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Estudos Literários

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Indaial – 2020
Estudos LitErários: 
GênEros, idEntidadEs, 
Etnias E rEprEsEntaçõEs
Prof.a Marilsa Aparecida Alberto Assis Souza
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020
Elaboração:
Prof.a Marilsa Aparecida Alberto Assis Souza
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri 
UNIASSELVI – Indaial.
Impresso por:
SO729e
Souza, Marilsa Aparecida Alberto Assis
Estudos literários: gêneros, identidades, etnias e representações. 
/ Marilsa Aparecida Alberto Assis Souza. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.
276 p.; il.
ISBN 978-85-515-0447-5 
1. Estudos literários. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
CDD 869.909
III
aprEsEntação
Prezado acadêmico! Neste momento, inicia-se uma nova etapa 
de sua formação profissional em torno da construção de conhecimentos 
relacionados aos estudos literários. No caminho trilhado até aqui, você já fez 
muitas descobertas acerca da importância da literatura. Compreendeu que o 
acesso a ela permite o desenvolvimento de uma gama de conhecimentos que 
perpassam por aspectos linguísticos, pela educação estética e pelo contato 
com diferentes saberes e culturas.
Além disso, já percebeu que desde a Antiguidade a literatura é uma 
forma de expressão de sentimentos, anseios, aspirações e ideologias. Assim, o 
saber literário permite a formação de um sujeito mais crítico e reflexivo, ou seja, 
trata-se de uma importante ferramenta de formação e educação do ser humano. 
Neste livro didático, especificamente, serão abordados temas 
referentes a gêneros, identidades, etnias e representações. Além de ampla, 
trata-se de uma temática bastante presente nas discussões contemporâneas e 
no dia a dia da escola. Dessa forma, os estudos que iniciamos a partir de agora 
pretendem propiciar uma reflexão analítica e crítica acerca da Literatura 
enquanto fenômeno social, histórico, cultural, político e ideológico, capaz de 
influenciar o modo de pensar e agir das pessoas.
O livro didático está dividido em três unidades, sendo a primeira 
intitulada Relações de gênero e literatura. Inicialmente, discutiremos o conceito 
de gênero e como as questões relacionadas a essa temática estão presentes no 
cotidiano escolar. Também veremos como as questões de gênero são abordadas 
na literatura, de forma geral, bem como em algumas obras específicas.
Na unidade denominada Raça, etnia, diversidade cultural e literatura, 
trataremos da diversidade cultural e suas implicações no contexto 
educacional. Faremos uma reflexão sobre a literatura pós-colonial e 
entraremos em contato com a literatura africana, indígena e de imigrantes. 
Por fim, na terceira unidade, intitulada Literatura, leitura e identidade na 
contemporaneidade, teremos a oportunidade de pensar a identidade do leitor 
contemporâneo frente à era digital. Também discutiremos a ciberliteratura e 
os novos suportes de leitura.
Como você pode perceber, os assuntos a serem tratados neste livro 
didático são extremamente oportunos e pertinentes ao contexto educacional 
atual. Espera-se que por meio destes estudos seja possível ampliar o debate, 
alargar horizontes e aprimorar sua formação em torno das questões que 
envolvem o respeito à diversidade, tendo como viés os estudos literários.
IV
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para 
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há 
novidades em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é 
o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um 
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. 
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova 
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também 
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, 
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade 
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. 
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para 
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto 
em questão. 
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas 
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa 
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de 
Desempenho de Estudantes – ENADE. 
 
Bons estudos!
NOTA
Ao término de cada unidade, você também encontrará uma lista 
de referências bibliográficas, composta por autores e autoras com os quais 
dialogamos na tessitura do texto. São estudiosos — alguns mais antigos, 
outros mais recentes — que vêm fomentando o debate acerca dos temas 
trabalhados. À medida do possível, e quando você achar oportuno, busque 
essas referências para que possa ampliar o olhar sobre a temática estudada. 
Prof.a Marilsa Aparecida Alberto
V
Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos 
materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais 
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais 
que possuem o código QR Code, que é um código 
que permite que você acesse um conteúdo interativo 
relacionado ao tema que você está estudando. Para 
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos 
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar 
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!
UNI
VI
VII
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela 
um novo conhecimento. 
Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro 
que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá 
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, 
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.
Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.
Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!
LEMBRETE
VIII
IX
UNIDADE 1 – RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA ..............................................................1
TÓPICO 1 – REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO .................................................3
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................3
2 GÊNERO E MOVIMENTO FEMINISTA ...........................................................................................4
3 COMPREENDENDO O CONCEITO DE GÊNERO ........................................................................6
4 ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: COMPREENDENDO O CONCEITO DE GÊNERO 
E SUAS IMPLICAÇÕES .......................................................................................................................8
5 RELAÇÕES DE GÊNERO NO ESPAÇO ESCOLAR E INTERVENÇÃO DOCENTE .............14
6 GÊNERO GRAMATICAL E LINGUAGEM INCLUSIVA ............................................................21
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................25
AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................26
TÓPICO 2 – LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE LEITORAS E LEITORES ..........29
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................29
2 A INTERFACE ENTRE A LITERATURA E A REALIDADE SOCIAL ......................................30
3 A CRÍTICA LITERÁRIA FEMINISTA .............................................................................................334 QUESTÕES DE GÊNERO NAS NARRATIVAS INFANTIS E JUVENIS ..................................39
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................49
AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................50
TÓPICO 3 – REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA NA 
LITERATURA BRASILEIRA ..........................................................................................53
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................53
2 A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM CLARICE LISPECTOR .................................................54
3 A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM LYGIA BOJUNGA .........................................................63
4 A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM MARINA COLASANTI ................................................69
LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................74
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................77
AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................78
UNIDADE 2 – RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA ..........................................................83
TÓPICO 1 – DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ....................................................................................85
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................85
2 A DIVERSIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR .............................................................................86
3 COMPREENDENDO O CONCEITO DE CULTURA E ETNOCENTRISMO .........................88
4 A DIVERSIDADE CULTURAL E A CONSTRUÇÃO DAS DIFERENÇAS ..............................94
5 A DIVERSIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR ..........................................................................101
6 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DAS LEIS nº 10.639/2003 E Nº 11.645/2008.........................103
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................106
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................107
sumário
X
TÓPICO 2 – A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS ............................................113
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................113
2 COLONIALISMO, ETNOCENTRISMO E EUROCENTRISMO ..............................................113
3 PÓS-COLONIALISMO ....................................................................................................................117
4 DESCOLONIZAÇÃO, LITERATURA E CRÍTICA PÓS-COLONIAL .....................................122
5 CRÍTICA LITERÁRIA FEMINISTA E ESTUDOS PÓS-COLONIAIS ....................................126
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................127
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................128
TÓPICO 3 – LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES ............................131
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................131
2 LITERATURA AFRICANA ...............................................................................................................131
2.1 JOSÉ LUANDINO VIEIRA ..........................................................................................................135
2.2 PEPETELA ......................................................................................................................................138
2.3 AGUALUSA ..................................................................................................................................142
2.4 PAULINA CHIZIANE ..................................................................................................................145
2.5 MIA COUTO...................................................................................................................................148
3 LITERATURA INDÍGENA ...............................................................................................................153
3.1 YAGUARÊ YAMÃ .........................................................................................................................157
3.2 DANIEL MUNDURUKU .............................................................................................................160
3.3 LITERATURA DE IMIGRANTES ................................................................................................166
3.3.1 Tatiana Salem Levy ..............................................................................................................167
3.3.2 Milton Hatoum .....................................................................................................................171
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................175
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................179
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................180
UNIDADE 3 – LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE 
NA CONTEMPORANEIDADE ...............................................................................183
TÓPICO 1 – LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL .....................................................185
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................185
2 UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA LEITURA .....................................................................186
2.1 CULTURA, LEITURA E LETRAMENTO DIGITAL .................................................................192
3 A ESCOLA NA ERA DIGITAL ........................................................................................................197
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................201
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................202
TÓPICO 2 – LITERATURA NA ERA DIGITAL ..............................................................................205
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................205
2 SUPORTES DE ESCRITA AO LONGO DA HISTÓRIA ............................................................205
3 CIBERLITERATURA, A LITERATURA NA ERA DIGITAL ......................................................212
4 NARRATIVAS E POESIAS DIGITAIS ...........................................................................................215
4.1 TRISTESSA, DE MARCO ANTONIO PAJOLA .......................................................................216
4.2 INANIMATE ALICE, DE KATE PULLINGER ...........................................................................217
4.3 UM ESTUDO EM VERMELHO, DE MARCELO SPALDING .................................................218
4.4 DOIS PALITOS, DE SAMIR MESQUITA ...................................................................................219
4.5 MINICONTOS COLORIDOS, DE MARCELOSPALDING .....................................................219
4.6 POESIA MULTIMÍDIA ................................................................................................................221
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................225
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................226
XI
TÓPICO 3 – LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES, ........................................................229
ESPAÇOS E SUPORTES .......................................................................................................................229
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................229
2 CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ....................230
3 CONHECENDO ALGUNS AUTORES DA LITERATURA 
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ...............................................................................................235
3.1 RUBEM FONSECA ........................................................................................................................236
3.2 FERNANDO BONASSI.................................................................................................................238
3.3 ADRIANA LUNARDI ...................................................................................................................240
4 A ESCOLA E A FORMAÇÃO DE LEITORES NA CONTEMPORANEIDADE ....................243
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................245
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................255
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................256
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................259
XII
1
UNIDADE 1
RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• compreender e discutir o conceito de gênero e suas implicações no 
contexto educacional;
• analisar como as questões de gênero são abordadas nas obras literárias;
• identificar a representatividade e a representação feminina na literatura 
brasileira;
• discutir aspectos relacionados à representatividade e à representação 
feminina na literatura brasileira.
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, 
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo 
apresentado. 
TÓPICO 1 – REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
TÓPICO 2 – LITERATURA, GÊNERO E FORMAÇÃO DE LEITORAS E 
LEITORES
TÓPICO 3 – REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA 
NA LITERATURA BRASILEIRA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos 
em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá 
melhor as informações.
CHAMADA
2
3
TÓPICO 1
UNIDADE 1
REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E 
EDUCAÇÃO
1 INTRODUÇÃO 
Os assuntos abordados neste primeiro tópico fazem parte de uma pauta 
bastante atual, quando diversos setores da sociedade têm debatido questões de 
gênero, respeito às diferenças e conquista de novos espaços pelas mulheres. É 
possível que neste momento você esteja se perguntando: qual é a relação do 
docente de Língua Portuguesa e Literatura com essas discussões?
 
Primeiramente é preciso compreender que a sala de aula é, por excelência, 
espaço da diversidade, no qual é possível encontrar uma pluralidade de 
expressões. Saber lidar com essa diversidade de forma ética e responsável é um 
desafio para todos que resolveram dedicar-se ao magistério. 
Por esse motivo, concordamos com a professora Maria Eulina Pessoa de 
Carvalho ao afirmar que “gênero atravessa as relações escolares e interessa a 
educador/as. Atravessa as relações sociais e interessa a todas as pessoas. Então 
é preciso estudar e entender gênero, sua construção e suas implicações para o 
desenvolvimento humano e para a vida coletiva” (CARVALHO, 2000, p. 19).
Além disso, é preciso ter em mente que, mesmo que o corpo docente adote 
uma postura de não trabalhar diretamente com questões relacionadas a gênero em 
sala de aula, essa temática emerge naturalmente no contexto escolar. A propósito, 
considerando que profissionais que trabalham com a Língua Portuguesa e a 
Literatura têm a linguagem como principal ferramenta de trabalho, é oportuno 
ressaltar que ela se constitui em um instrumento poderoso no processo de construção 
do gênero, uma vez que o ser humano tende a incorporar esse conceito por meio 
do aprendizado de discursos que são produzidos a partir de padrões socialmente 
determinados como sendo inerentes à constituição feminina ou masculina. 
Por hora, este primeiro tópico irá retomar, inicialmente, um pouco da história 
do movimento feminista, didaticamente dividido na Primeira, Segunda e Terceira 
Onda Feminista. A seguir, será abordado o conceito de gênero e suas implicações 
práticas no cotidiano de homens e mulheres e, finalmente, faremos alguns 
apontamentos sobre como as questões de gênero se manifestam no espaço escolar, 
dando algumas pistas sobre o trabalho que pode ser realizado em sala de aula.
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
4
2 GÊNERO E MOVIMENTO FEMINISTA
Vamos iniciar nossa conversa sobre gênero fazendo uma pequena 
retrospectiva histórica. Provavelmente, você deve ter ouvido bastante essa 
palavra ultimamente, visto que ela tem estado em evidência tanto na mídia como 
nos discursos que norteiam as políticas públicas do país. Entretanto, o conceito 
de gênero não é recente, tendo sido incorporado às discussões pertinentes às 
Ciências Sociais desde a década de 1970. Isso mesmo! Embora para muitas pessoas 
possa parecer um conceito novo, há aproximadamente cinquenta anos diversas 
pesquisas, dos mais diversos campos do saber, vêm tratando de estudos sobre 
esse tema. De acordo com a definição encontrada em Barreto, Araújo e Pereira 
(2009, p. 60), gênero é um 
[...] conceito formulado nos anos 1970 com profunda influência do 
pensamento feminista. Ele foi criado para distinguir a dimensão 
biológica da dimensão social, baseando-se no raciocínio de que 
há machos e fêmeas na espécie humana, no entanto, a maneira de 
ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Assim, gênero 
significa que homens e mulheres são produtos da realidade social e 
não decorrência da anatomia de seus corpos. 
Como você pôde perceber neste pequeno conceito, as discussões em torno 
desse assunto surgiram no bojo do movimento feminista, organização de cunho 
político e social em defesa da igualdade de direitos, oportunidades e tratamento 
entre homens e mulheres. É importante ressaltar que o movimento feminista não 
surgiu nos anos 1970. A partir da Revolução Francesa (1789), que foi embasada 
nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, as mulheres começaram 
a tomar consciência das desigualdades sociais às quais eram expostas. A partir 
de então as reflexões em torno dessas diferenças entre homens e mulheres foram 
intensificando-se, passando por três momentos distintos, denominados “ondas 
feministas”. Veja, a seguir, as principais características dessas três fases: 
• A Primeira Onda feminista ocorreu no final do século XIX e início do século 
seguinte. Destacou-se, nesse momento, o movimento sufragista, que lutava 
pela garantia do direito ao voto das mulheres. Tal movimento já vinha 
ocorrendo na Inglaterra e nos Estados Unidos, com destaque para a escritora 
Mary Wollstonecraft, que desde 1792 já escrevia livros e manifestos em defesa 
do voto feminino. Interessante, não é? No final do século XVIIIela já clamava 
sobre os direitos das mulheres na obra Vindication of the rights of women, 
traduzida livremente por Nísia Floresta, com o título Os direitos das mulheres e as 
injustiças dos homens (ZINANI, 2009). No contexto da Primeira Onda feminista 
foi notório, no Brasil, o envolvimento da bióloga Bertha Lutz que fundou, em 
1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, com o objetivo de lutar 
pela extensão de direito de voto às mulheres, entre outras pautas. 
• A Segunda Onda feminista perdurou entre os anos de 1960 a 1980, com a 
intensificação da luta pela igualdade social e de direitos e contra toda forma 
de opressão, além das discussões acerca da liberdade sexual, maternidade e 
reprodução. Nesse momento, o movimento foi bastante influenciado pelas 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
5
ideias de Simone de Beauvoir, que em 1949 havia publicado o livro O Segundo 
Sexo, no qual ela reflete sobre a inferiorização feminina, inaugurando um novo 
modelo de pensamento acerca da mulher na sociedade moderna. Nesta obra, 
fica evidente o pensamento existencialista da autora por meio da célebre frase 
“Não se nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1980, p. 9). Observe que 
essa frase está estritamente relacionada ao conceito de gênero apresentado no 
início deste tópico, que enfatiza que a maneira de ser homem e ser mulher é 
mediada pela sociedade e pela cultura, e não pela anatomia dos corpos. De 
acordo com Zinani (2011, p. 412), “essa obra foi um marco no pensamento 
feminista, discutindo a questão da mulher através de vários ângulos: da 
biologia, da psicanálise, do materialismo histórico, a fim de demonstrar como 
a realidade feminina se constitui como o outro e quais as consequências desse 
posicionamento”. Para Silva (2007, p. 2), o ganho concreto para as mulheres, 
decorrente da Segunda Onda feminista, foi “[...] a emergência da questão de 
gênero na agenda governamental e a consequente implementação de política 
públicas direcionadas para as mulheres, principalmente, na área de combate à 
violência e na atenção à saúde”.
• A Terceira Onda feminista iniciou-se a partir dos anos 1990, tendo como 
particularidade a busca de total liberdade de escolha pelas mulheres. Na 
pauta do movimento feminista destacam-se questões referentes à igualdade 
salarial entre homens e mulheres, igualdade de participação política, combate 
ao assédio e à violência contra a mulher, libertação de padrões de beleza 
culturalmente impostos, entre outros. Também é importante observar que no 
contexto da Terceira Onda surgiu o termo interseccionalidade, utilizado para 
referir-se a marcadores sociais da diferença que se interagem, potencializando 
cenários de desigualdades sociais e hierarquizações. Trata-se, por exemplo, 
das diversas formas de opressão que uma mesma mulher pode sofrer quando 
as questões de gênero se interseccionam com outros marcadores, como idade/
geração, raça/etnia, classe social, dentre outros (HENNING, 2015). Conforme 
apontado por Zinani (2011, p. 413),
 
[...] a Terceira Onda apresenta uma pauta de reivindicações mais 
ampla do que o grupo da Segunda Onda, uma vez que engloba a 
teoria queer, a conscientização da negra, o pós-colonialismo, a teoria 
crítica, o transnacionalismo, entre outros. Aponta como aspecto 
relevante a autoestima sexual, uma vez que a sexualidade é também 
uma modalidade de poder. Feministas marginalizadas, anteriormente, 
contribuem para estabelecer a identidade dessa onda que acredita ser 
a contradição e a negociação das diferenças uma das características 
mais significativas do feminismo contemporâneo.
 Como você deve ter percebido, essas ondas mostram que as 
mulheres vêm se organizando na história de diversas maneiras e contextos, 
sendo que cada momento tem suas pautas, demandas, reinvindicações, interesses 
e conquistas. Em meio a esses movimentos surgiu a crítica literária feminista, 
assunto que será abordado mais adiante, ainda nesta unidade. 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
6
Quer saber mais sobre a Primeira Onda 
Feminista que tinha, dentre suas pautas, o direito ao 
voto feminino? Assista ao filme As sufragistas (2015), 
ambientado na Inglaterra do início do século XX, 
quando o movimento feminista lutava pelo direito de 
voto e melhores condições de vida para as mulheres. 
FICHA TÉCNICA
Título: Suffragette (Original)
Ano produção: 2015
Dirigido por: Sarah Gavron
Duração: 106 minutos
Gênero: Biografia-Drama-História
Países de Origem: Reino Unido da Grã-Bretanha e 
Irlanda do Norte
DICAS
FIGURA – AS SUFRAGISTAS
FONTE: http://www.ipvc.pt/ese-
geed-cinema-as-sufragistas. 
Acesso em: 7 set. 2019.
3 COMPREENDENDO O CONCEITO DE GÊNERO
Dando continuidade a nossa conversa sobre gênero, é importante ter uma 
compreensão clara acerca desse conceito. Afinal, o que é gênero? Para responder 
a essa indagação é pertinente estabelecer a diferença entre as terminologias gênero 
e sexo, observando que são dois conceitos distintos, embora sejam algumas vezes 
utilizados equivocadamente como sinônimos.
Entende-se por sexo as distinções biológicas entre homens e mulheres, 
ou seja, ao classificar os seres humanos a partir desta categoria, faz-se uma 
separação entre eles de acordo com as diferenças impressas na anatomia de 
seus corpos. O sexo, portanto, é construído biologicamente e está relacionado 
à constituição dos órgãos genitais, que apontam se determinada pessoa, ao 
nascer, é macho ou fêmea.
O conceito de gênero, por sua vez, é muito mais amplo, devendo ser 
compreendido na perspectiva da construção das identidades. De acordo com 
Scott (1989, p. 3), 
[...] o “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas 
americanas que queriam insistir no caráter fundamentalmente social 
das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao 
determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou 
“diferença sexual”. O gênero sublinhava também o aspecto relacional 
das definições normativas das feminilidades. 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
7
Louro (1997), por sua vez, explica que as questões de gênero estão 
relacionadas à subjetividade, bem como a aspectos históricos, sociais e culturais 
que diferenciam homens e mulheres. Por esse motivo, pessoas que viveram em 
épocas diferentes ou que tiveram contato com culturas diferentes podem ter 
comportamentos totalmente distintos, mesmo tendo o mesmo formato de órgão 
genital. E o que isso significa, na prática?
Significa que a forma de se portar, de homens e mulheres, corresponde a 
aprendizagens socioculturais adquiridas ao longo da vida. Em outras palavras, 
o modo de ser, pensar e agir das pessoas não é determinado apenas pelo órgão 
sexual com o qual elas nasceram. Trata-se de uma dimensão que se constrói 
progressivamente, de acordo com o meio em que se vive, com os exemplos que se 
tem, com os discursos que se ouve. 
Um exemplo simples de como os discursos circulantes podem moldar o 
comportamento das pessoas é o dito popular Homem que é homem não chora. Uma 
pessoa que ouve constantemente essa frase, no meio em que vive, mesmo sem 
perceber vai incorporando essa crença ao longo da vida, passando a acreditar 
que o não chorar é uma atribuição natural do ser homem, e não algo que lhe foi 
ensinado, mesmo que de forma indireta.
Considerando então que o gênero é incorporado por meio da vivência de 
comportamentos, é importante lembrar que estes são predefinidos pela própria 
sociedade que, imbuída pelo senso comum, acredita que as diferenças entre 
homens e mulheres se devem unicamente a motivos naturais. Dessa forma, a 
própria sociedade é quem dita as regras daquilo que é ou não pertinente a homens 
e mulheres, rapazes e moças, meninos e meninas. 
O papel que a biologia desempenha na determinação de 
comportamentos sociais é fraco — a espécie humana é essencialmente 
dependente da socialização. Contudo, de acordo com o senso 
comum, as condutas de homens e mulheres originam-se de uma 
dimensão natural(os instintos) inscrita nos corpos com que cada 
indivíduo nasce. Acredita-se, com frequência, que existe um tipo 
de personalidade ou padrão de comportamento para cada um dos 
sexos. Na cultura ocidental, supõe-se que o masculino seja dotado de 
maior agressividade e o feminino de maior suavidade e delicadeza 
(BARRETO; ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 45). 
O conceito de gênero, portanto, foi cunhado com o intuito de mostrar que 
o sexo anatômico não é suficiente para definir as formas de comportamento e as 
condutas humanas, ressaltando a importância e a influência dos aspectos sociais 
e culturais no decorrer deste processo de construção da identidade do sujeito. 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
8
Em uma sociedade patriarcal, por exemplo, ser representado como 
homem pressupõe os atributos de força, virilidade e insensibilidade, 
uma vez que, desde a mais tenra infância, a grande maioria dos 
homens é advertida de que “homem não chora”, e de que qualquer 
demonstração de sentimentos pode gerar dúvidas em relação à 
masculinidade. Por outro lado, ser representada como mulher 
pressupõe a existência de valores tradicionalmente considerados 
“femininos”, tais como a maternidade, a empatia, a sensibilidade, a 
solidariedade e o sentimentalismo (BELLIN, 2011, p. 6). 
Percebe-se, assim, que características que muitas vezes são atribuídas ao sexo 
com que a pessoa nasceu, são, na verdade, resultantes de aprendizagens construídas 
ao longo da vida. Portanto, a diferença sexual não é a única variável na construção da 
identidade dos sujeitos, pois nesse processo entram em cena os valores e as normas 
de conduta que configuram as representações culturais e sociais. 
4 ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: COMPREENDENDO O 
CONCEITO DE GÊNERO E SUAS IMPLICAÇÕES 
Até aqui você já compreendeu o conceito de gênero e situou-o 
cronologicamente, a partir da contextualização histórica do movimento feminista. 
Agora, vamos refletir sobre as implicações sociais decorrentes das diferentes 
concepções em relação às questões de gênero. Para isso, é oportuno retomar o 
pensamento de Louro (1997, p. 20-21) ao afirmar que:
O argumento de que homens e mulheres são biologicamente 
distintos e que a relação entre ambos decorre dessa distinção, que 
é complementar e na qual cada um deve desempenhar um papel 
determinado secularmente, acaba por ter o caráter de argumento final, 
irrecorrível. Seja no âmbito do senso comum, seja revestido por uma 
linguagem “científica”, a distinção biológica, ou melhor, a distinção 
sexual, serve para compreender — e justificar — a desigualdade social.
Conforme observado nesse trecho, a principal implicação desta concepção 
que limita as diferenças entre homens e mulheres a aspectos unicamente biológicos 
é que ela passa a servir de justificativa para a preservação e a reprodução das 
desigualdades de gênero, que são muitas em nossa sociedade. Esta posição 
também é defendida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, formulados pelo 
MEC, que na década de 1990 já diziam o seguinte sobre o assunto: 
O conceito de gênero diz respeito ao conjunto das representações 
sociais e culturais construídas a partir da diferença biológica dos 
sexos. Enquanto o sexo diz respeito ao atributo anatômico, no conceito 
de gênero toma-se o desenvolvimento das noções de ‘masculino’ 
e ‘feminino’ como construção social. O uso desse conceito permite 
abandonar a explicação da natureza como a responsável pela grande 
diferença existente entre os comportamentos e os lugares ocupados 
por homens e mulheres na sociedade. Essa diferença historicamente 
tem privilegiado os homens, na medida em que a sociedade não tem 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
9
oferecido as mesmas oportunidades de inserção social e exercício de 
cidadania a homens e mulheres. Mesmo com a grande transformação 
dos costumes e dos valores que vêm ocorrendo nas últimas décadas, 
ainda persistem muitas discriminações, por vezes encobertas, 
relacionadas ao gênero (BARRETO; ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 45).
A referência, no trecho que você acabou de ler, a diferentes lugares 
ocupados por homens e mulheres na sociedade, faz alusão à distinção, 
historicamente engendrada, da rua enquanto espaço masculino e do lar enquanto 
espaço feminino. Muito embora as formas de apropriação do espaço pelas 
mulheres venham se modificado progressivamente, os discursos que permeiam 
as relações de gênero ainda são baseados em relações hegemônicas de poder, que 
podem ser percebidas por meio de diversos estereótipos e preconceitos. 
Essa delimitação de espaços nos permite reportar à Grécia Antiga, quando 
a cidadania era exercida somente pelos homens que participavam das decisões 
políticas e das atividades relativas ao mercado na praça principal da polis, que 
representava o espaço público. Às mulheres era negado o direito de participar das 
decisões que aconteciam nesse espaço, ficando responsáveis por cuidar da oikos, 
que era a unidade social que comportava os membros da família. Observa-se, 
porém, que também no espaço da oikos as mulheres não tinham voz ativa, pois a 
família era nuclear e seguia uma rígida hierarquia na qual o poder se concentrava 
na figura masculina paterna.
 
Assim, historicamente o espaço público, simbolizado pela rua, é 
identificado como sendo um espaço tipicamente masculino. Durante muitos 
séculos, o homem assumiu o papel de provedor, saindo de casa para as ruas em 
busca de renda para o sustento familiar, enquanto à mulher cabia a execução 
de tarefas domésticas. Este tipo de relação social de gênero naturalizou-se com 
o passar dos tempos, distinguindo o papel familiar de cada um: o homem, por 
ser o produtor/provedor apropriou-se do espaço público incorporando-se no 
mercado de trabalho e à mulher coube o papel reprodutivo biológico, no âmbito 
domiciliar. Conforme Bourdieu,
a divisão do trabalho entre os sexos concede ao homem a política, 
como lhe concede o exterior, a praça pública, o trabalho assalariado 
fora de casa, etc., ao passo que vota a mulher ao interior, ao trabalho 
obscuro, invisível, e também à psicologia, ao sentimento, à leitura de 
romances, etc. (BOURDIEU, 2003, p. 21). 
Atualmente, nem todas as famílias se enquadram nesse modelo de família 
nuclear e essa distinção de papéis, segundo o gênero, vem se modificando. 
Entretanto, os reflexos desse modelo familiar patriarcal que perdurou por 
tanto tempo na sociedade continua influenciando o processo de organização 
familiar e na educação das crianças. Assim, ainda é comum, em muitas famílias, 
encontrar situações em que tanto o homem como a mulher trabalham fora para o 
provimento da casa, mas, ao término da jornada de trabalho, enquanto o homem 
descansa, a mulher cuida da organização do lar. Também é comum encontrar 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
10
mães que ensinam às filhas desde cedo a arrumarem a casa, mas isentam os filhos 
desta aprendizagem. Da mesma forma, diversas famílias liberam as crianças do 
sexo masculino para brincarem de bola ou bicicleta na rua, enquanto as do sexo 
feminino brincam de casinha dentro de casa. E tem mais: 
A divisão do “espaço público e privado” pode ser percebida, por 
exemplo, quando se quer insultar uma mulher. Ela é chamada de 
“mulher da rua”, “vadia”, “puta”, em oposição à “mulher da casa”, 
“mulher ou moça de família”, “santa”, “do lar”. A oposição “rua x casa” 
é particularmente interessante para percebermos como os gêneros 
masculino e feminino estão associados a cada uma dessas instâncias, 
conformando a divisão entre o mundo da produção (masculino) e o da 
reprodução (feminino) (BARRETO; ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 55). 
Essa forma de pensar o espaço da rua, levando em consideração a distinção 
dos gêneros, reflete-se em várias instâncias da vida social. Vamos pensar, por 
exemplo, nas relações de gênero presentes nas situações que envolvem o trânsito. 
A relação do homem com o automóvel é construída socialmente, desde a infância, 
quando o quarto dos meninos é decoradocom automóveis e os presentes mais 
comuns que recebem são carrinhos, pistas de corrida, skates e jogos eletrônicos 
que remetem à ideia de velocidade e competitividade, comuns no ambiente do 
trânsito. Além disso, são encorajados a brincar em espaços abertos e a ter um 
comportamento que prioriza a força, a valentia e a independência. Os estímulos 
recebidos, portanto, reforçam seu pertencimento ao espaço público e estimulam 
a criatividade e a agressividade. Esses pequenos gestos refletem a preparação do 
menino para ser um futuro motorista a usufruir, quando adulto, do espaço público. 
As meninas, por outro lado, são orientadas a ter um comportamento 
mais sensível, frágil, dependente, dócil e passivo. Os brinquedos que recebem 
(bonecas, panelinhas e outros utensílios domésticos) reforçam seu pertencimento 
ao ambiente doméstico e seu envolvimento com situações que indiquem o 
cuidado com os filhos ou com o lar. Não é de se estranhar, portanto, que quando 
alguém vê uma mulher tendo alguma conduta inadequada no trânsito, repita a 
frase “Vai pilotar fogão!”, cujo significado remete à exclusão do espaço público e 
sua devolução ao universo doméstico. 
A forma de apropriação do espaço pela mulher vem se modificando 
através dos tempos, muito embora o discurso social que rege as condutas de 
gênero tenha se perpetuado de maneira a reproduzir relações hegemônicas nas 
quais as mulheres sempre ocupam uma posição inferior em relação ao homem. 
Assim, se por um lado a mulher vem conquistando espaço no trânsito, por 
exemplo, por outro lado essa conquista não é legitimada nos mecanismos dos 
discursos sociais, que continuam propagando que lugar de mulher é na cozinha, 
pilotando fogão. Vale lembrar aqui que a utilização do automóvel pela mulher, 
além de significar a conquista do espaço da rua, significa também a conquista de 
espaço no mercado de trabalho, realizando funções que até pouco tempo eram 
consideradas típicas do universo masculino (SOUZA, 2010).
 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
11
Além disso, até o início do século XX, as relações assimétricas entre homens 
e mulheres eram respaldadas pela ideologia da maternidade, que, segundo Rago 
(2001), reduzia as mulheres à esfera privada, lugar considerado natural da esposa/
mãe/dona de casa. Entretanto, é importante observar que somente as mulheres 
pertencentes a famílias mais abastadas ficavam restritas ao espaço doméstico, 
podendo dedicar seu tempo unicamente à maternidade. Mulheres pobres 
sempre trabalharam fora de casa, o que corrobora com a ideia de que diferentes 
desigualdades, quando interagidas simultaneamente — neste caso, o fato de ser 
pobre e ser mulher — geram tratamentos desiguais. O fato de trabalhar fora, 
entretanto, não significa reconhecimento. Segundo Fonseca (2001, p. 517), 
[...] ironicamente, apesar de ser evidente que em muitos casos a mulher 
trazia o sustento principal da casa, o trabalho feminino continuava a 
ser apresentado pelos advogados e até pelas mulheres como um mero 
suplemento à renda masculina. Sem ser encarado como profissão, seu 
trabalho em muitos casos nem nome merecia. 
Além desse caráter de invisibilidade, a mulher trabalhadora era duplamente 
discriminada: primeiro pela sociedade, pois em vez de ser admirada por ser 
boa trabalhadora, como o homem em situação parecida, a mulher com trabalho 
assalariado tinha de defender sua reputação contra a poluição moral, uma vez que o 
assédio sexual era lendário (FONSECA, 2001), e também em relação ao salário, visto 
que, em geral, na divisão do trabalho, as mulheres ficavam com as tarefas menos 
especializadas e mal remuneradas; os cargos de direção e de concepção, como os de 
mestre, contramestre e assistente, cabiam aos homens (RAGO, 2001). 
A partir da segunda metade do século XX, o movimento feminista 
conseguiu colocar em discussão o tema da desvalorização da mulher, 
expressamente manifestado na divisão sexual do trabalho, na organização 
política e no ordenamento jurídico social. À custa de muita persistência e luta 
foi possível pensar em uma nova configuração social por meio de legislações e 
políticas públicas voltadas para a valorização da mulher. A partir da década de 
1960, o movimento pela saúde da mulher passou a defender o direito ao acesso à 
contracepção, que possibilitou a autonomia das mulheres na escolha do momento 
para engravidar, criando assim maiores possibilidades de inserção e permanência 
no mercado de trabalho. Tal situação pode ser considerada uma conquista, pois,
[...] penetrar na esfera pública era um velho anseio por longo tempo 
vedado às mulheres. Significava uma conquista, possibilitando-
lhes, segundo Hannah Arendt, assumir sua plena condição humana 
através da ação política, da qual, por longo tempo, permaneceram 
violentamente excluídas. Passavam as mulheres a garantir sua 
transcendência, pois o espaço público, afirma aquela filósofa, não 
pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente 
para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida dos 
homens mortais, aos quais acrescentamos, também, a das mulheres 
mortais (SOIHET, 2002, p. 116).
Não restam dúvidas de que foram muitas as conquistas obtidas pelas 
mulheres ao longo da história. Entretanto, a luta continua, pois existem muitas 
demandas a serem atendidas. Reflita a seguir sobre algumas delas:
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
12
• Em décadas não muito distantes, o mercado de trabalho era majoritariamente 
masculino, sendo que a mulher não tinha muitas perspectivas em relação à 
carreira profissional. Muito embora esse quadro tenha mudado e a mulher 
apresente uma presença significativa nesse setor, ainda existem alguns 
impasses que não foram solucionados, como, por exemplo, salários inferiores, 
mesmo realizando funções semelhantes às dos homens e menor quantidade de 
mulheres em cargos de chefia e liderança.
• Atividades relacionadas ao cuidado como cuidar do lar, das crianças, dos idosos 
ou dos doentes, por exemplo, quase sempre são atribuídas às mulheres. Além 
da carga horária diária dedicada ao trabalho remunerado, cabe às mulheres 
a realização destas atividades de cuidado que acabam trazendo implicações 
em relação à participação em condições de igualdade no mercado de trabalho, 
restringindo as oportunidades de acesso aos recursos econômicos, culturais, 
sociais e políticos. O fato de a mulher engravidar e amamentar faz com que 
quase toda a totalidade do trabalho reprodutivo fique sob sua responsabilidade, 
levando algumas delas a abandonarem a carreira profissional para cuidar dos 
filhos, fato que gera uma dependência econômica em relação aos homens. Ou 
então, nota-se um excesso de trabalho devido ao acúmulo da jornada laboral 
remunerada com os afazeres domésticos. Em suma, a conquista do mercado 
de trabalho pela mulher trouxe, em contrapartida, impactos na saúde física e 
mental, incluindo o sentimento de culpa por achar que não está desempenhando 
bem essas funções relacionadas ao cuidado. 
• Em relação à participação política, o ato de votar só foi conquistado pelas 
mulheres brasileiras em 1932 devido à intensa luta do movimento sufragista 
feminino. Entretanto, a representatividade feminina nos cargos eletivos ainda 
hoje é bastante pequena, muito embora as mulheres correspondam a quase 
52% do eleitorado brasileiro. O fato de as mulheres não serem devidamente 
representadas no sistema político implica, para alguns estudiosos, no 
enfraquecimento da elaboração e execução de políticas públicas que priorizem 
as questões de gênero. 
Conforme já mencionado, essas diferenças entre os gêneros são construídas 
culturalmente, sendo que o papel esperado de cada pessoa já é delimitado desde o 
nascimento, sendo que tais expectativas continuam ao longo da vida. A partir do 
momento em que se sabe o sexo do bebê, aqueles que fazem parte de seu círculo 
de relações (pai, mãe, família, escola e sociedade em geral) passam a ensinar, de 
forma direta ou indireta, determinados comportamentose modos de conduta, ou 
seja, a todo momento as crianças são bombardeadas com estímulos que reforçam 
a divisão de papéis entre os diferentes gêneros.
Não se trata de negar as diferenças físicas e biológicas entre homens e 
mulheres, que comprovadamente existem. Pretendemos, sim, refletir se essas 
diferenças justificam formas desiguais de tratamento. Além disso, vale lembrar 
que uma das consequências mais graves da desigualdade de gênero é a violência 
de gênero, que é aquela proveniente de preconceitos e da desigualdade instaurada 
entre mulheres e homens. 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
13
[...] a despeito de todos os avanços e conquistas das mulheres 
na direção da equidade de gênero, persiste entre nós essa forma 
perversa de manifestação do poder masculino por meio da expressão 
da violência física, sexual ou psicológica, que agride, amedronta 
e submete não só as mulheres, mas também os homens que não se 
comportam segundo os rígidos padrões da masculinidade dominante 
(BARRETO; ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 74). 
 A questão do gênero em interface com a violência é um fenômeno 
social presente no cotidiano. Trata-se de um fenômeno complexo cujas raízes 
envolvem questões sociais, econômicas, políticas e culturais, estando diretamente 
relacionado com as desigualdades sociais e as relações de gênero. Os alarmantes 
e assustadores números referentes à violência de gênero em nosso país apontam 
para a necessidade de ações multisetoriais e multidisciplinares, ações estas que 
não poderiam isentar a participação da escola, entendida como espaço educativo 
por excelência. 
Com certeza, você já ouviu falar na Lei Maria da Penha, decretada em 2006, 
com o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a 
mulher. O nome Maria da Penha é uma homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, 
farmacêutica e bioquímica que sofreu violência doméstica durante 23 anos de casamento, 
tendo ficado paraplégica após ser vítima de dupla tentativa de feminicídio pelo marido. Seu 
caso é representativo da violência doméstica sofrida por inúmeras mulheres em nosso país. 
Para saber mais sobre a história dessa mulher você pode:
• Acessar o site do Instituto Maria da Penha e ler sobre sua história de vida: http://www.
institutomariadapenha.org.br/.
• Ler o livro Sobrevivi... posso contar, escrito por ela mesma.
• Assistir ao documentário O silêncio das inocentes (2010), dirigido por Ique Gazzol.
DICAS
FONTE: https://www.saraiva.com.br/
sobrevivi-posso-contar-3065914/p>. 
Acesso em: 7 set. 2019.
FONTE: http://www.ameliapt.com.br/
sesc-tv-exibe-documentario-violencia-
domestica-mulher-dia-2812/. 
Acesso em: 7 set. 2019.
FIGURA – SOBREVIVI... 
POSSO CONTAR
FIGURA – SILÊNCIO DAS INOCENTES
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
14
Nesse subtópico, você esteve em contato com o conceito de gênero e suas 
implicações e compreendeu o contexto em que o termo começou a ser utilizado. Pelos 
estudos realizados até aqui você deve ter percebido que o conceito de gênero parte de 
uma perspectiva relacional, isto é, os estudos relacionados às mulheres e aos homens 
devem ser “definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um 
pode existir através de estudo inteiramente separado” (SCOTT, 1989, p. 4). 
Essa perspectiva relacional também é explorada por Bellin (2011, p. 7), 
que explica que “o gênero é também a representação de uma relação, a relação 
de pertencer a uma classe. A noção de gênero constrói uma relação entre uma 
pessoa e outras pessoas previamente constituídas como classe, não se referindo a 
um indivíduo isolado e sim a uma relação social”. 
Para Matos e Soler (1997, p. 97) “a categoria gênero procura destacar que 
os perfis de comportamento feminino e masculino se definem um em função do 
outro. Esses perfis se constituem social, cultural e historicamente num tempo, 
espaço e cultura determinados”. Tendo compreendido o conceito de gênero sua 
abordagem enquanto categoria relacional, no próximo subtópico trataremos das 
questões de gênero em um espaço específico que é o ambiente escolar. 
5 RELAÇÕES DE GÊNERO NO ESPAÇO ESCOLAR E 
INTERVENÇÃO DOCENTE
Conforme vimos até aqui, até o momento de ser enviada para a escola, 
a criança já incorporou diversos comportamentos relativos às questões de 
gênero aprendidos na convivência familiar e em outros grupos sociais dos quais 
porventura ela faça parte; já percorreu um caminho social no qual conviveu com 
diferentes pessoas e teve contato com diferentes modelos de homem, de mulher 
e de família e já começou a construir suas referências de gênero tendo como base 
essas pessoas com as quais conviveu, os discursos que ouviu, os comportamentos 
que assimilou. 
 
 Ao ingressar na escola, e durante os vários anos de permanência 
na instituição, amplia-se consideravelmente o leque de relacionamentos da 
criança/adolescente, e a escola passa a ser um novo local de aprendizagem 
de comportamentos e de construção (ou desconstrução) de estereótipos e 
preconceitos adquiridos em relação às questões de gênero.
 
O processo de socialização que ocorre no ambiente escolar, tanto na 
infância quanto na adolescência, tem importância fundamental na construção da 
identidade do sujeito, sendo que a escola tem significativa responsabilidade no 
processo de formação de meninos e meninas, bem como de moças e rapazes, ao 
desnaturalizar as diferenças de gênero e possibilitar um ambiente propício ao 
debate acerca das desigualdades decorrentes dessas diferenças.
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
15
Conforme já mencionado no decorrer desta unidade, a imagem que 
construímos acerca do outro no que tange às questões de gênero são construídas 
a partir dos modelos que a própria sociedade nos oferece. Em outras palavras, 
é a sociedade, e não os aspectos biológicos, que determina as normas de 
comportamento, bem como as possibilidades e os limites de cada sujeito.
À medida que estamos convencidos de que as diferenças entre os gêneros 
não estão inscritas nos corpos, mas são decorrentes de aprendizagens construídas 
desde o nascimento, é possível, em contrapartida, desconstruí-las por meio do 
processo educativo, conforme sugerido por Moreno (1999, p. 28) ao afirmar que 
se os seres humanos se comportassem unicamente a partir de seus 
impulsos biológicos, se as condutas consideradas masculinas e 
femininas fossem espontâneas, naturais e predeterminadas, não seria 
necessário educar tão cuidadosamente todos os aspectos diferenciais; 
bastaria deixar que a natureza atuasse por si mesma. 
A escola, portanto, enquanto espaço de socialização e interação, possibilita 
o processo de construção de homens e mulheres enquanto sujeitos sociais. Nesse 
espaço, os sujeitos não somente são influenciados como também ajudam a 
construir o próprio meio no qual estão inseridos. A escola, portanto, não é uma 
instância neutra. Mesmo que haja um silenciamento por parte da instituição ao 
optar por não trabalhar diretamente com questões que envolvam diversidade e 
gênero, este silenciamento, por si só, já produz um efeito sobre a realidade dos 
sujeitos inseridos na dinâmica escolar.
Em outras palavras, mesmo que a escola não aborde em seu currículo, 
seja de forma transdisciplinar ou interdisciplinar, temática que envolva a 
desigualdade entre os gêneros, o currículo oculto manifesto no ambiente escolar 
tem muito a dizer. Sobre o currículo oculto, que pode ser definido como um 
conjunto de normas, princípios e valores transmitidos de forma tácita no ambiente 
escolar, Giroux (1986, p. 70) propõe três bases essenciais que permitem melhor 
compreender sua fundamentação: 
As escolas não podem ser analisadas como instituições removidas 
do contexto socioeconômico em que estão situadas; as escolas são 
espaços políticos envolvidos na construção e controle do discurso, dos 
significados e das subjetividades; os valores e crenças do senso comum 
que guiam e estruturam a prática escolar não são universais a priori,mas 
construções sociais baseadas em pressuposições normativas políticas. 
Concordando com os fundamentos apresentados por Giroux (1986), 
é possível afirmar a existência de uma relação intrínseca entre a instituição 
educativa e os sistemas social, cultural e econômico, que perpassa pelo conceito 
do currículo oculto. Por meio da investigação desse currículo é possível proceder 
a uma análise do que ocorre por entre os muros escolares.
 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
16
Desse modo, a instituição escolar pode acabar reproduzindo, mesmo 
que de forma sutil ou velada, práticas androcêntricas já enraizadas em uma 
cultura patriarcal que não dá espaço para questionamentos acerca de um modelo 
diferente de relações entre homens e mulheres pautados em princípios de 
respeito, igualdade e justiça, sem fortalecer modos de conduta, pensamentos e 
atitudes discriminatórias. 
O currículo oculto pode se manifestar, por exemplo, por meio da prática 
do bullying no interior da escola e consequente posicionamento da equipe escolar 
frente a essa situação. A forma como a escola lida (ou deixa de lidar), em seu 
dia a dia, com essas manifestações de violência expressa, de forma indireta, seus 
valores e princípios. Sendo uma prática bastante recorrente no ambiente escolar:
O bullying é um problema generalizado em escolas de todo o mundo. 
Trata-se de uma violência intencional e repetitiva, praticada por um 
ou mais estudantes e dirigida a outros, manifestando uma relação 
de desigualdade de poder. O bullying exerce efeito negativo sobre a 
escolarização, a saúde e o desenvolvimento psicossocial, atingindo, 
além de suas vítimas, dos próprios agressores e das testemunhas. Essas 
agressões podem ser praticadas de forma reativa, como defesa contra 
alguma provocação ou agressão sofrida, ou de forma proativa, como uma 
ação deliberada e planejada, com o propósito de atingir algum objetivo, 
não necessitando de estímulos para se efetivar (SILVA et al., 2019, p. 2).
Em se tratando especificamente da violência de gênero, o que muitas 
vezes acontece na escola é que 
a discriminação a determinados grupos considerados frágeis ou passíveis 
de serem dominados (mulheres, homens que não manifestam uma 
masculinidade violenta etc.) é exercida por meio de apelidos, exclusão, 
perseguição, agressão física. Além disso, a depredação de instalações ou 
atos de vandalismo são algumas das manifestações públicas da violência 
por parte daqueles que querem se impor e se afirmar pela força de seu 
gênero (BARRETO; ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 76).
 
Ainda sobre o currículo oculto que permeia o ambiente educacional, é 
interessante observar que a própria estrutura escolar é uma forma silenciosa 
de ensino que pode ser considerado um “elemento curricular que proporciona 
aprendizagem de um conjunto de valores, normas, conteúdos e estímulos que 
não são determinados pelo currículo formal [...]” (SÁ, 2007, p. 131-132). Não é raro 
adentrar em salas de aula e constatar, pela própria disposição das carteiras, uma 
separação evidente entre alunos e alunas. Essa divisão fica mais patente quando 
se observa as brincadeiras e os jogos organizados durante o recreio, nos quais 
é possível notar uma expressa demarcação de espaços e territórios. Conforme 
Barreto, Araújo e Pereira (2009, p. 105), “esses territórios são construídos 
utilizando-se diferentes artifícios originados nos conceitos preestabelecidos de 
masculino e feminino e de relações de poder”.
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
17
Assim é possível constatar, no pátio escolar, atividades consideradas 
exclusivas de meninas (geralmente são atividades mais calmas), de meninos 
(atividades mais agitadas) ou outras em que ambos podem participar (atividades 
que não requerem habilidades e movimentos próprios “de meninos” ou “de 
meninas”). A cada ano que passa, essas delimitações de territórios vêm se 
apresentando menos rígidas, sendo comum encontrar, por exemplo, meninas 
jogando futebol. Cabe notar, porém, que quando a situação é inversa (meninos se 
ocupando de atividades tradicionalmente consideradas femininas, como brincar 
de boneca, por exemplo), o estranhamento das pessoas é mais exacerbado. Tal 
situação está relacionada à hierarquização dos gêneros, que atribui valores 
àquilo que é pertinente ao masculino e ao feminino. Por esse motivo, é frequente 
a desvalorização de meninos ou rapazes que realizam atividades do universo 
feminino, consideradas atividades inferiores. 
[...] as atividades típicas do pátio são potentes expressões de como 
as concepções de gênero orientam a maneira como alunos e alunas 
interagem entre si, expressam seus corpos e aproveitam de forma 
diferenciada e desigual, por toda a infância e até a idade adulta, o elenco 
de movimentos, jogos e brincadeiras possíveis. Portanto, a observação 
dessas atividades pode evidenciar como se dá o aprendizado da 
separação. Em última análise, jogos e brincadeiras são capazes de 
fornecer dados necessários à elaboração de atividades de lazer que 
remetam às competências a serem desenvolvidas igualmente por 
meninos e meninas. As brincadeiras seriam de todos que quisessem 
reinventá-las cotidianamente. As quadras poderiam ser ocupadas 
segundo diferentes objetivos que não apenas o desenvolvimento 
da agilidade e da força. Esta seria uma das variadas maneiras de 
escolarizar crianças e adolescentes visando a perseguir a igualdade 
racial, de gênero e de orientação sexual como conteúdos curriculares 
de orientação interdisciplinar, abarcando inclusive disciplinas como 
matemática, português geografia e língua estrangeira (BARRETO; 
ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 106).
 
Conclui-se, assim, que pela simples observação das atividades rotineiras 
realizadas no recreio é possível perceber evidências de um currículo oculto 
que potencializa as diferenças no espaço escolar por meio da sedimentação de 
práticas que hierarquizam os gêneros e reforçam modelos estereotipados de 
masculinidade e feminilidade.
 
Esse modelo também pode ser percebido no interior das salas de aula, nas 
quais é possível encontrar dois tipos de demarcação dos lugares em conformidade 
com as expectativas esperadas de comportamento conforme a distinção entre os 
gêneros. Por julgarem que as meninas costumam ser mais ordeiras e disciplinadas 
que os meninos, é comum, nas escolas, a disposição de alunos e alunas de forma 
alternada, com o intuito de manter o controle da disciplina em sala de aula. Em 
alguns casos, docentes preferem manter meninos e meninas em grupos separados. 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
18
Nesta ambiência, espera-se que as meninas sejam mais atentas, organizadas, 
caprichosas, asseadas, disciplinadas e tenham mais propensão à submissão e 
à obediência. Como consequência desses padrões de comportamento, espera-
se que tenham um melhor rendimento em sala de aula. Quanto aos meninos, 
espera-se que façam mais bagunça, falem alto, perturbem a ordem e a disciplina 
da sala. Não é exigido dos meninos o mesmo zelo e capricho com a letra, os 
cadernos e outros materiais escolares quando comparado com o que se espera 
das meninas. A inversão desses modelos estereotipados quase sempre provoca 
um estranhamento da parte do corpo docente que geralmente é mais propenso a 
tolerar atitudes desrespeitosas dos meninos, agindo de forma mais intransigente 
quando esse tipo de comportamento parte de uma menina. Como consequência: 
o rendimento das estudantes é favorecido de diferentes maneiras, pois 
a escola beneficia-se das distintas habilidades produzidas por outras 
instâncias de socialização. O papel de “boa aluna que ajuda os colegas” 
é uma dessas habilidades. As meninas devem ser aquelas que servem 
e cuidam, que estão à disposição para ajudar e atender às necessidades 
das outras pessoas. Estes são afazeres e posturas relacionados à 
feminilidade, segundo o modo com que tradicionalmente as relações 
de gênero foram construídas e organizadas em nossa sociedade. Vale 
notar que istonão corresponde a uma subordinação das estudantes, 
uma vez que aceitar tais demandas dá a elas a oportunidade de 
angariarem prestígio ao se relacionarem, em um patamar diferenciado, 
com as/os professoras/es e com os/as demais estudantes. Fazer com 
que as estudantes assumam tarefas de organização e cuidado expressa 
como a tradicional socialização feminina opera na escola de modo a 
reforçar e a perpetuar uma determinada divisão sexual do trabalho, 
na qual as mulheres e os homens devem se ocupar de diferentes 
obrigações. Nesta divisão, as meninas e as mulheres são as obedientes 
cuidadoras, que trabalham duro e asseguram a ordem, sem subvertê-
la ou questioná-la. Para meninos e homens, resta corresponder à 
demanda por comportamentos rebeldes e agressivos, a fim de ser 
reafirmado um modelo específico de masculinidade (BARRETO; 
ARAÚJO; PEREIRA, 2009, p. 96).
A propósito, essa divisão sexual do trabalho pode acabar influenciando 
os jovens na escolha profissional. Cursos cujos atributos envolvem o ensinar e 
o cuidar - que são, tradicionalmente, associados ao gênero feminino – são, na 
maioria das vezes, preenchidos por mulheres, como, por exemplo, Enfermagem, 
Pedagogia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, dentre outros. Em contrapartida, 
alguns cursos são, de acordo com o senso comum, mais favoráveis aos homens, 
como as Engenharias, o Direito, a Informática, a Administração. 
Gradualmente, esse quadro tem mudado, com mulheres buscando 
profissões predominantemente masculinas e vice-versa. Entretanto, as 
escolhas não são aleatórias; essa suposta propensão natural para a escolha de 
determinadas profissões em conformidade com a divisão sexual do trabalho é 
fruto de expectativas criadas e fabricadas ao longo do tempo, no convívio social, 
inclusive durante o processo de escolarização. 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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Por trás das palavras...
Mesmo que de forma sutil, pela linguagem é possível estabelecer diferenças e promover 
desigualdades, pois os discursos produzidos na sociedade costumam demarcar, de forma 
direta ou indireta, os lugares dos gêneros. Veja, a seguir, uma lista de ditos populares carregados 
de valores metafóricos que reproduzem estereótipos e preconceitos referentes à mulher. 
Mulher no volante, perigo constante. 
Mulher magra sem ser de fome, foge dela que te come. 
Mulher de cego, para que se enfeita?
Mulher boa, ave rara.
Mulher não casa com sapo porque não sabe qual é o macho.
Mulher sabida é mulher perdida.
Entre marido e mulher nunca metas a colher.
Ele não sabe porque bate, mas ela sabe porque apanha.
Mulher é como bife, só amacia quando apanha.
Mulher na janela não cozinha nem mexe panela.
Espelho reflete sem falar, a mulher fala sem refletir.
Segredo em mulher é pão em boca de pobre.
Qual destes ditos populares você já conhecia? Conseguiu entender o significado de 
cada um deles? O que eles revelam? Você saberia levantar outros ditos populares para 
completar esta lista?
IMPORTANT
E
As reflexões apresentadas até aqui mostraram quanto a escola pode ser um 
local de reprodução das desigualdades de gênero, que pode acontecer de forma 
consciente ou inconsciente ou até mesmo por meio da omissão, concordando aqui 
com as palavras de Moreno (1999, p. 74) ao asseverar que “não intervir equivale 
a apoiar o modelo existente”. 
 
A proposta deste subtópico é trazer reflexões sobre como você pode 
melhorar esse quadro de desigualdade de gênero reproduzido ao longo do 
processo de escolarização de crianças e jovens, tendo em mente a perspectiva 
freiriana de que “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela 
tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 2000, p. 67).
A promoção da igualdade de gênero e do respeito à diversidade 
perpassa pelo ambiente escolar e, portanto, deve ser objeto de políticas públicas 
de formação docente, seja ela inicial ou continuada. Também deve incorporar 
o Projeto Pedagógico das instituições educativas e de seus respectivos cursos, 
que devem primar por um ambiente educacional no qual as diferenças entre os 
gêneros sejam repensadas e, no mínimo, desnaturalizadas. 
Não há dúvidas de que lidar com estas questões constituiu um desafio à prática 
docente, pois faz-se necessário desconstruir conceitos e preconceitos que fazem parte 
de sua própria constituição identitária. Como bem coloca Gomes (2004, p. 13), 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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[...] em face de uma forma de pensar e de agir, de uma lógica que 
nos é proposta por alguém que fala a partir de uma experiência outra, 
diferente da que estamos prontos a compreender, podemos, mesmo 
sem perceber, reconduzir o que ouvimos ao que já conhecemos. É 
somente nessa interação com o outro, nas reiteradas verificações 
do que não compreendemos (quando temos tanta pressa em já ter 
entendido tudo) e no exercício paciente de continuar a procurar 
entender, que avançamos no conhecimento das diversas formas que 
a realidade social pode assumir para os diferentes sujeitos envolvidos. 
Assim, é de extrema importância o processo de formação no qual o corpo 
docente possa continuamente repensar e reavaliar prática, considerando que 
“pensar o mundo – nomear o mundo [...] é agir sobre ele” (GOMES, 2004, p. 15). 
Para propiciar o debate em torno da diversidade é importante que professoras e 
professores aprendam a interrogar sua posição frente à diversidade tão presente 
no universo escolar. Endossamos aqui as palavras de Carrara (2009, p. 15), que 
afirma que: 
Ao discutir tais questões com os/as professores/as brasileiros/as, busca-
se contribuir, mesmo que modestamente, com a escola em sua missão 
de formadora de pessoas dotadas de espírito crítico e de instrumentos 
conceituais para se posicionarem com equilíbrio em um mundo de 
diferenças e de infinitas variações. Pessoas que possam refletir sobre o 
acesso de todos/as à cidadania e compreender que, dentro dos limites 
da ética e dos direitos humanos, as diferenças devem ser respeitadas 
e promovidas e não utilizadas como critérios de exclusão social e 
política. Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude 
apenas tolerante para com a diferença, o que em si já é uma grande 
tarefa, sem dúvida. Afinal, as sociedades fazem parte do fluxo mais 
geral da vida e a vida só persevera, só se renova, só resiste às forças 
que podem destruí-la através da produção contínua e incansável de 
diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em 
fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, 
novas identidades, novos valores e novas práticas sociais.
Trata-se, portanto, de um processo de reconstrução de sentidos e 
práticas que não deixa de ser um desafio para o professorado, que precisa estar 
devidamente instrumentalizado para ter um posicionamento crítico e equilibrado 
frente a uma realidade infinitamente plural. 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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6 GÊNERO GRAMATICAL E LINGUAGEM INCLUSIVA
Para concluir esse tópico que traz algumas reflexões acerca do conceito 
de gênero e educação, é importante fazermos algumas ponderações sobre gênero 
social e gênero gramatical, uma vez que este último é trabalhado diretamente em 
sala de aula por docentes de Língua Portuguesa.
Primeiramente, é preciso ter em mente que, apesar de o senso comum 
veicular a ideia generalizada de que o gênero gramatical está relacionado à noção 
de sexo, tal correlação nem sempre é verdadeira, muito embora o gênero tenha 
como função “parear as palavras entre masculino e feminino” (KOLODNY, 2016, 
p. 12). Em decorrência dessa função, de natureza contrastiva, “toda língua dotada 
desta categoria gramatical possui no mínimo dois gêneros” sendo que, no caso 
da Língua Portuguesa, “o sistema reduz-se à presença de dois gêneros formais: 
masculino (não marcado) e feminino (marcado)” (KOLODNY, 2016, p. 13).
O uso dos termos masculino e feminino para referir-se ao gênero das palavras 
costuma gerar confusão entre a categoria gramatical e a característica biológicados 
sexos. Para evitar tal equívoco, os gramáticos Pasquale e Ulisses esclarecem:
[...] observe que definimos gênero como um fato ligado à concordância 
das palavras em seu relacionamento linguístico: pó, por exemplo, é um 
substantivo masculino pela concordância que estabelece com o artigo 
o, e não porque se possa pensar num possível comportamento sexual 
das partículas de poeira. Só faz sentido relacionar o gênero ao sexo 
quando se trata de palavras que designam pessoas e animais, como os 
pares professor/professora ou gato/gata. Ainda assim, essa relação não é 
obrigatória, pois há palavras que, mesmo pertencendo exclusivamente a 
um único gênero, podem indicar seres do sexo masculino ou feminino. 
É o caso de criança, palavra do gênero feminino que pode designar seres 
de dois sexos (CIPRO NETO; INFANTE, 2008, p. 218).
Levando em consideração a polissemia do termo – que detém significados 
diferentes na literatura, na sociologia, na biologia, nas artes e na linguística – 
é importante compreender que, enquanto categoria gramatical, o gênero opera 
como divisor semântico que nem sempre está relacionado ao traço de sexo, 
embora isso fique evidente quando se trata de substantivos animados, ou seja, 
que designam pessoas ou animais. 
Sobre a etimologia da palavra, sabe-se que ela é derivada do latim genus, 
que originalmente significava tipo (KOLODNY, 2016). De acordo com Cipro Neto 
e Infante (2008), a tipologia de gênero compreende as seguintes distribuições: 
substantivos biformes, substantivos comuns de dois (ou comuns de dois 
gêneros), substantivos sobrecomuns e epicenos, cujas definições e exemplos estão 
apresentados no quadro seguinte:
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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QUADRO 1 - CLASSIFICAÇÃO DOS SUBSTANTIVOS
TIPOLOGIA DEFINIÇÃO EXEMPLOS
Substantivos biformes
Substantivos que designam seres 
humanos e animais, apresentando 
uma forma para o masculino e outra 
para o feminino.
menina/menino
gata/gato
pomba/pombo
francês/francesa
Substantivos comuns de 
dois gêneros (uniformes)
Apresentam uma forma única para os 
dois gêneros, sendo que a distinção 
entre a forma masculina e a forma 
feminina é feita pela concordância 
com o artigo ou outro determinante.
o agente/a agente
o dentista/a dentista
o colega/a colega
o jornalista/ a jornalista
Substantivos sobrecomuns Substantivos de um único gênero que se referem a seres humanos. 
o cônjuge
a criança
a testemunha
a criatura
o indivíduo
a vítima
Substantivos epicenos Substantivos de um único gênero que designam animais e algumas plantas.
a águia
a baleia
a borboleta
o besouro
a palmeira
o mamoeiro
FONTE: Adaptado de Cipro Neto e Infante (2008, p. 218-221)
A classificação apresentada corrobora a ideia de que, na língua portuguesa, 
a diferenciação de gênero nem sempre está relacionada à identificação de sexo 
do substantivo, uma vez que apenas substantivos animados apresentarão esse 
tipo de caracterização. Além disso, até mesmo em alguns casos de substantivos 
animados essa diferenciação não é evidente, como se pode notar nos substantivos 
sobrecomuns e epicenos nos quais palavras de gênero feminino podem fazer 
referência a algum ser do sexo masculino e vice-versa (como exemplos temos 
as palavras vítima e cônjuge, dentre os sobrecomuns, e as palavras cobra e jacaré, 
dentre os epicenos). 
Feito esse esclarecimento acerca da “incompreensão semântica” 
(CÂMARA JR., 2004, p. 42), que envolve o estudo de gênero enquanto categoria 
gramatical, é oportuno mencionar uma discussão recente na sociedade, tanto 
no Brasil como em outros países, que originou estudos relacionados à linguagem 
inclusiva e gênero, bem como a criação de diversos manuais voltados para uma 
linguagem não sexista. Tais estudos defendem o uso de marcadores de gênero em 
substituição ao uso do masculino genérico, entendido como:
[...] o uso do gênero gramatical masculino para denotar o gênero 
humano (isto é, a espécie humana, incluindo homens e/ou mulheres). 
O conceito de gênero não marcado, por sua vez, origina-se na escola 
estruturalista e ainda ocupa um lugar de destaque nos estudos 
linguísticos atuais como suporte teórico para a descrição do masculino 
genérico (MÄDER, 2015, p. 17). 
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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As pessoas que defendem uma linguagem inclusiva afirmam que o uso do 
genérico masculino, aceito com naturalidade por parte expressiva da sociedade, 
confere um caráter machista à linguagem. O Manual para o uso não sexista da linguagem, 
por exemplo, elaborado pelo governo do Rio Grande do Sul, explica que: 
Se a Língua Portuguesa apresenta os gêneros masculino e feminino, por 
que não os usarmos quando falamos, escrevemos ou lemos? Por sua 
origem, não se caracteriza como uma ferramenta de comunicação sexista, 
mas sim a forma como a utilizamos faz com que haja discriminação 
entre mulheres e homens. Da mesma forma que contribui para a 
discriminação de gênero, a linguagem pode ser utilizada para reforçar 
estereótipos impostos culturalmente. A linguagem sexista, utilizada 
de forma irrestrita, impõe-nos que o masculino (homem) é empregado 
como norma, ficando o feminino (mulheres) incluído como referência ao 
discurso masculinizado (TOLEDO et al., 2014, p. 13). 
Contrariando esse pensamento, significativo número de linguistas afirma 
que a adoção desse tipo de linguagem demonstra desconhecimento de questões 
linguísticas. Acerca desse assunto, Silva (2019) apresenta o pronunciamento da 
Real Academia Espanhola (2005) que diz:
Em substantivos que designam seres animados, o masculino gramatical 
é usado não apenas para se referir a indivíduos do sexo masculino, 
mas também para designar a classe, ou seja, todos os indivíduos 
da espécie, sem distinção de sexos. [...] consequentemente, nomes 
masculinos, quando usados no plural, podem incluir ambos os sexos 
em sua designação [...]. Apesar disso, nos últimos tempos, por razões 
políticas, e não linguísticas, o costume de tornar esse uso comum, a 
alusão de respeito a ambos os sexos está se espalhando [...]. Esquece-se 
de que, na linguagem, se prevê a possibilidade de se referir a coletivos 
mistos através do gênero gramatical masculino, possibilidade em que 
não se visse intenção discriminatória, mas a aplicação da lei linguística 
da economia expressiva [...] (SILVA, 2019, p. 25).
Concordando com o exposto pela Real Academia Espanhola, Silva (2019) 
observa que muitas pessoas que acreditam agir de forma politicamente correta 
ao utilizar, em seus discursos, formas do feminino e do masculino, acabam 
incorrendo no equívoco de confundir gênero gramatical com sexo biológico, 
conforme já descrito nesta seção. Muito embora linguistas e gramáticos renomados 
defendam esse ponto de vista, ele não é um consenso entre todas as pessoas 
da área. Mäder (2015, p. 24-25), por exemplo, defende que o uso do masculino 
genérico, justificado pelo conceito de gênero não marcado, pode, “em nome 
de uma suposta neutralidade, escamotear as relações de poder entre homens e 
mulheres e contribuir para a manutenção de relações sexistas e opressivas”.
Nota-se, assim, que essa temática ainda demanda novos debates, de 
caráter multidisciplinar, com o envolvimento de pessoas da área da linguística 
e outros setores da sociedade. Por ora, é interessante uma leitura crítica das 
propostas relacionadas à linguagem inclusiva que têm como propósito apresentar 
estratégias para construção de uma linguagem mais equitativa. 
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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É importante refletir como a linguagem institui e demarca 
os lugares dos gêneros não apenas pela ocultação do 
feminino, mas também pelas adjetivações diferenciadas que 
são atribuídas aos sujeitos, pelo uso (ou não) do diminutivo, 
pela escolha dos verbos, pelas associações e pelas analogias 
feitas entre os gêneros e determinadas qualidades, atributos 
ou comportamentos. É importante escutar o que é dito 
sobre os sujeitos, mas também perceber o não dito, aquilo 
que é silenciado — os sujeitos que

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