap). Este instrumento assemelha-se a um contrato de segu-
ro, pelo qual uma instituição compromete-se a comprar o crédito em poder do banco em caso de default,
em troca do pagamento de um prêmio. Se o crédito for liquidado normalmente, o banco reterá o ativo
em seu balanço, ao custo do prêmio de “seguro” pagão ao vendedor de proteção. Se, ao contrário, hou-
ver calote, o vendedor de proteção assumirá a perda, transferindo ao banco o valor do contrato. O uso
deste instrumento tem crescido rapidamente nos últimos anos, à frente de qualquer outro instrumento
de hedge contra riscos de crédito no sistema bancário.
20.3.3. EMERGÊNCIA DE INVESTIDORES INSTITUCIONAIS
Investidores institucionais compreendem um conjunto relativamente heterogêneo de iniciativas que
têm como traço comum o de constituírem pools de recursos para aplicação financeira. Assim, fundos de
pensão, um de seus principais segmentos, são produto da organização de poupadores de um determina-
do grupo que reúnem seus recursos para potencializar suas possibilidades de aplicação financeira com
vistas à obtenção de um fluxo de renda em um futuro, em média, relativamente distante. Fundos de in-
vestimento, em tese, são criados por grupos de pessoas que têm como meta aplicar sua poupança em um
mercado determinado, como o monetário ou o de mercado de ações ou de títulos de renda fixa, ou um
misto de todos eles. Companhias seguradoras reúnem os prêmios pagos por seus segurados para reali-
zar investimentos que permitam o pagamento de compensação em caso de uma contingência adversa
pré-especificada.
A característica mais importante, comum às diversas categorias de investidores institucionais, é a
sua dimensão em relação à unidade original de poupança, o indivíduo ou a família. A agregação de re-
cursos em um pool permite um aproveitamento muito melhor das oportunidades de acumulação de ri-
queza que o mercado financeiro oferece, seja porque permite uma gestão profissionalizada das carteiras
de ativos, mas também porque permite uma alocação mais eficiente de riscos e retornos, porque alarga
os horizontes de aplicação e porque dá maior poder de mercado ao poupador que, isoladamente, não te-
ria escolha e, possivelmente, nem acesso a mercados, diante das instituições como, por exemplo, ban-
cos de investimento.
Como se vê na Tabela 20.2, investidores institucionais são uma figura ainda predominantemente
norte-americana, como é o caso de tantos outros aspectos dos mercados financeiros internacionais
atuais.1 Dentre este grupo, certamente o subgrupo mais importante são os fundos de pensão. Nos
Estados Unidos estes fundos foram criados há relativamente mais tempo que nos outros países, dado
o nível relativamente baixo de benefícios tradicionalmente oferecidos pelo sistema público de previ-
dência norte-americano. A complementação de renda via previdência privada tornou-se claramente
necessária naquele país antes da maioria dos outros. Nestes últimos, o sinal de alerta para a necessida-
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 293
1. Segundo o FMI, os ativos dos 300 maiores investidores institucionais dos Estados Unidos passou de 30% do PIB em 1975
para 110% em 1993. Ver IMF, International Capital Markets, 1995, cap. 5.
de de constituição dos fundos privados foi o colapso de sistemas públicos que, em tese, ofereciam be-
nefícios mais generosos, mas se viam incapazes de honrar este compromisso no futuro. Por isso mes-
mo, como mostra a Tabela 20.2, 62% dos ativos totais detidos por Fundos de Pensão em todo o mun-
do são controlados por instituições norte-americanas. O segundo país mais importante para o setor é
o Reino Unido: seus Fundos de Pensão detem 9% dos ativos totais deste tipo de instituição em todo o
mundo. A importância de cada país, à exceção dos Estados Unidos, com presença preponderante em
todos os segmentos, varia conforme o tipo de investidor institucional. Dos ativos totais detidos por
Companhias de Seguro em todo o mundo, 24% são controlados por empresas japonesas, por exem-
plo. Já a França é o segundo país mais importante no setor de Companhias de Investimento: suas em-
presas controlam 9% dos ativos totais do segmento. No total, instituições norte-americanas contro-
lam metade dos ativos dos investidores institucionais de todo o mundo, seguidas pelas instituições ja-
ponesas, que controlam 14% dos ativos totais, e as instituições britânicas que por sua vez controlam
9% do total.
TABELA 20.2
Investidores Institucionais em Perspectiva Global – 1995
Fundos
de Pensão Total
Companhias de Seguro Cias. de Investimento
Vida Outros Total Abertas Fechadas Agregado US$ bi
EUA 62 35 33 44 57 63 57 50 10,501
Japão 9 24 27 16 8 14 3,035
Alemanha1 8 7 12 6 7 5 1,113
França 0 7 7 8 9 11 6 1,159
Itália 1 1 1 2 1 1 1 1,223
Reino Unido 11 10 11 6 4 3 29 9 1,79
Ativos financeiros como percentual do total global do setor.
Fonte: BIS, Annual Report, 1998.
A Tabela 20.3 mostra não apenas como o crescimento dos fundos de pensão é um fenômeno relati-
vamente recente na maioria dos países avançados, como também o potencial de expansão desses fun-
dos, ainda pouco relevantes no Japão, Alemanha e Itália.
TABELA 20.3
Crescimento dos Fundos de Pensão: Ativos Financeiros Totais Bilhões de dólares
1980 1985 1990 1993 1996 1996: % do PIB
EUA 701 1.606 2.492 3.449 4.752 62
Japão 343 460 442 10
Alemanha 15 22W 52 47 65 3
Itália 39 34 43 4
Reino Unido 116 224 537 682 897 77
Fonte: BIS, Annual Report, 1998.
Com um crescimento menos espetacular, mas ainda assim muito significativo, emergiram também
na década de 1980 os fundos mútuos de investimento. Como outras tantas inovações, o berço destes
fundos foi a economia americana. Naquele país, tais fundos foram criados principalmente para escapar
das regulações que restringiam o pagamento de juros sobre depósitos à vista (regulamento Q, do Fede-
ral Reserve) nos bancos comerciais. Com o recrudescimento da inflação desde o final dos anos 60, agra-
294 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
vado na década seguinte pelos choques de matérias-primas, e a alta das taxas de juros resultante do
combate à inflação por política monetária, depósitos à vista impunham um trade-off crescentemente
desfavorável entre rendimento e liquidez, estimulando a busca de soluções alternativas que fossem si-
milarmente líquidas mas não penalizadas pela perda de valor real, como no caso dos depósitos. O cres-
cimento de fundos de investimento, que desenvolveram características muito próximas às dos depósi-
tos à vista (especialmente com o surgimento das “ordens negociáveis de retirada”, contas NOW, que
mimetizavam de forma muito próxima a natureza desses depósitos), foi a resposta encontrada para o
problema. Esses fundos tinham diversas vantagens sobre os depósitos bancários, do ponto de vista do
aplicador: eram líquidos, transferíveis por cheque e pagavam juros. Os fundos não sofriam qualquer
restrição regulatória sobre suas aplicações, permitindo-se comprar papéis de empresas de alto retorno
(que serviu de estímulo para a expansão da securitização primária, referida acima), nem tinham de man-
ter reservas, tendo, assim, clara vantagem sobre os bancos cujas aplicações eram limitadas por regula-
ção prudencial e ainda tinham de arcar com os custos de manutenção de reservas e outros requerimen-
tos impostos pelo Banco Central.2 A rápida expansão desses fundos não foi detida nem mesmo pela mu-
dança da lei bancária nos Estados Unidos em 1980, que equalizou as vantagens de operação dos bancos
e dos fundos. Em 1994, o público americano mantinha US$ 2,7 trilhões em depósitos e US$ 2 trilhões
em fundos. Em 1980, 6% das famílias americanas aplicavam em fundos; em 1994, 28% das famílias o
faziam (cf. The Economist, suplemento Survey of International Banking, 30/4/1994). O valor dos ativos
administrados profissionalmente nos Estados Unidos passou de US$ 500 bilhões em 1985 para US$ 2,6
trilhões em 1995 (The Economist, 21/10/1995).
A Tabela 20.4 mostra a evolução deste setor desde 1987, onde se vê a importância que essas institui-
ções já atingiram na economia americana, seja medida em termos do PIB, seja em capitalização de mer-
cado. O exame das duas últimas colunas mostra que esses fundos ainda podem crescer muito em econo-
mias como a japonesa ou a alemã.
TABELA 20.4
Crescimento das Companhias de Investimento – (Fundos): Ativos Líquidos Totais (bilhões de dólares)
1987 1990 1993 1996
1996
% do PIB
Capitalização
de mercado
EUA 770 1.069 2.075 3.539 46 15
Japão 305 336 455 420 9 4
Alemanha 42 72 79 134 6 4
França 204 379 484 529 34 18
Itália 51 42 65 129 11 5
Reino Unido 68 89 131 188 16 8
Fonte: BIS, Annual Report, 1998.
A crescente importância dos fundos que, juntamente com as companhias seguradoras, constituem
os chamados investidores institucionais, mudou sensivelmente as condições de operação do sistema fi-
nanceiro e continuará a fazê-lo no futuro, à medida que outros países passam pela mesma transforma-
ção. Por um lado, em contraste com a acumulação de ativos por famílias, como era comum nos Estados
Unidos, ou com a importância da intermediação bancária na maioria dos outros países, os investidores
institucionais impõem uma perspectiva de portfólio nas suas aplicações e, por outro, não se contentam,
nem de longe, com os retornos medíocres obtidos em depósitos bancários. A perspectiva de portfólio
implica uma atenção maior às diferentes combinações risco/retorno oferecidas por classe de ativos e pe-
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 295
2. Em 1970, 65% da tomada de empréstimos de curto prazo por empresas americanas eram atendidos por grandes bancos. Em
1992, esta proporção caiu para 36%. Cf. The Economist, suplemento Survey of International Banking, 30/4/1994.
las suas flutuações em mercado. Assim, em contraste com a demanda de famílias por ativos, provavel-
mente mais estáveis e influenciadas por outros fatores, como, por exemplo, a imagem pública de uma
determinada companhia, investidores institucionais devem estar muito mais voltados para fatores mais
objetivos, mas também mais voláteis, de mercado na escolha de sua carteira. Além disso, mudanças nas
carteiras de fundos provavelmente terão, por sua importância quantitativa, impacto muito maior sobre
o mercado do que a demanda difusa das famílias. Finalmente, a perspectiva de portfólio dá maior peso à
dimensão da liquidez das aplicações, até pela maior frequência de reestruturações de carteira. Isto seria
de se esperar não apenas pela maior sensibilidade desses fundos, geridos por administradores profissio-
nais, como pela menor importância dos custos de transações incidentes sobre operações de grande va-
lor, como as conduzidas por eles.
As implicações dessa mudança são profundas. Por um lado, reforça-se a tendência à securitização,
já que investidores institucionais deverão preferir a aquisição direta de obrigações dos tomadores finais
a ativos criados por intermediários financeiros. Isto tende a restringir a importância de depósitos, à ex-
ceção daqueles estritamente transacionais. Por outro lado, reforça-se a tendência à transformação dos
bancos de sua função comercial tradicional para uma atuação cada vez mais próxima da dos bancos de
investimento. Outra implicação importante é a de tornar as relações entre poupadores e empresas toma-
doras mais volátil e sujeita a flutuações de mercado. Finalmente, emerge um forte estímulo seja ao de-
senvolvimento de mercados secundários para os papéis comprados por investidores institucionais, seja
para o desenvolvimento de mercados de derivativos, respondendo ambos a uma mesma demanda: a de
oferecer formas de fazer hedge contra o grau de iliquidez que caracteriza os papéis-alvo das aquisições
de fundos.
20.3.4. TENDÊNCIA À UNIVERSALIZAÇÃO DOS BANCOS
Como resultado das transformações já discutidas, tornam-se rapidamente obsoletas as formas de orga-
nização segmentadas que não sejam resultado de uma escolha estratégica privada. Os bancos america-
nos, já desde a década de 1980, vinham pressionando o Congresso no sentido de permitir a
diversificação de atividades, notadamente a possibilidade de operação simultânea como bancos comer-
ciais e bancos de investimento, revogando-se a Lei Glass/Steagal, o que finalmente ocorreu em fins de
1999. Essa pressão deu-se através das fusões entre empresas que operam em diferentes segmentos. Isto
foi possível em função da existência de brechas legais que permitiram ao Federal Reserve uma leitura
cada vez mais flexível das restrições relevantes.
As mudanças em curso impactarão também os bancos que atualmente já são legalmente universais,
na sua maioria despreparados para atuar como bancosverdadeiramente diversificados. Forçados pela
globalização financeira, os bancos universais se veem às voltas com a competição de bancos estrangei-
ros, especialmente americanos, que trazem consigo as inovações financeiras para as quais estavam des-
preparados. Por outro lado, as novas frentes abertas pela inovação financeira, como os processos de se-
curitização e operação com derivativos em um cenário em que fronteiras nacionais são cada vez menos
importantes, abrem perspectivas de lucros muito superiores àqueles acessíveis nos tradicionais merca-
dos de crédito. É uma necessidade de sobrevivência o desenvolvimento de capacidade de operação nes-
tes novos mercados. Isto exige a concentração de esforços no reforço do segmento que era precisamen-
te o mais deficiente nos bancos universais alemães, suíços etc., o de bancos de investimento, o que lhes
parecia dar duas escolhas: a de desenvolver capacidade de operação em mercados de capitais a partir do
zero ou adquirir bancos de investimentos já existentes. A percepção de que o primeiro caminho seria
quase impossível, levou ao grande processo de aquisição de bancos de investimento dos anos 80 e 90,
em que bancos alemães e suíços adquiriram várias casas bancárias, especialmente inglesas, de grande
tradição de mercado mas mais baratas que as americanas.
Essa opção tem-se mostrado de concretização mais difícil do que o esperado, porém, particular-
mente por causa do chamado “choque de culturas”. Entre os dois tipos de instituição subsistem impor-
tantes diferenças em relação à atitude com relação a risco (onde operadores de bancos de investimento
296 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
são mais propensos a riscos que os operadores de bancos comerciais, voltados para a construção de re-
lacionamentos mais duráveis), à concepção de sucesso (o ganho maior e mais imediato no primeiro
caso, o sucesso em estabelecer ligações duráveis no segundo), à relação com o cliente (mais distante no
caso dos bancos de investimento que no de bancos comerciais), à remuneração dos funcionários (co-
missão sobre negócios no caso do banco de investimento, estrutura mais estável e previsível de salários
nos bancos comerciais, gerando ainda uma diferença significativa no valor recebido, muito mais alto
para os operadores de bancos de investimento), aos procedimentos adotados (operações em mercados
de capitais frequentemente exigem decisões rápidas, mesmo em condições de risco, enquanto bancos
comerciais exibem processos de decisão mais demorados e hierarquizados) etc. Em função desses fato-
res, os ganhos dos bancos de investimento tendem a ser maiores mas mais voláteis do que os dos bancos
comerciais.
O principal obstáculo para o desenvolvimento interno da capacidade necessária para a operação de
bancos de investimento está no tempo e na escala necessários para isto, diante da extremamente podero-
sa concorrência dos bancos de investimento norte-americanos, que dominam completamente a cena
mundial. Julga-se ser completamente impossível a uma instituição nova furar o bloqueio imposto pela
dimensão dos bancos de investimento líderes. A dificuldade não está apenas em desenvolver práticas de
mercado adequadas, dominando-se a “tecnologia” de operação em mercados globais de capitais que se
tornam crescentemente complexos – o que em si já é uma barreira formidável – mas também em conse-
guir estabelecer uma cadeia de contatos suficientemente ampla para permitir o planejamento e a correta
precificação das colocações de papéis. Dado o volume do mercado de capitais americano, os bancos de
investimento daquele país têm vantagens competitivas imensas de partida, pelo simples fato de que seu
acesso a fontes domésticas de recursos é muito mais imediato do que o de instituições que lutam para
entrar no mercado. A percepção de que é preciso ter alguma presença no mercado americano exatamen-
te para ter acesso às fontes de recursos locais tem sido uma preocupação constante para as instituições
europeias.
Esse processo não se reflete de maneira simples nas estatísticas disponíveis, dado que se refere a
mudanças de estratégia de operação, de redenominação de operações, de mudança da natureza de ins-
trumentos mais tradicionais para procedimentos mais modernos etc. De qualquer maneira, observa-se
na Tabela 20.5, especialmente no caso dos bancos americanos e alemães, uma clara mudança na impor-
tância dos depósitos à vista, passivo típico de bancos comerciais, como fonte de recursos para o setor.
França, Itália e Reino Unido acompanham essa tendência.
TABELA 20.5
Principais Países Industriais: Depósitos Bancários como Percentual do Passivo Bancário Total
1980 1990 1995
EUA 75,5 69,6 58,8
Japão 71,8 71,3 71,3
Alemanha 73,9 71,2 65,7
França 34,1 27,5
Itália 46,3 44,2 36,9
Reino Unido 86,5 84,6 86
Canadá 79,7 74,3 72,4
Fonte: IMF, International Capital Markets, 1998.
A Tabela 20.6 mostra o mesmo processo de diversificação pelo lado dos ativos bancários. Ainda
que com menor intensidade que no caso dos depósitos, os empréstimos bancários têm perdido relevân-
cia nos Estados Unidos, Alemanha, França e Canadá, embora nos outros países listados isto não pareça
ocorrer.
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 297
TABELA 20.6
Principais Países Industriais: Empréstimos Bancários como Percentual dos Ativos Bancários Totais
1980 1990 1995
EUA 63,3 62,9 58,9
Japão 55,3 56,2 65,4
Alemanha 83,6 81,2 77,7
França 40,4 36,4
Itália 35,7 45,6 42,4
Reino Unido 43,6 57,9 52,4
Canadá 70,4 70,8 67,6
Fonte: IMF, ICM, 1998.
20.3.5. DESREGULAMENTAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO FINANCEIRA
A integração crescente da economia mundial, em contraposição ao isolacionismo e ao protecionismo
que floresceram nas primeiras décadas do século, tem sido um objetivo explícito da comunidade de paí-
ses capitalistas desde o final da Segunda Guerra Mundial. Essa integração, contudo, até recentemente,
foi entendida em sentido mais restrito, abrangendo basicamente as operações de comércio internacio-
nal. O forte movimento de expansão de empresas multinacionais, especialmente as industriais, a partir
da década de 1950, mostrou aspectos mais complexos da questão da integração, notadamente aqueles
referentes às limitações do conceito de soberania nacional. Superados em grande parte esses problemas,
mas não inteiramente – pela generalização do fenômeno do investimento direto estrangeiro – colo-
cou-se, particularmente a partir dos anos 80, uma nova dimensão da questão da integração da economia
mundial com a emergência do conceito de globalização. A noção de globalização leva à ideia de inte-
gração um passo adiante, um passo, porém, decisivamente diferente dos anteriores no que se refere à
questão da soberania. Ao contrário dos movimentos anteriores de internacionalização e integração eco-
nômica através da liberalização dos fluxos comerciais e de capitais de risco, a globalização implica uma
redução sensivelmente maior da soberania nacional. Isto porque enquanto a internacionalização ante-
riormente praticada limitava-se a abrir as economias nacionais à penetração de capitais estrangeiros, a
globalização implica um movimento adicional, de redução das diferenças de natureza legal e institucio-
nal entre aquelas economias. Globalização implica equalização de condições de operação e, com isso, a
tendência à unificação dos mercados.
Em nenhum outro setor da atividade econômica o processo de globalização avançou tanto quanto no
setor financeiro. A Tabela 20.7 mostra a vertiginosa velocidade com que se criou um mercado internacio-
nal em bônus e ações. A única exceção é o Japão, que, por toda a década de 1990, tem se debatido em uma
crise financeira doméstica, cujas proporções gigantescas ainda não foram inteiramente calculadas.
TABELA 20.7
Países Industriais Selecionados: Transações Internacionais em Bônus e Ações (Percentual do PIB)
1975 1980 1985 1990 1995 1997
EUA 4 9 35 89 135 213
Japão 2 8 62 119 65 96
Alemanha 5 7 33 57 172 253
França5 21 54 187 313
Itália 1 1 4 27 253 672
Canadá 3 9 27 65 189 358
Fonte: IMF, IMC, 1998.
298 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
A busca de uma integração mais completa nos fluxos de bens e serviços internacionais é uma razão
para a desregulação da economia, entendida não como a eliminação de toda e qualquer forma de inter-
venção na economia, mas, sim como a eliminação daquelas medidas cujo intuito, explícito ou implíci-
to, seja apenas a defesa de espaços privilegiados por parte de agentes econômicos nacionais contra ou-
tros nacionais ou contra estrangeiros. No entanto, os movimentos de desregulação, muito fortes a partir
dos anos 80, não tiveram sua origem na busca de maior integração internacional, só percebida na práti-
ca posteriormente. O impulso à globalização foi, de certo modo, um resultado quase inesperado de um
movimento político de natureza conservadora, tendente a promover a redução da presença do estado na
economia, em resposta ao que foi percebido como uma intervenção estatal excessiva, e que foi respon-
sabilizada pela perda de disciplina social e de eficiência produtiva que teria caracterizado as principais
economias capitalistas nos anos 60 e 70.
Com relação ao setor financeiro, cabe observar uma terceira influência estrategicamente importan-
te neste processo, a introdução de inovações técnicas no setor financeiro, especialmente nos campos da
informática e da tecnologia de comunicações referidas na Seção 20.2 deste capítulo. A informatização
da atividade financeira em geral, e bancária em particular, teve implicações extremamente fortes para a
determinação dos caminhos trilhados pelo setor. Por um lado, a introdução de computadores facilitou
muito a combinação e o processamento de informações referentes a clientes diversos operando em dis-
tintos mercados com conjuntos diversificados de obrigações e direitos. Na verdade, contratos comple-
xos como os derivativos estruturados ou o “empacotamento” de obrigações em obrigações derivadas,
transacionadas na securitização secundária, não poderiam sequer existir na ausência de métodos de cál-
culo de risco e estabelecimento de preços permitidos pelo uso de computadores. Do mesmo modo, a co-
municação em tempo real permitida pelos novos equipamentos disponíveis permite a atuação simultâ-
nea em mercados geograficamente distantes, levando assim ao desenho de transações que consideram
elementos de informação gerados no mesmo momento em cada um deles. O forte processo de inovação
tecnológica do setor representou, por si só, um impulso à globalização, já que tornou-se não apenas
possível, mas mostrou-se também extremamente proveitoso operar nas diversas frentes disponíveis, es-
tendendo as possibilidades de arbitragem entre mercados até seus limites físicos. Por outro lado, refor-
çou-se também a tendência à segmentação no setor, não entre subsetores, como aquela imposta pela le-
gislação americana; mas entre grandes grupos financeiros – equipados para operação à escala mundial e
preparados para obter ganhos em todos os mercados financeiros – e aquelas instituições que se veem
obrigadas a agir dentro de segmentos específicos ou que têm sua atuação regionalmente limitada.
A alteração da forma de operação do setor financeiro em função de inovações tecnológicas foi, de
fato, o segundo principal argumento em favor da desregulação financeira. Ao lado da já apontada per-
cepção de que regulações excessivas impediam o aproveitamento de vantagens competitivas, passou-se
a apontar também a inocuidade de controles e limitações de ordem regulatória frente às possibilidades
que as novas tecnologias ofereceriam para contornar ou desvirtuar estes limites. O argumento é espe-
cialmente utilizado em contrário a regulações que buscam limitar a circulação internacional de capitais,
como controles de aplicações de nacionais no exterior e outros mecanismos de saída de recursos. Apon-
ta-se para a impossibilidade de controle efetivo de saídas de recursos, em função da possibilidade de
criação contínua de canais alternativos de circulação quando as autoridades bloqueiam determinada
rota. Essas novas possibilidades estariam se tornando possíveis em função das novas tecnologias, em-
bora não seja exatamente claro o modo pelo qual isto funcionaria, à parte atividades abertamente crimi-
nosas, como as relacionadas à “lavagem” de dinheiro por organizações ilegais.
Seja como for, tornou-se dominante a percepção de que controles, além de indesejáveis, são tam-
bém inócuos e, com isso, abriu-se movimento sustentado de redução drástica de regras de regulação do
setor financeiro em geral e do bancário em particular. Foi eliminado um grande número de restrições à
atividade financeira doméstica nos países mais avançados, assim como foram substancialmente libera-
lizadas a circulação internacional de capitais e a possibilidade de operação doméstica de instituições fi-
nanceiras estrangeiras. Nesse processo, foram redefinidas de modo profundo as formas de competição
no setor. Entre as principais modificações operadas conta-se a progressiva liberalização da entrada de
novas empresas no setor bancário, ainda que, em grande parte, isso tenha representado mais a formali-
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 299
zação de um movimento que já estava em pleno andamento do que propriamente a abertura de novas
fronteiras. Com efeito, como já visto, várias instituições, como, por exemplo, fundos mútuos, já vinham
se apropriando de uma fração crescente dos mercados bancários, seja em termos de captação, seja em
termos de aplicação de recursos. Os movimentos de desregulação tornaram o mercado bancário formal-
mente mais contestável, incrementando, com isso, seu grau de concorrência efetiva. A desregulação
tem permitido também que as instituições financeiras desenhem de forma mais livre o mix de riscos que
desejam correr, os mercados que desejam explorar e os procedimentos, inclusive de gerência de riscos,
que desejam adotar. As próprias autoridades reguladoras têm tendido a transferir às casas bancárias a
responsabilidade pelos riscos de sua estratégia. A tendência dominante atualmente é precisamente a de
transferir aos próprios bancos a responsabilidade pela escolha de sua estratégia de operação no que con-
cerne a riscos. Caberia, neste contexto, à autoridade reguladora o exame prévio da estratégia, mas não o
monitoramento de sua aplicação. Além disso, as regras de intervenção anteriores seriam substituídas
por regras mínimas que garantissem a transparência de riscos e retornos da estratégia escolhida para os
interessados, isto é, depositantes, aplicadores etc. Assim, caberia aos reguladores a supervisão da esco-
lha estratégica mais geral, para garantir a minimização dos riscos sistêmicos que realmente devem con-
centrar a atenção das autoridades, deixando sua aplicação específica para ser acompanhada e controla-
da pelos agentes privados diretamente interessados nela, dotados da informação necessária para tal, tor-
nada disponível pela legislação referente à divulgação dos dados relevantes.
RESUMO
Neste capítulo examinamos as principais tendências evolutivas dos sistemas financeiros modernos. Iniciamos
pela discussão do conceito de inovação financeira e de transformação estrutural. Mostramos que inovações finan-
ceiras, relativamente infrequentes no passado, tornaram-se a principal arma competitiva entre instituições finan-
ceiras atualmente, como, aliás, já ocorria em outros setores. A onda mais recente de inovação e transformação
iniciou-se na década de 1970, em reação ao aumento dramático de instabilidade financeira causado pela colapso
do sistema cambial de Bretton Woods, pelo aumento da inflação e pela utilização de elevações das taxas de juros
como instrumento de política monetária. Em paralelo, desenvolvimentos importantes tiveram lugar em termos
tecnológicos, especialmente no que se refere a informática e comunicações, e político-ideológicos, firmando-se
uma cultura de reduçãoda intervenção do Estado e de desregulação, particularmente impactantes para o setor.
Discutimos, então, as principais transformações e inovações que têm tido lugar nas mais avançadas economias
capitalistas: a tendência à securitização; o crescimento dos mercados de derivativos; a emergência de investidores
institucionais; a transformação dos bancos antes especializados em bancos realmente universais; e a liberalização
dos mercados financeiros doméstico e internacional.
TERMOS-CHAVE
� Inovação
� Transformação Estrutural
� Inovações Institucionais
� Instabilidade
� Securitização Primária
� Derivativos
� Derivativos Transacionados em Bolsa
� Investidores Institucionais
� Fundos de Investimento
� Desregulação
� Inovação Financeira
� Progresso Técnico
� Volatilidade
� Securitização
� Securitização Secundária
� Derivativos de Balcão
� Derivativos de Crédito
� Fundos de Pensão
� Convergência Estrutural
� Liberalização
300 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros ELSEVIER
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
Como a discussão deste capítulo trata de mudanças muito recentes, muitas das quais ainda em progresso, as
melhores fontes de pesquisa aqui não estão disponíveis como livros ou artigos acadêmicos. Ao contrário, o leitor
deve buscar nas revistas voltadas para o setor financeiro a fonte de suas informações. Entre as mais importantes,
recomendam-se:
Euromoney Magazine, editada na Inglaterra, uma das mais respeitáveis publicações voltadas para o público in-
teressado em mercados financeiros. Seus artigos estão disponíveis no site www.euromoney.com.
Institutional Investor Magazine, revista tão respeitada quanto a anterior. A maior parte de seu conteúdo está
disponível em www.iifmagazine.com.
The Economist, talvez o semanário mais conhecido do mundo, não apenas cobre em certo detalhe fatos do mer-
cado financeiro, como traz também, sob a forma de suplementos, estudos especiais sobre setores da economia ou
sobre países. De especial interesse é o suplemento publicado quase todos os anos sobre o sistema bancário interna-
cional, por volta de abril.
Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros 301
TEORIAS DE ALOCAÇÃO
DE PORTFÓLIO
INTRODUÇÃO
Neste capítulo apresentamos um modelo geral de alocação de portfólio com base naquele de-
senvolvido por John Maynard Keynes. Nesse modelo, os agentes alocam seus portfólios de
acordo com suas expectativas de retorno. Essas expectativas são formadas num ambiente de
incerteza. Ou seja, mesmo que os agentes possam utilizar informações sobre preços do passa-
do para projetar preços futuros, nem sempre o passado é um guia confiável para realizar este
exercício. Este é o caso dos bens de capital, que possuem longos prazos de maturação, e cujo
retorno está relacionado com a demanda agregada em, muitas vezes, diversos anos à frente.
No caso de ativos financeiros de curto prazo, os retornos esperados são mais claramente defi-
nidos (dado o curto prazo de vencimento), porém seus preços de mercado podem variar signi-
ficativamente de acordo com as mudanças de expectativas de curto prazo e da demanda
especulativa por moeda.
Vamos ainda estudar neste capítulo outros modelos de alocação de portfólio – que em
realidade são a base fundamental da Teoria da Alocação de Portfólio contemporânea –
inicialmente formalizados por James Tobin, e depois ampliados por outros autores. A ca-
racterística distintiva desses modelos em relação ao de Keynes se relaciona ao modelo de
formação de expectativas. No modelo de Tobin, utiliza-se a ideia de que os retornos fu-
turos dos ativos são projetados a partir de distribuição probabilística dos retornos dos ativos.
Este é o conceito de risco. A partir desse modelo de variância-risco, e de um artigo semi-
nal de H. Markowitz,1 desenvolveu-se a moderna teoria de alocação de portfólio e deter-
minação de preços de ativos. Veremos adiante que os modelos mais recentes de alocação
de portfólio e determinação de preços de ativos se baseiam na utilização da hipótese de ex-
pectativas racionais no modelo de formação de expectativas dos investidores em títulos
financeiros. Este é o caso, por exemplo, do modelo de determinação de preços de ativos de
capital, ou, em inglês, capital asset pricing model, CAPM.
CAPÍTULO
21
1. H. Markovitz (1952). “Portfolio selection”, Journal of Finance 7(1), março: 77-91.
21.1. ALOCAÇÃO DE PORTFÓLIO EM UM CONTEXTO
DE INCERTEZA EM RELAÇÃO AO FUTURO
No Capítulo 4, vimos que é possível definir, para qualquer ativo, uma taxa própria de juros, que mede
seu retorno total esperado, incluindo-se não apenas os retornos em dinheiro, como também seu prêmio
de liquidez. A partir da taxa própria de juros é possível definir-se a taxa de retorno do ativo.
O preço futuro de qualquer ativo pode ser entendido como o somatório do preço atual, do retorno
esperado líquido do ativo (retorno fixo ou variável) do ganho ou perda de capital esperados na ocasião
de sua venda. Para melhor caracterizar esta taxa de retorno, como vimos, John Maynard Keynes dividiu
estes fatores em quatro componentes – Q, C, l e A – que explicamos a seguir.
“Q”, ou a quase-renda, que representa o valor do fluxo de rendimento que se espera seja proporcio-
nado por utilizar um ativo qualquer. No caso de um título de renda fixa, Q seria por exemplo os juros lí-
quidos de impostos a serem pagos sobre um montante aplicado. No caso de uma ação, seria o dividendo
líquido de impostos que por sua vez depende da política de dividendos de uma empresa e dos lucros fu-
turos da empresa. No caso de um bem de capital, “Q” representa o fluxo de lucro após tributação, obtido
pela venda dos bens produzidos a partir da utilização dessa máquina.
“C”, o custo de carregamento de um ativo, que representa os custos nominais envolvidos na manuten-
ção desse ativo. Assim, por exemplo, o custo de manter-se um estoque de trigo em um silo, ou o custo a ser
pago a uma corretora por manter uma ação, ou o custo de manutenção contra desgaste de um bem de capital.
“l”, correspondente ao prêmio de liquidez do ativo, que é uma função inversa da perda esperada de
capital (custo de transação) se necessitamos vender um ativo em determinado momento. Assim, um ativo
é tanto mais líquido (e possui um prêmio de liquidez maior) quanto mais rápido puder seu proprietário
vendê-lo, e quanto menor for a perda pecuniária resultante da venda num prazo curto (tal como vimos no
Capítulo 1). Por exemplo, se possuímos uma máquina industrial, é muito provável que venhamos a perder
dinheiro, ao vendê-la numa tentativa emergencial de fazermos caixa. No limite, se não há um mercado or-
ganizado para o bem que queremos vender, ou se naquele momento não há compradores para este tipo de
bem, talvez tenhamos que vender o ativo “a preço de banana”, assumindo uma perda significativa na ob-
tenção rápida de liquidez. O prêmio de liquidez de um bem de capital, normalmente, é muito baixo. Já um
título financeiro tem, em geral, um prêmio de liquidez mais elevado, devido ao fato de existirem mercados
organizados para negociação desses títulos. Porém, mesmo os ativos com mercados mais organizados po-
dem possuir liquidez baixa caso, em um determinado momento, o volume de transações se tornar muito
baixo.2 Neste sentido, o prêmio de liquidez (l) está basicamente associado a duas características do ativo:
(i) o grau de organização de seu mercado, ou seja, um ativo cujo mercado tem níveis elevados de transa-
ção e alta periodicidade é um ativo líquido; (ii) o volume esperado de transações desse mercado.
“A” é a expectativa de valorização do ativo ao longo do tempo em relação a todos os demais ativos.
Como a moeda é ao mesmo tempo a unidade de conta e um ativo, o valor esperado de valorização do
ativo é em geral a diferença entre o preço futuro (Pf) e seu preço presente, ou à vista (Ps). Assumindo que
todos os ativos têm somente um período de existência, o retorno futuro do ativo pode ser definido como:
R = Pf – Ps + (Q – C) + l (1)
Dividindo os valores pelo preço de compra– ou o preço à vista – de um ativo i qualquer e somando
seus componentes, temos a taxa de retorno médio esperado, ri
e , de todo ativo:3
Teorias de Alocação de Portfólio 303
2. Note que a moeda é o ativo líquido por excelência, como denotou John Maynard Keynes em sua Teoria Geral pelo simples
fato de ser o ativo com o mercado mais organizado – ou seja, funciona 24 horas por dia, na medida em que supostamente todos
o aceitam dentro de um espaço nacional – e tem o maior volume de transações entre todos os ativos – já que é demandada para
compra e venda de qualquer outro ativo. Veremos que essa característica da moeda faz com que a taxa própria de juros da moe-
da tenha um papel especial na determinação dos preços e taxas de retornos dos demais ativos.
3. No mundo real, a comparação entre taxas de retorno de ativos implica considerar também os prazos de vencimento de cada
ativo. Para simplificar nosso raciocínio, vamos supor que todos os ativos, fora a moeda, têm um prazo de vencimento igual a 1
período, e que o prêmio liquidez (l) já é uma taxa.
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( )
(2)
Em equilíbrio, considerando as especificidades em termos de prazo de maturação e risco, todos os
ativos de uma economia devem possuir a mesma taxa de retorno de equilíbrio ex-ante, após deduzidos
todos os encargos (tributação sobre o retorno). A razão dessa lei do preço único é simples: se a taxa de
um ativo (A) é superior à de outro (B), e se não há nenhum impedimento para a compra e venda de ati-
vos, é possível obter-se ganhos vendendo-se B e comprando A. Em outras palavras, caso o retorno/pre-
ço de um ativo seja superior ao de outro qualquer, esta situação será corrigida através de arbitragem.
Assim, no modelo de equilíbrio do mercado de ativos de Keynes, as compras e vendas de ativos (fi-
nanceiros e não financeiros) ocorreram até que as taxas de retornos dos ativos sejam idênticas. Ou seja,
para quaisquer ativos i e j
qi – ci + li + ai = qj – cj + lj + aj �i, j (3)
Desta forma, o modelo de alocação de portfólio de Keynes poderia ser simplificado da seguinte for-
ma. Em mercados competitivos, a existência de taxas de retorno distintas, para ativos com prazos de
vencimento e características de risco idênticos, gerará um aumento da demanda de um em detrimento
da demanda de outro – uma corrida por parte dos investidores para obter ganhos de arbitragem. Isto
fará com que os preços à vista desses ativos variem de forma inversa e os excessos de demanda/oferta
dos dois ativos somente deixarão de existir quando a condição de equilíbrio expressa pela equação 3
voltar a prevalecer.
O modelo é extremamente simples na sua concepção, porém torna-se crescentemente complexo à
medida que discutimos como os diversos agentes compradores de distintos tipos de ativos formam as
suas expectativas sobre a determinação dos componentes das respectivas taxas de retorno esperado. A
primeira questão relevante nessa discussão é a da heterogeneidade das expectativas dos agentes. Natu-
ralmente, fora raras exceções, as expectativas dos agentes não são idênticas – o que, aliás, permite que
haja compradores e vendedores de ativos em qualquer mercado.4 Assim, quando nos referimos às taxas
próprias de juros de equilíbrio, conforme mostra a equação 3, estamos de fato nos referindo às médias
de taxas esperadas por diferentes agentes atuando em diversos mercados.
Em segundo lugar, surge a questão da instabilidade potencial das expectativas dos agentes. A
compra de um ativo representa a compra do direito a um fluxo de rendimentos no futuro, e evidente-
mente esses fluxos estão condicionados a estados da macro e microeconomia no futuro. Nenhum agente
tem certeza desses estados futuros, e suas projeções são calcadas em fatores tanto objetivos (informações
passadas e presentes e modelos de funcionamento de um determinado mercado), quanto subjetivos.
A incerteza sobre o futuro, depende, obviamente, do quão distante está este futuro. O retorno espe-
rado de um ativo para realização em um mês pode evidentemente ser projetado utilizando-se o presente
e o passado recente como guia. A projeção do retorno esperado de um ativo de longo prazo, digamos, de
cinco anos, dificilmente poderá se basear fortemente em informações correntes sobre a situação do
mercado. Logo, a potencial instabilidade das expectativas de curto prazo em geral é menor do que aque-
las de longo prazo.
Por fim, temos que considerar que os ativos têm características distintas e, portanto, variações de
seus preços à vista gerarão respostas distintas de oferta e demanda. Por exemplo, um ativo reprodutível
e cuja oferta seja relativamente elástica, como um bem de consumo, pode ter sua quantidade alterada
304 Teorias de Alocação de Portfólio ELSEVIER
4. Imagine que dois investidores têm expectativas idênticas sobre o retorno de dois ativos, A e B, que possuem iguais caracte-
rísticas de prazo de vencimento e risco. Por exemplo, suponha que ambos esperam que o ativo A tenha um retorno líquido,
após tributação, de 10%, enquanto que um ativo B tenha um retorno de 5%. Ambos seriam compradores de A e vendedores de
B, e assim o preço de A tenderia a elevar-se, enquanto o de B a reduzir-se. O equilíbrio seria obtido no momento em que, devi-
do a variações dos preços correntes, ambos os ativos tivessem uma mesma taxa de retorno. Note, entretanto, que esse equilí-
brio seria obtido sem nenhuma transação entre os dois compradores. Ou seja, somente há negociação nos mercados de ativos
caso haja divergências entre investidores sobre os retornos esperados dos ativos negociados.
com relativa rapidez em resposta a variações de demanda. Já um ativo com elasticidade de produção
baixa, não. Da mesma forma, um ativo reprodutível com alto grau de substitutibilidade em relação a ou-
tros ativos tenderá a gerar dois efeitos: um aumento da sua oferta e uma substituição por outros ativos
similares.
Na Teoria Geral o modelo de determinação de preços de ativos exposto anteriormente tem um pa-
pel especial devido às características também especiais da moeda, enquanto ativo, no que Keynes cha-
mou de economia monetária da produção – pelo fato de a moeda ter elasticidade de produção e elasti-
cidade de substituição nulas. Vejamos.
21.1.1 AS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DOS ATIVOS
Cada categoria de ativo, não financeiro e financeiro (não monetário e monetário), possui atributos que
podem ser representados através dos componentes das equações apresentadas anteriormente.
A moeda é um ativo financeiro não remunerado, e portanto possui uma quase-renda esperada igual
a zero. Trata-se de um ativo com uma característica peculiar: a de não ser passível de valorização ou
desvalorização em termos nominais (aM = 0)
5 – ou seja, é o ativo de “risco” nulo entre todos os ativos.
Seu custo de carregamento é também nulo (qM = cM = 0) ou desprezível, e seu prêmio de liquidez (lM),
por ser o ativo líquido por excelência, é o maior entre todos os ativos, financeiros e não financeiros. Seu
retorno é, portanto, exatamente equivalente ao seu prêmio de liquidez. A taxa de juros de qualquer ati-
vo, ou seja, que remunera qualquer ativo financeiro, mais o seu prêmio de liquidez, deve ser, em geral,
ao menos idêntica ao prêmio de liquidez obtido por reter-se moeda.
Uma outra característica da moeda torna-a especialmente importante na determinação da carteira
de ativos mantida em uma economia como um todo: elasticidade de substituição negligenciável. Para
entendermos esta especificidade da moeda e seu impacto sobre a demanda por outros ativos, lembre-
mos que o aumento do preço à vista de qualquer bem tende a gerar simultaneamente uma expansão da
sua produção e uma substituição por outros ativos. Numa economia monetária, a moeda, além de reser-
va de valor, é simultaneamente um meio de pagamento e é a unidade de conta sobre a qual os contratos
são estipulados. Neste sentido, se aumenta a escassez de moeda, podemos imaginar que os agentes po-
derão somente com muita dificuldade utilizar outros

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