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A formação das almas - José Murilo de Carvalho

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CARVALHO, José Murilo de. República-mulher: entre Maria e Marianne. In: CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 75-108.
	Cientista político e historiador brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras desde 2004, José Murilo de Carvalho, atualmente professor da UFRJ, é autor de dez livros, dentre eles, A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil, ao qual analisaremos o quarto capítulo deste livro, intitulado República-mulher: entre Maria e Marianne. Ele analisa a utilização da figura feminina pela república brasileira, em comparação à mesma utilização feita pelas repúblicas francesas, chegando-se ao entendimento do porquê, no Brasil, tal utilização não vigorou tanto quanto na França. Nesse sentido, Carvalho inicia analisando primeiramente a França, para então comparar com o Brasil.
	A monarquia francesa tinha como símbolo o rei, enquanto a República incorporou o símbolo da figura feminina, com inspiração da Grécia, onde a mulher já era símbolo da liberdade. Esta representação perdurou desde a Primeira República até a Terceira República. Um exemplo citado pelo autor, de grande repercussão, é o quadro de Delacroix intitulado A Liberdade Guiando o Povo – uma das principais, ou a principal, obras do romantismo –, a qual era representada por uma figura de mulher a traços populares. Pouco depois de Deladroix, Rudé deixou gravado em um dos pilares do Arco do Triunfo da Place de l’Étoile o quadro chamado A partida dos voluntários, em que uma figura idealizada e beligerante de mulher lidera combatentes para a guerra.
	Houve uma distinção entre as duas repúblicas, uma burguesa e uma socialista, distinguindo-se pela maneira de se representar a mulher ou pelos atributos que a rodeiam – como a presença ou ausência do barrete frígio, indicação do radicalismo, enquanto a bandeira tricolor vai aos poucos representando a moderação. No entanto, foi na Terceira República que a figura feminina se popularizou como representação da República, em oposição à imperial de Napoleão III, na figura de Marianne – mais exacerbado na Lettre a Marianne, de Félix Pyat –, que fora um nome popular de mulher. Como reação, o governo incentivou o culto da Virgem Maria, e, com a Terceira República, a Marianne tornou-se culto oficial. Mas ao longo que as relações entre republicanos e socialistas se complicaram, novas figuras foram surgindo: o operário de torso nu e a internacional, com a Marianne passando a representar a nação, e não mais a república.
	Os caricaturistas da imprensa periódica foram os primeiros a utilizarem da figura feminina para representar a república, mesmo que anteriormente à proclamação. Às vezes essas representações adquiriam aspectos belicosos, indicados geralmente por uma espada. Tudo permanecia dentro do modelo clássico: Atena assumia sua feição guerreira original, abandonando por algum tempo seu lado de protetora da paz. Os pintores praticamente ignoraram o simbolismo feminino na representação do novo regime, a não ser o trabalho de um pintor pouco conhecido, Manuel Lopes Rodrigues, com a Alegoria da República. Atribui-se o mesmo à escultura, apenas com alguns bustos de mulher representando a República.
	Cabe destaque à parte para os positivistas. Em sua concepção, a república faz parte da sua representação de mundo, porém não detêm-se apenas a ela, com a humanidade, a pátria e a família constituindo os maiores valores positivistas – e em que a mulher representa a humanidade, com o símbolo perfeito sendo a virgem-mãe, reprodutora autossuficiente, sem ajuda externa. Os positivistas não se prendiam aos modelos clássicos, e as suas alegorias femininas se afastavam do modelo brasileiro. Davam ainda maior importância à raça negra do que à branca, caracterizando-a superior.
	A tentativa de utilização da figura feminina pela República, copiando-se os franceses, resultou em estrondoso fracasso, com a República não criando imagem própria, ou não redefinindo politicamente o uso da estética já existente, sendo os positivistas um caso isolado. Além disso, os inimigos da República na França, se utilizavam da caricatura para ridicularizar o regime, tratando-a como prostituta, por exemplo. No Brasil, Carvalho busca as razões para o fracasso da representação da República como mulher, recorrendo a uma observação já feita por Baczko, de que o imaginário necessita de uma comunidade de imaginação para criar raízes, inexistente no Brasil. Por exemplo, na França as mulheres representaram papel real nas revoluções, enquanto no Brasil não havia corpo político feminino – até mesmo entre os positivistas, que a achavam superior aos homens.
	O autor inicia a sua conclusão ao apontar que todos os artistas brasileiros, dos neoclássicos aos românticos e impressionistas, se embebedaram das fontes europeias – inclusive às custas do imperador. Os retratos eram de mulheres de alta classe, sem mulatos, negras ou índias. Mulheres índias apareciam na tela dos pintores, que, no entanto, não eram índias de verdade, mas sim recriações românticas da figura indígena. O Brasil, no Império, então, não representou o índio como pátria, mas sim através de um nativismo romântico. As representações das mulheres, à época da proclamação, não eram mulheres agentes, e sim sensuais. Então lança a pergunta de porque os artistas brasileiros não foram mais além, deixando-se essa representação e partindo-se para a francesa? Ele responde que os artistas brasileiros foram formados no Império, com patrocínio do mesmo e muito ligados a ele.
	Neste capítulo, Carvalho analisa, discute e compara a tentativa, por parte das repúblicas francesas e a brasileira, de se utilizar da figura feminina para a sua própria representação, procurando encontrar as razões para o porquê do sucesso deste tipo de tentativa na França e o fracasso no Brasil, chegando a possíveis respostas. Traz em sua análise, valiosas referências para a compreensão do contexto daquelas sociedades, e de fatos que a exemplificam.

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