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EBOOK Perspectivas Pedagogica Afro-Indigena

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3 
 
 
Organizadores 
Marcos Moura 
Mariana Gino 
 
 
PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS 
AFRO-INDÍGENAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esta obra é uma publicação do Instituto Cultural Ajuri (INCA) em parceria com o Centro de 
Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) que integra o projeto Escola Afro-Amazônica. 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Autores: 
Ele Semog, Helena Theodoro, 
Josias Ferreira de Souza e Djuena 
Tikuna. 
 
Organização: 
Manoel Marcos de Moura Clementino (Marcos Moura) 
e Mariana Gino. 
 
Textos: 
Elé Semog, Helena Theodoro, 
Josias Ferreira de Souza e Djuena Tikuna. 
 
Coordenação Editorial 
Jucifram Canto e Eldiney Alcântara 
 
Capa 
Leonardo Canto 
 
Diagramação 
Leonardo Canto 
 
Revisão 
Manoel Marcos de Moura Clementino (Marcos Moura) e Mariana 
Gino. 
 
Impressão 
Gráfica e Editora João XXIII 
Rua Governador Leopoldo Neves, 582 – Centro 
CEP: 69.152-065 - Parintins – Amazonas – Brasil 
Telefones: (92) 99115-1742 
E-mail: graficajoao23@gmail.com 
 
 P467 Perspectivas Pedagógicas Afro-Indígenas/ Organizado por: Manoel Marcos de Moura 
Clementino; Mariana Gino. – Parintins: Gráfica e Editora João XXIII, 2021. 
 48p.: il. color, 21 cm. 
 
 ISBN: 978-85-67959-64-1 
 Projeto Escola Afro-Amazônica: tem por objetivo viabilizar materiais didáticos-
pedagógicos para o auxílio de uma educação voltada para promoção da Lei 11.645 
de 10 de março de 2008 nas escolas, que torna obrigatório o ensino das culturas e 
histórias africanas, afro-brasileiras e indígenas em todos os níveis de ensino no 
país. 
 
 1. Política Pública 2. Educação Étnico-Racial I. Clementino, Manoel Marcos 
de Moura II. Gino, Mariana III. Instituto Cultural Ajuri (INCA) IV. Centro de 
Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) V. Título 
 
 CDU 37.014.1 
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista Daniele Canto Hagra 
CRB11/726 
 
5 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
Perspectivas Pedagógicas Afro-Brasileiras. .............................................................................. 7 
Pedagógicos Afro- Brasileiras .................................................................................................. 21 
Perspectivas Pedagógicas Indígenas ........................................................................................ 31 
A voz dos encantados: A música Indígena .............................................................................. 38 
Bibliografia Utilizada pelos Autores e Referências. ............................................................... 45 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
É com grande alegria que o lançamos o primeiro Caderno “Perspectivas Pedagógicas 
Afro-Indígenas”. O projeto elaborado expressa o nosso mais puro desejo de viabilizar matérias 
pedagógico para o auxílio de uma educação voltada para promoção da Lei 11.645 nas escolas. 
 Promulgada em 10 de março de 2008, a Lei 11.645, que torna obrigatório o ensino das 
culturas e histórias africanas, afro-brasileiras e indígenas em todos os níveis de ensino no país, é frutos 
das reivindicações e ações sociais das comunidades negras e indígenas contra o silenciamento histórico. 
Como bem nos conta os livros de História, desde a gênese da formação social do Brasil as comunidades 
negras e indígenas tiveram suas histórias e experiências sociais invisibilizadas pela dita “história oficial” 
que relegou a estes grupos um lugar marginal. 
Assim, o advento da Lei tornou-se um divisor de águas para o fortalecimento da 
diversidade e das identidades no Brasil. Pensando em construir e promover ações possíveis para o 
conhecimento e fortalecimento dessas identidades, o Instituto Cultural Ajuri (INCA) e o Centro de 
Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) se uniram para juntos construírem o primeiro Caderno 
Perspectivas Pedagógicas Afro-indígenas, que no estado do Amazonas integra o conjunto de materiais 
pedagógicos do Projeto Escola Afro-Amazônica. O objetivo central da publicação, que tem como público 
alvo alunos e professores das comunidades amazonenses, é ser um suporte pedagógico para o corpo 
discente e docente das instituições de ensino público. 
Boa leitura! 
 
Coordenadores, 
Esp. Marcos Moura (INCA). 
Profª. Msa. Mariana Gino (CEAP). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Foto: João Siqueira 
Perspectivas Pedagógicas Afro-Brasileiras. 
 
Negros e o difícil caminho das letras no Brasil'1 
 
 Profº. Ms. Ele Semog – Secretário Executivo do Centro de Articulação de Populações 
Marginalizadas (CEAP) 
Pensar e tratar das origens da educação escolar brasileira, exige considerar que ela teve início no 
século XVI com a chegada, em 1549, dos padres da Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola 
em 1534. A instalação dos “colégios”, que em Portugal proliferaram cumprindo sua ação doutrinária e 
evangelizadora à fé católica, bem como a sua ação pedagógica no ensino “do ler, do escrever e do contar”, 
se repetiu também no Brasil colonial, perdurando até 17592 com a reforma geral do ensino promovida 
pelo Marques de Pombal (José de Carvalho e Melo), que extinguiu e expulsou a Companhia de Jesus e 
todos os jesuítas não só de Portugal, como também de todas as colônias, sendo que no Brasil a expulsão 
ocorreu em 1760. 
 Na medida em que a colonização portuguesa foi se expandindo e se consolidando no Brasil, os 
jesuítas se dedicaram a educação inicial dos filhos de portugueses (os mais abastados eram enviados para 
concluir a formação na Europa). Suas diretrizes de ensino e de administração se baseavam no que 
estabelecia o “Ratio Studiorum”, uma espécie de bula, que era aplicado em todos os colégios da 
Companhia de Jesus instalados pelo mundo. Esse conjunto de procedimentos que orientava a vida 
acadêmica e administrativa dos colégios buscava, dentre outras finalidades, a aplicação de um mesmo 
 
1 O presente texto é fruto das pesquisas que desenvolvi durante o mestrado em História Comparada, pela 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendido em 2018. 
2 Ver Breve Evolução Histórica do Sistema Educativo - Portugal - OEI. Disponível em: 
www.oei.es/historico/quipu/portugal/historia.pd (Acessado em 21/03/2017) 
 
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjLxZbDt_jSAhUHf5AKHR8dBJMQFgg9MAI&url=http%3A%2F%2Fwww.oei.es%2Fhistorico%2Fquipu%2Fportugal%2Fhistoria.pdf&usg=AFQjCNFUUdXN5fewXa4fMpttJA31qWnpLQ
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjLxZbDt_jSAhUHf5AKHR8dBJMQFgg9MAI&url=http%3A%2F%2Fwww.oei.es%2Fhistorico%2Fquipu%2Fportugal%2Fhistoria.pdf&usg=AFQjCNFUUdXN5fewXa4fMpttJA31qWnpLQ
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjLxZbDt_jSAhUHf5AKHR8dBJMQFgg9MAI&url=http%3A%2F%2Fwww.oei.es%2Fhistorico%2Fquipu%2Fportugal%2Fhistoria.pdf&usg=AFQjCNFUUdXN5fewXa4fMpttJA31qWnpLQ
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjLxZbDt_jSAhUHf5AKHR8dBJMQFgg9MAI&url=http%3A%2F%2Fwww.oei.es%2Fhistorico%2Fquipu%2Fportugal%2Fhistoria.pdf&usg=AFQjCNFUUdXN5fewXa4fMpttJA31qWnpLQ
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjLxZbDt_jSAhUHf5AKHR8dBJMQFgg9MAI&url=http%3A%2F%2Fwww.oei.es%2Fhistorico%2Fquipu%2Fportugal%2Fhistoria.pdf&usg=AFQjCNFUUdXN5fewXa4fMpttJA31qWnpLQhttp://www.oei.es/historico/quipu/portugal/historia.pd
http://www.oei.es/historico/quipu/portugal/historia.pd
 
8 
 
 
currículo em todas as unidades educacionais e religiosas. Em menos de um ano após ter chegado ao 
Brasil, o irmão jesuíta Vicente Rodrigues, fundou a primeira escola brasileira destinada a catequese e 
letramento do gentio local (indígenas). A forma como a coroa portuguesa e os jesuítas lidavam com os 
povos indígenas e os negros no Brasil era bastante distinta, tanto na preocupação com a evangelização e 
escolarização, quanto no próprio trato do escravagismo. Não se tem notícia de que aquelas instancias, em 
algum momento, tenham manifestado explicitamente interesse pela efetiva evangelização e pela educação 
escolarizada dos africanos e seus descendentes. 
Os conflitos, e os embates de natureza moral e econômica, entre a coroa portuguesa, os colonos, 
os jesuítas (e os bandeirantes) em torno da apropriação do trabalho escravizado dos indígenas visava 
atender a demanda dos colonos pobres que não podiam pagar pelos escravizados africanos, de valor muito 
elevado (Junior, 1995, p.36). Esse enfrentamento foi contínuo, desde a chegada desses padres em 1549, 
só sendo superado com a Reforma Pombalina, que determinou em 1755 a abolição do trabalho escravizado 
dos indígenas atingindo os interesses de colonos e jesuítas, além de decretar uma lei que estimulava o 
casamento entre indígenas e portugueses 
Em relação aos negros, no período da reforma pombalina, não há nada que diga respeito a 
educação dessa população e as fontes são, a luz desse estudo, praticamente inexistentes, embora tenhamos 
encontrado um fio da meada na informação proclamada por Reis e Silva (1989, p. 16, Apud R. 
Conrad,1975) que na segunda metade do século XIX, em 1872, portanto um século depois da reforma 
pombalina, apenas 1 (um) em cada 1.000 (um mil) indivíduos da população de escravizados era 
alfabetizada. O levantamento em questão não pode ser considerado plenamente consistente em termos do 
real contingente de população escravizada. Nesse sentido Ganga Zumba (Zumbi dos Palmares, sem 
comprovação) e Henrique Dias são, no mundo dos letrados a sua época e mesmo dois séculos depois, 
estrelas solitárias que vagam na história do Brasil sem pares que mereçam equidades, ou equivalência. 
De certa maneira a reforma pombalina foi um fracasso no Brasil, quase tudo deu errado, mas isso 
não significa que modificação no processo educativo se dê de maneira imediata. Pela análise de Saviani 
(2004), o Brasil não tinha professores para as aulas régias (uma espécie de cursinho de especialização 
para se tentar o acesso aos cursos das universidades europeias); falta de recursos financeiros para os tais 
subsídios literários, imposto que deveria pagar professores e material didático, e o temor que se a educação 
se expandisse na colônia e com ela também as ideias liberais e iluministas, poderiam se constituir como 
instrumento do povo (elite) educado para a disseminação das vontades políticas pela emancipação da 
colônia. 
No ano de 1777 morre D. José I e sobe ao trono Dona Maria I, que além de promover o desmanche 
das iniciativas do Marques de Pombal, traz de volta ao poder seus inimigos (acusados de conspirarem 
contra o rei), favorecendo inclusive o retorno da Igreja ao Estado. Defenestrado e, certamente humilhado, 
 
9 
 
 
o Marques de Pombal, pede demissão “de todos os lugares”. Dona Maria I, morre no Brasil em março de 
1816. Somente 13 anos depois da chegada da família real portuguesa ao Brasil, um dos legados do 
Marques de Pombal para a educação se constitui de fato, com a indicação em 1821 do baiano José da 
Silva Lisboa (Visconde de Cairu), que ministrava aulas régias de filosofia e moral, para o cargo de Diretor 
Geral dos Estudos.Em 1822 o Brasil se torna um Estado independente de Portugal e se constitui como 
Império do Brasil. A Constituição21 outorgada em 1824 pelo imperador D. Pedro I, estabelecia que o 
ensino primário fosse gratuito nas escolas públicas, mas não ocorreu de imediato o “cumpra-se”, como 
veremos nas próximas argumentações. 
Vale destacar que a Constituição, no seu Artigo 179 estabelecia “A inviolabilidade dos Direitos 
Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a 
propriedade, (...)”. No Artigo 6, a mesma Constituição define em 5 itens quem é considerado cidadão 
brasileiro, e destacamos no item I: “Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, 
ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação”. Nessa 
Constituição, não por acaso inspirada em princípios positivista, mas paradoxalmente absolutista, não 
consta a palavra “escravo”, e não o considera como cidadão. Também não consta a palavra negro, 
utilizando seus equivalentes correntes nos usos de então, como ingênuos e libertos. O governo do Império 
não conseguiu implementar a Constituição no que dizia respeito às escolas primárias. Segundo Siss 
(2003) não havia nenhum interesse do gestor público em educar, por iniciativa do Estado, os africanos e 
seus descendentes, bem como os brancos pobres, uma vez que “(...) a educação, principalmente a primária, 
não se constituiu como um valor em si mesma para a elite política da época”. 
Em 12 de agosto de 1834, “a Regência faz saber aos súditos (...) que a Câmara dos Deputados 
decretou as seguintes mudanças com o Ato Adicional à Constituição de 1824. Nos 32 artigos do Ato as 
províncias têm definidas uma série de atribuições e uma significativa autonomia para implementar suas 
decisões. No artigo 10, parágrafo 2º, trata das competências de legislar sobre “instrução pública e 
estabelecimentos próprios a promove-la” e exclui da competência das províncias os cursos superiores 
(medicina e jurídico) e as academias (música, artes) que existissem na província, ou que viessem a ser 
criados pelo governo central. 
O parágrafo 2º transcrito acima, na verdade tirava a responsabilidade do governo imperial de 
prover o ensino primário, (Siss, 2003; Saviani ;2004) coincidem em que o governo central não tinha o 
menor interesse em promover esse tipo de educação, uma vez que a maioria das províncias não tinha 
condições mínimas para arcar com recursos técnicos e financeiros para cumprir a missão. Ainda assim, 
como que ratificando o desinteresse do governo imperial em assumir a responsabilidade pela educação 
primária, em 1827 foi sancionada uma lei que indicava que fossem implantadas escolas de primeiras letras 
 
10 
 
 
em todas as cidades, vilas e localidades mais populosas do Império. A consequência foi o Brasil atravessar 
o século XIX sem educação pública. 
Com os africanos, seus descendentes, e os brancos pobres deliberadamente sem acesso à 
educação praticamente em todo o país, três anos depois do Ato Constitucional, o presidente da província 
do Rio de Janeiro, Paulino José Soares de Sousa, sanciona a Lei nº 1, de 2 de janeiro de 1837, que 
regulamenta a instrução primária na província do Rio de Janeiro. Os artigos 1 e 2, da lei determinam três 
classes de ensino e estabelecem a grade curricular e a ordem sequencial de acesso a cada uma das classes. 
A lei vai se desenrolando muito bem, mas no artigo 3 surge mais uma aberração, dentre os disparates que 
temos tratado nessas linhas. E assim diz o artigo3: “Artigo 3º - São prohibidos de frequentar as Escolas 
Publicas: 1º- Todas as pessoas que padecerem molestias contagiosas. 2º- Os escravos, e os pretos 
Africanos, ainda que sejão livres ou libertos”. Como vimos anteriormente a Constituição do Império 
definia como cidadãos “os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos”. Portanto na 
nossa análise, salvo grasso equivoco, consideramos que o item 2, do artigo 3º da regulamentação da 
instrução primária foi ostensivamente inconstitucional. 
Ainda que se considere esse impedimento de acesso do negroa escolarização como um princípio 
hegemônico da sociedade escravocrata, que naquele momento via ameaçada a sua principal fonte de 
produção de trabalho sendo inclusive obrigada, pela Inglaterra a produzir ato legal impedindo o tráfico de 
africanos (Lei Regente Feijó, de 1831), a letra fria das leis de então não traduzem os jogos intensos que 
se estabeleciam para se manter ou alterar lugares e situações socialmente definidos em determinado 
sistema social. A comunidade escravizada da província do Rio de Janeiro, e alhures, construía seus 
próprios códigos, seu ordenamento social, sua linguagem sobre a sociedade branca e sobre os 
escravocratas, observavam a chegada de estrangeiros e de novos africanos, que embora tivessem 
dificuldades de se enquadrarem, traziam novas formas de recodificar as suas condições de escravizados. 
Sempre houve entre os escravizados uma capacidade de conceber formas de acesso a determinados 
escaninhos daquela sociedade, produziam pulsão e energia às possibilidades de liberdade e de mobilidade, 
inclusive por meio de fugas, alistamento em unidades militares e mesmo a auto declaração quando 
inquirido, de pessoa livre. 
Uma das questões importantes é buscar entender como essa mobilidade se constituía dentro do 
aparato social e político. Os africanos e seus descendentes faziam muitos arranjos, como negros de ganho, 
por exemplo, e prestavam muitos favores: magias e feitiços, fitoterapia e curas espirituais, assassinatos e 
até mesmo o compromisso de voto no eleitor branco que poderia votar para eleger os membros do 
legislativo. A situação era bastante ambígua, quase uma esquizofrenia, onde a tonalidade da cor da pele 
 
3 Disponível em: http://seer.ufrgs.br/asphe/article/viewFile/29135/pdf 
 
11 
 
 
era um critério importante, além da família a qual estava submetido, inclusive nos relata KARASCH 
(2000: p.122,123): 
“[...] os escravos podiam observar gente livre de cor ocupando 
posições de autoridade sobre seus senhores ou servindo à igreja. Embora os traços 
da sua ancestralidade africana ou indígena aparecessem no rosto, na pele ou nos 
cabelos, esses indivíduos poderosos não eram escravos nem considerados pessoas 
de cor ao contrário, eram vistos como membro de famílias brancas proeminentes. 
Até 1831, enquanto os nobres portugueses dominaram as mais altas posições 
políticas, havia poucos desses brasileiros proeminentes de ancestralidade escrava; 
mas durante e depois da Regência (1831 -1840), à medida em que os brasileiros 
tomavam o governo, os escravos podiam ver gente de cor semelhante à deles 
ocupar altos cargos políticos” ... “(...)...era praticamente proibido aos negros 
assumir um posto de responsabilidade, porque os senhores queriam evitar 
situações em que filhos de escravos exercessem autoridade sobre brancos[...]”. 
 
 É evidente que mesmo sob essas circunstâncias as impossibilidades de galgar posições de valor 
social, e o aparato de impedimentos objetivos, alimentavam nos negros toda sorte de inventividade, dentre 
elas a de construir um tipo de organização social, com valores e princípios próprios, sem que os grupos 
dominantes da sociedade percebessem a real dimensão dessa vida paralela. Os negros viviam sob tensão 
constante. Tinham noção de que estavam sujeitos a uma legislação de controle físico e social produzida 
pelos escravocratas que tentavam burlar ou ignorar, mas na verdade nunca se sentiam em paz. “Por isso 
os escravos tiveram que enfrentá-los com inteligência e criatividade. Eles desenvolveram uma fina malícia 
pessoal, uma desconcertante ousadia cultural, uma visão de mundo aberta ao novo. (REIS, SILVA, 1989, 
p. 33). 
As elites e as sociedades colonial e imperial produziram, em relação às possibilidades de 
mobilidade social dos negros, uma espécie de currículo oculto onde todos contribuíam na medida exata 
das forças necessárias para manter o sistema de “apartação”. O que excedia a essa força, o que vazava dos 
limites – e que ratifica a ideia de que todos sistemas contem falhas -, era tolerado e exibido como forma 
de demonstrar ‘tolerância’, permitindo alguma ascensão e por outro, que era possível, desde que sozinho 
e comprometido com cega e inabalável fidelidade aos escravocratas, fluir por aquela permeabilidade e 
situar-se num lugar de respeitosa solidão. 
De certa forma foi com esse espírito e com esse legado que o Brasil adentrou, no ano de 1889, 
no universo dos Estados republicanos. Com um positivismo patológico, um nacionalismo sem povo e 
uma elite em conflitos pela intenção de se apropriar do espólio do Império e de ocupar as melhores 
posições como mandatárias da República. Aqui levemos em conta as nuances de ideias republicanas nas 
muitas revoltas e insurreições ocorridas até então no Brasil; inclusive aquela que hoje temos como 
 
12 
 
 
referência nacional, a Conjuração Mineira (1789). Essa insurreição, inspirada nas ideias iluministas e na 
revolução estadunidense (1776), foi de cunho escravocrata, orquestrada pela elite inconformada com os 
elevados impostos devidos à Coroa, de cunho local e contando com apenas um sujeito do povo na sua 
articulação. A primeira Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, documento que 
trata das macro funções do Estado, inclusive no seu caráter marcadamente positivista e liberal, inclui na 
Seção II, Declaração de Direitos, Artigo 72, 6º parágrafo o texto: “Será leigo o ensino ministrado nos 
estabelecimentos públicos”4, e o governo provisório, num decreto de 20 de novembro de 1889, atribui aos 
governadores dos Estados: “Providenciar sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios e 
promovê-la em todos os seus graus”, ou seja repetia a proposta do Império de delegar o ensino primário 
às províncias, e agora atribuía aos estados a responsabilidade de organizar todos os níveis de ensino, sem 
que fosse apresentado um plano nacional de diretrizes mínimas que orientasse, ao menos a educação 
primária. 
Em termos constitucionais, já que a abolição da escravatura fora decretada um ano antes, em 
1888, a população negra brasileira (escravizados, crioulos, ingênuos, boçais, forros, pretos e mulatos) 
agora se constituía como uma população cidadã, com todos os direitos consagrados, inclusive o de votar, 
salvo aqueles que fossem analfabetos, numa sociedade pré-industrial, predominante e precariamente 
agrária, mas tinha que avançar e demonstrar todo o seu potencial no cenário das nações. Então, 
independente da realidade econômica (e histórica) de cada sujeito, o que o liberalismo oferecia era o 
desafio de que cada indivíduo podia responder pelo seu sucesso segundo sua competência, ao mesmo 
tempo em que buscava construir um processo de invisibilização do negro na sociedade brasileira, uma 
vez que o pensamento dominante era, ainda, de que com a chegada de imigrantes europeus os negros 
progressivamente desapareceriam e então se poderia organizar a sociedade de forma plenamente 
eugênica. 
De outra parte, no âmbito geral da sociedade, se vivia um processo intenso de urbanização e 
industrialização, as demandas pela organização de uma educação pública se tornavam mais constantes. 
Conforme Saviani (2004) “(...) difundindo-se o entendimento do analfabetismo como uma doença, uma 
vergonha nacional, que devia ser erradicada”. De forma geral as Constituições que se seguiram, todas de 
cunho liberal, desde a do ano de 1891 (assinada em 24 de fevereiro), até a de 1969, na verdade uma 
Emenda Constitucional (assinada em 17 de outubro) que edita a Constituição de 24 de fevereiro de 1967, 
ambas impostas pelos militares que ocupavam o poder, o negro está incluído na dimensão de cidadão. O 
problema são as leis de regulamentação, os decretos, as normas, as portarias e, sobretudo os usos e 
costumes policialescos que embora não explicitem a cor da pele, ou a raça, se constituem em instrumento4 Presidência da República, disponível em: 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm 
 
13 
 
 
que punem e penalizam os negros nas suas expressões mais valiosas; sua cultura, sua religião, sua música, 
seu modo de existir e a sua sociabilidade comunitária. 
Ressalva-se, entretanto, que na Constituinte de 1946, durante a realização da Convenção 
Nacional do Negro, em São Paulo, promovida pelo Teatro Experimental do Negro, dirigido por Abdias 
do Nascimento (pela primeira vez, de acordo com as fontes consultadas), foi encaminhada uma questão 
objetiva e direta reivindicando uma lei brasileira contra a discriminação racial. A proposta foi apresentada 
pelo senador Hamilton Nogueira e de imediato rejeitada pelos constituintes que alegaram ser 
desnecessária pela inexistência do racismo no Brasil. Mas, reflexo da demanda, ou atenção ao desastre do 
nazismo contra os judeus durante a II Guerra Mundial, os legisladores incluem no Artigo 141, parágrafo 
5º. que não será tolerada propaganda de preconceito de raça, ou de classe... 
É óbvio que o legislador não se referia à “raça” negra. 
No ano de 1951 foi assinada a Lei 1390, de autoria do senador Afonso Arinos, que estabelece a 
discriminação e o preconceito de cor como crime de contravenção, consequência de um escândalo de 
racismo contra a bailarina negra estadunidense Katherine Dunham, praticado por empregados de um hotel 
paulista. Em um precioso e paradigmático trabalho de análise das leis brasileiras (tendo como marco a 
Constituição Brasileira de 1988), que tratam de questões raciais relativas a população negra nos níveis 
federal, estadual e municipal, o jurista Hédio Silva Jr (1998), além de apontar que empiricamente o direito 
a igualdade revela, por causas sistêmicas e diversas, flagrante violação de seus conteúdos jurídicos, 
esclarece que: 
“[...]Ao analisar a intersecção entre direito e relações raciais no 
Brasil, invariavelmente agregando à disciplina jurídica as contribuições de 
ciências como a sociologia, a economia, a psicologia e outras, os raros e 
emergentes estudiosos que se ocupam do tema, entre eles Oliveira da Silva, 
Bertúlio, Prudente, Silva, Vassouras e Lima, concordam quanto ao fato de que a 
inscrição do princípio da não-discriminação e as reiteradas declarações de 
igualdade têm sido insuficientes para estancar a reprodução de práticas 
discriminatórias na sociedade brasileira. Referimo-nos a uma ampla variedade de 
condutas, via de regra silenciadas e dissimuladas, capturadas em estatísticas 
produzidas por institutos insuspeitos como o IBGE, Núcleo de Estudos da 
Violência/USP, DIEESE e mais uma gama de estudos e trabalhos acadêmicos 
abrigados nas principais universidades do país5[...]”. (SILVA Jr, 1998, p. VII). 
 
As afirmativas de Silva Jr. constituem elementos históricos que vêm sendo produzidos desde os 
primórdios do Brasil colônia; reflete em parte, senão no todo, as conclusões de E.P. Thompson (1997, p. 
330, 331) ao analisar a origem da Lei Negra na Inglaterra do século XVIII: “(...). É assombrosa a riqueza 
que se pode extrair de territórios dos pobres, durante o estágio de acumulação do capital, quando a elite 
 
5 Nomes em bibliografia dos citados: OLIVEIRA DA SILVA, Kátia Elenise. BERTÚLIO, Dora 
Lucia Lima. PRUDENTE, Eunice Aparecida de Jesus. SILVA, Jorge da. VASSOURAS, Vera 
Lúcia C. LIMA, Francisco Gérson Marques de. 
 
14 
 
 
predatória é numericamente reduzida e o Estado e o direito ampliam os caminhos da exploração”. Neste 
ponto é necessário recorrer a uma cruel metáfora: aquilo que na Inglaterra era chamado de “territórios dos 
pobres”, aqui corresponde e pode ser definido com “os corpos dos negros”, território humano onde, 
igualmente como lá, o Estado e as elites exacerbaram a exploração, mas não o suficiente para lhes 
liquidarem o espírito e a disposição de existir com dignidade... 
Para que a população negra brasileira conseguisse alcançar as garantias contidas na Constituição 
de 1988, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, foi necessário um elevado 
dispêndio de energia para resultados tão demorados. Neste sentido, duas questões convergem e confirmam 
a diretriz desta pesquisa, conforme aponta CRUZ (2005: p. 26, 27): 
“[...]. A necessidade de ser liberto ou de usufruir a cidadania quando 
livre, tanto durante os períodos do Império, quanto nos primeiros anos da 
República, aproximou camadas negras da apropriação do saber escolar, nos 
moldes das exigências oficiais. Sendo assim, embora não de forma massiva, 
camadas populacionais negras atingiram níveis de instrução quando criavam suas 
próprias escolas; recebiam instrução de pessoas escolarizadas; ou adentravam a 
rede pública, os asilos de órfãos e escolas particulares. (...). “(...) não foi fácil a 
introdução da temática Negro e Educação no campo científico. Foi necessário que 
os próprios afro-brasileiros abrissem caminho, culminando no ano de 1998 com o 
reconhecimento oficial, no campo científico, da necessidade do desenvolvimento 
de pesquisas na temática Negro e Educação. Tal fato foi delineado pelo primeiro 
concurso de dotação de pesquisa sobre a temática […]”. 
 
Como podemos observar o emaranhado jurídico constitui um forte recurso difuso para negação 
de direitos específicos para os negros. Contudo a história da busca de oportunidade por educação para a 
comunidade negra, sempre esteve presente na consciência coletiva, mas somente a partir do ano de 1961, 
o Estado brasileiro passa a incorporar circunstâncias especificas coibindo preconceitos de raça e de cor 
na política de educação. 
 
Marcos Conceituais da Lei 10.639/03: bastidores, becos e saídas. 
 
Quando da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em fins de 2002, o movimento negro 
já acumulara um capital político para sustentar suas demandas e uma capacidade de diálogo e de 
negociação com o governo, só comparável ao que os abolicionistas produziram a partir da ilegalidade do 
tráfico de pessoas para o Brasil em 1850, quando a pauta sobre escravização permaneceu no parlamento 
do Império até 1888. No governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2002), 
o movimento negro, que viveu constrangimento quando o então candidato dissera durante a campanha 
eleitoral que “era mulatinho e tinha um pé na cozinha”, obteve duas importantes conquistas junto ao 
governo. A primeira foi a instalação do Grupo Interministerial de Trabalho de Políticas para a Valorização 
da População Negra (Decreto de 20/11/1995) e a segunda diz respeito a participação recorde de militantes 
 
15 
 
 
do movimento negro na delegação brasileira que foi à III Conferência Mundial contra o Racismo, 
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, convocada pela ONU e realizada em Durban, 
África do Sul, em 2001. 
Dos muitos compromissos assumidos pelo governo brasileiro depois de consolidada a 
redemocratização, foi na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o país alcançou um dos mais 
impactantes atos governamentais para a comunidade negra: a assinatura da Lei 10.639/03. 
Contudo, a Lei já vinha sendo urdida desde o VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste, 
realizado na cidade de Recife em julho de 1978, cujo tema foi “O negro e a educação”. O Encontro, 
organizado na forma de seminários, discutiu temas que abrangiam desde o perfil da educação oficial e 
seus projetos, passando pelo papel do professor na descolonização do ensino, racismo no livro didático, 
relatos de experiências e vivências de aplicação da história da África e cultura negra nas escolas, além de 
painéis e grupos de trabalho onde: 
“[...] o VIII Encontro teve como preocupação central questionar a 
negação da importância do negro na formação social brasileira, através dos meios 
oficiais de educação do País. Ao mesmo tempo, procurouevidenciar estratégias 
de atuação dos movimentos negros, que possibilitem resgatar o papel histórico, 
econômico e cultural da raça negra no Brasil, norteadas pelo fortalecimento de 
sua identidade étnico-cultural. A partir dessa consciência, espera-se que o VIII 
Encontro seja o início da luta pela reformulação do ensino no Brasil, que passa 
principalmente pela construção de um currículum que contemple, também, a 
cultura negra, que reverencie seus heróis, que seja instrumento de transformação 
do negro num cidadão deste País, também negro [...].” (Relatório do VIII 
Encontro de negros do Norte e Nordeste, p.6, s/d.). 
 
No mesmo diapasão, em junho/agosto de 1991, realizou-se no Rio de Janeiro o 1º Fórum Estadual 
sobre o Ensino da História das Civilizações Africanas na Escola Pública, cujo relatório aponta: 
“[...] um resumo dos temas abordados no fórum e suas conclusões, 
na forma de sugestões concretas de ações para a introdução da matéria no ensino 
básico. Na primeira parte, “Fundamentos da Proposta”, fazemos algumas 
observações sobre os seus antecedentes e a sua inserção no contexto de uma 
orientação pedagógica atual. Na segunda parte, “Conteúdos Teóricos”, 
esboçamos algumas considerações de natureza histórica e teórica que orientam as 
discussões e as propostas articuladas no âmbito do fórum. Na terceira parte 
relatamos as propostas concretas de ações pedagógicas emergentes no desenrolar 
das discussões. Finalmente, nos “Apêndices” reproduzimos alguns documentos 
que o fórum examinou ou discutiu: transcrições de artigos e ensaios, exemplos de 
textos e ilustrações de livros didáticos que manifestam o preconceito antiafricano 
e outros subsídios [...]” (Sankofa, p.25; 1994). 
 
Nas discussões realizadas durante o 1º Fórum, no Rio de Janeiro, fica evidente a coerência e 
pertinência de temas equivalentes aos discutidos no VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste, no 
 
16 
 
 
Recife, bem como a luta decenária em busca de um currículo que contemplasse a História da África e dos 
afro-brasileiros: 
“[...] Não constituem novidade as iniciativas afro-brasileiras de 
implantar no ensino básico uma revisão dos assuntos africanos e afro-brasileiros. 
As propostas têm sido múltiplas ao longo dos anos. Desde a década de quarenta, 
com o início da trajetória do Teatro Experimental do Negro no Rio de Janeiro, os 
movimentos afro-brasileiros vêm manifestando sua preocupação com o tema. Nas 
décadas de sessenta e setenta, além da literatura crítica sobre os efeitos negativos 
das distorções euro centristas, surgiram em diversos estados brasileiros propostas 
de ações pedagógicas. Apenas um exemplo é a Pedagogia Interétnica, lançada 
naquela época pelo Núcleo Cultural Afro-brasileiro de Salvador. A professora 
Maria José Lopes da Silva apresentou ao fórum (...) texto recentemente elaborado 
por um grupo de educadores cariocas, intitulado Fundamentos Teóricos da 
Pedagogia Multirracial (...). Na década de 80, em vários Estados, como São Paulo, 
Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, já se desenvolveram iniciativas 
concretas de implementação da proposta [...]”. (Sankofa, p.27, 28; 1994). 
 
Já destacamos a renitente postura do parlamento brasileiro em relação as questões legislativas 
destinadas ao benefício da população negra no que diz respeito a educação e outros direitos. No que se 
refere a uma lei que incluísse a História da África e dos afro-brasileiros não vinha sendo diferente no 
Congresso pós-ditadura. Em 1988 o deputado Paulo Paim (PT/RS) apresentou um Projeto de Lei para a 
inclusão de "matérias da História Geral da África e História do Negro no Brasil como integrantes do 
currículo escolar obrigatório", que foi aprovado pelo plenário da Câmara em 15 de setembro de 1988; em 
1995, a senadora Benedita da Silva (PT/RJ), submeteu projeto de teor semelhante para "incluir a disciplina 
História e Cultura da África nos currículos escolares”. Ambos os projetos foram integralmente aprovados 
e encaminhados pela Comissão de Constituição e Justiça, mas passaram a repousar na Comissão de 
Educação do Senado Federal. 
Em agosto de 1995, o deputado Humberto Costa, apresentou o Projeto de Lei nº 859/9570, 
basicamente com o mesmo teor dos projetos anteriores, ressalvando que o parlamentar inclui, no Artigo 
2º a seguinte redação: “A elaboração dos cursos de capacitação para professores deverá ter a participação 
de entidades do movimento afro-brasileiro”. Tal artigo demonstra a influência do movimento negro de 
Pernambuco (e do Norte, Nordeste) na redação do Projeto de Lei. 
Como podemos observar os três parlamentares são do Partido dos Trabalhadores, de estados 
diferentes, o que nos leva a ponderar que os mesmos atenderam demandas do movimento negro de seus 
estados. Por outro lado, fica também evidente que não houve uma articulação entre esses movimentos 
negros estaduais, causando uma ausência de sinergia, e uma das prováveis causas pode ser o de 
pertencimento a correntes ideológicas, contrárias entre si, dentro do próprio partido. 
 
17 
 
 
O projeto apresentado pelo deputado Humberto Costa recebeu texto substitutivo elaborado pela 
deputada Esther Grossi (PT/RS), que afirma concordar com o teor do projeto, mas corrige alguns 
conceitos e altera substancialmente o Artigo 2º do projeto original, incluindo as instituições acadêmicas 
e de pesquisa na competência de ministrar os cursos de formação de professores em História da África: 
“[...] Pelo exposto, proponho a aprovação do Projeto de Lei do 
ilustre Deputado Humberto Costa, na forma do Substitutivo anexo, que preserva 
in totum a proposição inicial e faz pequenos ajustes conceituais e na forma de 
implementação. Os ajustes propostos, consoantes às modernas estratégias 
educacionais, referem-se aos seguintes aspectos fundamentais: - tratamos de 
"conteúdos curriculares" - ao invés de referir-nos exclusivamente a disciplinas -- 
garantindo, assim, a necessária flexibilidade de organização dos conteúdos a 
serem ensinados; - explicitamos, também, que os conteúdos propostos devem ser 
inclusos no âmbito das atividades curriculares da escola como um todo e, de modo 
especial, nas disciplinas de História Brasileira e Educação Artística, como sugeriu 
o Deputado Humberto Costa e, também, nos estudos de Literatura Brasileira pelo 
papel fundamental que esta representa na construção dos valores de uma 
sociedade; - incluímos as universidades e os institutos de pesquisas como 
participantes da formação de professores em função da contribuição técnica e 
científica que poderão aportar. [...]”. 
 
Entretanto, a luta pela Lei tem outros meandros. Foi o que me revelou Edson Cardoso, ex-assessor 
parlamentar do deputado Humberto Costa, e depois do senador Paulo Paim, durante entrevista que me foi 
concedida em 31 de agosto de 2017, na cidade do Rio de Janeiro: 
 
“[...] E tem um gancho que você tem, documental. O movimento 
negro fez um encontro Norte Nordeste em 1988 todo dedicado à educação. O 
projeto sai desses esforços. Onde foi esse encontro? Em Pernambuco. As coisas 
estão relacionadas, se leva um Norte e Nordeste inteiro só discutindo educação. E 
claro! De Pernambuco que vai sair o projeto que o Humberto Costa leva, claro e 
muito natural. Ele leva o projeto, quando chega na Comissão de Educação... A 
Comissão diz que não aceita mais projeto que crie disciplina, que a Comissão de 
Educação não vai mais criar disciplinas. Aí Esther Grossi chega e apresenta uma 
emenda trocando a palavra disciplina por conteúdo, esse é o detalhe. Um detalhe 
que ela entra! Ela trocou disciplina por conteúdo que a Comissão estava 
recomendando... que aqui não é lugar de aprovar disciplina, o papel da Comissão 
de Educação não é aprovar disciplina para impor às escolas etc. etc. Anos depois 
eles voltam para impor... Os neopentecostais estão impondo uma série de coisas. 
Na época não era para tratar do assunto (dos negros).Bom, o que acontece? 
Humberto Costa é chamado pelo PT para ser puxador de voto e ser candidato ao 
senado, então, ele não é candidato para a Câmara de novo. O projeto dele foi 
arquivado, porque não tinha aprovação nenhuma aí foi arquivado. Quando eu 
cheguei, aí que eu entro, eu disse para o Ben Hur (deputado do PT/MS) que minha 
experiência de Câmara orientava no seguinte: ele dá uma olhada nos projetos que 
já foram arquivados que tinha muita coisa boa lá, que poderia reapresentar. Aí eu 
 
18 
 
 
encontro o de Humberto Costa arquivado! Liguei para Humberto Costa e 
expliquei tudo para ele e ele falou: “...Não, pode desarquivar!”. Para não deixar 
essa coisa de ética de não falar, eu coloquei duas coisas. Primeiro, na justificativa 
deixei claro isso, autorização dele para desarquivar. E quando nós vimos que tinha 
uma emenda da Esther Grossi eu falei ‘Edson’ o ético, vai e fala pra Ben Hur: 
‘Ben Hur tem uma emenda de Esther Grossi, ai a gente procurou Esther 
Grossi’[...]”. (Entrevista em 21/08/2017). 
 
Consciente da importância da Lei para a comunidade afro-brasileira, Edson Cardoso6 traz para si 
a responsabilidade de levar a concretização do ensino da História Africana e Cultura afro-brasileira nas 
escolas de todo o país. Ele se empenha na continuidade do projeto. A ética a que Edson se impõe, de não 
reapresentar o Projeto de Lei sem falar com a deputada Esther Grossi, leva a uma situação constrangedora, 
mas de certa forma vulgar, quando se trata de interesse dos afro-brasileiros: nós corremos atrás do que 
nos é vital, e o que é vital para eles é tudo, menos os nossos direitos. Quando você defende uma causa 
popular, buscar o apoio e a atenção de um parlamentar no Congresso Nacional, exige que você se humilhe 
à grandeza do Estado democrático que aquele parlamentar que você fez campanha e votou, usufrui de 
forma nababesca como um ente de vaidade celestial. Entre as centenas de providências que caracterizam 
o início de um mandato de presidente da República, para surpresa de muitos setores educacionais, 
inclusive do movimento negro, dos lobistas da área de educação, das editoras de livros didáticos e das 
instituições de ensino particular, a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, assinada, por Luiz Inácio Lula da 
Silva e Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque, então ministro da Educação, tinha problemas: 
“[...] Semog: Agora como você avalia o veto, exatamente, você 
falou um pouco, do veto do artigo que permitiria as entidades do movimento negro 
ministrarem os cursos, já que a gente já vinha fazendo isso. Você vê isso como 
uma despolitização, já é uma tentativa de despolitizar a luta? 
Edson Cardoso: Com certeza, mas é uma tentativa de afastar o 
movimento social, que é quem gerou a política, mas ele fica de fora não é? ... Ele 
não vai participar da implementação da política, ele serve para formular, mas na 
hora... o que a gente queria era acompanhar e monitorar, ai o Lula tira... eu acho 
que é afastar o movimento social da implementação da política. Você não quer o 
movimento social nessa hora, você não quer controle do movimento social....[...]”. 
(Idem, 2017). 
 
A obrigatoriedade do ensino da História da África e da História e Cultura afro-brasileira nas 
escolas públicas e privadas causou um considerável impacto em todos os níveis da cadeia produtiva da 
educação brasileira. A ampliação do número de NEABs nas universidades e posteriormente nas escolas 
de ensino fundamental e básico, o investimento das editoras em livros didáticos sobre o tema, a resistência 
 
6 Edson Lopes Cardoso, foi assessor parlamentar do senador Paulo Paim (PT/RS), editor do Jornal 
Irohín, de circulação nacional, é poeta e Dr. em Educação pela USP com a tese de doutorado 
“Memória de movimento negro: um testemunho sobre a formação do homem e do ativista contra o 
racismo”, de 2014. 
 
19 
 
 
em todos os níveis da educação por ter que incluir na estrutura curricular a história de um povo que passa 
a ser sujeito da história depois de viver por quase quatro séculos escravizado. Mas o que realmente deixou 
as elites e os racistas brasileiros estupefatos, é que o movimento negro brasileiro, no exercício político, 
não tergiversou quanto a sua responsabilidade de levar a Lei a pleno termo. Ainda assim, na visão de 
alguns setores é preciso mais agressividade para a consolidação da Lei, e segundo Ivanir dos Santos 
durante entrevista a mim concedida em janeiro de 2018: 
“[...] O movimento negro tem que entender que tem uma luta que é 
estratégica para ele, ela é contra hegemônica! Nada mais contra hegemônico de 
que a Lei 10.639. Estamos falando de uma outra perspectiva de sociedade, de uma 
outra leitura, é por isso que tem uma reação forte contra ela. Ela vai mexer no 
campo das relações do trabalho, ela vai mexer nas relações religiosas que é o 
maior centro hoje. A pressão está justamente por conta disso. Você está mexendo 
no século XVIII, você está vendo que tudo aquilo que o rei, e que o Kant falou, é 
mentira... Uma sociedade baseada nesses valores... esses valores de civilização 
iluminista são extremamente racistas, e aí como você vai fazer? Todo mundo na 
mesma humanidade no sentido da filosofia é ótimo, mas, na realidade não. São 
grupos que tem uma identidade diferente e como você vai lidar com isso? Então, 
a reação e a má vontade para a aplicação da Lei vêm daí. Eu digo o seguinte, o 
movimento na verdade é que não conseguiu construir ainda uma unidade de 
entender que essa é uma grande Lei que vai interferir toda a questão do genocídio 
da população negra, que é essa visão que a polícia tem que é isso: um vai achar 
que é bandido e o outro vai achar que é do demônio. O pensamento é o mesmo, 
ocidental, e nos veem como diferentes e ameaça. Acho que o movimento (negro) 
tinha que pegar essa Lei como uma questão estratégica, porque nela se faz o 
debate da cota, do genocídio da população negra... A visão que a sociedade tem à 
esta população[...]”. (Entrevista concedida em janeiro de 2018, IH/UFRJ). 
 
A escola brasileira, pública e privada, de perfil liberal, é reconhecida como reprodutora de um 
conjunto de valores de interesse dos grupos que detém o poder. Uma hipótese considerável é que a 
modificação do currículo numa perspectiva onde ela possa oferecer um processo de ensino aprendizagem, 
com a História e a cultura africana e afro-brasileira passando a constituir parte do saber do estudante em 
formação, certamente trará implicações na capacidade crítica desse estudante, na forma de ver e se 
relacionar com seus colegas negros, no afeto, cooperação e respeito possíveis na sociabilidade escolar, e 
na própria compreensão do processo histórico do pais. Pelo que temos observado - tanto in loco, quanto 
por pesquisas publicadas -, junto a algumas instituições de ensino público que trabalham regularmente 
com a Lei 10.639/03, os resultados são aparentemente evidentes, o que nos leva a crer que a médio e longo 
prazo, com a consolidação da Lei, poderemos chegar próximos de um multiculturalismo real e, 
eventualmente, trilharmos caminhos que nos levem à superação do racismo. Mas não é tarefa fácil e as 
resistências pululam dos mais diversos setores e, em alguns, de certa forma inesperados. 
 
 
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21 
 
 
Pedagógicos Afro- Brasileiras 
Por Profª. Pós- Doutora Helena Theodoro (Coordenadora do LUPA/LHER/UFRJ) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Helena Theodoro - Foto: TV Globo 
 
Introdução 
 Pensar uma educação que permita respeito mútuo e tolerância, que possibilite a afirmação e 
aceitação de cada um como é, em sua peculiaridade e especificidade é caminhar na direção de uma 
cidadania efetiva e participante para toda a população brasileira. Este é um sonho que não se pode 
deixar de acalentar, que se tornou realidade com a lei 10639 de 2003. A pedagogiados terreiros, 
que parte de vivências e de histórias para a construção do comportamento é uma maneira muito 
própria de ser, e que pode ser traduzida como uma forma brasileira de fazer educação e construir 
um novo país, sendo uma educação transformadora. 
Só se entende a vivência da comunidade preta, suas elaborações e estratégias culturais, míticas 
e simbólicas, tanto de individuação como de reciclagem de poderes coletivos e cósmicos, através 
do conceito de AXÉ, energia de vida, que propicia a compreensão dos conceitos de sacrifício e 
morte. Destaco o axé por ser o fator fundamental desta cultura, sem o qual os seres não poderiam 
ter existência, realização ou transformação e por sua capacidade de criar representações, imagens e 
conceitos, estruturando e organizando as comunidades, caracterizando o imaginário social, 
mediante o qual o grupo se identifica, estabelece suas trocas e distribui seus papéis sociais, sendo 
a ideologia do axé, que pode ser utilizada por qualquer pessoa. 
 
22 
 
 
Pensar em usar a ideologia do axé nas escolas, no trabalho e na comunidade, é sonhar um sonho 
possível, que parte do que já se tem em direção ao que se poderá ter. Lidar com a pluralidade 
cultural brasileira é assumir os diferentes caminhos existentes para a realização de sonhos sonhados, 
surgidos de um país feito a muitas mãos, todos juntos, vindos de tradições diversas, que conseguem 
criar uma comunidade plena da consciência e da importância de cada um na construção do bem 
comum. 
 
Linguagem e vida 
As etnias trazidas para o Brasil são provenientes de diferentes regiões do continente africano, 
com diversas culturas e línguas, tais como: 
.os nagôs – oriundos da Nigéria, do Togo etc , de língua iorubá 
.os fons ou minas – vindos do antigo Daomé, atual Benin, de língua jêje 
.os bantos – provenientes de Angola, Congo, Moçambique etc, de língua banta 
O português falado no Brasil conta com a contribuição das culturas indígenas, bantas, 
principalmente de suas línguas Quicongo, Umbundo e Quimbundo. Os termos de origem Nagô estão 
mais restritos às práticas e utensílios ligados à tradição dos orixás, bem como a música, a descrição 
dos trajes e culinária afro-baiana. 
Encontramos no Novo Dicionário Banto do Brasil de Nei Lopes (2006) da Editora Pallas, 
características de palavras bantas com as iniciais Ba,Ca,Cu,Fu,Mo,Um,Qui etc tais como caçula, 
cachimbo, curinga, fubá, mafuá, quitanda, quitute e muitas outras. Verificamos, também, no 
interior dos vocábulos dos grupos consonantais Mb,Nd,Ng tais como banda, samba, umbanda, 
camundongo, ginga, tanga, sunga etc; Contamos ainda com terminações como Aça,Ila, Ita,Ute,Uca 
etc trazendo como exemplos macaca, quizila, maxixe, bazuca, muvuca. Visitar o mapa da África 
para localizar de onde vieram as línguas bantas e onde viveram os jejes e os nagôs, bem como 
buscar no dicionário as palavras que tenham indicação de Bras. - abreviatura de brasileirismo, que 
são normalmente de origem banta, é uma boa atividade. 
Na maioria dos países africanos Arte e Vida são inseparáveis por sua associação com o 
sagrado. Seus mitos de criação do mundo contam que o criador fêz as pessoas e depois colocou 
alma nelas, o que se revela através da palavra. Assim sendo, a palavra do povo preto tem um sentido 
abrangente, pois faz história, sendo elemento fundamental da identidade profunda da comunidade, 
sendo entendida como uma arte. 
 
 
23 
 
 
A literatura oral 
Para Muniz Sodré os mitos, as lendas e os contos populares são vias de acesso ao 
inconsciente de um povo. A lenda do Boi Bumbá, tão presente na Amazônia aponta diretamente 
para o universo mítico da cultura afro-brasileira. Nele temos como personagens centrais Pai 
Francisco e Mãe Catirina, um casal de negros trabalhadores de uma fazenda. Quando Mãe Catirina 
fica grávida ela tem desejo de comer a língua de um boi. Para saciar o desejo de sua esposa grávida 
Pai Francisco mata o boi de estimação do senhor da fazenda. Percebendo a morte do boi, o senhor 
procura Pai Francisco, que chega com o pajé de uma tribo amiga e ressuscita o boi para a alegria 
de todos. 
O Boi representa a resistência de descendentes de africanos e de povos originários para a 
preservação de sua identidade e de seus sonhos. Temos no livro Contos Crioulos da Bahia, de 
Mestre Didi ,histórias que situam bem as regras de coesão social da comunidade preta e a 
preocupação com a estrutura da personalidade de seus integrantes. O conto “A fuga de Tio Ajayi” 
conta como um escravizado foge da fazenda com outros para poder fazer suas obrigações religiosas. 
Perseguido pelos soldados, sobe morros e anda em becos com o seu grupo, sempre cantando, 
dançando e fazendo de cada acontecimento do cotidiano uma forma de contar a vida do grupo e de 
criar arte. No final, após muita perseguição, consegue chegar com o seu pessoa l num espaço de 
liberdade, onde os soldados não poderiam mais alcançá-los, criando ali a sua comunidade, 
conhecida como QUILOMBO, segundo as normas e as tradições de seu povo. 
Nesse espaço chamado quilombo eram acolhidos todos aqueles que buscassem a liberdade: 
pretos, indígenas e brancos. Este conto mostra bem a solidariedade no grupo, a divisão morro - 
asfalto e trata da resistência dos descendentes de africanos ao processo escravagista. Procure contos 
africanos e indígenas, lendas e mitos que demonstrem a luta social e a consciência cultural da 
problemática brasileira, já que temos a ordem cultural branca de um lado e as ordens culturais 
negras e indígenas de outro. Alguns quilombos foram criados em sua região e nela encontramos 
o Quilombo Barranco de São Benedito da Praça 14, em Manaus, bem como o Quilombo Tambor, 
em Nova Airão. Pesquise outros quilombos da região e sua forma de vida , já que tivemos aqui uma 
importante ação para a abolição da escravatura. Liderado pela Maçonaria, este movimento atuou 
fundando entidades libertárias e junto à Assembleia Provincial. Saiba mais sobre o tema 
consultando alguns textos de BAZE, Abrahim,. No livro Escravidão – O Amazonas e a Maçonaria 
Edificaram a História, publicado em 2001 pela Editora Travessia em Manaus. 
 
 
 
 
24 
 
 
Literatura e linguagem musical 
A literatura atua em nossas vidas para unir os mitos fundamentais da comunidade, de seu 
imaginário ou de sua ideologia. Na literatura brasileira, no entanto, o descendente de africanos é a 
palavra excluída, ocultada com frequência ou uma representação inventada pelo outro, sendo 
sempre o elemento marginal. A representação do povo brasileiro preto vai ser encontrada na obra 
dos compositores populares, que fazem uma literatura plena de ETHOS, de identidade, criando 
poesia, provando que a reflexão sobre a realidade não é privativa dos letrados ilustres, mas também 
daqueles capazes de transformar a natureza a partir da prática adquirida por seu trabalho. Esta 
capacidade de criar e falar do país, de sua gente, de seus costumes, de sua fé e do cotidiano, é a 
invenção da arte negra que flui tal e qual magia ritual, transformando o que não se consegue por 
meio de formas técnicas. Podemos observar tal fato nas escolas de samba, nos sambas e toadas 
cantadas pelo povo. 
Sambistas e poesia 
Noel Rosa nasceu a 11 de agosto de 1910 em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Aprendeu a 
ler e escrever com sua mãe, estudou em bons colégios, mas, muito boêmio, juntamente com 
Almirante e João de Barro, colegas de bairro, cria o Bando dos Tangarás em 1929, começando, 
assim, a compor e viver no meio do samba. Noel Rosa retrata em sua poesia, a vida carioca, com 
seus hábitos, suas histórias e seu ritmo negro, da mesma forma que as toadas do Boi Bumbá contam 
as histórias e ritmos dos povos originários. Em Conversa de Botequim, feita por Noel e Vadico, 
temos retratada de forma musical e poética a malandragem carioca. Em João Ninguém já situa o 
desprezo da classe média pelo povão, expressando os privilégiosda comunidade branca nesta 
sociedade, caracterizando o cidadão de segunda categoria, que é a representação do povo preto. 
Onde está a honestidade revela seu espírito crítico em relação à sociedade desigual e repressora 
de sua época. Finalmente em Com que roupa critica todo o processo econômico do governo que 
pode tranquilamente ser usado nos dias de hoje. 
A poesia e a música de Noel fizeram de Vila Isabel um lugar mágico, onde músicos, poetas, 
seresteiros, intérpretes e artistas em geral se encontram. Um dos mais famosos poetas da Vila é, 
sem dúvida, Martinho Jose Ferreira que, apesar de ter nascido em Duas Barras no Estado do Rio e 
ter crescido no morro da Serra dos Pretos Forros no bairro Boca do Mato, fincou suas raízes na 
Escola azul e branco de Vila Isabel, tornando-se o Martinho da Vila. Viver de festa é seu lema, já 
que considera que a melhor maneira de não se estressar com o trabalho é se divertir com ele. Situa 
que nem sempre as diversões têm que ser descontraídas, podendo ser uma coisa forte, com lágrimas, 
com EMOÇÃO , como ocorre no Bumbódromo durante as apresentações dos Bois Garantido e 
Caprichoso. 
 
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Martinho é do signo de Aquário, sendo filho de Xapanã e Oxum. Nasceu num chuvoso 
carnaval a 12 de fevereiro, sob a benção dos Orixás, que lavaram nas águas da chuva suas 
dificuldades, traçando seu destino iluminado, tocha capaz de liderar sua gente no encontro de seus 
valores e ideais, através do canto, da dança, do ritual, da música e da poesia. Seus ideais de liberdade 
e em defesa dos direitos de todas as pessoas pretas, amarelas ou brancas o fazem um Zumbi do 
Terceiro Milênio. Sua poesia é como ele: firme, simples, sincera, pregando igualdade, incutindo 
confiança, abrindo caminhos, discutindo ideias, descortinando horizontes, situando regras de uma 
nova forma de viver, de amar, de ser. juntamente com Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Candeia 
fundou o Grêmio Recreativo de Arte Negra Quilombo, uma escola de samba para preservar as 
tradições deste universo. Organizou, durante anos, em novembro, mês da consciência negra, a 
Kizomba, festa de integração entre os afrodescendentes e africanos, utilizando grupos musicais 
negros tradicionais do Brasil, de Angola, da África do Sul, do Senegal, do Congo e dos Estados 
Unidos Com Rosinha de Valença fez uma bela parceria, mostrando uma expressiva e singela 
homenagem às mães através do orixá Nanã, grande mãe-terra, intitulada Benzedeiras Guardiãs: 
 
As rezadeiras usam 
Águas da chuva e do rio 
Curam as dores do corpo 
Cisco no olho, espinhela caída 
As benzedeiras vão 
Com fé na oração 
Curando nossas feridas 
Como Obaluaiê 
As rezadeiras quebram 
Quebranto, mal olhado 
Males que vem dos ares 
Nervos torcidos, ventres virados 
As benzedeiras são 
As estrelas das manhãs 
As nossas anciãs 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nanãs buruqueis 
Afastam a inveja 
E o mal olhado 
Com suas forças 
Com suas crenças 
Com suas mentes sãs 
As rezadeiras são 
As nossas guardiãs 
Por dias, noites, manhãs 
Nanãs 
Esta canção é uma oração 
Para as benzedeiras 
Do coração mando este som 
Para as rezadeiras
 
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Verifique se existem benzedeiras em sua cidade e constate a ligação poética de Martinho 
com Noel, que se revela no Alô,Noel feita em parceria com Claúdio Jorge. Busque a letra deste 
samba e constate a relação. Nos sambas de enredo Martinho pontifica, tendo vários incluídos dentre 
os melhores de todos os tempos como o antológico Sonho de um sonho, além do Para tudo se 
acabar na quarta-feira. 
No ano de 1974 surgiu o disco Canta, canta minha gente , trabalho voltado para a temática 
CANTAR, porque cantar é bom. Faz bem à alma, além de caracterizar todas as atividades do 
universo do samba. Era um período difícil na vida brasileira, como o que estamos vivendo agora e 
cantar era, como continua sendo, o melhor remédio. Neste cantar, no entanto, havia um recado do 
povo para o sistema dominante, que fica muito claro neste Tribo dos carajás: 
 
Tribo dos carajás 
Noite de lua cheia 
Aruanã! 
Menina moça é que manda na aldeia 
A tribo dança e o grande chefe pensa 
Em sua gente 
Que era dona deste imenso continente 
Onde sonhou sempre viver da natureza 
Respeitando o céu 
Respeitando o ar 
Pescando nos rios 
E com medo do mar 
Estranhamente o homem branco chegou 
Pra construir, pra progredir, pra desbravar 
E o índio cantou 
O seu canto de guerra 
Não se escravizou 
Mas está sumindo da face da Terra 
Aruanã! Aruanã Açu 
É a grande festa 
De um povo do alto Xingu 
 
Tribo dos carajás foi feita para a Unidos de Vila Isabel e foi retirada da disputa do samba -
enredo por imposição da censura da ditadura militar. Cante e alegre o seu dia. Lembre que a arte 
se sobrepõe aos fatos e que a poesia negra se manifesta com pujança nos sambas de enredo. A Vila 
Isabel tem no samba de Luís Carlos da Vila, Rodolfo e Jonas um dos mais belos poemas épicos que 
já tivemos: Kizomba, festa da Raça. Procure a letra e cante bastante. 
O GRES Em cima da Hora tem no samba de Edeor de Paula “Os Sertões de Euclides da 
Cunha”um dos mais perfeitos poemas de todos os tempos, bem como a Imperatriz Leopoldinense 
com “Liberdade, liberdade, Abra as Asas sobre nós” de Niltinho Tristeza, Preto Joia ,Vicentinho 
e Jurandir. Ao analisar as letras desses sambas de enredo passamos a conhecer um pouco mais da 
vida e da cultura de nosso país 
 
 
 
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Mulheres e poesia 
Ao falar da poesia negra dos sambistas, não podemos deixar de falar da poesia de Elisa 
Lucinda, mulher negra plena, atriz, cantora, poetisa. Seus poemas e textos nos mostram um universo 
da mulher preta que acredita em sua força ancestral e que luta por sua identidade cultural .
 
Os textos de Elisa mostram a luta da mulher negra para participar , ter voz e vez, enfim, exercer 
em toda a plenitude o seu direito à cidadania, sem deixar de falar sobre o papel mulher nutridora da 
comunidade, mãe de todas as crianças - cabaça que contem e é contida- , consciente dos problemas e 
dificuldades do meio em que o povo preto vive, se revelando de forma muito forte no poema : 
 
APETITE SEM ESPERANÇA 
Mãe, eu tô morrendo de fome, 
eu dizia eu gritava eu mugia 
minha vó zangada respondia 
você não está morrendo e nem tem fome 
você tem é apetite 
Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê 
vai comer; 
fome não! A fome, minha neta, 
a fome, meu irmão, 
a fome, minha criança, 
é um apetite sem esperança. 
Quando há certeza de cereais, toalhas 
americanas, guardanapos e alegrias 
da coca-colândia, 
não há fome de verdade. 
Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil. 
Minha vó nem viu nascer edifício no lugar do 
pão 
no lugar do trigo 
nem viu criança com infância de semáforo 
vendendo mariola barata, criança que mata 
porque seu quintal tá sempre no vermelho 
criança cujo ralado de joelho 
dói menos do que o não morar, não existir, não 
contar 
com a fome tenaz 
não há tenaz na escola 
há só a cola de descolar uma vida, uma 
efemeridade, uma saída 
há só a cola de se cheirar a dor doída de um 
monstro estômago a roncar 
um animal doido dentro do corpo a uivar 
todo dia, sem véspera sem quarta, na esquina 
um animal sem boa vista sem quinta zoológica 
onde morar 
Com a fome das crianças brasileiras 
forra-se a mesa, arma-se o banquete 
dos que sempre tiveram apenas apetite 
a faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio, 
o convite. 
Desmamada ela cresce procurando peito da 
pátria amada 
uma banana, uma manga, uma feijoada 
e a mãe pátria diz nada 
tem ela apenas o horror, o descalor, a calçada 
um ódio a todos os tênis de todos os meninos 
nutridos, 
um ódio à mochilas, à saudáveis barrigas 
um contínuo furor de assaltar os relógios 
um deter o tempo que é o seu verdadeiro balão 
um cai-cai balão que só cai à mão armada 
A fome gera a cilada de umapátria de não 
irmãos. 
A gente podia ter gripe, asma, catapora, 
bronquite 
A gente podia ter apetite mas fome não. 
Minha vó bem que me disse sem errança: 
fome é um apetite sem esperança. 
 
 
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Falar de Conceição Evaristo também se faz necessário. Nome reconhecido internacionalmente, 
mineira de Belo Horizonte, nascida em 1946, vive atualmente no Rio de janeiro. Formou-se em Letras, é 
mestre em Literatura Brasileira pela PUC do RJ e doutora em Literatura Comparada. A força de sua obra 
é sentida nas mais diversas formas, tanto na poesia, quanto na ficção. Eis como Conceição Evaristo se 
define: 
Eu-.Mulher 
Uma gota de leite 
Que escorre entre os seios. 
Uma mancha de sangue 
Me enfeita entre as pernas 
Meia palavra mordida 
Me foge da boca. 
Vagos desejos insinuam esperanças, 
Eu – mulher em rios vermelhos 
Inauguro a vida 
Em baixa voz 
Violento os tímpanos do mundo. 
Antevejo 
Antecipo 
Antes – vivo 
Antes – agora o que há de vir 
Eu fêmea matriz. 
Eu força- motriz, 
Eu – mulher 
Abrigo da semente 
Moto-contínuo 
Do mundo. 
 
Conceição Evaristo é autora do romance Ponciá Vicêncio, que nos narra os pequenos 
acontecimentos do cotidiano, com uma linguagem poética, mas marcada pela etnicidade. A história de 
Ponciá Vicêncio destaca o universo feminino marcado pela exclusão. Descreve os caminhos, as andanças, 
os sonhos e desencantos da protagonista. Conceição Evaristo mostra a trajetória da personagem na 
infância até a idade adulta, analisando seus afetos e desafetos, bem como seu envolvimento com a família 
e os amigos. Procure leituras e dramatizações de textos de compositores e escritores para lidar com o 
mundo. Elas estimulam a criação de textos e canções. Não deixe de cantar forte e alto que a vida vai 
melhorar!!! 
 
A linguagem do corpo 
O corpo , na tradição africana, é um pedaço de barro modelado, retirado da matéria-prima LAMA, 
que, de acordo com os mitos, serviu para a criação das pessoas, após um acordo com o orixá IKU- morte 
-responsável pela restituição, que possibilita a criação de novos corpos, estabelecendo assim uma relação 
direta entre nascimento e morte. Devolvido à terra após a morte, o corpo permite que sua matéria-prima 
volte à massa de onde foi separada ao ser modelada, segundo o mito de Ikú e sua participação na criação 
dos seres humanos: 
 
 “Quando Olorum procurava a matéria mais adequada para fazer o 
homem, todos partiram em busca de tal material. Muitos materiais apareceram, 
mas nenhum era o adequado. Foram, então, buscar a lama, mas ela chorou e 
nenhum ébora tirou a menor parcela. No entanto, Iku apareceu e não se apiedou 
com o choro e levou um pouco para Olodumare, que determinou a Iku que, por 
ter sido ele a apanhar a porção de lama, deveria recolocá-la em seu lugar a 
qualquer momento. Por isso, Ikú nos leva de volta para a lama.”(Santos,1977) 
 
 
 
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Para que o corpo adquira EXISTÊNCIA precisa receber e conter o ar-massa, chamado EMI - 
princípio da existência genérica, que se materializa pela respiração. Os indivíduos respiram, contendo o 
EMI(ar) em seus corpos, que foi o elemento soprado por Olorum ou Olodumare (Deus). Ressalte o 
significado das palavras apresentadas em iorubá, a língua dos nagôs: Olorum,Iku, ébora, emi, ori ,bori 
etc. Um dos mitos mais antigos da tradição africana fala do papel do Ori (cabeça) e sua relação com o 
resto do corpo. Para o mundo europeu somente a cabeça pensa, mas para a cultura africana o corpo todo 
pensa, existindo pensamento fora do corpo – cartas, búzios, além da aprendizagem olhando o corpo do 
outro. Luz (1992) conta a história de Ori, dizendo que é o orixá que proporcionou a entrega das oferendas 
dos orixás a Olorum, a partir do momento em que conseguiu partir o fruto OBI ao cair com força sobre 
ele. Todos já tinham tentado e fracassado e, somente quando o fruto foi aberto é que Olorum aceitou as 
oferendas. Por isso as cerimônias de Bori (culto à cabeça) usam o obi e, a partir de então, Ori precede a 
todos, sendo quem permite a adoração do orixá de cada pessoa. 
É importante frisar que a cabeça não é auto-suficiente, precisando, para estar bem, do 
funcionamento de todos os outros componentes do corpo, conforme a história de Mestre Didi : Certa vez 
a cabeça, muito ciosa de sua importância,começou a falar mal do ânus para todo mundo. Ao tomar 
conhecimento do que a cabeça andava dizendo, o ânus resolveu fechar-se, paralizando suas funções. 
Após três dias, todos os órgãos começaram a reclamar para a cabeça, dizendo ser impossível trabalhar 
em tais condições. Logo depois foi a própria cabeça que passou a sentir terrívesi dores. Então, saiu de 
sua posição para implorar ao ânus que funcionasse, situando sua importância,dizendo-lhe logios pelo 
que fazia e se desculpando pelo que dissera. 
EXU também está ligado ao corpo, é o responsável por seu interior, sendo o Exu Bara, o rei do 
corpo. 
Exu se relaciona ainda às funções da boca, respondendo pela fala, que torna singular, bem como 
com a comunicação, estando relacionado à mobilização do destino individual. Se a palavra modifica o 
corpo, o corpo também modifica a palavra, já que o ser humano transcende a realidade objetiva e busca 
energias cósmicas que lhe permitem modificar a realidade, transformar, transmutar. Apesar do corpo do 
trabalhador ser maltratado por inúmeras horas fora de casa, por trabalho pesado, por alimentação 
inadequada e pouco descanso, a cultura negra utiliza o corpo como meio de contato com a transcendência, 
com os ancestrais e orixás: o negro reza dançando. 
Para Muniz Sodré (1983) o negro desde o século dezesseis, através das estratégias da Rainha 
Nzinga, que gerou a palavra ginga, balanço incessante e maneiroso do corpo, que faz com que o corpo 
se esquive e dance ao mesmo tempo, busca seduzir o outro, envolvê-lo, enlaçá-lo, vencendo pela astúcia 
e malícia a força bruta. Segundo Sodré, o corpo negro vai ter com a dança um envolvimento emocional, 
um sentimento de raiz e tradição, inexistente no esporte puro e simples. A capoeira, por exemplo, é 
situada como a afirmação de um corpo orgulhoso de sua vitalidade e ciente dos seus segredos, de sua 
mandinga. Foi também o caminho da formação de uma maneira própria de usar o corpo, com uma 
plasticidade necessária aos representantes de uma cultura de resistência, sendo movimentos de 
 
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autopreservação e continuidade cultural. O corpo negro “abriga” o orixá, estabelece comunicação direta 
entre o sagrado e o profano, sendo entendido como uma estrutura em aberto que incorpora elementos de 
alegria (axé) e de ritmo. O que este corpo aberto/fechado, estável/instável, firme/escorregadio, cria de 
júbilo, de energia, estabelece uma profunda diferença cultural. O corpo culturalmente negro vive a 
plenitude do existir, no rito, num aqui e agora, que possibilita integração de corpo e alma. 
Os ritmos e danças dos orixás vão caracterizar vários passos do samba, já que o BRAVUN, ritmo 
de origem keto, percutido com varetas é a dança dos Exus, mas vem sendo usado pela comissão de frente 
das escolas de samba, desde 1960. Da mesma maneira a nação ijexá empresta seu nome ao ritmo usado 
nos blocos afro e afoxés de todo o país, que utilizam movimentos da Oxum e de Ossaim em suas danças. 
Conclui-se, então, que a cultura negra propicia uma relação profunda entre corpo e dança, sendo 
produtos de um mesmo sentido de vida pautado na relação do ser humano e a natureza. Relação esta em 
que o homem encontra sustentação com os seus antepassados, como valores a serem resgatados. Assim, 
a dança é a representação da própria existência de cada pessoa, se fazendo presente em todos os momentos 
da vida, desde o nascimento de uma criança, como por ocasião da morte de um alto signatário da 
comunidade, além das ocasiões de ludicidade do cotidiano. Em todos esses momentos dançantes se faz 
presente o tambor, cujo som é utilizadode diferentes maneiras, em diversas tonalidade e intensidades. A 
dança faz a comunicação entre os orixás e os homens, além de afirmar a identidade do grupo por 
estabelecer comunicação com os antepassados, com toda uma herança cultural do grupo. 
A dança afro no Brasil adquiriu várias formas, variando segundo as nações africanas que 
contribuíram para a formação do povo negro, de acordo com o ritmo e características dos orixás e segundo 
as recriações feitas no interior de uma sociedade pluricultural e pluriétnica como a brasileira. 
Uma mulher, porém, foi responsável pela valorização da dança negra,criando o que se chama no 
Brasil “dança afro”, que conjuga o samba de roda, o maculelê, o jongo, o caxambu, o frevo, a capoeira, 
etc, com a estilização da dança dos orixás. Seu nome é Mercedes Baptista. Mercedes foi a primeira 
bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A importância da dança afro como construtora e 
mantenedora de uma identidade cultural no Brasil foi tema da tese de mestrado do Prof. Edilson 
Fernandes de Souza(1995) onde após várias pesquisas e análise de histórias de vida, situam a importância 
da dança afro-brasileira na educação, analisando o corpo como um conjunto de práticas pautadas na visão 
de mundo da cultura negra, que se contrapõe à sociedade européia, estabelecendo assim, outras formas 
do homem se relacionar com o meio ambiente, de lidar com a realidade, segundo suas crenças, ritos , 
fantasias e emoções. 
Importante, no entanto, é situar como Mercedes Baptista abriu um espaço para , através da dança, 
afirmar uma realidade negada, mostrar as possibilidades do corpo negro como um território livre e 
consciente de suas chances de sobrevida e de participação efetiva na sociedade que o rejeita, bem como 
a criatividade de um grupo que acredita no que faz , não aceitando mais ser objeto da história, mas sim 
SUJEITO , consciente de sua historicidade e de sua necessidade de participar no contexto coletivo. 
 
31 
 
 
A dança afro de Mercedes Baptista tem seu auge nos blocos afro como o Olodum , o Ilê Aiyê e 
muitos outros presentes em todo o território brasileiro. Ao falar da dança do samba como um exercício 
do prazer, Rego(1994) situa como mais de quinhentas danças que semeiam o Brasil de norte a sul, são 
originárias das três fontes que formaram o nosso povo: 
.a indígena - com a coreografia dos caboclinhos e dos cacumbis 
.a européia - através do pezinho, tiranas ou schottish 
.a africana - que não dá para enumerar, dada a variação e criatividade de seus usuários. 
Muitos são os destaques femininos no campo da dança, aspecto bastante explorado pela mídia, 
em função da liberdade e sexualidade no uso do corpo, algo absolutamente inédito no mundo ocidental, 
que permitiu a divulgação de grandes passistas e bailarinas, mas nunca as situaram como guerreiras 
lutando pela afirmação de uma cultura, de uma identidade e de uma maneira mais feliz e humana de 
conviver com os outros e consigo mesmas! Consultar as danças e músicas da região e verificar a que 
tradições pertencem é básico e fundamental para a valorização de nossa história e de nossa ancestralidade 
africana e indígena. 
Perspectivas Pedagógicas Indígenas 
 
Sateré-Mawé: Valorização da história e cultura indígena nos currículos das escolas públicas 
e privadas 
Josias Ferreira de Souza7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
 
 
1 Membro do clã Sateré (Sateré/ut), a mais alta marcação hierárquica para funções de parentesco do povo Sateré-
Mawé. Mora na Aldeia de Ponta Alegre, dentro da Terra Indígena Andirá-Marau, localizado no extremo leste do 
Estado do Amazonas. Graduado em Biologia e Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas. Mestre em 
Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Doutorando em Educação na 
Universidade Federal do Amazonas UFAM. E-mail: 1.bftmnoph@gmail.com 
 
Foto: Marcos Moura 
 
mailto:1.bftmnoph@gmail.com
 
32 
 
 
O presente texto tem por objetivo fazer uma brevíssima contextualização e análise sobre às 
culturas indígenas no Brasil tendo como ponto de observação evidenciar o impacto positivo da Lei 11.645 
nos trabalhos pedagógicos dos povos da floresta que sempre lutaram pelo fortalecimento de suas histórias. 
Para tal finalidade, iremos abordar experiência a “Valorização da história e cultura Sateré-Mawé”, como 
uma das resistências indígenas. 
O povo Sateré-Mawé, com uma população de proximamente 12 mil pessoas, vivendo na terra 
indígena Andirá-Marau no Estado do Amazonas nos motiva a fazer uma profunda reflexão sobre os 
modos próprios que os povos indígenas têm de ensinar e a aprender afim de fazer com que os alunos e 
professores tenham contato com essa história de luta que é própria dos povos indígenas. 
Com uma intensa e perene cultura os Sateré-Mawé têm nas políticas de educação para os povos 
tradicionais referência que os colocar como protagonista de sua história educacional. Desta maneira, a 
educação escolar indígena é a concretização de tudo o que o povo precisa, nele consta a valorização da 
história da origem do povo indígena, guerra, gêneros literários, meios e fins, constituindo assim a 
realidade indígena no cenário nacional. Portanto, destacar a história e a cultura indígena no currículo das 
escolas públicas e privadas ainda é um caminho de suma importância para os povos da floresta. 
 
Forjamento das resistências indígenas na construção da sociedade brasileira 
 
A história de luta do povo Sateré-Mawé está conectada aos processos de redemocratização do 
país, na década de 1980. Período em que o Brasil testemunhou a participação da minoria na luta pelo 
exercício de sua cidadania e nas decisões políticas da sociedade nacional. Mudanças provocadas no 
clamor das reivindicações populares criaram amplos debates ora omitidos pelo Estado. A minoria unida 
se multiplicou em vozes de cidadãos na defesa de sua cor, gênero, raça, religião e, nessa luta, destaca-se 
a dos povos indígenas. 
Justamente nesse período o tema da educação escolar indígena se fortaleceu e foi ganhando cada 
vez mais espaços nos círculos de discussões. Segundo Estácio (2014, p. 103) “o final da década de 80 do 
século XX, em especial, foi marcado pela aceleração das discussões e propostas legais de regulamentação 
de educação escolar indígena a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988”. Entretanto, 
Magalhães (2005, p. 539) relembra que nem sempre foi assim, pois antes “no Brasil, desde o século XVI, 
a oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela catequização, 
civilização, e integração forçada dos índios à sociedade nacional”. A presença indígena na intervenção 
dos projetos destinados a população étnica marca a década de 1980, já que partir dela começam a eleger 
suas prioridades, demandas locais e proposta diferenciadas. 
A redemocratização do Brasil exigia apreender a realidade de seus sujeitos sociais e as suas 
especificidades étnicas. Magalhães (2005, p. 539) confirma uma conquista histórica para as populações 
indígenas, que foi o art. 231, que expressa serem “reconhecidos aos índios suas organizações sociais, 
costumes, língua, crenças, e tradições, bem como os direitos originários sobre suas terras que 
 
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tradicionalmente ocupam competindo à União demarcá-las. Ressalta-se que “o direito a diferença fica 
assegurado e garantido, e as especificidades étnicos-culturais valorizadas, cabendo à união protegê-las” 
(SILVA, 1999, p. 65). Informações desta magnitude contribuíram de forma significativa para construção 
de políticas públicas de forma contextualizada, com a participação popular e a participação indígena, 
assegurando a presença das coletividades em todas as etapas do processo, assim como incentivou um 
novo modelo de se fazer política em respeito à diferença e a diversidade étnica. 
Destarte,

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