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IN: PRAXIS 27, JULHO-2016, VERSÃO RASCUNHO 
IGREJA, CULTURA E A INTEGRALIDADE DA MISSÃO: VIVENDO NA 
FRONTEIRA ENTRE A RELEVÂNCIA E A FRAGILIZAÇÃO 
Jonathan Menezes1 
RESUMO 
Na maioria dos livros e conferências sobre igreja, a ideia de relevância se apresenta como um 
alvo imprescindível para a igreja no mundo. Para muitos, igreja boa é igreja relevante; igreja 
boa é igreja forte. A questão é: o que significa ser relevante? E mais que isso: o que a igreja 
precisa “fazer” para ser (considerada) relevante? Se nossa definição de relevância está muito 
condicionada ou à visão de “sucesso” e “pujança” de nossa sociedade, qual seria então uma 
perspectiva do evangelho sobre isso? E de que modo essa perspectiva aparentemente estranha 
pode servir como norte para uma igreja que queira ser, de fato, “evangélica” e 
“contemporânea”, embora nem sempre “relevante” ou “de sucesso”? Essas são algumas das 
questões que movem esse ensaio, que trata da relação entre igreja e cultura tendo como pano 
de fundo a integralidade da missão, desde uma fronteira em particular (já enunciada no título 
e nas questões acima): a fronteira entre a relevância e a fragilização. A premissa na qual se 
centra é a de que a igreja contemporânea, na contramão da direção das ventanias de sua época, 
precisa assumir-se como frágil e irrelevante para o mundo. Tendo essa assunção em mente, a 
igreja pode deixar de lado a pretensão de univocidade e de ter a última palavra, e abraça as 
implicações de ser uma metáfora vibrante do amor de Deus ao mundo. 
PALAVRAS-CHAVE 
Cultura; Pós-modernidade; Igreja; Missão; Fragilidade. 
ABSTRACT 
In most of the books and conferences about church, the idea of relevance is presented as an 
unprecedented goal for the church in the world. For many, the church must be relevant in order 
to be good, and the good church is a strong one. The question is: what does it mean to be 
relevant? Moreover: what the church need “to do” to be (considered) relevant? If our definition 
of relevance has been conditioned to our society’s vision on “success” and “strength”, what 
then would be the Gospel’s perspective on this? And in what ways this apparently weird 
perspective may serve as a guide to a church desiring to be, in fact, evangelical and 
contemporary, albeit not necessarily “relevant” or “successful”? These are some of the core 
questions of this essay, which deals with the relationship between church and culture having 
the integrality of Mission as its background, and also departing from a specific kind of 
crossroad (already announced in the title and in the questions stated above): the crossroad 
between relevance and fragility. The main proposition is that contemporary church must, 
against all odds and directions of her own time, undertake herself as fragile and irrelevant to 
the world. With this assumption in mind, the church may put aside the pretentiousness of being 
the only voice or of having the last word, and embrace the corollaries of being a vibrant 
metaphor of Gods’ love in the world. 
KEYWORDS 
Culture; Postmodernity; Church; Mission; Fragility. 
 
 
1 Professor adjunto na Faculdade Teológica Sul Americana. Doutorando em História pela UNESP, Campus 
de Assis, SP. Email: jonathan@ftsa.edu.br 
Que teologia, para que cultura? 
Nenhuma corrente teológica, bem como nenhuma linha de pensamento tem, 
embora algumas pretendam ter, a primazia de interpretação sobre por onde deve se 
orientar o Espírito, a Igreja, e a Missão. Simplesmente porque o Espírito sopra onde quer, 
e principalmente porque interpretações são geradas e geram diferentes maneiras de falar, 
e maneiras de falar são sempre provisórias. A linguagem teológica é composta por várias 
línguas, vários modos de expressar e de dar significado às palavras, ou, melhor dizendo, 
por vários dialetos. E dialetos teológicos, ouso dizer, são como roupas, que a gente usa 
por um tempo, mas depois joga fora ou deixa guardado quando percebe que ficou velho 
e desgastado com o tempo. 
Assumir essa provisoriedade requer da gente uma abertura para a desconstrução e 
ressignificação de nossos discursos teológicos, não apenas passando uma maquiagem 
neles, mas questionando seus pressupostos, expondo sua “porosidade e transitoriedade”, 
como disse Nicolás Panotto (2012, p. 80). Uma vez que é uma linguagem, Panotto afirma 
que toda e qualquer teologia precisa ser colocada entre parênteses, isto é, “reconhecer que 
não está livre de determinismos e reducionismos subjetivos, contextuais, políticos e 
discursivos”. Assim, toda boa teologia, em meu modo de ver, é aquela em que 
encontramos consistência, mas também a humildade de manter as portas abertas para 
constantes revisões de sua linguagem. Igualmente, todo bom teólogo é um transgressor 
por natureza, não porque transgrida o pensamento alheio, mas porque desenvolveu a 
coragem de transgredir os seus próprios, de não se levar tão a sério. Para tanto, 
parafraseando Pedro Demo (1995), é preciso, mais que acreditar no que se pensa, 
questionar seu próprio pensamento. 
Nessa mesma direção – de desconstrução, reinvenção e reimaginação – penso que 
a igreja precisa se colocar e se comportar em relação à cultura, e esse é meu foco particular 
nesse ensaio. Tenho pensado um pouco no papel e importância da igreja no mundo e na 
cultura contemporâneos ultimamente. Tenho convivido e conversado com muitas pessoas 
diferentes, dentro e fora da igreja, e minha visão é de que estamos em um processo de 
transição, de revisão de modelos, de reorientação de práticas. 
Que papel a igreja tem a desempenhar, por exemplo, numa fatia de cultura (e aqui 
prefiro falar em fatia que na cultura em si) como a urbana, pós-moderna ou líquido 
moderna (como prefere o Bauman), pós-paradigmática, de posicionamentos, 
“desideologias” e religiosidades fluidas, de espiritualidade ao invés de religião, de 
encantamento com o sagrado, com o transcendente, e menos com suas expressões 
doutrinárias e/ou institucionalizadas; de menos certezas, dogmas e posturas rígidas ou 
sólidas, e mais incertezas, dúvidas, paradoxos, liquidez; de saturação do individualismo 
e da autossuficiência modernos, de renascimento das tribos, dos ajuntamentos por gostos, 
como tem dito Michel Maffesoli (2012). 
Que lugar e papel as igrejas ainda podem desempenhar para inúmeras pessoas que 
não escutam mais o que ela diz (ou escutam e detestam) e não querem saber dela, pois a 
consideram uma voz tacanha, ultrapassada, anacrônica – isso quando não intolerante, 
mesquinha, pretensiosa à verdade universal. Quem tem sido e será igreja para os “sem 
igreja”, “sem religião”, “sem instituição”, para os desencantados com os modelos 
religiosos e institucionais vigentes; que igreja existirá para quem está sedento não de ser 
convencido, por vias lógicas e argumentativas, de que a fé faz sentido, mas de 
relacionamentos que indiquem como e onde podem encontrar sentido de vida, 
experiência, amor, amizade e comunidade; o que ela tem a propor para pessoas não dão 
a mínima para quantidade, pirotecnia espiritual e entretenimento, e, portanto, jamais 
entrariam em muitos dos templos evangélicos ou católicos existentes, mas ainda assim é 
encantada pela mensagem de Jesus e dos evangelhos? Será que a mesma igreja, que sabe 
muito bem como ser igreja para os “convertidos”, poderá ser igreja para os “peregrinos” 
(usando aqui as terminologias de Danièle Hervieu-Léger, 2008), os cavaleiros andantes, 
que não se encaixam em lugar ou sistema tradicional algum, não se veem contemplados 
pelos invólucros de Deus existentes? 
Penso “nesses jeitos particulares de ser gente” hoje (que é como Rubem Alves 
definiu cultura certa vez), porque tenho uma ligeira suspeita de que não tem tanta gente 
nas igrejas pensando e agindo ao encontro dessas pessoas. Se aqui estou pensando em 
uma fatia de necessidades dentro de uma fatia decultura, pode-se dizer que a missão aqui 
implicada quer-se integral, mas não oniabrangente; isto porque, penso eu, fazer missão 
holisticamente é também admitir fazê-la parcialmente (ninguém pensa ou cumpre a 
missão toda sozinho). E investirei menos tempo em diagnósticos ou críticas, e mais em 
proposição, ou melhor, em imaginação: que igreja eu imagino que precisa existir em meio 
a essa fatia de cultura? E quando digo imagino, não significa invento do nada, mas 
imagino desde um ponto de vista bíblico. Para isso, quero explorar uma das consequências 
da aplicação da kenosis2 de Paulo (cf. Fp 2.5-11) e do pensamento fraco3 de Gianni 
Vattimo à igreja cristã, presente e atuante especialmente em culturas líquido-modernas 
(Bauman, 2013) ou pós-modernas: a de levar a sério e a assumir sua condição frágil e 
irrelevante no mundo. 
Na maioria dos livros e conferências sobre igreja, a ideia de relevância está 
presente como sendo um alvo imprescindível para a igreja no mundo. Para muitos, igreja 
boa é igreja relevante; igreja boa é igreja forte. A questão é: o que significa ser relevante? 
E mais que isso: o que a igreja precisa “fazer” para ser relevante? Se nossa definição de 
relevância está muito condicionada ou à visão de “sucesso” e “pujança” de nossa 
sociedade, qual seria então uma perspectiva do evangelho sobre isso? E de que modo essa 
perspectiva aparentemente estranha pode servir como norte para uma igreja que queira 
ser, de fato, “evangélica” e “contemporânea”, embora nem sempre “relevante” ou “de 
sucesso” dentro de tal ou qual perspectiva? 
Sabemos que a igreja, diante dos dilemas culturais, vive numa tensão dinâmica 
(às vezes conflitante, às vezes amigável) entre ser uma expressão desta e (relevante) para 
esta época, e sua razão de ser, que é encarnar diante do mundo a boa nova do reino 
revelada na pessoa de Jesus. Ou seja, o que move a igreja, primordialmente, não são os 
ditames do que impera na sociedade em que ela coexiste, mas o exemplo de seu Senhor 
– cuja existência não foi apenas relevante, mas revolucionária, em conformidade com o 
querer do Pai e não de acordo com os modos e moldes deste mundo. E o exemplo do 
Cristo, suas prioridades, sua missão se desenham desde seus primeiros passos na vida e 
ministério. 
 
2 Palavra grega que designa o esvaziamento do poder ou da vontade de alguém em favor da de outrem. O 
uso desta palavra geralmente vem atrelado ao texto da carta de Paulo aos Filipenses, no capítulo 2, quando 
o apóstolo fala do movimento descendente do Cristo que, abandonando sua glória, esvaziou-se do poder de 
sua divindade, e humilhou-se, assumindo a forma humana. Na filosofia de Vattimo, kenosis é utilizada para 
se referir à humilhação, encarnação e humanização de Deus, ponto fundamental em sua teoria da 
secularização, que para ele brota exatamente do esvaziamento do falar de Deus a partir da metafísica. A 
partir de então, o chão da história em que Deus se encarnou torna-se o referente para se falar de Deus. 
3 Nos escritos de Vattimo (2004, p. 30), pensamento fraco designa “o reconhecimento nietzschiano de que 
não podemos evitar que se fale em termos metafóricos, isto é, em termos que não são objetivos nem 
descritivos, que não espelham o estado de coisas”. 
A narrativa de Lucas no capítulo 4, Jesus não inicia seu ministério em ação, mas 
em silêncio, oração e na total dependência do Espírito no deserto. É um excelente 
exemplo do que quero dizer aqui. Na tentação, ele rejeita o caminho do poder e abraça, a 
partir dali, uma vocação despossuída de pretensões grandiosas neste mundo e desejosa 
apenas de fazer a vontade do Pai de reconciliação de ada ser humano consigo mesmo. O 
caráter dessa vocação e mensagem se confirma no momento seguinte da narrativa, quando 
Jesus se dirige à sinagoga de Cafarnaum e arruma uma baita confusão com o pessoal do 
templo, ao evocar sobre si a palavra do profeta Isaías. Naquele momento, fica claro que 
ele encarna a figura indigesta do profeta (o profeta sem honra), que não tem amor ao 
próprio pescoço, não tem “rabo preso” com ninguém e que estabelece uma relação crítica 
com o poder e suas estruturas. 
Quase todo/a líder ou ministro/a cristã/o em nossos dias, naturalmente, imagina 
poder iniciar seu ministério bem, realizando boas e grandes coisas para se estabelecer, 
sendo notado e respeitado a fim de conquistar seu espaço. O mestre, porém, tem um início 
subversivo até nisso, pois esse primeiro ato ministerial, segundo esse relato, foi um 
fracasso total: todos na sinagoga ficaram enraivecidos com seu discurso, o expulsaram da 
cidade e tentaram jogá-lo do precipício, o que só não aconteceu porque ainda não era o 
momento. Mas era o indício de um caminho, um caminho de cruz. 
Que igreja contemporânea? 
O que a igreja contemporânea – aquela que leva a sério sua vocação na mesma 
medida em que tenta ouvir atentamente às questões plantadas em seu tempo – pode 
aprender com isso? Dentre tantas lições que daqui poderíamos extrair, eu diria que igreja 
e seus líderes precisam aprender com Jesus a não temer a rejeição, o escárnio e o insucesso 
(aos olhos do “mercado”) no instante em que ela decide viver com integridade sua 
vocação para ser um frágil instrumento da missão do reino neste mundo. Henri Nouwen 
vai além, e afirma algo arrojado em relação aos líderes cristãos (que aqui reaplico à 
igreja): 
O líder cristão do futuro será aquele que ousa afirmar sua irrelevância 
no mundo contemporâneo como uma vocação divina. Ela permite que 
ele esteja em profunda solidariedade com a angústia atrás de todo 
aquele esplendor do sucesso. E leve a luz de Jesus para brilhar ali 
(Nouwen, 2002, p. 21, grifo meu). 
Por isso, utilizo os termos “frágil e irrelevante,” referindo-me à igreja, não porque 
ela abraça o espírito de vítima ou de derrotada, tampouco porque não faça e não vá fazer 
diferença, mas porque é irreverente aos caminhos de sucesso mundanos, e porque encarna 
o espírito de sua fragilidade humana na dependência do Espírito, como Jesus no deserto, 
e admite não precisar nem desejar viver sob a égide e em busca de outro poder que não 
esse; e mais, assume que todo exercício legítimo de poder (na igreja) passa pela 
fragilização de quem o exerce, no momento em que se coloca tanto na dependência do 
mesmo Espírito no serviço, como na mútua e fraterna dependência da própria 
comunidade. Em suma: olhar para Jesus torna mais claro o tipo de opção que a igreja de 
Cristo precisa fazer ao lidar com poder, cultura e instituições neste mundo, qual seja, não 
a de rejeitá-los como quem os demoniza, mas de abandonar o modo como se valoriza 
poder e instituição por aí, tantas vezes colocando-os acima das pessoas às quais 
deveríamos amar e servir. 
Instituições são instrumentos úteis, não objetos de amor, cultivo ou veneração! 
Não há um mal inerente às instituições em si, penso eu, mas no que fazemos delas. 
Instituições existem para servir as pessoas; tornam-se um problema quando passam a 
existir para servir a si mesmas, esquecendo-se das pessoas. Então o processo passa ser 
inverso: ao invés de pormenorizar a instituição em si e amar as pessoas, amamos 
instituições e pormenorizamos pessoas e suas necessidades. Em suma: quando a 
comunidade é organismo vivo e pulsante, instituição não é razão de ser, mas instrumento; 
mas tem vezes, muitas vezes, em que a organização mata, aos poucos, o organismo. Logo, 
o que existe e o que sobra é apenas instituição: inoperante, incapaz de transformar, sem 
vida. Mas o organismo normalmente renasce, fora dali, e continua espalhando vida 
enquanto o valor maior for a vida, e não as coisas; as pessoas, e não os objetos e bens 
culturais, materiais e de consumo que tanto valorizamos. 
Como corolário, hoje já não basta para a igreja se limitar a uma “comunidade 
local”, que atenda às necessidades específicas de pessoas – pensando,mais precisamente, 
naquelas que mencionei no começo. Concordo que é preciso comunidade. Mas talvez o 
local, para muitos, seja algo muito limitado, pois dá a ideia de que as pessoas é que têm 
de se descolar até lá. Uma igreja missional, porém, vai até as pessoas, encontra pessoas, 
reúne pessoas onde quer que estejam, toca e transforma a vida de pessoas, pois, no fim 
das contas, ser igreja é apenas um modo alternativo e radical de ser gente. Logo, o ser 
precede o ir: isto é, não vamos à igreja, mas somos e nos fazemos igreja onde quer que 
estejamos, e onde quer que uma necessidade humana se apresente. 
Mas essa igreja (essa que aqui imagino), por assim dizer, é (ou deveria ser) uma 
metáfora vibrante do amor de Deus ao mundo. Como metáfora, ela jamais deveria 
pretender falar de Deus em termos absolutos ou compreensivos, mas apenas por meio de 
aproximações e possibilidades; como metáfora, seu chamado é para anunciar as boas 
novas do reino ao mundo, podendo ser ouvida e aceita não pelo caminho do poder (físico 
ou simbólico), mas do esvaziamento do poder e da vontade, pela humildade e integridade 
(isto é, através do exemplo de vida e humanidade, tal como vimos e aprendemos em Jesus 
Cristo). É uma igreja que atrai mais pela vivência quase muda e marginal e menos pelas 
palavras mágicas e de poder ditas diante dos holofotes e das mídias. 
Dessa forma, a vocação primária da igreja faz com que ela não esteja neste mundo 
para estabelecer coisas – como que monumentos só dela, porém supostamente erigidos 
“para a glória de Deus” (resta saber qual “Deus”) –, mas para peregrinar na liberdade do 
Espírito, seguindo seus rastros e obedecendo unicamente a um Senhor. 
Que outras facetas teria essa igreja, frágil e irrelevante, que os/as convido aqui a 
imaginar? Aqui vão algumas, como um resumo estendido do que disse até aqui: 
 É uma igreja voltada para pessoas, e não negócios, programas, agendas, questões. 
 É uma igreja contracultural, no sentido de ser irreverente aos meandros de sucesso 
e relevância que respondem mais aos apelos do status quo, que à sua vocação 
radicada no evangelho do nosso Senhor. 
 É a igreja da dispersão, dos peregrinos, e não somente dos e para os convertidos; 
uma igreja que se reúne senão para se fortalecer na e para a dispersão. 
 É uma igreja que não quer ter a última palavra sobre nada, mas se coloca como 
uma parceira possível na busca por respostas aos problemas e às perguntas 
diversas da humanidade, como quem sonha, imagina e anseia ao lado das pessoas, 
e não acima delas. 
 É uma igreja que revê sua teologia do sofrimento e abraça o trágico não apenas 
como posição eventual, mas como atitude de fé, de empatia para com a vida, de 
resistência às forças de morte, sem renega-las ou sublimá-las em si mesma; afinal, 
onde houver trigo sempre haverá joio. Adotar o trágico significa afirmar a vida 
com tudo o que ela implica, seus sabores, dissabores, êxitos e fracassos a fim de 
que mais humanos nos tornemos, como humano foi e é o Senhor Jesus. Só pode 
abraçar e acolher aquele que padece quem não tem pavor do padecer. A dor e a 
cura, nesse sentido, não são inimigas, mas parceiras de jornada. 
 É uma igreja que não mete sua cumbuca em assuntos de Estado a não ser como 
cidadã, como lutadora pelos direitos, sobretudo, dos menos assistidos e dos 
oprimidos na esfera do político: os pobres, os negros, as mulheres, os 
homossexuais, os indígenas e assim por diante. 
 É uma igreja que fala em nome de Jesus, mas que não ousa falar por ele; prefere 
que as pessoas enxerguem a Jesus mais no espelho de suas práticas, e menos no 
poder persuasivo das palavras, a exemplo de Paulo, que disse: “Minha mensagem 
e minha pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria, mas 
consistiram de demonstração do poder do Espírito, para que a fé que vocês têm 
não se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus” (1Co 2.4-5). 
 Por fim, mas não finalmente, é uma igreja que retoma sua vocação protestante, e 
assim não teme relativizar estruturas, poder e hierarquia por um único absoluto: a 
Mensagem. Como eu digo em meu mais recente livro (Menezes, 2015, p. 70), 
quanto mais fiel sou ao evangelho e à verdade revelada na pessoa de Jesus, mais 
procurarei resguardá-los do aprisionamento de minha própria linguagem e 
experiências. Há somente um evangelho! E este não é meu, nem da igreja, nem de 
Paulo, Barnabé ou Pedro: mas de Jesus. 
Que desafios? Relendo a pós-modernidade 
Pensar em desafios atuais não é tarefa fácil, pois depende de uma série de 
determinantes contextuais e situacionais. Dessarte, procurarei ser fiel à linha que tenho 
adotado nesse ensaio. Um dos temas prediletos dos tribunais teológicos nos últimos 
tempos se chama “pós-modernidade”. Para muitos ela inspira ou representa quase sempre 
algo ruim, um tremendo desafio ao testemunho cristão, a besta do Apocalipse. No livro 
A igreja do outro lado (2008), Brian D. McLaren critica algumas das críticas cristãs, para 
ele, distorcidas à pós-modernidade – que são papagaiadas exatamente por quem 
provavelmente nunca leu um livro sequer de um pós-moderno (que não proponha vale-
tudismos), ou leu “alguma coisa” e pensa que, por ela, leu o todo, mais ou menos como 
quem acha que sabe tudo sobre a Teologia da Libertação tendo lido apenas “o livrinho 
introdutório dos irmãos Boff”, como vi um teólogo dizer recentemente. Entre as críticas 
mais requentadas, sobre a qual gostaria de falar nesse texto, está a de que “cristianismo e 
pós-modernidade são incompatíveis porque os pós-modernos não creem na verdade 
absoluta”. A resposta de McLaren, com a qual concordo inteiramente, é a seguinte: 
Bem, é claro que há uma verdade absoluta lá fora. Não duvido disso. 
Apenas duvido de sua habilidade, ou na minha própria, de apreender 
essa verdade e de compreendê-la, lembrá-la, codificá-la numa 
determinada linguagem e comunicá-la a outros e fazê-la compreendida 
de uma maneira absolutamente exata. (...) aquilo que as pessoas pós-
modernas tendem a rejeitar não é a verdade absoluta, mas o 
conhecimento absoluto (McLaren, 2008, p. 234). 
Ora, isso é quase um truísmo (uma obviedade), poderia dizer alguém, pois quem 
seria obtuso o bastante para ainda crer e dizer que pode codificar a verdade ou 
compreendê-la de maneira “absolutamente exata”? Também não entendo que haja um 
grande número de pessoas que faça isso assim, tão explicitamente. Mas no campo das 
ciências humanas e no da religião, por exemplo, ainda temos muitos/as “Dom Quixotes” 
da verdade que resistem em admitir os limites do saber e, mais ainda, da expressão desse 
saber. Então, prosseguem, usando aqui outra expressão de McLaren, “batendo o tambor 
da verdade absoluta” por aí, por mais ridículo e desesperado que isso pareça, quem sabe 
esperando que a chuva caia do céu e esses pós-modernos irresponsáveis finalmente se 
convençam de que não podemos jogar todos os valores (sobretudo os morais) na lata do 
lixo. Mas quem disse que o pós-moderno se caracteriza pela completa destruição de todos 
os valores? 
Talvez estejamos lidando aqui com mais um preconceito. Lembrando a famosa 
definição de François Lyotard (1988, p. xvi), o pós-moderno se caracteriza 
(“simplificando ao extremo”) pela “incredulidade em relação aos metarrelatos”, isto é, os 
grandes relatos (ou narrativas), aqueles com pretensões grandiloquentes e que se colocam 
em letras maiúsculas, que pretendem oferecer explicações últimas ou definitivas para uma 
determinada realidade nos termos de uma determinada forma de pensamento ou 
linguagem. A teologia, por exemplo, torna-se um metarrelato quando – num ímpeto 
semelhante ao dos “amigos de Jó” – abandona sua vocação metafórica, e passa a querer 
explicar e abarcar aquilo que não pode ser contido em vasos, odres ou caixas. Que 
podemos falar sobre o “radicalmente outro”? Ora, só uma teologia que, por natureza, 
também só pode ser “radicalmente outra”em relação a Deus, é capaz de dizer algo dentro 
de suas limitadas possibilidades, reconhecendo que só se pode conhecer em parte, como 
o próprio Paulo – talvez o maior teólogo que já existiu – o fez (cf. 1Co 13.12). 
E isso não tem nada a ver com “acabar com o absoluto”, porque essa é uma 
impossibilidade. O absoluto é o que está alheio a tudo: é o Totalmente Outro, o Eterno, o 
Incondicional. Não há razão para se precaver tanto contra a relativização em questão, pois 
ela não tem em vista o absoluto em si, uma vez que esse não é passível de ser relativizado, 
tampouco de ser supra-absolutizado – ficar repetindo, em alto e bom som, a Deus que Ele 
é absoluto (ou todo-poderoso) é tão inútil quanto tentar explicar a um peixe que este sabe 
nadar. Somente o relativo pode (e deve) ser relativizado, sobretudo quando nutre 
pretensões ao status de absoluto, ou de ilusões de equivalência. No fim das contas, a 
supra-absolutização do absoluto ou a tentativa de guarda-lo “a sete chaves” é apenas mais 
um dos efeitos do desejo por poder que ocupa o interior da religião (e da teologia) há 
bastante tempo. 
Nomear ou conceituar um aspecto do Reino de Deus, por exemplo, e então dizer 
“isso É o Reino”, é o mesmo que pretensamente conferir (a tal conceito) a mesma natureza 
(absoluta) do Reino. Por isso, a teologia de Jesus era metafórica, pois, ao se referir ao 
reino nas parábolas de Mateus, capítulo 13, por exemplo, ele nunca disse o que o reino é, 
e sim com o que se assemelha: “O reino de Deus é semelhante a ...” um homem que 
semeou a boa semente no campo (v. 24); um grão de mostarda, que um homem tomou e 
plantou em seu campo (v. 31); um fermento que uma mulher tomou e escondeu em três 
medidas de farinha (v. 33); um tesouro escondido no campo (v. 44); um que negocia e 
procura boas pérolas (v. 45); uma rede, que lançada no mar colhe peixes de toda espécie 
(v. 47). 
Diante das acusações de que gente pós-moderna não se importa com a verdade, 
McLaren então parte da ideia – talvez um pouco romântica, e quem sabe se referindo a 
uma parcela dos pós-modernos (são tantos, então penso que sim) – de que “as pessoas 
pós-modernas se importam tanto com a verdade que não querem fingir que uma opinião 
subjetiva ou ‘vista de um ponto’ seja mais do que ela realmente é. E se importam tanto 
com a verdade que questionam a habilidade da linguagem de comunicá-la 
suficientemente” (McLaren, 2008, p. 235). 
Mas isso ainda pode nos colocar diante de um impasse ético, do tipo: bem, se a 
verdade não nos é acessível, como distingui-la da mentira? Como justificar, do ponto de 
vista hermenêutico, o sincero escândalo que nos provocam tantos políticos e outras 
pessoas que mentem? Ou seja, ao se dizer adeus à verdade (como conhecimento absoluto 
sobre algo), como reconhecer e denunciar a mentira nociva ao bem individual ou comum? 
Coadunar-se-á com a descarada mentira? Ou, indo adiante, sem o parâmetro da verdade, 
como é possível se definir e diferenciar coisas tais como “mentira” e “bem comum”, como 
certo ou errado? Se a verdade absoluta é “mais um perigo que um valor”, como declarou 
Gianni Vattimo, que valores ainda podem ser nutridos sem que resultem no mesmo perigo 
ora rechaçado: o de absolutizar aquilo que é apenas particular? 
A proposta que Vattimo oferece em seu livro Adios a la Verdad (2010), parece ser 
uma solução aberta e provisória ao problema: se é passível que tal conflito não possa ser 
vencido pela pretensão de se chegar à verdade das coisas, uma vez que o produto sempre 
será diferente da verdade mesma, resulta que não mais se busque a verdade universal, 
mas verdades comunitariamente válidas aos diferentes grupos vivendo numa situação 
histórica dada. No “adeus à verdade” suspende-se a pretensão a uma validade universal 
de pressupostos, e se dá boas-vindas a “verdades particulares” com validade relativa e 
temporária. Assim, não se trata de um total abandono da tarefa de distinguir práticas ou 
discursos que sejam verdadeiros ou falsos, mas de reconhecer que “a diferença entre 
verdadeiro e falso é sempre uma diferença que surge de interpretações mais ou menos 
aceitáveis e compartilhadas”, como produto não do autoritarismo da visão de uns sobre 
outros, mas de consensos solidariamente possíveis. Não que o papel do diálogo seja, 
necessariamente, o de produzir consenso, nem que o do intelectual não possa, 
eventualmente, ser o de persuadir seus pares de sua posição. A diferença, para Vattimo, 
está na palavra interpretação, de modo que: “A filosofia não é expressão da época, é uma 
interpretação que com certeza se esforça por ser persuasiva, mas que reconhece sua 
própria contingência, liberdade e riscos” (Vattimo, 2010, p. 61, tradução minha). 
A filosofia (e/ou a teologia) que emerge, então, dessa abertura para a pluralidade 
de visões e interpretações diferentes, é carente de princípios últimos ou, por assim dizer, 
pós-fundacionalista. Mas, se ela é débil de fundamentos e de uma origem, como pode 
falar racionalmente e/ou não descambar para um irracionalismo puro e simples do tipo 
vale-tudo? Na perspectiva desse autor, ela o faz a partir de “eleições responsáveis” ou 
pontos de partida explícitos (não neutros, nem universalizantes), que surgem de 
necessidades plantadas não pelo olho de Deus subjacente a toda moral, mas pelo contexto 
e suas situações específicas. Vattimo parece propor, assim, a troca de uma ética universal 
(com imperativos categóricos) por uma ética situacional (com imperativos contextuais, 
forjados a partir de uma pertença comunitária e, assim, relativos a um lugar). A isto ele 
chama de ética da finitude: “aquela que tenta se manter fiel ao descobrimento da situação, 
sempre insuperavelmente finita, da própria procedência, sem esquecer-se das implicações 
pluralistas de tal descobrimento” (Vattimo, 2010, p. 110, tradução minha). 
Isso se estende também ao que chamamos de “verdades” ou da “ética” do 
cristianismo. O cristão pode se manter fiel aos princípios nos quais acredita sem ter a 
pretensão de que eles sejam adotados irrestritamente por todas as pessoas, especialmente 
no âmbito público e civil. A ideia de que “precisamos implantar os valores cristãos na 
sociedade” tende a perder sua preeminência, não para que o relativismo – como parece 
ser o temor de tantos – tome seu lugar e se instaure o regime da desordem (uma espécie 
de anarquismo ético), e sim para que esses “consensos solidários”, sobre os quais Vattimo 
fala, sejam possíveis (ou pelo menos pensáveis por um grupo mais significativo de 
pessoas), levando em conta os direitos humanos básicos – que os cristãos deveriam ser os 
primeiros a abraçar, se é que são tão “éticos” quanto pensam e se é que sua ética transpassa 
o âmbito dos “princípios morais individuais” (do “eu” não faço isso ou aquilo) – e não o 
que “a igreja”, ou “um governo cristão”, ou uma “bancada evangélica” quer determinar 
como regra para todo mundo. 
Se os cristãos não colocam como uma voz no coro de múltiplas vozes que se fazem 
ouvir na sociedade, talvez seja melhor que se calem; se não se podem contentar no papel 
de cooperadores (e não paladinos ou detentores) com o evangelho, talvez seja melhor não 
atrapalhar o processo; caso prossigam sendo teimosos em não se abrir para o diálogo 
(mais por medo que por convicção), provavelmente prosseguirão falando apenas de si 
para si mesmos numa congratulação universal dos que se colocam como os fiéis 
defensores da verdade. Os “demais cristãos”, marginais por natureza, que não pensam 
assim, devem ser exilados sob a pecha de “liberais”, “hereges” ou “apostatas”, quando 
não “anticristos”, porque tanto sua forma de pensar, quanto de ser, não estão de acordo 
com o que “a Bíblia diz”. “Compare com o que a Bíblia diz”, afirmam alguns desses fiéis 
(mais retos que a lei), “e verás que estás fora da verdade!”. Para esses, a equação é muito 
simples: “a Bíblia diz” é igual a “Deus diz”. Se eu repito,fielmente (ou seja, de modo 
literal), o que a escritura está dizendo, então a minha palavra corresponde à Palavra de 
Deus. Logo, se alguém contradiz a minha palavra, contradiz a Palavra de Deus e, portanto, 
é um herege. Isso é um exemplo tosco de como se pode perder de vista a lição de Jesus 
nas parábolas do Reino: só podemos comparar linguagem com linguagem e não 
linguagem com “o fato”, “a realidade”, “o ser”, “a essência”, “a verdade”, e assim por 
diante. 
O que preocupa aos cristãos em geral é uma coisa chamada “critério de decisão”. 
Qual é o critério que devemos adotar para decidir sobre questões de cunho moral (já que 
entramos no assunto)? Richard Rorty, em Contingência, ironia e solidariedade (2007), 
apresente uma interessante contribuição nesse sentido. O problema, para ele, não é a 
busca por critérios em si, mas a busca deles no mundo (ou em Deus) na expectativa de 
que ele “fale”, ou melhor, dite o que é ou tem de ser. Essa tentação de buscar critérios no 
mundo é devida a tendência de pensar no mundo, ou no próprio ser humano, como 
possuidor de uma “natureza intrínseca”, uma “essência”. Como não alcançamos essa 
essência (apenas pretendemos), o resultado é a “tentação de privilegiar uma dentre as 
muitas linguagens com que habitualmente descrevemos o mundo ou nós mesmos”, e a 
consequente criação de “vocabulários-como-totalidades” (Rorty, 2007, p. 31), ou, diria 
eu, de vocabulários-deuses. 
Evitar essa tentação é minha proposta aqui, destinada particularmente aos 
próximos da fé, e é também a proposta de pós-modernos como Rorty e Vattimo. Para isso 
é necessário um sacrifício: não o sacrifício da verdade, mas o sacrifício pela verdade – se 
é que ainda nos importamos com ela, e não apenas estamos interessados no poder ou 
status que a pretensão de possuí-la, ou que sua posse efetiva como efeito do “abuso 
espiritual” ou religioso, nos confere. O sacrifício da verdade acontece sempre que alguém 
alega tê-la encontrado, em seu estado absoluto, e a codificado em uma linguagem; já o 
sacrifício pela verdade é um sacrifício de si mesmo e da visão de que minha linguagem e 
teologia correspondem ao modo como as coisas (Deus, sua Palavra) realmente são. O 
sacrifício pela verdade é uma imitação do sacrifício de Jesus – o caminho, a verdade e a 
vida –, que como Ser-Verdade se sacrificou por amor, ao contrário de muitos dos que 
dizem seus seguidores, que continuam, em nome de uma versão tremendamente 
distorcida dele, sacrificando o amor ao próximo em nome da apologia da verdade: que 
mata, trucida e exclui. 
Por fim, como destaca Rorty (2007, p. 33), “dizer que devemos abandonar a ideia 
da verdade como algo que está aí, à espera de ser descoberto, não é dizer que descobrimos 
que não existe verdade alguma”. Igualmente, dizer que não podemos mais aceitar critérios 
absolutos, porque supostamente atribuídos pela “natureza intrínseca” de algo, não é dizer 
que a partir de agora vivemos a partir de critério algum ou do “critério de me der na telha”. 
Apenas admitimos, pelo bom senso evangélico, que são nossos critérios, que podem e 
devem ser colocados no mesmo patamar e em diálogo com outros critérios, em busca não 
de que um se estabeleça ou prevaleça sobre outro, mas de que encontremos aqueles 
“consensos solidários possíveis”, para construção de uma sociedade democrática e de 
direitos, na qual os marginalizados pelo sistema também tenham voz, e não de uma 
sociedade regida por parâmetros da minha religião. 
“Mas eles precisam saber que Cristo é a Verdade!”, pode bradar alguém. 
Respondo com outra pergunta: como é que alguém “sabe” que Cristo é “a verdade”? Será 
por meio do convencimento proveniente de uma lógica teológica ou apologética 
qualquer? Será por ter sido testemunha ocular do poder de Deus? Vamos supor que um 
descrente X chegue a ser convencido, pelos crentes A e B, de que “Cristo é a Verdade”. 
Convenceram-no de que a verdade do cristianismo é plausível, e de que é absoluta, ou 
seja, de que está acima e, portanto, torna mentirosa qualquer outra forma de saber, 
religioso ou não, que reivindique ser verdade. Seria possível inferir pela situação descrita 
que: já que X foi convencido por A e B de que Cristo é a verdade, logo X tornou-se agora 
um cristão convertido? Mais do que isso: imaginemos que X tenha também presenciado 
um milagre, como a cura de um paralítico, que A e B obviamente atribuíram a Deus. Isso 
deve, necessariamente, levar-nos a crer que X agora se tornou uma pessoa de fé, que crê 
no “Deus de milagres”? Pode ser que sim, pode ser que não; mas não há garantias 
cósmicas, nem provas cabais de que seja (ou tenha de ser) assim. 
Afinal de contas, a vida humana, seus encontros e desencontros com Deus e 
consigo mesma, tem uma dimensão de mistério, de inexplicável; Deus, por sua vez, tem 
seus próprios meios de se fazer conhecido, com ou sem nossa “santa ajuda”, e não é 
absolutizando nossos meios (nossa linguagem) que garantiremos que alguém venha a 
conhecer ou aceitar Deus. Estou convencido de que meu papel, ou melhor, meu modo de 
ser é ser testemunha, por palavras e ações (e, no contexto em que estou inserido, mais por 
ações que palavras) do Cristo que, pela graça, me fez e me faz ser quem sou, ou seja, do 
Deus que “É”, apesar de eu não ser, e que, parafraseando Tillich, me dá a “coragem de 
ser” apesar de não ser. O “convencimento” é papel de Deus; a salvação também. Nesse 
sentido, finalizo essa parte com as palavras de Michel Quoist: 
Qualquer pessoa pode mudar de opinião, e algumas vezes bastante 
rapidamente. Mas, raramente acontece que alguém mude de opinião 
pelos argumentos de um outro que decidiu convencê-lo. Assim, se, por 
uma verdadeira preocupação de difundir a verdade você resolveu fazer 
alguém evoluir, não diga: vou demonstrar-lhe que está errado, mas, vou 
ajudá-lo a descobrir a verdade por si mesmo. Muitas vezes o outro 
estaria pronto para aceitar “a” verdade e não a “sua” verdade. Por que 
você monopoliza a verdade? Ela existe independentemente de você. Em 
noventa por cento dos casos, quando você a açambarca, você a turva. 
Se você quiser ser bem sucedido em suas discussões, esqueça-se e 
respeite o outro. Não seja o rico que dá uma esmola ao pobre, mas o 
amigo que corre em direção ao amigo para se unir a ele, e com ele 
descobrir a verdade. Trata-se de uma verdade religiosa? Então nunca se 
esqueça que o cristianismo não se demonstra por meio de raciocínios 
ou de ideias [sic.], pois antes de ser uma doutrina, o cristianismo é uma 
pessoa. A verdade é Cristo. E não se discute Cristo, acolhe-se Cristo. 
“Discutir religião” é, antes de tudo, dar testemunho e ajudar o outro a 
encontrar Cristo (Quoist, 1978, p. 163). 
Que fazer? Reimaginando a igreja em missão 
Quais são as (possíveis) consequências diretas disso sobre a integralidade da 
missão dessa igreja aqui imaginada? 
Gostaria de nomear (e na verdade reforçar) principalmente um: a importância e o 
desafio de assumirmos e lidarmos com nossas fraquezas enquanto caminhamos pela vida 
em missão, especialmente hoje. David Bosch (1979, p. 76, tradução minha) disse: “A 
verdadeira missão é a mais fraca e menos impressionante atividade humana que se pode 
imaginar, a própria antítese de uma teologia da glória”. Bosch não está sozinho nesta 
percepção. José Comblin (1983, p. 56) também escreveu algo nesta direção, servindo de 
inspiração ao próprio Bosch em sua abordagem à espiritualidade missionária de Paulo: 
“A fraqueza não é nenhum acidente da missão, nenhuma circunstância que se tenha que 
lamentar. Muito pelo contrário, é uma condição prévia de qualquer missão autêntica”. 
Ora, quando olhamos para o caminho (missionário) de Jesus, a imagem não é de 
triunfo, glória ou conquista, mas de submissão, fragilidade e sofrimento. Com isso não 
quero dizer que, em Jesus, Deus foi derrotado, e sim que nele vemos o sentido de que 
perder nem sempre é signo de derrota; podeser caminho para uma vitória não triunfal, 
mas significativa. Assim é, para mim, a relação entre a cruz e a ressurreição. A mensagem 
da cruz carrega o gene da morte, que gera vida, como no paradoxo do Cristo: tentar salvar 
a vida é, na verdade, perdê-la; já perder a vida, pela causa certa, é achá-la (cf. Mt 17.25). 
Jesus também falou em Mateus sobre negar a si mesmo: “Se alguém quer vir após mim, 
a si mesmo se negue, tome sua cruz e siga-me”. O paradoxo, porém, é que negar-se é uma 
forma de declarar a morte de algo dentro de si (o que Paulo chama de “velho homem”), a 
fim de fazer brotar e florescer da própria vida um novo ser humano. Não, Deus não é 
sádico; não quer que a gente morra apenas pelo prazer mórbido de nos ver morrendo; não 
nos criou para rejeitar a vida, mas para afirmá-la. No entanto, segundo Jesus, é negando-
se a si mesmo, desfazendo-se de todo orgulho de ser, abraçando a própria fragilidade, 
reconhecendo-se como ser codependente, é que podemos afirmar a vida e a liberdade 
humanas. 
Jesus, pelo que sei, caminhou à margem da religião e da cultura dominantes; 
abraçou não apenas as vulnerabilidades humanas como escolheu ser humilde entre os 
humildes e desgraçados; não primava por demonstrações sobrenaturais de poder, pelo 
contrário, em muitos milagres que realizou pedia total sigilo daquele(a) que o recebeu; 
não partiu para o caminho da apologética ou defesa da fé, cercando-se de argumentos 
fortes para “defender” a perspectiva do reino de Deus, de modo que, em Jesus, não se faz 
ninguém se achegar ao reino pelo poder do argumento, mas pelo caminho da fragilidade, 
da infantilidade espiritual, do diálogo, do arrependimento, do perdão e da graça. Como 
lembra José Comblin (1983, p. 58), “os homens são vulneráveis. A possibilidade de 
mudança radica justamente nessa vulnerabilidade”. 
Além disso, Jesus não se aliou às estruturas e poderes de seu tempo (como vimos 
no exemplo de Lucas), ao mesmo tempo em que rejeitou o caminho da usurpação de ser 
“igual a Deus” (cf. Fp 2.6); apresentou a boa nova do reino em obediência à sua missão, 
sem se preocupar em agradar a ninguém ou mesmo com o possível insucesso, rejeição ou 
má reputação. Jesus foi um profeta, e profeta que é profeta não esconde sua fragilidade 
nem teme perder a própria cabeça. Por essa razão é que, segundo vejo, as perspectivas de 
que a missão não tem nada de impressionante, é antítese de uma teologia da glória 
(Bosch), e da fraqueza como condição prévia de uma missão autêntica (Comblin), fazem 
jus à visão bíblica e primitiva de missão. Isto porque, conforme analisa Comblin (1983, 
p. 60), a tentação pela qual passa o cristão e a cristã que desejam dar testemunho de sua 
fé hoje, é parecida com aquela enfrentada por Jesus: “a tentação de messianismo, a 
tentação da força, do poder, do dinheiro e da cultura”. 
Como ainda hoje podemos resistir a essas tentações? Pensando naquelas pessoas 
e naqueles perfis um tanto genéricos do começo, naquela fatia de cultura inicialmente 
pontuada, quero terminar levantando algumas pistas de como ser essa igreja “frágil e 
irrelevante” ao modo de Jesus – imaginando que ela pode ser sinal da esperança viva do 
evangelho para essa fatia de cultura, e quem sabe para outras também: 
(1) Ofereça seus dons e talentos ao mundo e à cultura a que pertencem, e não 
somente à subcultura evangélica ou ao “mundinho da igreja” e dos crentes; ninguém verá 
a luz que brilha em nós se essa luz não brilhar em tantos ambientes quantos for possível 
– chega dessa besteira de que a gente não é do mundo! 
(2) Use a criatividade que Deus te deu, e a liberdade no Espírito para arriscar 
novos passos, para ser igreja onde e para quem ninguém quer ser; não precisa 
necessariamente fundar novas congregações, mas inventar novos modos de ser igreja, 
bastando, para começo de tudo, estar disponível às pessoas e atento/a ao que o Espírito 
sopra. 
(3) Esteja aberto/a a “novos diálogos”, novas possibilidades de interface entre a 
fé que há em vocês, e sobre a qual são chamados a dar razão, e as outras formas de crença 
e cosmovisões, sejam elas religiosas ou não, expressando convicções com firmeza e ao 
mesmo tempo generosidade, e, de preferência, renunciando à tentação de ter “a última 
palavra”, aquela que deve convencer e prevalecer. 
(4) Envolva-se em relacionamentos de vida, companheirismo e amizade, onde a 
fé e a não fé, onde os diferentes gêneros, as diferentes posições políticas, opções sexuais 
e ideológicas, as diferentes concepções éticas, possam conviver em paz e, sobretudo, com 
respeito mútuo mesmo em meio a diferenças aparentemente inconciliáveis; lembrando 
que o maior dom que temos a oferecer ao mundo não são nossas palavras, nossa 
inteligência, nossos títulos, ou nosso trabalho; o maior dom somos nós mesmos. E Jesus 
disse que não havia maior dom, ou melhor, maior amor que esse: o de dar a vida por seus 
amigos. 
(5) Por fim, desenvolva o que Paul Tillich chamou de “coragem de ser”: de ser 
quem se é, com o muito ou o pouco que lhe foi dado, de ser humano, de ser gente: que 
assume suas fragilidades, que reconhece suas dúvidas, que divide suas dores com o 
mundo. Muitos dessas pessoas com que convivemos, nos encontramos, ou apenas 
cruzamos não estão tão interessados em campeões (no discurso, nas ideias, na 
espiritualidade), em religiosos de espírito cruzado, mas em pessoas “demasiadamente 
humanas” (Nietzsche) assim como elas. É um refrigério saber que o outro também dores 
de parto semelhantes às minhas. O que não pode ser assumido também não pode ser 
redimido, parafraseando aqui do que bem disse Segundo Galilea (1979, p. 47). 
Termino com uma frase de David Bosch (1979, p. 77, tradução minha), daquelas 
que precisamos lembrar não apenas na mente, mas gravar com lança pontiaguda no 
coração: “A igreja não é composta de gigantes; apenas seres humanos feridos podem guiar 
outros até a cruz”. 
 
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