Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Órgão 6ª Turma Cível Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0001012-04.2005.8.07.0002 APELANTE(S) MARILDA GOMES DE OLIVEIRA APELADO(S) ALYNE RAMOS DA SILVA,JOCASTA RAMOS DA SILVA,KELLY CRISTINA DE AMORIM DA SILVA,LEANDRO SILVESTRE DA SILVA,LEONARDO RODRIGUES DA SILVA,MARCOS JOSE DA SILVA JUNIOR,MARIA FRANCISCA RODRIGUES,NAIR GRAZIELLY RAMOS DA SILVA,NILSON ESTACIO DE OLIVEIRA,SANDIR ARAUJO ARAGAO e ELIANE SILVESTRE DE FREITAS Relator Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO Acórdão Nº 1243398 EMENTA APELAÇÃO. CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. REQUISITOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DOLO. FALTA DE PROVAS. ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 373 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. O negócio jurídico somente será considerado válido quando, além de observar os requisitos previstos1. no artigo 104 do Código Civil, for praticado de forma livre, consciente e desembaraçada. A declaração de nulidade do negócio jurídico é medida excepcional e somente deve ocorrer quando2. constatada a ausência de algum dos requisitos de validade do negócio jurídico ou quando provada a existência de um dos vícios enumerados no artigo 171 do Código Civil. Considerando que os elementos trazidos aos autos somente comprovam a realização do negócio3. jurídico, e não a existência de vício de consentimento e má-fé, não há como se reconhecer sua nulidade. Nos termos do artigo 373 do Código de Processo Civil, incumbe ao autor provar os fatos4. constitutivos de seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Não sendo o apelante capaz de comprovar os fatos que alega serem suficientes à reforma sentencial,5. a negativa de provimento ao recurso é medida impositiva. Negou-se provimento ao apelo.6. ACÓRDÃO Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ARQUIBALDO CARNEIRO - Relator, JOSÉ DIVINO - 1º Vogal e VERA ANDRIGHI - 2º Vogal, sob a Presidência da Senhor Desembargadora VERA ANDRIGHI, ema proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. DESPROVIDO. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília (DF), 15 de Abril de 2020 Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO Relator RELATÓRIO Cuida-se, na inicial, de ação de anulação de contrato de compra e venda de imóvel ajuizada inicialmente por MARILDA GOMES DE OLIVEIRA contra MARCOS JOSÉ DA SILVA e NILSON ESTÁCIO DE OLIVEIRA. A autora narrou que em 29.10.04 teria realizado negócio jurídico de compra e venda de imóvel com Marcos José da Silva, oportunidade em que haveria outorgado procuração a ele, com poderes para vender e repassar a terceiros seu imóvel, situado na Quadra 04, Bloco “B”, Lote 02, do Setor Comercial Sul de Brazlândia/DF, tendo recebido, em contrapartida, de Sandir Araújo Aragão, por instrumento particular de cessão de direitos, o imóvel situado no Lote 51, Chácara 32, da Colônia Agrícola Vicente Pires, no valor de R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais). Ressaltou, todavia, que teria sido vítima de golpe, uma vez que o imóvel recebido em pagamento não pertencia aos réus. Afirmou que tentou resolver a situação, mas que Marcos teria transferido seu imóvel a Nilson Estácio de Oliveira. Afirmou que os Réus teriam agido desde o início com a intenção exclusiva de se apropriar de seu bem e argumentou que os negócios jurídicos seriam anuláveis por dolo, quando esse fosse a sua causa. Liminarmente pediu a reintegração de posse em seu imóvel (Quadra 04, Bloco “B”, Lote 02, do Setor Comercial Sul de Brazlândia/DF) e, no mérito, a confirmação do pedido liminar, a anulação do negócio jurídico de compra e venda e a condenação dos Réus em R$ 12.840,00 (doze mil, oitocentos e quarenta reais) por danos matérias, referentes aos alugueis não recebidos pelo imóvel e pela necessidade de recolocação de portas no andar inferior do prédio. Em razão da narrativa dos fatos, SANDIR ARAÚJO ARAGÃO e MARIA FRANCISCA RODRIGUES foram incluídos no pólo passivo da demanda. Posteriormente, em decorrência do falecimento do MARCOS JOSÉ DA SILVA, houve sucessão processual, sendo admitido no pólo passivo ALYNE RAMOS DA SILVA, JOCASTA RAMOS DA SILVA, NAIR GRAZIELLY RAMOS DA SILVA, KELLY CRISTINA DE AMORIM DA SILVA, LEANDRO SILVESTRE DA SILVA, LEONARDO RODRIGUES DA SILVA, MARCOS JOSÉ DA SILVA JÚNIOR e ELIANE SILVESTRE DE FREITAS. Citadas as partes, instruído o processo e realizada audiência de instrução e julgamento, sobreveio a r. sentença de improcedência dos pedidos iniciais. Inconformada com a solução adotada, a Autora apela. Em suas razões recursais (ID 13128850 - Pág. 1), a Autora/Apelante ressalta que o julgamento proferido na primeira instância teria se apoiado sobretudo na ausência de provas do dolo apontado na peça inicial. Todavia, entende que a r. sentença deve ser reformada, uma vez que os documentos acostados aos autos e assinados pelos Réus, muito embora não revestidos das formalidades legais, deveriam ser considerados como prova da celebração do negócio. Sustenta má-fé dos Réus na realização do negócio. Dos Réus/Apelados, somente ALYNE RAMOS DA SILVA, JOCASTA RAMOS DA SILVA, NAIR GRAZIELLY RAMOS DA SILVA e KELLY CRISTINA DE AMORIM DA SILVA apresentaram contrarrazões (ID 13128853 - Pág. 1). Não houve manifestação dos demais (ID 13128855 - Pág. 1 e 13998567 - Pág. 1). É o relatório. VOTOS O Senhor Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO - Relator Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo no duplo efeito. Em síntese, a Autora/Apelante pretende a anulação da compra e venda realizada entre as partes por suposto vício resultante de dolo. Defende que os Réus teriam agido de má-fé, na intenção de se apropriar de seu imóvel. Os requisitos de validade do negócio jurídico estão relacionados no art. 104 do Código Civil, sendo eles agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei. Além dos citados requisitos, a doutrina e a jurisprudência pátrias, balizados no princípio da autonomia da vontade, têm igualmente considerado o elemento volitivo do agente para aferição quanto à validade do ato jurídico. A partir dessa perspectiva, tem-se que, somente será considerado válido o ato que, além de observar os requisitos previstos no Código Civil, for praticado de forma livre, consciente e desembaraçada. Em outros termos, não é considerado válido o negócio que estiver impregnado de malícia ou vício, que ofenda a boa-fé e a autonomia privada das partes. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados desta egrégia Corte: “CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA. NEGÓCIO JURÍDICO. INTERMEDIAÇÃO EM PROCESSO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PAGAMENTO DIRIGIDO A SERVIDOR DO INSS. DANOS EMERGENTES. APLICAÇÃO DO ART. 883 DO CC. LUCROS CESSANTES. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE CERTEZA QUANTO AO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A APOSENTADORIA E DE QUE REFERIDO BENEFÍCIO SERIA EFETIVAMENTE CONCEDIDO NA DATA INDICADA. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. (...) 2. Segundo o art. 104 do CC, são elementos de validade do negócio jurídico: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei, tendo a doutrina (Acórdão (...)”.inserido como mais um elemento do negócio jurídico a vontade livre. 1228162, 07018250920188070010, Relator: ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 29/1/2020, publicado no DJE: 12/2/2020) “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE SOCIEDADE C/C DANOS MORAIS. CESSÃO DE DIREITOS SOBRE LOTE. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO AUTOR (CPC, ART. 333, I). FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO PLEITEADO NÃO DEMONSTRADOS. SENTENÇADE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Segundo o art. 104 do CC, qualificam-se como requisitos de validade do negócio jurídico: a) o agente capaz; b) o objeto lícito, possível, determinado ou determinável, não se contrapondo à lei, à moral ou aos bons costumes; c) a forma adequada (prescrita ou não defesa em lei); e d) a vontade exteriorizada conscientemente, de modo livre e desembaraçado, não podendo estar impregnada de 2.Várias as causas quemalícia ou vício, em respeito à boa-fé e à autonomia privada. podem truncar/deturpar/coibir a vontade, "denominando-se vícios de consentimento, ou defeitos de vontade, sendo desvios que levam a manifestar um juízo ou pretensão que interiormente não se desejou, ou que não se emitiria se tivesse a parte ciente de seu real conteúdo" (RIZZARDO, Arnaldo, Parte geral do código civil, 2011, p. 437). Acerca do tema, disciplina o art. 171 do CC que "além dos casos expressamente previstos em lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, ou fraude contra credores". (Acórdão n.842916, 20111110009268APC, Relator: ALFEU MACHADO, Revisor:(...)” FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 21/01/2015, Publicado no DJE: 28/01/2015. Pág.: 180) Assim, quando a vontade que dá origem ao negócio for mal formada ou mal externada, ocorre o chamado vício de vontade ou de consentimento, que pode ou não macular o ajuste firmado entre as partes, tornando-o suscetível de anulação. Nesse sentido, o artigo 171, inciso II, do Código Civil estabelece que, além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico por vício de vontade decorrente de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, :verbis “Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.” A declaração de nulidade é medida excepcional e somente deve ocorrer quando constatada a ausência de algum dos requisitos de validade do negócio jurídico ou quando provada a existência de um dos vícios acima enumerados. No presente caso, as provas dos autos demonstram dois negócios realizados pela Autora/Apelante, em princípio, desvinculados. Vejamos. O primeiro, fora realizado em 29.10.2004 entre a ela e Sandir Araújo Aragão. De acordo com o que consta no Instrumento Particular de Cessão de Direitos firmado entre eles (ID 13128691 - Pág. 14/15) Sandir cedeu, por R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), pagos à vista, os direitos, as vantagens, as obrigações e as responsabilidades sobre o imóvel situado no Lote 51, Chácara 32, da Colônia Agrícola Vicente Pires. Não questionados especificamente nestes autos, os documentos que seguem o instrumento de cessão indicam que Sandir seria legítimo possuidor dos direitos sobre o imóvel (ID 13128691 - Pág. 16/40). O segundo, fora realizado entre ela e Marcos José da Silva. A procuração firmada entre eles outorgou a Marcos José plenos poderes para dispor do imóvel situado na Quadra 04, Bloco “B”, Lote 02, do Setor Comercial Sul de Brazlândia/DF. Observe-se que os negócios realizados, por seus documentos, não indicam relação entre si, e não há qualquer outro elemento nos autos que indique que um imóvel tenha sido dado em pagamento do outro ou que tenha havido permuta entre eles. Nota-se que em cada situação a Autora/Apelante negociou com uma parte distinta. Os elementos trazidos aos autos dão apenas a certeza da realização dos negócios jurídicos, todavia, não demonstram a ocorrência de qualquer dos vícios de consentimento e tão pouco a ocorrência de má-fé. Com efeito, além da cessão de direitos relacionada ao imóvel do Lote 51, Chácara 32, da Colônia Agrícola Vicente Pires e a procuração relacionada ao imóvel da Quadra 04, Bloco “B”, Lote 02, do Setor Comercial Sul de Brazlândia, há apenas declarações unilaterais firmadas pela autora, como a identificada no ID 13128742 - Pág. 1/5, e a oitiva das testemunhas que não dão lastro suficiente as alegações apresentadas pela Autora/Apelante. Ora, sobre os depoimentos, a testemunha João Paulo Leandro Mendes Mendonça Ferreira Lima afirmou que à época dos fatos tinha entre dez e doze anos e, com base relação na de amizade e convívio existente entre sua família e a Autora/Apelante, discorreu a sequência de eventos informados pela própria autora. Quanto à testemunha Carlos Alberto da Silva, contata-se que ao final de sua narrativa, esclareceu não ter presenciado qualquer dos fatos narrados, tendo apenas tido conhecimento deles por conversa com o filho da Autora/Apelante. Em síntese, as testemunhas somente narraram a história que ouviram da própria autora ou de seu filho. Nesse momento, convêm ressaltar que o ônus da prova compete ao autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito e ao réu quanto aos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor. Essa é a inteligência do artigo 373 do Código de Processo Civil. Na doutrina, Moacyr Amaral Santos ensina que "quem tem o ônus da ação, tem o de afirmar e provar os fatos que servem de fundamento à relação jurídica litigiosa; quem tem o ônus da exceção, tem o de afirmar e provar os fatos que servem de fundamento a ela. Assim ao autor cumprirá sempre provar os " (Comentários ao Código de Processofatos constitutivos, ao réu os impeditivos, ou modificativos. Civil, 2ª Edição Forense, Vol. IV p. 33). No caso em análise, a Autora/Apelante não se desincumbiu do ônus processual, porquanto não comprovou má-fé ou dolo no negócio realizado e tampouco demonstrou a ocorrência de prejuízo quanto à transferência dos direitos do imóvel de Brazlândia, o qual pretende reaver por está ação. A propósito do ônus probatório, confira-se aresto desta egrégia Corte, :mutatis mutandis "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ESCOLA PÚBLICA. DANO DECORRENTE DE AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NÃO COMPROVADO. ÔNUS DA PROVA. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO NÃO DEMONSTRADO. AUSENTES OS PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, (Acórdão 1228856,. (...)"modificativo ou extintivo do direito do autor 07078631320188070018, Relator: ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 5/2/2020, publicado no PJe: 18/2/2020) Portanto, no presente caso, além de estarem presentes dos requisitos de validade do negócio jurídico, previstos no artigo 104 do Código Civil, não há provas de vício de consentimento para que o negócio envolvendo os direitos sobre o imóvel de Brazlândia seja anulado. Ante o exposto, ao apelo, para manter indene a r. sentença recorrida.NEGO PROVIMENTO Em face da sucumbência recursal verificada, majoro os honorários advocatícios estipulados na origem em 1% (um por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §11, do CPC, ressalvando-se a gratuidade de justiça concedida na origem à Autora/ Apelante. É o meu voto. O Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO - 1º Vogal Com o relator A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI - 2º Vogal Com o relator DECISÃO CONHECIDO. DESPROVIDO. UNÂNIME.
Compartilhar