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MINISTÉIRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS CRÍTICA LITERÁRIA RESENHA DO TEXTO ESTUDOS CULTURAIS E ESTUDOS LITERÁRIOS DE MARIA DA GLÓRIA BORDINI Luciana Vasconcelos da Costa O artigo Estudos culturais e estudos literários de Maria da Glória Bordini (2006), a qual foi professora da Faculdade de Letras da PUCRS e do Instituto de Letras da UFRGS, foi publicado na revista Letras de Hoje da PUCRS e aborda o assunto em dois tópicos, denominados A ascensão dos estudos culturais na pós-modernidade e Estruturalismos e multiculturalismo. Em A ascensão dos estudos culturais na pós-modernidade a autora diz que, aproximadamente, até a década de 60, cultura “abraçava apenas as mais altas realizações” (2006, p. 11) e que literatura era restrita às obras canônicas, e que esses deveriam ser cultivados, expandidos e difundidos. Mostrando, também, que até essa época havia uma diferenciação entre homem culto e inculto através do número de leituras feitas por estes, por seus conhecimentos sobre diversas áreas, pela fala e pela escrita. Ainda nesse mesmo tópico, a autora nos mostra que na pós-modernidade esses conceitos sofreram mudanças, se perdendo em meio a uma sociedade comodista e indiferente. Tais mudanças, porém, deram espaço a uma alteração nos estudos literários, tendo em vista a “existência de múltiplas culturas, distribuídas em tribos e facções, regiões, cidades e bairros (...) cada uma com sua especificidade e necessidades” (2006, p. 12). Essas alterações fazem com que haja uma multiplicação de manifestações lingüísticas, sejam elas verbais, não-verbais ou até mesmo semiverbais, além de colocar em questão “a delimitação do objeto das teorias literárias, confundido cada vez mais com outros produtos culturais” (2006, p. 12). Ainda que isso aconteça, as pessoas ainda conseguem diferenciar o que é literatura e o que não é. Com tanta diversidade, a abordagem dos estudos culturais não se dá somente através de recursos formais, mas sim através da relação existente entre texto e vida social. O texto de Maria da Glória (2006) trata também que atualmente quem define a pertinência da leitura é o leitor e que a teoria clássica não se aplica num mundo múltiplo e heterogêneo, onde a convivência com diversas culturas e diferenças sociais não aceita a homogeneização. Nesse mesmo tópico a autora fala sobre “um caminho para o estudo da literatura” (2006, p. 13) proposto pelas pesquisas da Escola de Birmingham. Richard Hoggart, um dos representantes da pesquisa, diz que “depois de dois séculos de urbanização, industrialização e democratização” (2006, p. 13) os ingleses “podem falar de cátedra sobre a sociedade de seu tempo na relação desta com a tradição literária” (2006, p. 13), conduzindo assim a pesquisa para uma aproximação de literatura e cultura, erudita e popular. Construindo assim um estudo da “história dos comportamentos do sistema literário quanto à vida cultural e vice-versa” (2006, p. 13). A autora mostra que esses estudos são chamados de Cultural Studies1 na Língua Inglesa, que têm como objetivo ser algo interdisciplinar, abrangendo filosofia, psicologia, psicanálise, sociologia, antropologia e semiótica, a fim de descobrir como certas características da vida social se fazem presentes na literatura. Ela aponta, também, que a Escola de Birmingham usa a “política da crítica literária inglesa” (2006, p. 13) em favor da construção de uma cultura ativa e igualitária, dando um acesso maior para todas as formas de cultura, tendo como objetivo “ressocializar e rehistoricizar” (2006, p. 14) a arte sob posse das elites, além de “promover as manifestações das classes populares e das minorias” (2006, p. 14), tendo assim dignidade cultural que estas não têm. Nesse tópico vê-se que “o método de trabalho dos Estudos Culturais partiu da análise literária para a cultural” (2006, p. 14), tendo duas etapas; onde a primeira trata de elementos da linguagem através de uma avaliação funcional “estética, psicológica e cultural” (2006, p .14) e a segunda tem como objetivo determinar “o campo de valores socioculturais” (2006, p. 14) selecionados, refletidos, transformados e rejeitados pela obra. Como essa investigação deve se dar através de atribuição de certos valores, acaba sendo revelado seu investigador, tendo assim um estudo provisório, já que aqueles não serão os mesmos para todos os indivíduos. No fim do tópico, Maria Bordini (2006) fala sobre o nascimento dos Estudos Culturais, que se deu através “de uma insuficiência da teoria literária” (2006, p. 14) nas décadas de 50 e 60, a qual se preocupava com outras explicações e “esquecia sua inserção sociocultural e a materialidade de seus processos de produção e recepção, em favor de uma essencialização universalista de suas formas e de seus sentidos” (2006, p. 14). Portanto, os 1 Tradução Livre: Estudos Culturais criadores da Escola de Birmingham notaram que se era exigido uma consideração da literatura e da cultura onde essa literatura era produzida, tendo então um “novo campo de discussão teórica” (2006, p. 15). No segundo tópico, Estruturalismos e multiculturalismo, a autora aborda o conceito de multiculturalismo como: o reconhecimento de que cultura não é um todo unitário, mas um mosaico de manifestações simbólicas autônomas e específicas, geradas no interior dos diversos segmentos que formam as sociedades, mas capazes de ultrapassar fronteiras nacionais ou regionais (2006, p. 15) Tendo assim uma noção de diferenças e de como elas podem fazer parte do mesmo espaço sem perda de suas características, muito menos serem unificadas e “denominadas por algum conceito universalista e humanista” (2006, p. 15). Maria Bordini (2006) mostra que a literatura divide a mesma situação de diferenciação e, ainda que se tenha buscado conceitos para unificação destas e lhes dar uma identidade, há um impedimento de pensamento sobre um “domínio claramente circunscrito” (2006, p. 15). Tendo assim a literatura característica se sobreponham à conceitos, fazendo com que estes não tenham uma “força delimitadora” (2006, p. 15). O que se tem hoje em dia é uma literatura híbrida e intertextual, fazendo com que não se tenha mais o pensamento de que literatura só é aquilo produzido por gênios ou por pessoas formadoras do sistema literário. Esse tópico mostra que essa insatisfação se deu na década de 60 nos Estados Unidos e na França, onde movimentos juvenis surgiram com objetivo de obter “liberação de costumes e de ideários” (2006, p. 16), numa tentativa de que as nações modificassem suas mentalidades há muitos anos estabelecidas. Na França, além dos movimentos da juventude exigirem mudanças, alguns professores e críticos literários criaram a Escola Superior de Altos Estudos, produzindo, com base na lingüística estrutural de Saussure, uma “disciplina de conhecimento, o estruturalismo” (2006, p. 16), tendo como fundamento a noção de que “o sentido só se constitui pela diferença” (2006, p. 16). Ao fazer um estudo lingüístico das narrativas, os franceses descobriram modelos de estruturação que podem ser aplicados a anedotas, filmes ou romances. Podendo esse ser “um gerador de quaisquer espécies de narrativas” (2006, p. 17) se for mantido idêntico, apenas com pequenas variações. Constataram, também, que a estrutura da narrativa pode ser utilizada para explicar “bens culturais em que se conte uma história” (2006, p. 17), derrubando assim a idéia de que certas obras literárias não possam ser analisadas e compreendidas. Tendo assim a noção de que limites e diferenças impostas podem ser contestadas, criando uma igualdade de sociedades e de obras, onde não há identidade unitária, apenas “um conjunto de traços diferenciais que depende dos diversos contextos sociais e culturais” (2006,p. 17). Nas décadas de 70 e 80, os estudos franceses sofreram críticas de Jacques Derrida, que criou uma “noção de descentramento dessas oposições”, onde diz que se só há uma constituição “por oposição de traços distintivos (...), a dualidade das oposições implica sempre a hierarquização e a dominância, inclusive política, do primeiro termo” (2006, p. 17), dando um exemplo das cores branco e preto, postulando uma “radicalização da noção de diferença” (2006, p. 18): permitir a distinção semântica e perceptiva das duas cores, dá à sociedade branca poder sobre a negra na própria disseminação do sentido pela linguagem. Cumpre desconstruir de dentro essa oposição, o que não é o mesmo que simplesmente invertê-la. Preto/branco continua sendo uma dessimetria. (2006, p. 18) Essas doutrinas estruturalistas se fixaram nos Estados Unidos da década de 60 até a década de 80, impulsionadas “pelos problemas da guerra, pela rebelião dos jovens e a constituição das comunidades hippies, pela liberação sexual e feminina, pela radicalização das reivindicações das feministas, dos gays e dos negros e índios” (2006, p. 18) e recebidas pelas universidades. Na Europa, com o desgaste das disciplinas de humanidades, a adesão às sociologias marxistas serviu como apoio para se manterem nas universidades. Enquanto nos Estados Unidos, onde também estavam em declínio, não tinham nenhum apoio que garantisse “o prestígio de estudos literários ou culturais” (2006, p. 18), tornando-se assim, os estudos franceses, apreciados nos departamentos de Inglês, que assim “passaram a atrair estudantes de outras áreas” (2006, p. 18). Porém, os americanos logo notaram que os estudos franceses não serviam apenas para as respostas de problemas acadêmicos, tendo assim “a vinculação entre os estudos literários e os estudos culturais” (2006, p. 19) produzida e incentivada por um projeto que visava a “renovação da formação acadêmica em Letras e Humanidades” (2006, p. 19). Dessa forma, criou-se nos Estados Unidos o termo multiculturalismo para denominar “um sistema de pensamento e de intervenção social fundado na noção de descentramento e diferença do pós-estruturalismo francês” (2006, p. 19), tendo uma ascensão devido ao fato de fazerem parte de uma sociedade multirracial. Tendo nos Estados Unidos um conflito cada vez maior entre maioria e minoria, tem-se a explicação para o fato das teorias terem se fixado no país, já que “entendiam ser o reconhecimento das diferenças culturais o caminho para a pacificação da sociedade” (2006, p. 19). Maria Bordini (2006) diz que o argumento de que “pensar uma sociedade multicultural seria admitir o outro não como alteridade ameaçadora (...), mas como um outro eu que permite o autoconhecimento e o auto-aperfeiçoamento por contraste, usando- se o mesmo princípio do traço diferencial sem o qual o sentido não se configura” (2006, p. 19) poderia afetar aquelas relação de oposição “hierarquizante que manteria a sociedade branca em situação hegemônica”, resultando então o relativismo pós-moderno, tendo em vista a condenação de práticas e atitudes que se baseassem “em essências como a da superioridade da raça branca e de sua cultura” (2006, p. 19-20). Bordini (2006) diz que o relativismo pós-moderno expressa os impasses do multiculturalismo num país não tão diferente do Brasil, onde se tem uma formação semelhante de sociedade, uma contribuição paralela de diferentes povos e a discriminação. Diferindo as nações pela forma como as diferenças culturais são expostas, pelo período em que se começou a discutir as diferenças, pela parcela da população com graduação e pelo fato de que, nos Estados Unidos, as minorias e os discriminados não se mobilizam como no Brasil acontece. Ao final do artigo, Bordini (2006) diz que “as identidades individuais se conformam no encontro de suas alteridades” (2006, p. 21), portanto, em contato com a literatura, o indivíduo irá adquirir valores e regras, permitindo que se situe e avalie seu lugar no mundo, tendo uma noção de identidade pessoal “que leve em conta a fragmentação das subjetividades e a pluralidade de identificações” (2006, p. 21) proporcionadas pela visão multiculturalista, fazendo com que o indivíduo viva em paz com a diversidade. REFERÊNCIA BORDINI, M. da G. Estudos culturais e estudos literários. Letras de Hoje, v. 41, n. 3, 23 out. 2006.
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