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Apostila - Metodologia da Pesquisa Científica

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Outubro/ 2019
Professor/autor: Dr. Jonathan M. Menezes
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
SUMÁRIO
Metodologia da Pesquisa Científi ca
Unidade I - Caminhos e descaminhos do saber - Parte I
Introdução..............................................................................................................................04
1. Quando saber não é o bastante...........................................................................................06
2. O "fazer" que há no "pensar"...............................................................................................13
3. O saber e a complexidade..................................................................................................23
Unidade II - Caminhos e descaminhos do saber - Parte II
Introdução..............................................................................................................................29
1. O péssimo hábito da literalidade e do prejuízo................................................................30
2. Transformando inteligências e não infl ando egos..........................................................35
3. A coragem de saber apenas em parte.............................................................................44
4. Coda: sobre ser menos......................................................................................................51
Unidade III - Nas trilhas da argumentação acadêmica: por uma cultura de tolerância e 
diálogo
Introdução................................................................................................................57
1. A construção da argumentação acadêmica...................................................................58
2. A construção de uma cultura de tolerância e diálogo...................................................69
Unidade IV - A escrita acdêmica e a prática da pesquisa
Introdução..............................................................................................................................86
1. A escrita acadêmica: experiências, princípios e tipologias.............. .............................87
2. A prática da pesquisa......................................................................................................102
Resultado dos exercícios....................................................................................................115
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA4
UNIDADE I – Caminhos e descaminhos do saber (parte 1)
Introdução
Há muito tempo o famoso adágio atribuído ao fi lósofo Sócrates, que dizia 
“só sei que nada sei”, vem sendo utilizado para signifi car muitas coisas, 
sendo que a principal provavelmente reside na ideia de que o saber (ou 
melhor, a sabedoria) começa com o reconhecimento da própria ignorância. 
Em outras palavras, sábio é quem tem a explícita consciência de que 
seu saber, por maior que seja, nunca é sufi ciente. Além de demonstrar 
sabedoria, isso também seria um sinal de humildade. E percebe-se que, 
em certa medida, essa sabedoria já se encontra há algum tempo presente 
em formalidades da prática acadêmica, através do reconhecimento, que 
se pode ver em muitos trabalhos dessa natureza, de que não se pretende 
ter “a última palavra sobre o assunto”, ou que esse é “apenas um ponto 
de vista sobre a questão”, dentre outras formas. 
Contudo, ao atentar para a realidade, parece-me que aqui estamos 
repetindo o óbvio (de que não sabemos nem damos conta de tudo) 
para, muitas vezes (i.e., nem sempre), ocultar a arrogância e o orgulho 
que se nota em relacionamentos e debates (quando eles existem) no 
meio acadêmico. Ou seja, temos – e aqui me dirijo a nós, acadêmicos 
(professores, pesquisadores, estudantes) – sido capazes de formalizar 
a sabedoria e a humildade do adágio socrático, sem necessariamente 
permitir que ela transforme nossa conduta diante de nossos estudantes 
e pares. Assim, enquanto na teoria nós formalizamos e celebramos a 
humildade, na prática temos normalizado a empáfi a.
Esse, sem dúvida, é um descaminho do saber; antigo, mas ainda vivo. 
Não pense, porém, que a academia é responsável por todo o orgulho 
intelectual – que acima chamei de “empáfi a” – existente no mundo. As 
discussões sobre política, religião e sociedade que temos presenciado 
nas redes sociais nos últimos anos são uma triste amostra de que o 
orgulho – que Lewis (2005, p. 162) chamou de “o estado mental mais 
oposto a Deus que existe” –, e seus consentâneos (a competitividade, a 
5Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
vaidade, a intolerância, a falta de diálogo, etc.) tem se propagado sempre 
que alguém faz o que Kant (1983, p. 43) chamou de “uso público da 
razão”. Mais importante que o debate entre ideias tem sido “provar” que 
a sua ideia (ou ideologia) é a versão mais bem-acabada e mais próxima 
da verdade possível, o que naturalmente exclui as demais. 
Uma humanização (e humilhação) da vida intelectual torna-se uma via 
mais que necessária em tempos de violência simbólica e exclusão, na 
sociedade e não diferente em nossos petit comitês intelectuais. Existe 
uma humanidade em nós que está clamando por emergir em meio a um 
mundo hostil a ela. Essa é a assunção básica desse curso inteiro.
Exercício de reflexão
Tendo em vista a assunção básica (ou pressuposto, afi rmação 
central) acima exposta como sendo central a este curso, eleja 
três palavras que, em seu ponto de vista, representem três 
descaminhos ou desvios presentes na vida intelectual, de acordo 
com a percepção que você traz dela. Justifi que.
Pelas razões acima apresentadas, decidi propor duas unidades iniciais 
para este curso, que versam sobre caminhos e descaminhos do saber e 
que tentam forjar, como pano de fundo, a estrada rumo a uma teologia 
humilhada, isto é, o tipo de teologia que emerge do seguimento radical 
de Jesus, o que pressupõe o esvaziamento do anseio por poder para 
tentar permanecer, enquanto “seres do conhecimento” (Nietzsche), na 
casa do amor. Escrevi-os para esta primeira parte da disciplina, pois 
entendi que de nada adianta falar de métodos, técnicas e metodologia 
da pesquisa, sem também fomentar uma refl exão sobre que tipo de 
pesquisadores, intelectuais e teólogos queremos ser. O que proponho 
aqui, para você que está cursando essa disciplina online, portanto, é 
resultado de meses de conversas honestas, de refl exão e partilha com 
meus e minhas estudantes do primeiro ano de teologia presencial na 
Faculdade Teológica Sul Americana, no contexto desta mesma disciplina 
de Metodologia. Aqui veremos que metodologia é mais do que o domínio 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA6
de práticas e técnicas, mas signifi ca pensar sobre como eu as utilizo e 
por que.
Objetivos da unidade
1. Reconhecer caminhos e descaminhos possíveis da vida 
intelectual;
2. Desenvolver uma visão teológica sobre a questão do saber 
e a complexidade que envolve seus usos (pensar na questão do 
“como”);
3. Promover a humildade e amor como antídotos contra a vaidade 
e o orgulho na vida intelectual do/a teólogo/a.
1. Quando saber não é o bastante
O saber ou conhecimento ensoberbece (dá lugar à arrogância), mas o 
amor edifi ca.
Conhecemos bem esse texto paulino da epígrafe (1Co 8:1). Quantas vezes 
não o utilizamos para o despropósito de dizer que o conhecimento não 
vale de nada; que a razão atrapalha a fé; ou, pensando particularmente 
em nosso caso (que trabalhamos com educação teológica), que o sujeito 
se torna descrente se estuda e se aprofunda demais. Mas será que é isso 
que Paulo está dizendo?
Se olharmos atentamente a toda a passagem (8:1-13), veremos que o 
conhecimento é um elemento importante aqui, mas não é o centro da 
questão. O centro tem a ver com uma disputa entre facções dentro da 
comunidadecristã sobre a licitude de comer um certo tipo de comida 
(aquela que era sacrifi cada aos ídolos). A existência de facções não é 
uma grande surpresa se considerarmos que isso aconteceu na cidade 
de Corinto.
Corinto era uma cidade multicultural. Nela conviviam judeus, cidadãos 
romanos, gregos, imigrantes (sírios e egípcios); era uma verdadeira 
Babel sociocultural. Era também uma cidade plurirreligiosa. A adoração 
7Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
monoteísta caminhava lado a lado com a politeísta (deuses greco-
romanos, deuses estrangeiros, sem falar no próprio Imperador). A igreja, 
por sua vez, não estava alheia a essa diversidade. Era étnica (judeus e 
“pagãos”) e socialmente diversa – do tesoureiro da cidade ao escravo; de 
camponeses à gente da elite.
Corinto não era Atenas, mas a classe alta nutria pretensões fi losófi cas e 
se orgulhava de seu conhecimento e sabedoria. A questão do texto está 
diretamente associada a isso. Por um lado, judeus e cristãos, agradecem 
a Deus pela comida; por outro, os pagãos honram aos deuses nos atos 
de celebração envolvendo refeição.
A comunidade cristã em Corinto estava dividida entre, pelo menos, duas 
facções: (a) Os “fortes”, eram aqueles que diziam, acertadamente, que 
ídolos e deuses não eram nada, pois no fundo só há um Deus. Eram 
“fortes”, porque privilegiados por esse “conhecimento” e pela “liberdade” 
que gozavam na participação social; (b) os “fracos”, em geral, eram 
provavelmente pagãos recém-convertidos; em sua vida anterior, estavam 
acostumados com o sacrifício aos ídolos, por isso, ao ver irmãos e 
irmãs participando dessas refeições, sua consciência era maculada, 
escandalizada.
Saiba mais!
‘Em uma cidade como Corinto, carne sacrifi cada 
representava quase toda carne disponível para 
consumo, já que os tempos funcionavam, na 
prática, como uma combinação de açougue 
e restaurante. Uma oferta animal era trazida 
e oferecida em adoração a esta ou aquela 
divindade e, em seguida, a família desfrutava da 
refeição; o que sobrava era vendido no mercado 
aberto. Algumas grandes comunidades judaicas 
em cidades como Corinto teriam ao seu próprio açougueiro kosher; 
em muitos casos, porém, judeus optavam por evitar totalmente 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA8
o consumo de carne, não apenas por causa de regras a respeito 
de sangue, mas porque evitavam a adoração pagã e tudo que a 
acompanhava.
É neste ponto que a carta dos líderes de Jerusalém (Atos 15) 
talvez precisasse ser reelaborada. Paulo reiterou o teor da carta 
sobre moralidade sexual, e, nesse aspecto, não há margem para 
manobras, nem princípio de “tolerância” para opiniões diferentes. 
O que vemos em 1Coríntios 8–10, discutindo templos e carne 
sacrifi cada aos ídolos, é uma discussão sofi sticada e delicada 
sobre os desafi os pastorais envolvidos no tratamento de duas 
opiniões diferentes, chamadas por ele de “forte” e “fraco”. Esses 
são termos técnicos de Paulo; aqueles com consciência “forte” são 
os que, como ele, sabem que os ídolos não existem, de modo que 
a carne oferecida para eles não passa de carne, ao passo que os 
“Fracos” são aqueles que, depois de uma vida dedicada à adoração 
de ídolos, imaginam-se participando da vida de determinado deus 
ao comer da carne sacrifi cial, e agora não podem tocá-la sem 
sentirem-se arrastados de volta para o mundo sombrio da idolatria 
e tudo mais relacionado a esse mundo’. 
(Fonte: Wright, 2018, p. 283)
Tudo isso chegou a Paulo, algum tempo após sua partida, em forma de 
bomba relógio: mais hora, menos hora, o confl ito iria explodir e se tornar 
insustentável. Sua preocupação pastoral e recomendações nos traz, 
ainda hoje, luz sobre o que fazer, como cristãos maduros e sóbrios (1Co 
10:15), diante de disputas facciosas.
Primeiro: Aprender a temperar nosso conhecimento com amor. 
Como fala a pessoas maduras, Paulo começa com um paradoxo: (a) todos 
temos algum conhecimento (v. 1); (b) mas quem acha que sabe, ainda não 
aprendeu como saber/pensar. É preciso desconfi ar do que já sabemos 
9Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
e de como fazemos uso do que sabemos, porque o conhecimento infl a 
(ensoberbece, nos faz orgulhosos), e se torna instrumento de destruição 
(ser mais que os outros). E isso é muito importante: uma pessoa pode 
até desempenhar uma função ou realizar uma performance melhor que 
outra pessoa, mas isso não faz dela uma pessoa melhor. A questão não é 
abandonar o conhecimento, mas aprender a temperar o saber com o amor. 
É perguntar se o conhecimento nos faz pessoas melhores (e não apenas 
mais sabidas). Além disso, reconhecer que a gente só sabe em parte (1Co 
13:9) é um modo cristão autêntico de habitar harmoniosamente na casa 
do conhecimento e na casa do amor, até que os dois formem uma só casa. 
Segundo: Aprender que, mais que o saber, o que importa são as pessoas. 
Paulo diz: eu sei, vocês sabem – o ídolo não é nada! Deus é tudo, há 
somente um Deus! Essa comida é igual a qualquer outra. Mas não é todo 
mundo que sabe disso. Portanto, saber não basta, não pode preencher 
tudo. “O conhecimento verdadeiro não é insensível” (TAM). Não é 
insensível ao outro, à pessoa, que está além do saber, o irmão e a irmã 
de caminhada, a quem prezamos. Na década de 1970, em O sofrimento 
que cura (2002), Henri Nouwen dizia lamentar ver sua igreja dividida 
em questões (gênero, homossexualidade). Então dizia que uma igreja 
dividida em questões, tende a se esquecer das pessoas. Hoje somos 
um país também dividido por questões (políticas, ideológicas, religiosas, 
sociais, etc.). Por causa dessas coisas nos tornamos inimigos de quem 
pensa e se posiciona de modo diferente, ao ponto de demonizar e excluir 
tal pessoa de nosso rol de relacionamentos. Não cristãos fazem isso; 
cristãos também. Jesus, o fundador e cabeça da Igreja, porém, sempre 
acreditou que entre nós podia e devia ser diferente: que o primeiro é o 
que serve; que mulheres e homens têm igual importância; que os últimos 
serão os primeiros; que pequeninos, pecadores, publicanos e prostitutas 
nos precederiam no reino dos céus; que pessoas importam mais que 
coisas ou questões. Resta saber se nós acreditamos em Jesus a ponto 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA10
de abraçar a sua própria fé, que vai na contramão do que a dita “fé Nele” 
muitas vezes se transfi gurou na história do cristianismo.
Terceiro: Aprender que com grandes saberes vêm grandes 
responsabilidades. 
A começar pela responsabilidade de não colocar “em prática” tudo o que 
sabe; a abrir mão do “meu direito”, da “minha liberdade”. É obvio que, 
numa sociedade capitalista, liberal, narcisista e individualista isso soa 
como uma tremenda heresia! Mas Paulo era “universalista” – no sentido 
de Alain Badiou (2009) deu ao termo (veja o Glossário abaixo) – e 
acreditava que, às vezes, o particular precisa ser sacrifi cado em favor do 
todo, muito antes disso ser tão polêmico como é hoje. E mais: ele usou 
seu próprio exemplo como alguém que, “mesmo livre das exigências e 
expectativas de todos”, tornou-se “voluntário para com todos a fi m de 
ganhar todo tipo de gente” (1Co 9:19, TAM). Ele não queria só falar, mas 
também encarnar a mensagem.
UNIVERSALISMO
A tese de Badiou é a de que Paulo é o fundador do “universalismo”, 
entendido, a grosso modo, como a produção de um sujeito ou de 
uma pessoa “universal”, cujo centro de orientação ético-experiencial 
e/ou vida, a partir do evento do Cristo ressurreto, não se limitaria 
mais a sua particularidade (étnica, religiosa ou de gênero, etc.), 
mas à sua nova identidade em Cristo, vide toda a discussão em 
torno de Gálatas 3:28, que é o texto das cartas paulinas mais citado 
por Badiou. Segundo ele, “Paulo mostra detalhadamente como 
um pensamento universal, partindo da proliferação mundana das 
alteridades (o judeu, o grego, as mulheres, os homens, os escravos, 
os livres etc.), produz um Mesmo e o Igual (não há mais nem judeu 
nem grego etc.)”. Assim, “a produção da igualdade,a revogação, 
no pensamento, das diferenças” seriam, para Badiou, “os signos 
materiais do universal” (Badiou, 2009, p. 127). O “Mesmo” nesse 
11Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
caso, porém, não signifi ca “uniforme” nem uma proposta de 
supressão das diferenças. Pelo contrário, se a “proliferação 
mundana das alteridades”, como chamou ele, tem demonstrado 
historicamente que as diferenças geram rivalidades, criando um eu-
separado ou coletivos sectários, a nova identidade ou humanidade 
em Cristo, por outro lado, diz: essas diferenças existem, não se 
trata de aboli-las, mas de ressignifi cá-las a partir do encontro: do 
“eu” com Cristo, consigo e com o próximo. Deste encontro nasce 
um “Nós” em Cristo Jesus, que é a Igreja, a reinvenção do povo de 
Deus, a expressão concreta desse universalismo. Trata-se, ainda 
mais, de um retorno à ideia de ser humano independente de suas 
vinculações tribais. Todos são simplesmente humanos em Cristo. 
Desse modo, sua recomendação foi: já que o ídolo não é nada; já que 
comer ou deixar de comer não nos faz mais próximos de Deus, nem 
melhores que ninguém, é o seguinte: abram mão! Não sacrifiquem as 
pessoas mais fracas por causa do seu conhecimento e da sua liberdade, 
não! Porque se vocês macularem isso, se vocês ferirem essas pessoas, 
ao próprio Cristo estarão fazendo. 
Então, podemos perguntar: como é a que a gente pode fazer isso, Paulo? 
É simples, ele disse, vocês têm que agir de modo semelhante a Jesus 
(Cf. Fp 2:5-11). Em outras palavras, na contramão de um mundo infl ado 
e tão cheio de si; na contramão de religiosos que só querem se encher 
do sobrenatural de Deus; na contramão de suas teologias, ideologias, e 
causas partidárias: ESVAZIEM-SE!
Num mundo dividido em facções, hoje oro para que não nos esqueçamos 
de Jesus; nem de que naquela cruz todo direito e toda liberdade foram 
redimidos, mas também esvaziados. Que o saber, ainda mais o teológico, 
deve existir para ajuntar e edifi car, e não para dividir. Se vier a dividir, 
como ocorreu com Jesus, que não seja pela nossa soberba, mas pelo 
incômodo gerado por nosso testemunho e nossa obediência a Ele.
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA12
Exercício de Aplicação
Agora leia o texto comentado acima, de Paulo em 1Coríntios. 
Fique com ele um tempo, refl ita; em seguida, responda à pergunta 
proposta logo abaixo:
Quanto à pergunta sobre a comida sacrifi cada a ídolos, sabemos que 
todos temos conhecimento a esse respeito. Contudo, o conhecimento 
traz orgulho, enquanto o amor fortalece. Se alguém pensa que sabe tudo 
sobre algo, ainda não aprendeu como deveria. Mas quem ama a Deus 
é conhecido por ele. Então, o que dizer quanto ao alimento oferecido a 
ídolos? Bem, todos nós sabemos que, na verdade, o ídolo nada vale neste 
mundo, e que há somente um Deus. Sim, é fato que existem os que são 
chamados de deuses, por assim dizer, nos céus e na terra, e há pessoas 
que adoram muitos deuses e muitos senhores. Para nós, porém, há 
somente um Deus, o Pai, por meio de quem todas as coisas foram criadas 
e para quem vivemos. E há somente um Senhor, Jesus Cristo, por meio 
de quem todas as coisas foram criadas e por meio de quem recebemos 
vida. No entanto, nem todos sabem disso. Alguns estão acostumados a 
pensar que os ídolos são de verdade, de modo que, ao comer alimentos 
oferecidos a eles, imaginam que estão adorando deuses de verdade, e sua 
consciência fraca é contaminada. Não obtemos a aprovação de Deus pelo 
que comemos. Não perdemos nada se não comemos, e se comemos, 
nada ganhamos. Contudo, tenham cuidado para que sua liberdade não 
leve outros de consciência mais fraca a tropeçarem. Pois, se alguém vir 
você, que diz ter um conhecimento superior, comer no templo de um ídolo, 
acaso não será induzido a contaminar a própria consciência ao ingerir 
alimentos oferecidos a ídolos? Assim, por causa do seu conhecimento 
superior, um irmão fraco pelo qual Cristo morreu acaba se perdendo. E 
quando vocês pecam contra outros irmãos, incentivando-os a fazer algo 
que eles consideram errado, pecam contra Cristo. Portanto, se aquilo que 
eu como faz um irmão pecar, nunca mais comerei carne, pois não quero 
fazer meu irmão tropeçar. (1 Coríntios 8:1-13, NVT)
13Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
O que Paulo quis dizer com “o conhecimento traz orgulho, enquanto 
o amor fortalece” que pode ser aplicado para nossa vida? 
a) É preciso desprezar o conhecimento para não haver orgulho.
b) O que conta é amar sem se preocupar com adquirir conhecimento.
c) O importante é estar certo, sem preocupar com o que os outros 
pensam.
d) É necessário temperar o conhecimento com amor.
2. O “fazer” que há no “pensar”
Examinem todas as coisas. Fiquem com o que é bom.
No tópico anterior, escolhi falar sobre a simplicidade da vida, de nossas 
escolhas, do modo como lidamos com o conhecimento que temos, da 
ideia de temperá-lo com amor, das pressões externas por produtividade, 
do anseio interno pelo poder. Entretanto, é preciso que se diga em alto e 
bom som: simplicidade não é simplismo, muito menos burrice. Explico: 
a moderação, como diz Eclesiastes, em tudo é boa ou “quem tema a 
Deus, evita os extremos” (Ec 7.18). Isso signifi ca, em nosso caso, que 
conhecimento sem simplicidade (e tudo o que ela agrega) vira cinismo, 
e o cinismo é autodestrutivo: só enxerga mazela em tudo e todos; não 
leva a nada. Mas simplicidade sem conhecimento vira pura ingenuidade, 
e logo somos enganados, levados de um lado para o outro como boiada. 
Portanto, nem o desprezo injuriado a tudo e a todos, nem a aceitação 
passiva e inquestionada parecem ser caminhos de sabedoria. Melhor é 
examinar tudo com cuidado. 
É sobre isso que, a meu ver, Paulo está falando no texto citado na epígrafe 
acima (ver: 1Ts 5:19-22). Trata-se de um chamado ao discernimento. Um 
chamado comunitário para examinar as profecias (não confunda com 
predições futuras, pois se trata da pregação evangélica), interrogar e 
denunciar o mal onde quer que ele exista, não perder o ânimo diante das 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA14
pressões externas, manter-se identifi cado com o Espírito a fi m de reter 
apenas o que é bom, e não se deixar coagir por outros “espíritos” (no caso 
de seu contexto específi co, podia ser Roma, os ditames da sociedade, 
a perseguição religiosa, etc.) e ser levado a pensar como eles. Quem 
pratica o discernimento tende a pensar com e não como o outro. Voltarei 
a esse ponto adiante.
É uma tentação num mundo convulsionado pela informação rápida e 
disponível num piscar de tela de um smartphone, contentar-se com o mero 
dado, aceitar como veio sem querer saber mais, ater-se às manchetes 
do dia, ouvir e acolher apenas o que lhe agrada sem se importar muito 
com signifi cado e com refl exão. Aliás, se você não sabe, o Facebook já 
tem feito isso com maestria por você: seleciona, sobretudo, as notícias e 
postagens que te interessam, que concordam com seu pensamento, que 
se conformam com seus desejos e “ideais”. Com isso, ele nos diz todos 
os dias: você não precisa aceitar o diferente, você não tem de lidar com o 
incômodo, não precisa se escandalizar com o pensamento contrário, com 
o abjeto e indesejável colega de “direita” ou de “esquerda”, pois vamos 
fazer de tudo para criar um pequeno universo virtual de coisas e pessoas 
parecidas com você, prontinho para você só curtir ou compartilhar. E olha 
só: se alguém fi car espezinhando você, basta acionar o dispositivo de 
“block” e a paz reinará de novo! O Facebook quer nos dar o mundo ideal: 
o que mais se parece conosco. 
Contudo, nem toda paz é boa para se conservar, como bem nos alertou 
O Rappa. O conforto tem um preço e ele se chama “alienação”, que é a 
ação de transformar-se em alguém alienado, alheio, separado, distinto, 
distante; um quase alienígena em seu próprio contexto. A alienação 
pode até trazer comodidade, aliviar perturbações, evitar problemas; 
seu produto fi nal, porém, é o emburrecimento e o embrutecimento.E 
assim, emburrecidos e embrutecidos, quando colocados em coletivos 
ou em redes sociais, tendemos a tratar os outros (em especial, os mais 
diferentes de nós), quase naturalmente e sem peso na consciência, com 
burrice, rudeza e brutalidade; em alguns casos, como um peso morto
15Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
e, em outros, como um mal a ser extinto. Outro efeito da alienação em 
nosso tempo é que ela tem institucionalizado o ódio. E feito com que, em 
nome do combate ao “politicamente correto”, joguemos no lixo valores 
importantes como a compaixão, a generosidade, a bondade, a tolerância, 
o bem comum. 
Para nós, teólogos/as, eu arrisco dizer que esse é o lugar e o momento 
certo. Essa é a hora de fazer teologia, porque a melhor maneira de 
aprender teologia, para além dos livros e leituras (embora amando-os 
e apreciando-os), é quando estamos de ouvidos abertos e atentos ao 
mundo, e ao que o Espírito está fazendo no mundo, mesmo quando 
ele está partido e convulsionado como o nosso. A isso John Stott 
(1998) chamou de “ouvir duas vezes” (ao Espírito e ao mundo). Se não 
aprendermos a fazer teologia com os ouvidos, jamais aprenderemos a 
fazê-la bem com as palavras, e a convertê-la com efi cácia em vida. Por 
isso gostaria de tomar as recomendações de Paulo à comunidade de 
Tessalônica há mais de dois mil anos, para pensar no “fazer” que há no 
“pensar” teologicamente. 
Exercício de Fixação
Conforme dito há pouco, nem toda paz é boa, no sentido de todos 
pensarem da mesma forma, rápida e sem refl exão, agregando 
somente o que lhe é favorável. Qual é a consequência disso? 
a) Discussões que geram crescimento.
b) Alienação, emburrecimento e embrutecimento.
c) Confronto que pode resultar em mudança de mente .
d) Aprendizado com a experiência.
Primeira recomendação: examinar tudo. A palavra grega no original é 
dokimázō, isto é, examine, julgue, prove, investigue. Não tome as coisas 
como óbvias, nem tire conclusões precipitadas, mas prove e discirna. 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA16
Se colocarmos uma comida na boca de um bebê pela primeira vez ele 
fará uma expressão estranha, e aquela expressão signifi ca que ele está 
provando. Não dá para saber se é bom ou ruim se não testar, se não 
examinar. O coração do sábio, diz Salomão (em Pv 18:15) está ávido por 
conhecer e, por isso, está sempre aprendendo. Então, a recomendação é 
clara: não acredite em tudo o que vê, nem rejeite só porque o outro disse 
que não presta, mas prove; não apenas o modo alheio (de agir ou pensar), 
mas pondo o seu próprio à prova. Pedro Demo (1995) disse que “quem 
não sabe pensar, acredita no que pensa. Quem sabe pensar questiona 
o que pensa”. O pensador será um transgressor por natureza quando 
aprender a transgredir mais o que ele propriamente ou impropriamente 
pensa que ao pensamento alheio. 
Saiba mais!
Em meu livro Humanos, graças a Deus (2018), 
discuto a natureza da “transgressão”, que para 
mim é antes de tudo “transgressão de si”. Por 
isso decidi compartilhar alguns trechos aqui do 
capítulo 5:
 ‘Transgredir tem sido uma das tônicas do que 
tenho escrito em meu blog nos últimos anos – se 
meus escritos fazem jus ao uso da palavra, deixo 
ao leitor para que avalie. A mim, transgredir tem o 
sentido de um ato ou modo de ser-pensar em que 
me ponho programática ou despretensiosamente 
a quebrar as regras, as normas estabelecidas (e simplesmente 
seguidas sem questionamento), de transpassar o ato contínuo, 
obediente, impensado, de rebanho; é a força motriz que nos impele a 
sair do conforto, a não se acomodar com o status quo, a contestar 
certos valores, a aprender a receber com o mesmo contentamento 
tanto os presentes e dádivas como os golpes e até marretadas da vida. 
Escrever é transgredir! A escrita, para mim, é uma espécie de divã, um 
17Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
lugar da permissão para transgredir a mim mesmo. E, como disse certa 
vez em uma aula meu mestre e amigo Gabriel Giannattasio: o que é a 
transgressão senão a transgressão de si? 
Ora, transgredir o outro é uma prática comum, corriqueira e, de certo 
modo, confortável. O desconforto gerado pela transgressão deve ir além 
daquele que o outro pode sentir, mas o que eu me permito sofrer ao 
transgredir a mim mesmo. Sem desconforto e dor, não há crescimento. 
Transgredir a si mesmo implica em escancarar as portas do eu, retirar 
todas as máscaras (ou as que são possíveis de retirar, até para nós 
mesmos), desfazer-se de toda e qualquer postura cênica e ser, assim, 
franco consigo mesmo, dando respostas honestas a perguntas 
honestas, parafraseando Francis Schaeffer. 
É colocar-se sob suspeita constante, suprimindo o medo paralisante 
frente aos possíveis resultados da suspeita. Esses últimos anos têm 
sido tempo em que me tenho colocado sob suspeita, e questionado 
muitas de minhas motivações, escolhas, sentimentos, pensamentos, 
posturas. Até que ponto posso afi rmar que sou aquilo que tenho 
tentado demonstrar/provar ser, a mim mesmo e aos outros? O quanto 
de dissimulação há em minhas palavras? Quais são as motivações 
escondidas por trás deste ou daquele modo de agir/pensar? 
Começo a perceber que minha pretensa transgressão vai muito além 
de ser honesto, ao ponto de admitir, sem reservas, quem sou. É preciso 
também encarar-se de frente. Trata-se de uma luta em frente ao 
espelho, todos os dias. E uma luta para não terminar como Narciso: 
sozinho e emocionalmente entorpecido perante a própria imagem...
(...) Percebo, enfi m, que transgredir a si mesmo passa pela desconfi ança 
do óbvio, do dado, do ponto pacífi co; é mergulhar profundamente na 
realidade de quem somos, por mais penosa e desagradável que seja. 
Este também é um (pretensioso, talvez) convite permanente que farei 
ao leitor ao longo deste livro’.
(Fonte: Menezes, 2018, pp. 26-28)
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA18
Segunda recomendação: não desprezar. Exoutheneo é o termo grego 
aqui utilizado, que insta a não tratar com desdém, com desprezo, nem 
ridicularizar ou rejeitar desqualifi cando. No texto ele se refere à profecia 
ou à pregação (5:20). Considere que cada recomendação está ligada à 
anterior: não desprezar é o ato conseguinte de examinar. Quantas vezes 
não desprezamos sem provar? Quantas vezes não provamos e, logo 
em seguida, desprezamos? Mas Paulo diz: antes prove e não despreze 
logo de cara. É possível julgar, fazer a crítica devida, apropriar-se do que 
for possível, sem desprezo nem desconsideração ao outro. O Espírito 
pode estar realizando seu trabalho naquela pessoa, mesmo que eu 
não concorde com nada do que ela diz, ou com sua forma. Muita gente 
desempenha seu papel de modo sincero e bem-intencionado. E Deus 
continua utilizando quem Ele quer e como quer. Então, não pense que 
você é “a nata” de Deus. Porque Deus escolhe os que não são, e fala 
pelos meios menos convencionais.
Texto de apoio
Mais uma vez, a sabedoria paulina nos é tremendamente útil nesta 
refl exão:
A mensagem da cruz é loucura para os que se encaminham para a 
destruição, mas para nós que estamos sendo salvos ela é o poder 
de Deus. Como dizem as Escrituras: “Destruirei a sabedoria dos 
sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes”. Diante disso, 
onde fi cam os sábios, os eruditos e os argumentadores desta era? 
Deus fez a sabedoria deste mundo parecer loucura. Visto que Deus, 
em sua sabedoria, providenciou que o mundo não o conhecesse 
por meio de sabedoria humana, usou a loucura de nossa pregação 
para salvar os que creem. Pois os judeus pedem sinais, e os 
gentios buscam sabedoria. Assim, quando pregamos que o Cristo 
foi crucifi cado, os judeus se ofendem, e os gentios dizem que é 
tolice. Mas, para os que foram chamados para a salvação, tanto 
19Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
judeus como gentios, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria 
de Deus. Pois a “loucura” de Deus é mais sábia que a sabedoria 
humana, e a “fraqueza” de Deus é mais forte que a força humana.Lembrem-se, irmãos, de que poucos de vocês eram sábios aos 
olhos do mundo ou poderosos ou ricos quando foram chamados. 
Pelo contrário, Deus escolheu as coisas que o mundo considera 
loucura para envergonhar os sábios, assim como escolheu as 
coisas fracas para envergonhar os poderosos. Deus escolheu 
coisas desprezadas pelo mundo, tidas como insignifi cantes, e as 
usou para reduzir a nada aquilo que o mundo considera importante. 
Portanto, ninguém jamais se orgulhe na presença de Deus. Foi por 
iniciativa de Deus que vocês estão em Cristo Jesus, que se tornou 
a sabedoria de Deus em nosso favor, nos declarou justos diante 
de Deus, nos santifi cou e nos libertou do pecado. Portanto, como 
dizem as Escrituras: “Quem quiser orgulhar-se, orgulhe-se somente 
no Senhor”. (1Co 1:18-31, NVT – grifos meus)
Terceira recomendação: preservar o bom. O “bom” aqui é kalos, ou o que 
é próprio, bonito, valioso. O que vale a pena ser preservado? Segundo que 
critério? Paulo não responde a essas perguntas. Considerando, porém, a 
quarta recomendação (que veremos a seguir), o bom aqui é resultado de 
uma decisão, baseada no discernimento, no bom senso, no ouvido atento 
ao Espírito, na sensibilidade à luz da Palavra. Paulo está sendo, portanto, 
prudente: antes ele disse “não despreze”, e agora está dizendo, grosso 
modo, para que não aceitemos tudo sem critérios, desleixadamente. A 
aceitação acrítica é também uma forma sutil de desprezo, como quando 
alguém te diz algo importante e você responde com um desdenhoso “tá 
bom” – que, no fundo, quer dizer “não estou nem aí para isso”! O teólogo 
que escuta mais do que fala será capaz de ser rigoroso e terno, sensível 
e criterioso, tudo ao mesmo tempo numa atitude própria de quem não 
separa o coração do ato de pensar, tornando-se o que C. S. Lewis chamou 
de “homem sem peito”.
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA20
Homens sem peito
Recordando disse Lewis em A abolição do homem: “Numa batalha, 
não são os silogismos que vão manter os relutantes nervos e 
músculos em seus postos na terceira hora de bombardeio. O 
mais rude sentimentalismo... em relação a uma bandeira, país 
ou regimento será bem mais útil” (Lewis, 2005, p. 22). Para 
Lewis, além de “cerebrais” (racionais) e “viscerais” (passionais), 
precisamos de “homens de peito” (íntegros, magnânimos na 
atitude, no sentimento), pois o peito é o elemento intermediário 
que transforma o homem em homem (e a mulher em mulher, 
para utilizar a linguagem inclusiva), enquanto, “pelo intelecto ele 
é apenas espírito, e pelo seu apetite ele é apenas animal” (Lewis, 
2005, p. 23). O que tudo isso me leva a pensar? As “ideias boas” e 
bem articuladas, em si, podem convencer, mas não transformam, 
não geram “homens de peito”, na acepção de Lewis, no máximo, 
homens que, para fi ns mais “sublimes”, correm o risco de ignorar 
a parte do meio, pois, como reitera ele (ora se referindo a certos 
racionalistas de sua época), “não é o excesso de pensamento 
que os caracteriza, mas uma carência de emoções férteis e 
generosas. Suas cabeças não são maiores que as comuns: é a 
atrofi a do peito logo abaixo que faz com que pareçam assim” 
(Lewis, 2005, p. 23).
Quarta recomendação: não apague o Espírito. Apagar aqui é sbennumi, 
que também signifi ca “extinguir” ou “suprimir”. Como alguém pode 
extinguir o Espírito de Deus? Não podemos extingui-lo da vida. Mas 
podemos extingui-lo de nós mesmos, calando-lhe a voz, ignorando a 
direção (ou caminhando na contramão) do vento. Já disse que toda boa 
teologia começa antes com o ouvir que com o falar, e na prática de ouvir 
a oração é indispensável. Karl Barth (2003, p. 101) disse que a oração é 
“o primeiro e fundamental ato do trabalho teológico”. Não se trata apenas 
21Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
de dobrar os joelhos (embora Barth também diga que quem não dobra os 
joelhos, não pode se levantar), mas de deixar com que Deus dobre nosso 
espírito, envergue nossa vida, realize seu trabalho em nós, subtraindo-
nos de nós mesmos, e fazendo sua luz brilhar ali no espaço em que só 
resta Ele: falando, agindo, nos interpelando. 
Espera-se que essa abertura ao Espírito se converta numa abertura 
ao outro, ao diferente e ao novo. De acordo com João Batista Libanio, 
normalmente nossa rejeição ao novo tem a ver com uma insegurança 
e um medo inconscientes. Onde atua o Espírito, porém, ali há liberdade 
(2Co 3:17) e, como expressa Libanio, “a abertura para o novo só é 
possível na liberdade”. Ele também defende a ideia de que essa abertura 
ou fechamento ao diferente também se confi gura como abertura ou 
fechamento diante de Deus, “que se manifesta ao ser humano como 
diferente, como o outro, como totalmente outro”. Em resumo: toda “boa” 
teologia começa com uma escuta atenta, em atitude de oração; mas 
também tem a ver com uma abertura, prontidão e suscetibilidade crítica 
para receber o diferente.
Jean-François Lyotard em The inhuman, diz que “estar preparado para 
receber aquilo que a mente não está preparada para pensar é o que 
merece ser chamado de pensamento” (Lyotard, 1988, p. 73). E também 
afi rma que todo pensamento (do impensável) envolve dor. Explicando: 
estamos acostumados com o “já-pensado” e é mais habitual e confortável 
lidar com esse conjunto de saberes e práticas que estão conformados ao 
“já-pensado” (Lyotard, 1988, p. 20). No entanto, não há nenhum desafi o 
em pensar o que já foi pensado – na verdade, é até um contrassenso ao 
discernimento sobre o qual venho falando. O desafi o é receber e lidar 
com o não-pensado. E o não-pensado dói, porque muitas vezes entra em 
choque com o que já havíamos pensado antes – ou alguém em nosso 
lugar. Por isso, retornando a um argumento anterior, pensar o já-pensado 
é pensar como – conforme sempre pensamos, aprendemos e aceitamos; 
já pensar o não-pensado é pensar com, isto é, pensar junto, ao mesmo 
tempo, não apenas aceitando, mas também ajudando a construir esse 
novo jeito de pensar. 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA22
A última recomendação de Paulo não é menos importante: abster-se 
do mal. De “toda forma” de mal (ponēros, i.e., o ato mal, a malevolência, 
a maldade pura e simples). Jogar fora tudo o que tenha essa feição 
malevolente. É discernir o mal e afastar-se dele. Pois o pensamento que 
se reveste do mal é o pensamento que fere todas as recomendações 
anteriores. E a melhor forma de abstenção do mal, como Jesus nos 
ensinou, é usar e oferecer o bem como moeda de troca. E não apenas 
pregar o bem, mas personifi cá-lo. Nisso consiste a vocação da teologia: 
que ela seja um pensar no qual também se imponha um fazer. E que esse 
fazer gere frutos, e que esses frutos sejam dignos de arrependimento.
Exercício de Fixação
Para recapitular o chamado ao discernimento feito por Paulo aos 
Tessalonicenses, quais são as recomendações feitas pelo apóstolo 
em 1Ts 5:19-22? 
a) Examinar tudo, rejeitar o que é fraco, preservar o que é bom, não 
apagar o Espírito, abster-se do que é diferente.
b) Examinar tudo, não desprezar, preservar o que é bom, não apagar 
o Espírito, abster-se do mal. 
c) Examinar o que te interessa, não desprezar, preservar o que é 
bom, não apagar o Espírito, fugir do mal.
d) Examinar tudo, não desprezar, preservar o que é bom, não apagar 
o Espírito, abster-se do que é diferente. 
23Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
3. O saber e a complexidade
Vocês falam como especialistas. Até parece que, quando morrerem não 
sobrará ninguém para ensinar outros a viver. (Jó 12:1, TAM)
Nesse tópico falarei sobre os desafi os que a complexidade da vida traz ao 
saber, e o transpassar desses limites por quem acha que o saber (teológico) 
tem resposta para tudo, pode sistematizar tudo, e até mesmo possui 
presciência sobre a vida, sobretudo a dos outros. Para tanto, utilizarei 
como estudo de caso aqui Jó e seus “amigos”, aos quais chamarei aqui 
de “doutores destino” – em clara alusão ao personagem “Doutor Destino” 
das histórias em quadrinho da Marvel, cujacaracterística principal é o 
orgulho exacerbado. Não fi ca difícil, portanto, identifi car o alvo principal 
de minhas preocupações aqui: o chamado “orgulho intelectual”. 
O livro de Jó é como uma grande peça teatral, com personagens marcantes 
assumindo falas em diferentes atos. Não se trata de um livro doutrinário 
ou sistemático, mas de uma poderosa e inquietante parábola sobre a vida 
e o sofrimento humanos. O enredo conhecemos bem: Jó, um homem 
íntegro e fi el a Deus, tinha uma vida próspera e era um dos homens mais 
importantes de todo o Oriente. Indo prestar contas ao Eterno, Satanás 
coloca a integridade e fi delidade de Jó em cheque, dizendo que ele se 
portava assim porque tudo ia bem com ele. “Retire tudo o que ele tem, e 
veremos onde vai parar essa fi delidade!”. O Eterno, então, permitiu que 
tudo lhe fosse retirado, porém, sem nenhuma consequência fatal. 
E assim se fez, tudo na vida de Jó entrou em colapso como num efeito 
cascata: primeiro foram os bens materiais, depois a família e, por fi m, a 
saúde de Jó. E nada de Jó pecar. Vieram seus amigos (Elifaz, Bildade e 
Zofar), que permaneceram a seu lado em silêncio, velando-lhe o profundo 
sofrimento durante setes dias e sete noites. Ao fi nal daquele tempo, Jó, 
não suportando mais a dor e miséria absurdas em que caíra, quebrou o 
silêncio e começou a amaldiçoar o dia de seu nascimento, questionar a 
razão de ser de sua existência e a despejar toda a sua revolta em Deus, 
colocando em pauta a questão do “sofrimento do justo”, tema recorrente 
nos livros de sabedoria do AT.
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA24
Sua indagação central foi: por que Deus permitiu que eu, um homem reto 
e bom, viesse a sofrer tamanho revés, tamanha miséria e a experimentar 
tão grande amargura na vida, a ponto de desejar a própria morte? Onde 
foi que eu errei para que a morte invadisse minha vida dessa maneira? 
Como o infortúnio lhe atingiu de modo certeiro e avassalador, Jó não 
tinha em quem descontar, de modo que o alvo mais natural nesse caso 
era o Eterno, a quem ele servia e era fi el. “Por que, Deus!? Por que eu? 
Por que dessa forma tão cruel?”. Quando o infortúnio e as más notícias 
batem à porta, as respostas tendem a sair logo correndo pela janela. 
A sensação de solidão e abandono é recorrente. E quem mais poderia 
suportar-nos nessa hora senão o Eterno?
Os “amigos”, porém, não entenderam assim, e logo também saíram das 
sombras e do silêncio, bancando os paladinos de Deus, mas de fato 
desempenhando o papel de “advogados do Diabo”. Sabe aquele grupo 
que liga as antenas logo que vê alguém falando de Deus e não perde a 
oportunidade de pular no pescoço de quem quer que possa estar dizendo 
algo que venha “machucar Deus” (ou o Deus de sua ortodoxia ou de sua 
teologia)? Esses foram os “amigos” de Jó.
Eles foram capazes de fi car em silêncio compreensivo só enquanto o 
amigo igualmente permanecera em silêncio, como se sua dor fosse 
menos “doída” e (para eles) menos escandalosa porque silente. Mas 
quando ele passou a gritar e a lamentar, eles saíram da condição de 
amigos para a de juízes e “doutores destino”, sabedores do que Deus 
pensa e porque as coisas acontecem como acontecem, implementando 
uma lógica própria: a de causa e efeito. 
A teologia dos amigos de Jó, como bem notou Caio Fábio em seu livro O 
enigma da graça (2002), é a “teologia moral de causa e efeito”. Para eles, 
a vida de pessoas verdadeiramente inocentes e íntegras não pode acabar 
em desgraça, porque elas não semeiam isso; quem semeia bondade 
só colherá bondade. Para eles, somente “aqueles que cultivam o mal e 
semeiam a desgraça colhem exatamente isso”, como disse Elifaz (Jó 
4:8). Segue-se que o problema de Jó e a situação em que se encontrava 
25Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
tinha uma causa ou razão certa: é porque ele estava em pecado, e é 
porque não era justo nem íntegro como reivindicava ser. 
De fato, a sabedoria bíblica atesta que “não há uma única pessoa perfeita 
no mundo; nenhuma que seja pura e sem pecado” (Ec 7:20). A retidão de 
Jó indicava um caminho de obediência, mas não uma vida sem pecado. 
Inteiramente diferente, porém, é dizer que ele caiu nessa situação porque 
era pecador; se assim fosse, como explicar a situação de tantas pessoas 
que vivem em pecado, mas não sofrem o mesmo tipo de consequência? 
O problema do sofrimento do justo é, portanto, consentâneo ao da 
prosperidade do ímpio. 
De mais a mais, com um raciocínio tão simplista baseado na lei do 
“toma lá, dá cá” (alguém só recebe aquilo que realmente merece), os 
conselhos não poderiam ser menos molestos do que os que foram por 
eles apresentados, como os de Zofar a Jó: é o seguinte, você pecou, 
fez besteira e isso é um fato, do contrário não poderia estar na situação 
em que está. Então, abra o coração para Deus e peça ajuda; se você 
abandonar o mal, limpar das mãos o pecado, “você poderá encarar o 
mundo sem sentir vergonha e andar seguro sem medo nem culpa. Você 
esquecerá das suas angústias: elas não passarão de vagas lembranças”. 
E mais: “o sol vai raiar e brilhar para você, e toda sombra será dispersa 
ao romper da manhã” (Jó 11:13-16). Simples assim. Praticamente uma 
fórmula mágica! 
Ora, a resposta de Jó não poderia ser outra e provavelmente ocorreria 
a qualquer ser humano sensível, e se revela no sentimento de traição e 
desamparo: “Alguém desesperado pelos amigos deveria ser amparado, 
mesmo que desistisse de confi ar no Todo-poderoso ...). Vocês apontam 
o que há de errado em minha vida, mas respondem à minha angústia 
com conversa fi ada (Jó 6:14, 26).
A resposta honesta de Jó me lembra das considerações de C. S. Lewis em 
seu livro A anatomia de uma dor, escrito por ele em seu período de luto 
pela morte de sua esposa. Ali Lewis revela que em sua busca por Deus 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA26
em meio a luto, tudo o que conseguiu encontrar foi “uma porta fechada 
na sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes do lado de 
dentro. Depois disso, silêncio” (Lewis, 2006, p. 31). Também assevera que 
a dor não diminui nem o tormento vai embora com consolos molestos, 
por mais bem-intencionados que sejam, nem com “evasivas”, discursos 
com ornamentação rebuscada ou explanações teológicas de toda sorte. 
Em sua experiência, o luto não é menor porque alguém diz que sua 
esposa “está melhor porque está com Deus”. E conclui acertadamente 
que, “quando você está lidando com Deus, é possível cometer toda 
sorte de equívocos” (Lewis, 2006, p. 66). Jó podia (e tinha, de certo 
modo, permissão para) estar equivocado porque ele falava de um lugar 
equívoco, o lugar da dor excruciante. Como cobrar bom senso e “doutrina 
reta” de alguém nessa situação? Mas o equívoco dos “amigos” foi maior, 
pois falavam de Deus priorizando a retidão da letra e não a singeleza do 
coração. Se o coração for duro, insensível e indolente, a letra, mesmo 
quando reta, será letra morta e também, como diria Paulo, letra que mata.
Não é à toa que Jesus não veio chamar gente (que se acha) justa e reta, mas 
pecadores ao arrependimento. Usando a metáfora de Brennan Manning 
(2005, p. 73-74), ele não veio para a elite espiritual e teológica, o pessoal 
da “auréola apertada”, mas para os maltrapilhos, isto é, a turma da “auréola 
torta”. Só quem passa pela grande miséria – ou que ao menos reconhece 
sua miséria – pode também passar pelo grande arrependimento. 
Exercício de aplicação
De acordo com o que foi lido sobre o saber e a complexidade, qual 
é a virtude de Jó que é fundamental para nossa vida intelectual e se 
relaciona com os objetivos de nossa unidade?
a) Retidão
b) Sabedoria
c) Superação
d) Honestidade
27Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
Para concluir, uma oração
Gostaria de terminar minha refl exão sobre esses dois casos orando 
assim: 
Que Deus me ensine a fazer teologia a partir do lugar da 
incompletude, da falta e, por isso, do arrependimento. Que Ele me 
livre dos consoladores molestos, sim! Mas que me livre,sobretudo, 
de me tornar um; que afaste de mim o orgulho intelectual. Pois 
não há risco mais óbvio que o de nos tornamos apenas mais uma 
variação ou versão sofi sticada daquilo que mais abominamos.
Por essa razão, ainda fi co com o bom senso advindo da Palavra 
de Deus, que me instrui aqui e acolá a evitar a frivolidade dos 
caminhos fáceis e a leviandade das respostas prontas, cujo convite 
é o do discernimento, da coragem e do enfrentamento da vida e 
suas intempéries, com confi ança e esperança no Deus de amor, 
sabedor de que Ele caminha com a gente, desde as montanhas 
mais altas aos vales mais escuros; das avenidas iluminadas aos 
becos da existência, sem que saibamos exatamente o “como” nem 
o “porquê”. 
Assim, que o orgulho intelectual, o péssimo hábito religioso da 
literalidade e do pré-juízo, bem como o seu famigerado gosto por 
repetições, não mais nos impeçam de encontrar Deus no lugar 
improvável, no aparentemente escuso e no inesperado. Pois 
teologia e fé que não se deixam surpreender por Deus são coisas 
tremendamente enfadonhas e pouco frutíferas; de novo, meras 
repetições.
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA28
Referências
BADIOU, Alain. São Paulo: a fundação do universalismo. São Paulo: 
Boitempo Editorial, 2009. 
BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. 8ª ed. São Leopoldo: 
Sinodal, 2003.
KANT, Immanuel. Perpetual peace and other essays. Indianapolis: 
Hackett, 1983. 
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 
2005. 
LYOTARD, François. The inhuman. Refl ections on time. Cambridge: Polity 
Press, 1988.
MENEZES, Jonathan. Humanos, graças a Deus! Em busca de uma 
espiritualidade encarnada. 2ª ed. São Paulo: Recriar, 2018.
NOUWEN, Henri. O sofrimento que cura. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2002.
PETERSON, Eugene. A Mensagem. A Bíblia em linguagem contemporânea. 
São Paulo: Vida, 2011.
STOTT, John. Ouça o Espírito, ouça o mundo. Como ser um cristão 
contemporâneo. São Paulo: ABU Editora, 1998. 
WRIGHT, N. T. Paulo: uma biografi a. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2018.
29Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
UNIDADE II – Caminhos e descaminhos do saber (parte 2)
Introdução
Na primeira unidade, tratei de uma questão delicada e importante: a ética 
da vida intelectual, principalmente aplicada ao contexto de formação 
de novos/as teólogos e teólogas cristãos/cristãs. Utilizei como mote 
principal o famoso dito atribuído ao fi lósofo Sócrates “só sei que nada 
sei”, tanto para dizer que esta é uma assunção necessária, quanto 
para contestar a apropriação apenas formal, no contexto acadêmico, 
da sabedoria nela explícita. Lidei com os temas da arrogância, orgulho 
intelectual e a disputa por poder como os principais descaminhos do 
saber e da vida intelectual. 
Para fechar essa primeira parte do curso, uma introdução à vida 
intelectual, nesta unidade defenderei que a humanização (e humilhação) 
do intelectual torna-se uma via mais que necessária em tempos de 
egotismo exacerbado, violência simbólica e exclusão. Através dos dois 
últimos pontos que a seguir apresento, desejo fomentar a construção e 
vivência de uma teologia humilhada, isto é, o tipo de teologia que emerge 
do seguimento radical de Jesus, o que pressupõe o esvaziamento do 
anseio por poder para tentar permanecer na casa do amor. Que o Senhor 
nos guie em sabedoria, e mantenha nossas mentes e ouvidos abertos 
para aprender com sua Palavra.
Objetivos da unidade
1. Compreender os problemas que o que chamo de “péssimo hábito da 
literalidade e do prejuízo” pode acarretar para a vida intelectual;
2. Identifi car benefícios do que Paulo chama de “renovação do 
entendimento” ou metanoia para a vida cristã e a vida intelectual;
3. Reconhecer o lugar e a importância da consciência no exercício da fé 
e para a convivência humana;
4. Desenvolver, ao menos inicialmente, a coragem de ser e de saber em parte.
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA30
1. O péssimo hábito da literalidade e do prejuízo
Um dos grandes descaminhos do saber se encontra no que chamo aqui 
de “péssimo hábito da literalidade e do pré-juízo”. Pois, como já insisti 
anteriormente, tomar as coisas como dadas, tal como emergem na 
superfície, pode comprometer o juízo e a interpretação que oferecemos 
sobre as situações, os objetos de estudo, e as pessoas. O desafi o aqui é 
desconfi ar do dito e de meus pressupostos inicias sobre ele; é indagar sobre 
os possíveis “não-ditos” ou “mal-ditos” subjacentes nos ditos. Em suma, 
nem tudo é sempre tão óbvio quanto pode parecer. Ilustro com uma história.
Certa vez, um pastor conhecido cantou a música “Epitáfi o”, dos Titãs, junto 
com sua banda em um dos cultos de sua igreja, e tomou esta decisão 
pois a letra desta música tinha muito a ver com a refl exão endereçada 
por um outro pastor convidado para trazer a mensagem pregada naquele 
domingo. Em seguida, publicou um trecho em vídeo daquele momento 
em sua conta no Instagram, e (como já era de se esperar) foi execrado por 
uma massa de “irmãos” (digo com certa relutância, em relação aqueles 
que julgam e condenam em nome da fé), não só por cantar uma música 
“secular” num culto cristão, mas por ser esta uma canção cujo refrão diz: 
“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”. Sem entrar em 
mais detalhes ou no mérito (que não vêm ao caso), duas questões me 
preocupam nesse exemplo, sobre as quais quero comentar aqui. 
A primeira questão nasce do mui antigo dualismo sagrado versus secular. 
O pressuposto, nesse caso, é: existe música “do mundo” e existe “música 
de Deus”. Na igreja a gente só pode ouvir e cantar música de Deus (isto 
é, gospel), nunca do mundo. Escuto esse discurso sectário desde que me 
conheço como cristão, mas para mim ele nunca fez sentido (falo apenas 
por mim aqui, que fi que bem claro!). Explico. Porque tem música que se 
diz ser “pra Deus”, mas que simplesmente não consigo cantar (ou sequer 
suporto ouvir), porque fere meus ouvidos de tão ruim no conjunto letra, 
teologia e a melodia. Pode até comover, mas não muda um centímetro da 
vida; fala de Deus, mas só para massagear o ego. 
31Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
Além disso, não me fazem pensar, não mexem com minhas entranhas, não 
me instam a olhar para o próximo, ao micro e macro ambientes que me 
cercam, a relacionar a Palavra com as questões do cotidiano, a adorar a 
Deus e celebrar a vida em comum-unidade, até porque centram-se quase 
inteiramente no indivíduo e seus problemas particulares. Como diz a 
canção “É proibido pensar”, de João Alexandre, “são sempre variações do 
mesmo tema, meras repetições” – e me pergunto até quando insistiremos 
em repetir e variar, em segregar e não pensar, em vociferar e não dialogar? 
Certas coisas parecem ser insuperáveis no meio religioso em que vivemos.
Em contrapartida, tem tanta música feita por gente “do mundo” que consegue 
fazer o que falta a muitas canções cristãs: cantar as belezas divinas, sem 
necessariamente falar o nome de Deus, e retratar os dramas da vida humana 
e os gemidos da criação. Para citar só um exemplo dentre tantos: “Sol de 
primavera”, de Beto Guedes, é uma canção “do mundo” que pode ser entoada 
como hino a Deus, pois fala de dor, fraternidade e esperança, sobre semear 
a boa nova, sobre andar a segunda milha com quem chora, sobre aprender 
a viver e ser melhor. (É óbvio que tem muita música cristã que também faz 
isso com competência, mas esse tópico não é sobre elas).
Pensando melhor (e aqui a/o convido a refl etir também): eu sou de Deus 
e eu faço parte do mundo; o mundo é de Deus (embora boa parte dele 
seja tomado pelo maligno), e todas as coisas boas nele existentes são 
fruto de Sua Graça; atributos invisíveis, como disse Paulo; imagem e 
semelhança do Criador. Se eu respiro, ando, vivo, canto, choro, sofro e me 
alegro dando ações de graças “em tudo”, não tenho razão alguma para 
perder tempo com dualismos religiosos infantis. Logo, não existe música 
de Deus versus música do mundo; existe música boaversus música 
ruim, e para todos os gostos. Portanto, discernir é preciso; segregar não 
é preciso. Agora, se não gosta ou não aprova; se para você esse tipo de 
fazer não convém a sua forma de fé (o que deve ser respeitado, sem 
dúvidas), ao menos não julgue nem discrimine quem vivencia sua fé 
com liberdade e gratidão – o que não tem nada a ver com “do jeito que 
bem entende ou quer” (se tem dúvidas sobre o que liberdade e gratidão 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA32
signifi cam biblicamente, releia o que escrevi sobre “essa tal liberdade” 
na unidade 1. O que digo aqui não deve ser colocado em choque com 
o que disse lá). Somente Deus conhece e examina o coração, lugar por 
excelência do louvor.
Exercício de aplicação
Em 1João 3.30, lemos: “E, ainda que a consciência nos condene, 
Deus é maior que nossa consciência e sabe todas as coisas”. É 
sobre esse texto que refl ete o podcast acima. Diante do que foi 
discutido até aqui e desse podcast, responda: “Que frutos o 
exercício da honestidade, um exame do coração e da consciência, 
pode trazer para a vida intelectual”?
Acesse o AVA e ouça o Podcast para fazer o exercício!
A segunda (e central) questão diz respeito ao péssimo hábito da 
literalidade e do pré-juízo. 
A música “Epitáfi o”, dos Titãs, parece-me ser apropriada para uma 
refl exão sobre essa vida que vivemos. “Epitáfi o” nada mais é que aquela 
inscrição da lapide do túmulo no cemitério. Geralmente ali se escreve 
aquilo que a pessoa foi, uma qualidade dela. Exemplo: “Aline, esposa 
fi el, mãe dedicada, mulher irrepreensível”. A música, porém, inverte 
isso e apresenta uma lista de coisas que a pessoa queria ter feito, mas 
não fez. Em suma, é como se ela dissesse: “Eu queria e devia ter vivido 
melhor, curtido intensamente os momentos singulares da vida, mas 
não consegui”. Fala de ideais de vida possíveis, mas de um lugar de 
impossibilidade: o instante da morte. Embora tratemos a morte com 
extrema recusa, estranhamento e medo muitas vezes, ela tem uma 
função pedagógica: lembrar-nos sobre como temos vivido e que valor 
damos à vida e às pessoas a quem mais amamos. A poesia dos Titãs, 
porém, chama atenção a dois problemas pelo menos (um prático e outro 
teórico) – que, por sua vez, não anulam a meu ver sua beleza poética e 
33Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
sua utilidade para a refl exão, nem a torna necessariamente “proibida” de 
se cantar na igreja. Primeiro, mostra que, nos últimos instantes de vida, 
quando não há mais nada a ser feito, alguém lamenta o que poderia ter 
sido feito, mas não foi ou não fez. Segundo, afi rma que “o acaso vai me 
proteger enquanto eu andar distraído”. 
Aqui chegamos ao coração da questão: o acaso – uma palavra que diz 
respeito a coisas que acontecem sem causa, sem razão aparente – 
ao que me parece, não escolhe a quem vai atingir, nem tampouco tem 
“protegidos”. Se tudo depender do acaso, então minha vida está nas 
mãos daquilo que há de mais incerto e implacável. O que pouca gente 
sabe, porém, é que o acaso é considerado biblicamente como parte 
integrante da existência, e não um mal a ser extinto (nem poderia). Senão, 
examinemos brevemente o famoso versículo do livro de Eclesiastes em 
que a palavra aparece:
Percebi ainda outra coisa debaixo do sol: Os velozes nem 
sempre vencem a corrida; os fortes nem sempre triunfam na 
guerra; os sábios nem sempre têm comida; os prudentes nem 
sempre são ricos; os instruídos nem sempre têm prestígio; pois 
o tempo e o acaso afetam a todos. (Ec 9:11, NVI, grifos meus)
O autor aqui desvela uma verdade inconveniente: nem sempre o que 
era para acontecer, segundo uma ordem esperada de coisas, acontece. 
O honesto nem sempre “vence na vida”; atos de bondade nem sempre 
são recompensados do mesmo modo; ou ainda, como se diz em outra 
tradução, “as pessoas mais capazes nem sempre alcançam altas 
posições. Tudo depende da sorte e da ocasião” (NTLH), ou do tempo e do 
acaso. A palavra em inglês para acaso é chance, e diz respeito a ausência 
de controle e presciência sobre tudo o que de bom ou de ruim acontece 
debaixo do sol. “Cedo ou tarde”, afi rma-se na tradução A Mensagem 
(TAM), “a má sorte atinge a todos”. Isso mesmo: todos! Mesmo os que 
creem na proteção divina, não estão blindados (isto é, completamente 
protegidos) contra ele. O acaso, portanto, pode não ter protegidos, como 
sugere o autor da canção, mas ninguém passa por esta vida sem ser 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA34
afetado/a por ele. É o que diz a Bíblia no livro de Eclesiastes. Quem tem 
ouvidos para ouvir, ouça!
Texto de apoio
Uma mudança aleatória nos padrões do tempo provoca muita 
ou pouca chuva sobre determinada região agrícola, destruindo 
a safra de um ano. Um motorista bêbado joga seu carro na 
contramão e colide com o Ford verde a alguns metros de distância 
do Volkswagen vermelho. O motor do avião do voo 205, em vez 
daquele do voo 209, entra em pane, infl igindo uma tragédia a 
um grupo de famílias e não a outro. Não há qualquer mensagem 
em tudo isso. Não há razão especial para que uns e não outros 
sucumbam à desgraça. Esses eventos não refl etem escolhas de 
Deus. Eles ocorrem ao acaso, e a casualidade é outro nome para 
o caos, naqueles cantos do universo onde a luz criativa de Deus 
ainda não penetrou. E o caos é mau. Não que seja errado ou 
malévolo; não obstante, ele é mau, por provocar tragédias ao acaso 
e, assim, impedir as pessoas de crerem na bondade de Deus. (...) 
O caos residual, a sorte e o azar, coisas que acontecem sem razão, 
continuarão conosco – o tipo de mal que Milton Steinberg chamou 
de “andaimes ainda não removidos do edifício da criatividade de 
Deus”. Nesse caso, teremos simplesmente de aprender a conviver 
com ele, sustentados e confortados pelo conhecimento de que o 
terremoto e o acidente, como o assassinato e o roubo, não são da 
vontade de Deus, mas representam aquele aspecto da realidade 
que, a despeito dela, subsiste, e que angustia e entristece a Deus 
da mesma forma que nos angustia e entristece. (Kushner, 2008, p. 
71, 73, grifos meus)
O habito da literalidade é “péssimo” porque não nos permite questionar, 
não nos capacita a lidar com os paradoxos, a ponderar o imponderável, 
não admite “contradições” de toda sorte – embora as Escrituras mesmas 
35Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
coloquem essas contradições bem diante dos nossos olhos, só não vê 
quem não quer. Então, julgamos quem canta a música dos Titãs como 
“traição à fé” (resta saber de que fé estamos falando), sem saber o 
que cada um carrega no coração quando canta, e como se apropria da 
canção. Os detratores do pastor e sua comunidade não estiveram no 
culto naquele dia, e não poderiam ter a dimensão do signifi cado que 
aquela canção teve para aquelas pessoas ali reunidas. Não obstante, 
como é usual no meio religioso, deixaram-se levar pelas aparências, 
optaram pelo caminho da segregação, do ódio e do julgamento típicos de 
uma certa religião. Afi nal, sempre é mais fácil julgar do que compreender, 
condenar do que discernir, empregar fórmulas mágicas do que enfrentar 
a complexidade da vida de peito aberto e com a franqueza de às vezes 
poder dizer “eu não sei”. Porque é mais honesto.
 2. Transformando inteligências e não inflando egos
“Não imitem o comportamento e os costumes deste mundo, mas 
deixem que Deus os transforme por meio de uma mudança em seu 
modo de pensar” (Rm 12:2a, NVT).
O caminho da alma dividida
Talvez não haja sentimento humano pior que o de estar dividido: entre 
mundos, desejos, valores, amores, escolhas e estilos de vida opostos 
ou confl itantes. A sensação é a de violação interior: somos violados 
internamente todas as vezes em que não conseguimos ser quem somos 
e, simultaneamente, agradar a todas essas forças que o tempo todo 
parecem guerrear dentro de nós, ora nos empurrando para um lado, ora 
puxando para outro. É uma espécie de escravidão, porque são essas 
forças e não nós mesmos (muito menos Deus) que exercemo controle 
sobre nossas vidas. 
O exemplo neotestamentário clássico é o de Paulo, em Romanos 7, 
quando apóstolo narrou seu drama interior entre desejar fazer um tipo 
de coisa – por entender, pela lei de Deus, que era bom e correto – e ver-
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA36
se seguindo a via completamente oposta, pela força da “lei do pecado” 
que habita em seus membros. “Quero fazer o bem, mas não o faço. Não 
quero fazer o que é errado, mas, ainda assim, o faço” (Rm 7:9, NVT). E, 
como ele deixa bem claro naquele texto, a força para vencer (ainda que 
não de uma vez por todas) esse confl ito não reside nele mesmo, mas na 
graça de Jesus Cristo.
Ou seja, ao mesmo tempo em que aprendemos que estar dividido faz 
parte da experiência humana – pois é fruto da angústia de querer e não 
poder, ou de não querer, e ainda sim fazer –, também sabemos que isso é 
tremendamente destrutivo, pois nos faz escravos do pecado e de nosso 
ego (o que dá no mesmo). O ser dividido é um ser adoecido, carente de 
seu brilho humano original. 
No próprio texto de Romanos 7 Paulo relembra o nome desse mal: 
“cobiça”. A cobiça é o que me faz desejar algo que está além de minhas 
possibilidades; e, quando ela toma conta dos meus membros, é também o 
que interdita o bem que eu quero fazer, mas não consigo. Ela normalmente 
começa com um pensamento (falo como mestre da cobiça!), um simples 
e aparentemente inócuo pensamento. Na medida que vai tomando forma, 
esse pensamento vai chamando outros pensamentos e corporifi cando 
um desejo, que logo toma conta do coração (o centro da vontade); e, 
quando ocupa o coração, se enraíza e faz morada ali, se espalhando para 
os membros do corpo e demandando atitudes concretas de satisfação. 
Nesse âmbito, a lei de Deus já não tem poder algum a não ser o de aguçar 
a concupiscência (o desejo pecaminoso).  
A cobiça é, portanto, a mãe e a mestra da alma dividida!
Saiba mais!
A cobiça, a alma dividida e a identifi cação com o pensamento estão, 
segundo Eckhart Tolle, na origem do ego, que é uma ilusão a respeito de 
quem somos, porque se constitui basicamente da identifi cação com as 
formas, o que inclui o que pensamos ser bom, o que pensamos sobre nós, 
nossos desejos e o que pensamos ser a realidade. Ele conta uma história 
37Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
que elucida bem esse ponto:
‘O fi lósofo do século XVII René Descartes, 
considerado o fundador da fi losofi a moderna, deu 
expressão a esse erro fundamental com sua máxima 
(que considerou a verdade básica): “Penso, logo 
existo”. Essa foi a resposta que ele encontrou para 
a pergunta: “Há alguma coisa que eu possa saber 
com certeza absoluta?” Descartes compreendeu 
que o fato de estar sempre pensando estava além 
da dúvida, assim igualou o pensamento ao Ser, 
isto é: a identidade – o “eu sou” – ao pensamento. 
Em vez da verdade suprema, ele havia detectado a 
origem do ego, mas não sabia disso.
Passaram-se quase 300 anos antes que outro renomado fi lósofo francês visse 
algo naquela afi rmação que Descartes, assim como todo mundo, não havia 
percebido. Seu nome era Jean-Paul Sartre. Ele refl etiu muito sobre a afi rmação 
de Descartes “Penso, logo existo” e, de repente, compreendeu algo. Em suas 
próprias palavras: “A consciência que afi rma ‘eu sou’ não é a consciência que 
pensa”. O que ele quis dizer com isso? Quando estamos conscientes de que 
estamos pensando, essa consciência não faz parte do pensamento. É uma 
dimensão diferente da consciência. E é essa consciência que diz “eu sou”. Se 
não houvesse nada além do pensamento em nós, nem sequer saberíamos 
que pensamos. Seríamos como alguém que está sonhando e não sabe que 
está fazendo isso. Estaríamos identifi cados com cada pensamento assim 
como aquele que sonha está vinculado a cada imagem no sonho. Muitas 
pessoas vivem desse jeito, como se andassem nas nuvens, presas a antigos 
modelos mentais anormais que recriam continuamente a mesma realidade 
de pesadelo. Quando sabemos que estamos sonhando, é porque estamos 
despertos no sonho – outra dimensão da consciência se estabeleceu.
A implicação da percepção de Sartre é profunda, mas ele próprio ainda estava 
identifi cado demais com o pensamento para reconhecer o pleno signifi cado 
do que descobrira: uma nova dimensão emergente da consciência.’.
(Fonte: Tolle, 2007, p. 53-54)
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA38
A cobiça é aguçada por nossa identifi cação com o pensamento, como 
postulou Eckhart Tolle (2007). Acreditamos que somos o que pensamos, 
que o mundo é como pensamos, ou que as coisas deveriam ser como 
pensamos que são. Com isso, além de acreditar que o ser é pensamento 
(penso, logo existo!), também passamos a acreditar nas, e nos 
identifi car com as, coisas que passam pelo pensamento – nem todas 
elas verdadeiras, nem puras, nem justas, nem honestas ou dignas de 
confi ança, isto é, as coisas em que de fato deveríamos pensar, segundo 
Paulo (Fp 4:8). Além disso, a cobiça inibe a gratidão, que é a virtude que 
lhe faz oposição, pois nos faz tratar o que é nosso com desdém e, assim, 
desejar e valorizar o que é outro ou do outro. Logo, a cobiça também é a 
mãe e a mestra da ingratidão e da ausência de amor próprio.
Exercício de reflexão
O que você normalmente faz quando os pensamentos, sejam eles 
cobiçosos ou de qualquer outra natureza, assaltam sua mente? 
Escreva aqui uma estratégia pessoal, à luz das refl exões acima, para 
lidar com pensamentos e emoções “fora de lugar”, especialmente 
em como fi ltrá-los na relação com outras pessoas.
Inteligências transformadas
Utilizei de propósito os termos “pensamentos” e “emoções” numa 
mesma sentença porque, numa compreensão holística do humano e 
suas metodo-logias (a lógica de seus métodos ou caminhos, por assim 
dizer), razão e emoções andam de mãos dadas, ainda que em grande 
parte da fi losofi a e da teologia modernas tenha se dado mais ênfase 
e vazão à primeira do que às segundas. Tenho a impressão de que a 
vida acadêmica ainda tende a atrair o pressuposto, que Robert Solomon 
chama de “acrítico e provavelmente falso” sobre a fi losofi a, a teologia e a 
natureza humana “de que somos antes de tudo seres conhecedores e só 
secundária ou patologicamente criaturas sencientes também” (Solomon, 
2011, p. 74). Ou seja, caminhamos em um terreno em que a razão ainda 
39Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
é vista como a senhora e mestra, enquanto as emoções seriam como 
vassalas ou, no máximo, aprendizes muito contumazes (isso tem alguma 
ligação sobre o que falei anteriormente, em conversa com Eckhart Tolle, 
sobre ser cativos de nossos pensamentos). Nesse sentido, a pesquisa 
de Solomon é muito interessante e importante, porque ele parte do 
princípio de que emoção pode envolver a presença e o reconhecimento 
de certos sentimentos, mas que “emoção não é sentimento”, nem uma 
“ocorrência fi siológica”, tampouco deve ser compreendida em termos 
de “comportamento individual apenas”. Emoção é “antes de tudo uma 
prática social e política, uma das práticas defi nitivas de se ter uma vida 
decente e apaixonada junto a outras pessoas” (Ibid., p. 77). 
O ponto aqui é: não somos, portanto, criaturas unicamente racionais, 
mas “temos também emoções”, como completa Solomon em outro 
lugar: “Vivemos por meio delas e são elas que conferem sentido a nossas 
vidas. O que nos interessa ou fascina, quem amamos, o que nos enfurece, 
o que nos mobiliza, o que nos entedia – tudo isso nos defi ne, dota-
nos de personalidade, constitui o que somos” (Solomon, 2015, p. 15). 
Inteligências transformadas, para começo de conversa, são as daquelas 
pessoas que conseguem fazer o uso de todo o seu ser, e de toda a sua 
personalidade, sua história e experiência de vida, de suas emoções 
unindo-as ao compasso de suas sinapses cerebrais, no ato refl exivo (sim, 
porque a refl exão é, também, uma forma de ação). 
Texto de apoio
A metodologia de Ankersmit
Enquanto historiador, você tem de fazer uso de toda a sua 
personalidadequando escreve história, sem permitir que qualquer 
parte dela seja sacrifi cada no altar de alguma ilusão científi ca 
desorientada. ‘L’histoire se fait avec des documents’ [a história 
se faz por meio de documentos] – de fato, mas também com 
historiadores. (Ankersmit, 2005, p. 191)
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA40
A tese de Solomon
Desejo, também, defender a tese de que não somos meras vítimas 
passivas de nossas emoções; somos bastante ativos quando as 
constituímos e cultivamos. Em outras palavras, não podemos 
simplesmente usar nossas emoções como desculpas para nosso 
mau comportamento. (“Não pude evitar, estava com raiva.” / “Sinto 
muito, só estava com ciúme quando disse aquilo”). Somos nossas 
emoções, tanto quanto somos nossos pensamentos e ações. Além 
disso, desejo argumentar que emoções não só são inteligentes 
como intencionais, em um sentido surpreendentemente forte. São, 
às vezes, talvez até com frequência, estratégias para avançar no 
mundo. São um meio de motivar, guiar, infl uenciar e, por vezes, 
manipular nossas ações e atitudes dos outros. Desse modo, 
somos em grande medida responsáveis por nossas emoções, algo 
que geralmente negamos, pela mais interesseira das razões – criar 
desculpas para nós. Desejo, portanto, passar uma boa parte do livro 
examinando e, até certo ponto, rejeitando as desculpas teóricas com 
as quais tentamos nos “safar”, sugerindo, por exemplo, que nossas 
emoções são “forças psíquicas internas a nós” ou que “emoções 
são essencialmente irracionais”. Compreender verdadeiramente a 
natureza de nossas emoções e como expressam e corporifi cam 
nossos mais profundos valores constitui o começo da integridade 
emocional. (Solomon, 2015, p. 17)
Em Romanos 12, Paulo deixa claro que a transformação passa, portanto, 
pela entrega de nosso ser inteiro a Deus como “sacrifício vivo e santo, do 
tipo que Deus considera agradável” (Rm 12:1). O ensinamento presente 
nos dois versículos iniciais deste capítulo, para mim, pode assim ser 
resumido: 
Adoramos a Deus em um corpo. O que fazemos nesse corpo é expressar 
louvor a Deus em tudo o que fazemos: (1) de modo inteiro; (2) de modo 
consciente; (3) de modo corajoso, a partir do centro (core, coração) de 
41Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
quem somos, da vontade de Deus, muitas vezes na contramão do mundo; 
(4) de modo mutante – isto é, por meio da renovação, não conservação 
(como tende a ser nosso costume), de nosso modo de pensar pelo Espírito.
Agora vamos falar mais especifi camente, começando por perguntar: que 
tipo de sacrifício é esse? Não se trata de uma oferta tipicamente religiosa, 
porque o sacrifício vicário, último e sufi ciente (de Jesus na cruz) pôs 
fi m à necessidade de ofertas dessa natureza. O que “está consumado” 
não pode ser revogado, tampouco barateado no altar das “oferendas 
espirituais”. Trata-se precisamente do nosso coração. Ou seja, até para 
que a cobiça não mais tome conta do coração e faça dele um escravo, é 
necessário oferecê-lo inteiramente a Deus. Somente assim o coração – e 
tudo o mais no ser humano – poderá ser livre ou rumar para a liberdade.
O passo conseguinte dessa liberdade está em não mais ter de mimetizar 
os modos de ser e pensar de nossa cultura, especialmente aqueles que 
nos conduzem ao velho problema da cobiça e, portanto, são confl itantes 
com a vida de e em Deus. E aqui entra em questão o que mais quero 
chamar atenção nesse caso: a transformação pela qual alegamos ter 
passado, no momento de nossa conversão (ou da entrega de nosso 
coração a Deus), implica em um modo novo e diferente de pensar-ser: 
do pensar que se conforma ao pensar inconformado. 
O primeiro é o que segue as tendências, modismos e fl utuações de seu 
tempo e cultura; é o pensamento que se adapta de acordo com os ditames 
de seu entorno, que “se mundaniza” ao se curvar ao modus operandi e às 
urgências de seu tempo. Para o conformado, a essência está na forma; há 
nele/a uma recusa permanente de ir mais fundo, de desconfi ar do que está 
posto, de caminhar com as próprias pernas. Em contrapartida, o segundo 
é o que quero chamar aqui de “pensamento mutante”. É mutante porque, 
embora assuma uma certa forma (de modo simples, não há pensamento 
fora do corpo, e o corpo já é, por si só, uma forma), não se identifi ca 
de modo indelével com ela. Está mudando constantemente não apenas 
por não aceitar os moldes impostos por seu entorno (e aqui me refi ro 
tanto a conteúdos quanto a formas), quanto e principalmente porque 
| Metodologia da Pesquisa Científica I | FTSA42
procura seguir o sopro do Espírito de Deus – o mais selvagem sopro do 
universo! E na medida em que o Espírito de Deus, como sabemos, nunca 
para de soprar – a despeito de nossa incapacidade de escutar o que Ele 
sopra – o pensamento de quem procura segui-lo nunca para de mudar, de 
amadurecer, de se trans-formar. 
Por isso esse pensamento é, no geral, in-con-formado; suas formas são 
assumidamente provisórias; sua teologia é feita a partir do caminhar e 
da jornada e, por isso, resiste a moldes ou formatações permanentes. 
É construída a partir de constantes esboços de saber-fazer-agir à luz 
da Palavra, e como resposta crítica às necessidades de seu contexto. 
E assim, pela graça, vai “experimentando” aqui e acolá relances da “boa, 
agradável e perfeita vontade de Deus para vocês” (Rm 12:2b). 
Exercício de fi xação
Segundo o que acabamos de estudar, o que difere o modo de pensar-
ser-fazer inconformado do conformado? Assinale a alternativa 
correta:
a. O inconformado é essencialmente indignado com tudo e com 
todas as formas; já o conformado apenas aceita a realidade como 
ela é. 
b. O inconformado é o que não aceita tomar forma alguma; já o 
conformado facilmente se ajusta e se adapta às formas.
c. O inconformado reconhece a natureza provisória da forma, e, 
por isso, segue o sopro do Espírito; o conformado acredita que a 
essência está na forma, e se identifi ca sem problemas com seu 
entorno por isso.
No verso bíblico acima citado é possível encontrar um claro 
contraste entre apenas conhecer e o experimentar: há muitos 
que conhecem cognitivamente a vontade de Deus (como o Paulo de Rm 7 
dizia conhecer bem “a lei de Deus”), mas somente aqueles que permitem 
43Metodologia da Pesquisa Científica | FTSA | 
ser transformados por Deus e sua graça é que a experimentam de fato. 
Mas o que isso significa concretamente?
Bem, há vários sinais dessa transformação que Paulo nos vai apontando 
ao longo do capítulo 12, sendo o mais marcante deles, a meu ver, a 
capacidade de se humilhar. Começando por ser “honestos em nossa 
autoavaliação” (12:3), andando de acordo com o que Deus nos deu 
e não se julgando maior nem melhor do que ninguém. Por outro lado, 
o comportamento cobiçoso é irmão do comportamento orgulhoso: 
na medida em que almejamos ser mais do que nos cabe, isso vem 
acompanhado de querer ser mais que os outros – e logo achar que sabe 
mais, que é mais inteligente, e que a luz de seu pensamento reluz tanto 
que torna o do outro uma mera sombra. 
Não se trata aqui de negar quem somos e o que sabemos, tampouco 
de esconder isso, mas de saber que no Reino de Deus não há espaço 
para “egos infl ados”. O dom de Deus foi feito, sim, para ser externado e 
partilhado, e realizado com excelência: que o profeta profetize na medida 
do dom de Deus; que o mestre ensine bem; que o servo que sirva com 
dedicação; já o que lidera, que o faça de modo responsável (cf. 12:6-8). 
No ato de partilhar, porém, precisamos aprender não usurpar o lugar uns 
dos outros, porque, como lembra Paulo: “Somos membros diferentes do 
mesmo corpo, e todos pertencemos  uns aos outros”. E, como diz a 
poesia de Beto Guedes na canção “O Sal da Terra”: 
Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais 
que dois
Pra melhor juntar as nossas forças é só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois.
A inteligência transformada é fruto de um coração transformado; fruto 
da cabeça

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