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• Museu Paraense Emilio Goeicli Coleção Adolpho Ducke Campos e Florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás ilhado Marajó, Para ...AL .. --: 1, , --w,--. r' •,,S • ,1 ' ••lpD ' li Dário Dantas do Amaral • Ima Célia Guimarães Vieira • Rafael de Paiva Salomão Samuel Soares de Almeida • João Batista F. da Silva • Salustiano Vilar Costa Neto João Ubiratan Moreira dos Santos • Léa Maria Medeiros Carreira Maria de Nazaré do Carmo Bastos • Museu Paraense Emílio Goeldi ...................... - Lo!eçao Adoii)ho I)ucke - -. - —r-- •- : - .s, .- - Campos e Florestas 4 das bacias dos rios Atua e Anajas ilha do Marajó, Pará 4 T - '-•?q ..,, , ,-1 , jr'. •pj' , 4 . ,' 1 • (,' Ii $, ø1 1 Esta publicação é parte dos estudos desenvolvidos pelo Museu Paraense Emílio Goeldi relativos ao diagnóstico do impacto ambiental da Hidrovia do Márajó, realizado em 1998. A hidrovia, projetada para facilitar a navegação entre Belém e Maca pá, encurtaria o percurso através da conexão entre os rios Atuá eAnajás, a partir da- drenagem de um canal de 32 quilômetros. O foco principal é a caracterização das paisagens vegetais dominadas por campos naturais e florestas inundadas e de terra firme. São catalogadas um universo de 547 espécies de plantas, com registro do nome científico, nome popular, formas 4e vida e locais de ocorrência. Constam, ainda, informações sobre o uso destas plantas, as espécies ameaçadas de extinção, bem como aquelas de destaque em ocorrência geográfica. Até então, os dados constavam de relatórios institucionais e agora se tornam públicos com este livro. Dirio Dantas do Amaral • ima Célia Guimarães Vieira • Rafael de Paiva Salomão Samuel Soares de Almeida • João Batista F. da Silva • Salustiano Vilar Costa Neto João Ubiraiaii Moreira dos Santos • Léa Maria Medeiros Carreira Maria de Nazaré cio Carmo Bastos Campos e Florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás ilha do Marajó, Pará GOVERNO DO BRASIL Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Machado Rezende MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI Diretora Ima Célia Guimarães Vieira Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Nilson Gabas Júnior Coordenador de Comunicação e Extensão Nelson Sarsjad COMISSÃO DE EDITORAÇÃO Presidente Nilson Gabas Júnior Editores Associados Mário A. C. Jardim (Botânica) Maria Emília da C. Sales (Ciências da Terra) Ulisses Galatti (Zoologia) Lourdes Gonçalves Furtado (Antropologia) Elisângela Regina de Oliveira (Arqueologia) Ana Vilacy Gaiúcio (Lingüística) Editora Chefe Iraneide Silva Editora Assistente Angela Botelho Designer Andréa Pinheiro Estagiárias Karla Barros Deborah Marques Normalização Bibliográfica Ana Maria Oliveira (CID/MPEG) Ficha Catalográfica Astrogilda Ribeiro (CID/MPEG) Foto da Capa D. K. Bhaskar Museu Paraense Emílio Goeldi Coleção Adolpho Ducke Campos e Florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás ilha do Marajó, Pará Drio Dantas do Amaral • Ima Célia Guimarães Vieira Rafael de Paiva Salomão • Samuel Soares de Almeida João Batista Fernandes da Silva • Salustiano Vilar Costa Neto João Ubiratan Moreira dos Santos • Léa Maria Medeiros Carreira Maria de Nazaré do Carmo Bastos Belém, 2007 MUSBU FAB.AWSOBMIUOGOELDI Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376 - São Braz CEP 66040-170 - Belém, Fará, Brasil Fone/fax: 55-91-3219-3317 editora@ museu -goeldi.br Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará/ Dário ]Jantas do Amaral. et ai. - Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2007. 110 p.: il. (Coleção Adolpho Ducke). ISBN 978-85-7098-143-1 1. Floresta tropical - Ilha Marajó (PA) 2. Vegetação (Bacias Rio Atuá e Anajás, Ilha Marajó - Pará) 3. Floresta aluvial não inundável 4. Floresta inundável 5. Floresta Inundável mista. 6 Floresta várzea. I. Amaral, Dário Dantas et al. II. Série CDD 577.309811 © Direitos de cópia para/Copyright by Museu Paraense Emílio Goeldi Apresentação Escrever esta apresentação sobre o livro Campos e florestas das bacias dos rios Atuá eAnaja's, ilha do Marajó, Pará transportou-me à atmosfera de minha infância, vivida entre os campos de Cachoeira do Arari, onde meu pai era juiz, e os campos e florestas de Muaná, onde a família adquiriu fazenda para criação de búfalos. Vivenciei, neste período, uma rica experiência lúdica com sementes e folhas de espécies nativas, que se transformavam em "bois" e "patos" e animavam as brincadeiras de minha infância. O reconhecimento do valor das plantas com as quais brincava, e do que representa a flora nativa dos campos e florestas do Marajó, veio como estagiária da Embrapa- CPATU, no início dos anos 80, quando participei de expedições de coleta de germoplasma de gramíneas e leguminosas nativas da parte leste da ilha. Fiquei impressionada com tanta diversidade de ambientes e riqueza de espécies encontradas durante os dois meses de expedição! Mesmo sendo uma das regiões mais visitadas por pesquisadores, estudantes e professores para fins educativos e científicos, a flora dos ambientes do arquipélago do Marajó é surpreendentemente pouco conhecida e estudada, embora desde os idos de 1896, Jaques Huber, botânico suíço e um dos diretores do Museu Paraense Emílio Goeldi, tenha realizado o primeiro e mais abrangente estudo florístico da ilha do Marajó. Seguiram-se vários outros estudos e levantamentos, mas somente em 1954 é que os naturalistas A. Ducke e G. BlaclK apresentam uma caracterização dos ambientes de campos e florestas . e as espécies típicas destes . ambientes. Também constataram que a área é pobre em endemismos, como se espera de áreas com formação geológica recente como o Marajó. Em 1998, o Museu Paraense Emílio Goeldi foi chamado a participar de alguns estudos biológicos que subsidiariam o relatório de impacto ambiental da Hidrovia cio Marajó, que precisaria dragar 32 quilômetros do canal destinado a perenizar a interligação das bacias dos rios Atuá e Anaj ás, na parte central da ilha do Marajó. Foi então realizado o mais intenso levantamento em uma região de 32 km de extensão na parte central desta grande ilha, por um grupo de mais de dez pesquisadores e técnicos do Museu Goeldi. Os resultados deste trabalho, até agora guardados em relatórios institucionais, são colocados a público por meio desta publicação, que além de muito informativa, é altamente didática e ilustrativa. Servirá, com certeza, a todos que querem aprofundar seus estudos sobre a história natural desta ilha fluvial e que buscam, através do conhecimento científico, estabelecer os limites para a exploração e uso dos recursos naturais. Ima Célia Guimarães Vieira Diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi Prefácio O rigoroso inverno maraj orara já se pronunciava naquele janeiro de 1998. Era o início das cheias no arquipélago. "A ditadura da água", diria o saudoso padre Giovanni Gailo. Já havíamos percorrido, nos últimos dias, mais de 25 km dentro da imensidão de florestas alagadas e campos, e ainda restava uma boa caminhada até às margens do igarapé São Miguel, na bacia do rio Atuá, onde concluiríamos nossa expedição. Tínhamos que agilizar os serviços, pois a trilha estava sendo rapidamente inundada pelas águas dos diversos igarapés que drenam aquela região. Após um dia de intensa jornada de trabalho, inventariando várzeas, igapós e florestas aluviais, encantados com a pujante flora, onde sobressaem vistosas palmeiras como inajás, bacabas, paxiúbas e buritis, ervas das mais variadas cores e aromas, como orquídeas, helicônias e bromélias e ainda as exuberantes árvores, dentre elas virolas, acapús, maçarandubas e ipês, montamos acampamento na "boca cia noite", próximo de um baixio onde corria um igarapé de águas cristalinas. Exaustos, com os pés "apinhados" de espinhos de muru-muru, ainda houve tempo de acender uma fogueira para prepararum café e tentar dormir, embora, porém, houvéssemos esquecido de combinar com os carapanãs, piuns e carrapatos, legítimos moradores do local. A noite já se fazia grande quando fomos surpreendidos no meio do sono por uma intensa tempestade que desabava sobre a floresta e ameaçava a estrutura do acampamento, feita de esteios de maravuvuia, coberto com encerado de plástico preto. Além da desagradável sensação das redes e lençóis molhados, temíamos pela comida, roupas secas e materiais de trabalho. Neste hiato de perplexão e angústia surgiu uma alma corajosa e prestativa, nosso colega, auxiliar de campo, Ferclinando, que numa ação ágil saltou da rede e embrenhou-se na escuridão da floresta, com um facão na mão, trazendo reforços de esteios que sustentariam o acampamento e garantiriam o resto da noite de sono. E assim transcorreram os dias naquele mundo de água e verde, até que avistamos, num final de tarde, o barrento igarapé São Miguel, um córrego de pouco mais de 5m de largura, que nos levaria de volta para casa, findava aí a missão. A agradável sensação de "dever cumprido", ao sobrevoar o lugar no retorno, era compartilhada com uma certa consternação em saber que em breve toda aquela diversidade de ambientes e vidas (posteriormente confirmou-se novas ocorrências - bromélias e helicônias - para a Amazônia) que acabávamos de catalogar iriam desaparecer, sucumbindo ao projeto da hidrovia. Hoje, após quase uma década, por um sopro do destino é provável que a região inda mantenha-se preservada como naquele inverno, visto que a hidrovia não foi concretizada. Disto, resta uma certeza: qualquer iniciativa que implique em impacto ambiental para essa região deve ser bem planejada e debatida com a sociedade, visto tratar-se de um ambiente de extrema relevância biológica, correspondendo à transição entre as florestas, que ocupam as terras altas ao norte, e os campos naturais, na porção sul do arquipélago do Marajó. Dário Dantas do Amaral Marajó da vaqueirada, da carne de sol, do surrão dos rebanhos, das manadas, das riquezas do patrão. Marajó da farinhada, da mandioca em paneiro do caçador de espingarda atrás do boi marrequeiro. Marajó do açaí, em cuja pitinga pintada, do fumo do taquari, da sucuri encantada. Marajó das ladainhas, do folião violeiro, das chulas, toadas, modinhas, do urutau agoureiro. Marajó do boiadeiro que doma o cavalo no espaço, parece ter dom feiticeiro no firme jogo do laço. Marajó da jiribana que amarra o boi ao mourão, da pinga no caldo de cana, dos rodeios, do ferrão. Marajó do mutirão da "fechação da boiada" da "ferra", "assinalação" do grito da vaqueirada. Marajó da muriçoca, das fogueiras no terreiro, do beiju de tapioca merenda do fazendeiro. Marajó do "curuné" que domina a região, tem mais poder que o pajé, na Casa-Grande é patrão. Marajó índio guerreiro que em mim causa mormaço e eu filha de fazendeiro te amo, te beijo, te abraço. Marajó das caiçaras, dos embarques, das marés, dos cerrados, das coivaras, Sylvia Helena Tocantins da pesca dos jacarés. Escritora e membro da Academia Paraense de Letras Esta poesia recebeu a Menção Honrosa no V Concurso Nacional de Poesias e Crônicas (São Paulo, 1988) s uiiiãrio Apresentação Prefácio raado ...................................................... 15 Áreade estudo ........................................................... .............................................................. 19 Amostragemda vegetação .................................................................................................. 23 Registro de dados e análises efetuadas........................................................................... 23 Horística geral 29 Tiposde vegetação. ................................................................................................................ 34 FLORESTASPLUVIAIS .............................................................................................................. 34 Floresta aluvial não inunda'vel (Terra Firme) .................................................................... 34 Floresta aluvial inundãvel mista com palmeiras................................................................ 37 Floresta aluvial inund4vel ................................................................................................. 41 Florestade várzea .............................................................................................................. 42 Florestasecundária ............................................................................................................ 46 CAMPOS NATURAIS OU SAVANAS ÚMIDAS .................................................................................. 49 Campomisto ...................................................................................................................... 50 Campolimpo...................................................................................................................... 54 Similaridadeflorística ........................................................................................................... 59 Espécies úteis e de valor econômico ...................................................................... 60 Espécies ameaçadas de extinção ............................. 64 Espéciesde relevância florística ........................................................................................... 67 Conservação e uso sustentável dos recursos naturais no Marajó ..................... 68 Referência:. 83. Anexos ................................................................................................................ 86 Agradec1meuLu........................................................................................................................... 110 Osautores .......................................................................................................................... 111 Campos e Florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará O estudo realizado O Arquipélago do Marajó é um complexo flúvio-marinho composto por dezenas de ilhas localizadas na porção do litoral amazônico conhecida como golfão marajoara, o qual é constituído pela foz do rio Amazonas, numerosas ilhas e canais que formam a região denominada de Furo de Breves e a baía do Marajó, onde deságua o rio Tocantins. Esse complexo de ilhas é uma unidade geomorfológica de terras baixas, formada a partir da deposição de sedimentos holocênicos recentes (quaternário superior, aproximadamente 10 mil anos). Entretanto, existem alguns núcleos mais antigos, caracterizados como Formação Barreiras (terciário). A maior ilha do arquipélago é a do Marajó, com 48.000 km2, enquanto o arquipélago totaliza cerca de 62.000 km2. Além da ilha de Marajó, as mais habitadas são as ilhas de Mexiana, Caviana, dos Porcos, Mututi e Uituquara. Estudos recentes de interação entre dados geológicos e biológicos que remontam a história do Marajó (ROSSETI, 2006) levantam evidências de que a região se separou do continente num tempo geologicamente bastante recente, provavelmente já no Holoceno, ou seja, nos últimos 10 mil anos. Antes deste período, o rio Tocantins cortava toda a região no sentido norte em direção ao oceano, até que falhas tectônicas desviaram seu curso para o nordeste. Este processo foi seguido pela criação do rio Pará, no sul da ilha, refletindo sistemas de falhas com direção principal E-V o que culminou com a total separação da ilha do Marajó do continente. AdriCinthya Highlight Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja' s, ilha do Marajó, Pará Estas investigações sugerem, ainda, que até o início do Holoceno a região era dominada por savanas, favorecidas pelo clima seco de uma época de glaciação. A principal evidência para tal, são alguns fósseis encontrados em regiões centrais da Amazônia, representantes deuma megafauna típica destas áreas, como preguiças- gigantes e mastodontes. Com o fim da era glacial, o clima mais úmido estimulou a expansão das florestas que hoje cobrem grande parte da região (Jornal da Ciência, 30/01/2006 - www.jornaldaciencia.org.br). O arquipélago do Marajó apresenta um conjunto vegetacional singular na Amazônia, onde predominam os campos naturais, florestas de terra firme e as florestas úmidas, susceptíveis à inundação que acontece anualmente durante o inverno chuvoso da região. A região constitui uma província fitogeográfica à parte nos estudos que tratam da classificação das formações vegetais da Amazônia, como aqueles de Pires (1973), Pires e Prance (1985) e Ducke (1954). Além dos compêndios do Raclambrasil (1974), foram feitas outras tentativas de mapear e classificar a vegetação do arquipélago do Marajó (DIAS, 1973; DIAS; LOBATO, 1982), além de obras pioneiras como Huber (1900), Miranda (1909), dentre outras. Pires (1955) produziu ainda algumas informações sobre os tipos de vegetação do Marajó, suas extensões e composição florística. No entanto, grande parte do conhecimento florístico e vegetacional sobre este vasto têrritório está disperso e fragmentado, havendo deficiência na descrição e caracterização de algumas sub tipologias específicas e mais restritas. Conforme estes estudos, os campos do Marajó apresentam diferentes feições de acordo com a posição topográfica e a influência da rede de drenagem fluvial. Além dos campos úmidos limpos, com predominância do elemento herbáceo, existem os campos mistos com "mondrongos", correspondendo a pequenas oscilações na micro topografia que favorecem o estabelecimento do estrato arbustivo-arbóreo. Existem ainda os campos com ilhas de mata e capões, de tamanhos e formas 16 AdriCinthya Highlight AdriCinthya Highlight AdriCinthya Highlight NomE CIENTÍFICO: Pouteria cladantlia Sandwith FAMÍLIA BOTÂNICA: Sapotaceae Notas POPULARES: abiu CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Arvore de grande porte, podendo chegar a 40m de altura. Geralmente ocorre com até dois indivíduos (diâmetro a 1,30m do solo ~ 10 cm) por hectare. Família botânica abundante nas florestas tropicais, caracterizada pela intensa exsudação, por vezes de tonalidade branca ou amarelada. Distribuição conhecida por toda a Amazônia, inclusive extra- brasileira (Bolívia, Colômbia e Equador). Foto: Dário Amaral. Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará variados. Essas ilhas geralmente se desenvolvem nos "tesos", zonas de topografia mais elevada, onde geralmente os efeitos da inundação não se fazem sentir. As florestas são predominantemente do tipo pluviais ou ombrófilas e perenifolias. Apresentam um espectro que varia desde as florestas aluviais de terra firme, com pouca influência de inundação, até aquelas dos terrenos baixos, inundadas permanentemente, como os igapás, ou periodicamente, no caso das várzeas. Este livro foi elaborado com a finalidade de descrever as fitofisionomias e apresentar a flora das bacias dos rios Anajás eAtuá, que drenam a região central do Arquipélago do Marajá, no estado do Pará. Esta região do Marajá é de extrema relevância biológica, visto que corresponde à área de transição entre as florestas, que ocupam as terras altas ao norte e os campos naturais, na porção sul do arquipélago. A área de estudo Os estudos foram realizados no interflúvio dos rios Atuá e Anajás, num trecho previamente demarcado de 32 km de extensão (linha reta), referente ao canal projetado para viabilizar parte da Hidrovia do Marajá5, no oeste do arquipélago do Marajá, correspondendo aos municípios de Muaná e Anajás. Considerando a extensão do canal (32 km) e a área de influência (50 m de cada margem) estudada, inventariou-se uma área equivalente a 320 ha, entre as coordenadas geográficas de 1'10'a 1°23' de latitude sul e 49°38' a 49064' de longitude oeste (Figura 1). O projeto da hidrovia do Marajó consiste basicamente na implantação de uma via navegável que cruze a ilha de Marajó, da baía do Marajó ao braço sul do rio Amazonas, propiciando uma ligação mais direta entre Belém e Macapá, e facilitando o transporte e a comunicação na parte central da ilha. Para isto, o projeto prevê a interligação, por um canal de 32 km, dos rios Atuá e Anajás (www.ahimor.gov.br/marajo/ index.htm). O Museu Paraense Emílio Coeldi participou dos estudos ambientais, cujo relatório do componente vegetação deu origem a este livro. E.- AdriCinthya Highlight AdriCinthya Highlight Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Para Figura 1. Localização da área de estudo. Em primeiro plano, apresenta-se a vista geral do arquipélago do Marajó e, em segundo plano, uma aproximação do trecho de vegetação investigado, entre os rios Atuá eAnajás (elaboração: Marcelo Thales/UAS-MPEG). 20 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Nota CIENTlFICO: Byrsonima verbascifolia (L.) DG, FAMOJA BOTÂNICA: Mapighiaceae Noas POPULARES: orelha-de-burro CARACTERISTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Erva de aproximadamente 50cm de altura, com folhas enrugadas e lanceoladas que se assemelham ao órgão auditivo do referido animal. Ocupam os campos do Marajó, associadas aos terrenos arenosos. Embora do mesmo gênero do murucí, os frutos não são comestíveis. Seu caule diminuto e lenhoso é subterrâneo, estando adaptado para rebrotar após a queima desse ambiente. Ocorrem na Amazônia, nos cerrados do Brasil Central e vários outros países da América do Sul. 22 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Os tipos de vegetação predominantes são os campos limpos e mistos (Figura 2), florestas aluviais de terra firme (Figura 3), florestas inundáveis mistas com palmeiras, florestas de várzea e florestas secundárias (capoeiras). O clima desta parte central do Marajó é do tipo Af segundo a classificação de IKõppen, com temperatura média anual em torno de 26C, umidade relativa do ar de 86% e precipitação pluviométrica anual de aproximadamente 2.700 mm. O período de inundação fica compreendido entre os meses de janeiro a abril (SUDAM, 1984). A topografia é plana, com pequenas variações nos "tesos" que não alcançam 10%. Os solos são predominantemente aluviais e hidromórficos, de origem quaternária. Amostragem da vegetação A vegetação foi amostrada utilizando os procedimentos de Avaliação Ecológica Rápida (AER), um protocolo para inventário florístico e qualitativo baseado em Pontos de Observações (PO's) desenvolvido pela The Nature Conservancy (TNC 1992). Os PO's são áreas pontuais com raio de 25 m onde são registradas todas as plantas. Os PO's foram delimitados com 4 piquetes colocados a 25 m do ponto de origem, em posições ortogonais com angulação de 900. Todos os PO's foram georefenciados (latitude e longitude) com utilização de receptor de GPS ("Global Positioning System"). Registro de dados e análises efetuadas As plantas foram classificadas de acordo com as formas de vida em herbáceas, arbustivas, arbóreas, lianas, hemi-epífitas, hemi-parasitas e estipes. A cada espécie foi atribuída uma ocorrência ou densidade relativa e subjetiva, podendo ser: (i) Abundante: espécies cujas populações são muito numerosas e que chegam a formar manchas ou agregados monoespecíficos; (ii) Comum: espécies também numerosas porém não formando agregados; (iii) Ocasional: espécies cujo padrão de ocorrência se assemelha àquele esperado ao acaso e, (iv) Rara: espécies que ocorrem em baixa densidade, com 1 indivíduo por PC. 23 AdriCinthya Highlight Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará 1-4SP4 ')JG :oo; 24 22 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Jn>jsntJ •)FU :OO 25 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Tabela 1. Caracterização das tipologias florestais e campestrescom respectivos números de pontos amostrais e totais de família e espécies registradas, ilha do Marajó (PA). Ecossistemas N° de famílias N° de espécies FLORESTA PLUVIAL Floresta Aluvial Não Inundável (terra firme) 75 313 Floresta Aluvial Inundável Mista com Palmeiras 51 177 Floresta Aluvial Inundável 50 135 Floresta de Várzea 27 55 Floresta Secundária 33 57 Sub-Total: Floresta Pluvial 82 * 450 * LAMPO NATURAL OU SAVANA ÚMIDA Campo Misto (palmeiras e/ou arbustos) 76 136 Campo Limpo (herbáceo-graminoso) 45 81 Sub-Total: Campo Natural 65 * 172 * TOTAIS GERAIS 96 547 * Estes valores não se referem às somas das colunas e, sim, do total de famílias e espécies amostradas em todos os ecossistemas das florestas pluviais e dos campos naturais. Em cada P0 foi realizada a caracterização ecológica, através da florística e estrutura da vegetação, presença de espécies de interesse econômico e para conservação como aquelas raras, ameaçadas, endêmicas ou vulneráveis. A grafia dos taxa foram atualizadas mediante consulta ao herbário do Museu Paraense Emílio Coeldi (MG) e ao banco de dados do Missouri Botanical Garden (http:// mobot.org). Foram feitas análises florísticas envolvendo riqueza de espécies por fisionomia vegetal, por famiia e forma de vida. Utilizou-se a análise de agrupamento entre os ambientes para testar similaridade, através do índice de Jaccard (HUBALEK, 1982; IKENT; COKF.R, 1992) e como medida de ligação o vizinho mais próximo (PC-0RD 4). 26 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Notas CIENTÍFICO: Guzmania lingulata (L.) Mez FAMILIA BOTÂNICA: Bromeliaceae Noas POPUIARS: bromélia CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Erva de aproximadamente im de altura, flores amarelas. Comum principalmente no sub-bosque das florestas inundadas e nos baixios de terra firme, por vezes em grandes populações. Sua floração parece estar regulada pelo ciclo das águas. Distribuição conhecida por toda a Amazônia e demais países amazônicos da América do Sul. Foto: Dário Amaral. 9.1 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Todas as tipologias vegetacionais foram caracterizadas, definidas e descritas com base em observações de campo, literatura e parâmetros obtidos a partir das análises de florística. Florística geral A região central cio Marajó possui duas tipologias de vegetação: as florestas pluviais e os campos naturais (ou savanas úmidas). No ambiente florestal foram caracterizadas cinco fitofísionomias e no campestre duas (Tabela 1). Foram registradas 547 espécies distribuídas em 96 famílias botânicas. A identificação destas espécies com a respectiva família é apresentada no Anexo 1. Fm termos de macrofisionomia, apenas 14% (77) das espécies ocorrem em ambas paisagens analisadas. A grande maioria 69% (376 espécies) ocorreu na paisagem florestal, enquanto que 17% (94 espécies) pertencem aos ecossistemas campestres (Figura 4). 69% 400 350 300 . 250 o. 200 . 150 z 100 50 Florestas Campos Floresta e Campos Ecossistemas Figura 4. Número e percentual das espécies amostradas nos ecossistemas de florestas e campos, e comuns aos dois ecossistemas no interflúvio dos rios Atuá eAnajás, ilha do Marajó (PA). 29 O 50 100 150 200 250 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará Considerando os tipos de florestas (cinco) e campos (dois) analisados, observa-se que a grande maioria de espécies (319 - 58,32%) teve ocorrência restrita a uma destas tipologias, as demais (228 - 41,68%) são comuns a dois ou mais ambientes. Apenas Vismia macrohy/la (lacre), espécie pioneira, típica de vegetação secundária, foi comum a todas as tipologias. Outras duas espécies de ocorrência ampla foram O/yra Ia tifo/ia e Simaruba amara, comuns em seis diferentes tipos de vegetação (Figura 5). Entre as 96 famílias registradas, as 10 de maior destaque em riqueza específica foram: Mimosaceae (29), Cyperaceae (25), Melastomataceae (25), Fabaceae (23), Rubiaceae (20), Araceae (20), Chrysobalanaceae (18), Arecaceae (16), Euphorbiaceae (16) e Poaceae (16), correspondendo juntas a 38,02% do total das espécies registradas. Outras 86 famílias congregam as demais 339 espécies, sendo que 28 famílias ocorrem com uma única espécie (Figura 6). - Ecossistemas Floresta Secundária Floresta de Várzea Floresta Aluvial Inundável Floresta Aluvial Inundável Mista com Palmeiras Campo Limpo Campo Misto Floresta Aluvial não Inundável 2 ou mais ambientes N° de Espécies Figura 5. Riqueza florística por ecossistema no interflúvio dos rios Atuá eAnajás, ilha do Marajó (PA). 30 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Fará Poaceae Euphorbiaceae Arecaceae Chrysobalanaceae Rubiaceae e Araceae LL E e Fabaceae Melastomataceae Cyperaceae Mimosaceae Outras famílias (86) O 50 100 150 200 250 300 350 N° de Espécies Figura 6. Distribuição do número de espécies, por famílias, nos sete ecossistemas estudados no interflúvio dos rios Atuá eAnajás, ilha do Marajó (PA). Conforme retratado na Figura 7, com relação a forma de vida ou hábito das espécies, praticamente a metade das espécies (49,18%) são árvores, seguida das ervas (19,38%), lianas (10,42%), epífitas (9,14%), arbustos (8,04%), palmeiras (2,92%) e em menor representatividade os hemiepífitos e parasitas (1%). Todos os tipos de vegetação continham palmeiras, sendo que a menor riqueza de espécies foi encontrada na floresta secundária. Astrocaryum murun'zuru, Bactris maraja, Destnoncus orthacanthus e Euterpe oleracea foram encontradas em todas as tipologias 31 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Mara/6, Pará Hemiepífito / parasito Palmeiras (5 -o > Arbusto -o (o Epífitas o LL Lianas Ervas Árvores O 50 100 150 200 250 300 N° de Espécies Figura 7. Número total de espécies amostradas nos sete ecossistemas estudados, agrupadas de acordo com a forma de vida. Interflúvio dos rios Atuá e Anaj ás, ilha do Marajó (PA), florestais primárias. Destas, apenas a espécieAstrocarym murumuru foi encontrada na floresta secundária. Manicaria saccifera e Raphia taedigera foram encontradas apenas nas florestas de várzea e parecem ser espécies exclusivas a este ambiente. É interessante ressaltar que alguns componentes arbóreos dos campos são tipicamente de cerrado, como por exemplo, Tabebuia caraíba (Figura 8), Byrsonima verbascifolia, Couratelia e Vochysia. Nos campos mistos com palmeiras, as espécies arbóreas encontradas (18) são tipicamente de florestas não inundáveis (de terra firme), onde destacam-se Andira inermis, Aniba citrifolia, Inga nobilis, Simaba guianensis, dentre outras. 32 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá eAnaja's, ilha do Marajó, Pará Tipos de vegetação FLORESTAS PLUVIAIS Floresta aluvial não inunda' vel (Terra Firme) Esta tipologia foi o componente majoritário da paisagem florestal, como era de se esperar, visto tratar-se da paisagem dominante em toda extensão da floresta amazônica, correspondendo às florestas tropicais úmidas de terra firme. Foram registradas 313 espécies, distribuídas em 75 famílias (Anexo 1). São florestas densas, com árvores emergentes, similares àquelas de terra firme no do±ínio do terciário amazônico. O dossel fica situado entre 30 e 35 m; a biomassa é considerada pesada, com área basal em torno de 30 m2 e densidade entre 400 e 500 árvores por hectare, levando em consideração somente os indivíduos com DA? (diâmetro a 1,30m do solo ~ 10 cm). Com uma composição florística similar às demais florestas de terra firme da Amazônia, albergam representantes típicos como Caryocar glabrum (piquiarana), Cedrela odorara (cedro), Couratari multif7ora (tauarí), Díplotropis purpurea (sucupira), Dipterix sp. (cumarú), Eschweilera coriacea (mata-matá), Guarea ssp. (jataúbas),Hytnenaea courba ri! (j atobá), Manilkara huberi (maçaranduba), Pou teria ssp. (abius), Protium ssp. (breus), Vochysia guianensis (quaruba branca) e muitos outros. Apresentam um sub-bosque rico em palmeiras de diferentes espécies como Astrocaryum murumuru (murumurú), Attalea maripa (inajá), Bactris maraja (marajá), Desmoncus orthacanthus (jacitara), Euterpe oleracea (açaí), Geonoma aspidifolia (ubim), Iriartea exorrhiza (paxiúba) e Oenocarpus bacaba (bacaba). Estas florestas, quando comparadas aos demais tipos de vegetação investigados, contemplam o maior número de espécies de ocorrência exclusiva (122), como Brosimum rubescens, Hymenaea integrifolia (jutaí), Ormosia coutinl'ioi (tento), Protium 34 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá .e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará NOME CIENTÍFICO: Couratari multif lora (Sm.) Eyma FAMÍLIA BOTÂNICA: Lecythidaceae Nots PoPuLRBs: tauarí CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: São árvores que ocupam o dossel das florestas de terra firme, podendo atingir mais de 50 m de altura, numa densidade inferior a dois indivíduos (diâmetro a 1,30m do solo ~ 10 cm) por hectare. Destacam-se na floresta por exuberantes raízes escoras (sapopemas) que auxiliam na sustentação ao solo. A dispersão das sementes é realizada por animais, geralmente cutias e pacas. Tem ampla distribuição na Amazônia e outros países da América do Sul, como Suriname e Guianas. A madeira é utilizada no setor de celulose e moveleiro. Foto: Dário Amaral. ;ri Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará robustum (breu), Saccoglotis amazônica (uxirana), Stryphnodendron purpureum (paricá) e Tachigalia myrinecophilla (tachizeiro). As florestas de terra firme constituem parte das florestas aluviais do Marajó e estão concentradas em locais com relevos mais elevados, situados na porção ocidental do arquipélago, podendo ocupar grandes maciços florestais ou restritos a pequenas faixas, compondo um mosaico com tipologias campestres. Floresta aluvial inunda' vel mista com palmeiras Com alusão na própria classificação fisionômica, esta tipologia é caracterizada pela expressividade de palmeiras no, ambiente, tanto em riqueza quanto em abundância deste grupo de plantas (Figura 9). As florestas inundáveis com palmeiras são características da parte oriental do Marajó, juntamente com as florestas de várzea que dominam as terras baixas das ilhas e planícies dos rios estuarinos. As palmeiras associadas sofrem uma alternância, dependendo do tipo de solo, topografia e influência em relação à rede de drenagem. Foram registradas nesta tipologia vegetal 177 espécies, distribuídas em 51 famílias (Anexo 1). Mais da metade (54,24%) destas espécies são comuns às florestas de terra firme, embora sejam tipologias distintas. Estas florestas são mais abertas do que as outras tipologias florestais aluviais investigadas neste estudo. A intensa penetração de luz solar facilita a regeneração das palmeiras, algumas com certo grau de exigência em luminosidade como Euterpe oleracea (açaí) eAttalea maripa (inajá). Geralmente as florestas estão associadas com uma palmeira predominante, principalmente Euterpe oleracea (açaí), Astrocaryum mumumuru (murumurú), Oenocarpus bacaba (bacaba), Bactris setosa (marajá) eAttalea marípa (inajá), ou uma combinação de duas ou mais espécies de palmeiras, comumente aquelas formadas por Euterpe oleracea (açaí) versus Bactris maraja (marajá) e Oenocarpus bacaba (bacaba) 37 9 1 1, NomE CIENTIFICO: Rapatea paludosa Aubl. FAMftIA BOTÂNICA: Rapateaceae Nos POPULARES: Não Cc1aiIsncAs BOTÂNICAS E EcoLÓGICAS: Erva de aproximadamente im de altura, flores amarelas. Comum principalmente no sub-bosque das florestas inundadas e de terra firme, por vezes em grandes populações. Distribuição conhecida por toda a Amazônia, e demais países da América do Sul. Foto: Dário Amaral Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará versus Astrocaryum mumumuru (murumurú). As palmeiras Mauritia flexuosa (burití) e Mauritielia aculeata (caranã) também ocorrem, porém não caracterizam associação porque geralmente estão em baixas densidades. Dentre as árvores de maior destaque em biomassa estão Viro/a surinatnensis (virola), Carapa guianensis (andiroba), Symphonia g/obu/ifera (ananim), Qualea sp. (mandioqueira), Simaruba amara (marupá), Caryocargiabrum (piquiarana), Goupia glabra (cupiúba), Manilkara l'iuberi (maçaranduba), Tabebuia serratifolia (ipê), Hymenaea parvifolia (jatobá) dentre outras. No sub-bosque são freqüentes ervas como Olyra latifolia, Seilaginela caicarata, Heliconia bihai, Caiathea ornata, Ischnosiphon arouma, Montrichardia linin fera, Píper spp., Bec quere/ia cymosa, Costus scaber, Hypolytrum longifolium, Phenakospermum guianensis etc. Um total de 36 espécies foram exclusivas deste ambiente, dentre elas duas palmeiras, Geonoma baculifera, Mauritielia aculeata, além de Bom bax paraense, Lícania lican 1/flora, Licania pai/ida, Maquira coriacea, Swa rtzia laurifólia, Tabernaemon tana muricata, Vochysia inundata. As florestas mistas com Euterpe oleracea (açaí) são as mais extensas e representativas. Ocupam cerca de 90% da área das florestas com palmeiras e desempenham um papel importante no equilíbrio do sistema ecológico local. Uma parte importante da avifauna de psitacídios usa essa espécie como recurso alimentar. Floresta aluvial inundável Estas florestas são igualmente inundáveis, ocorrendo em manchas de tamanhos. variados. A inundação está associada geralmente ao transbordamento dos sistemas fluviais durante as cheias ou pelo acúmulo de água da chuva durante o inverno, entre janeiro e maio. Os solos hidromórficos são mal drenados com lençol freático 41 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará bastante superficial. Essas manchas são menos abundantes do que aquelas ocupadas pelas florestas mistas com palmeiras. Geralmente essa tipologia é uma transição entre a terra firme e as florestas inundáveis com palmeiras. Quase a metade (37%) das espécies registradas são comuns aos três ambientes, como Simaruba amara (marupá), Caryocar glabrum (piquiarana), Eschweílera coriacea (matamatá), Coo pia glabra (cumarú), Protium heptaphyllum (breu), Tabebuia serratifolia (ipê amarelo), Symphonia globulifera (ananim) e as palmeiras Euterpe oleracea (açaí), Desmoncus orthacanthus (jacitara), Astrocaryum murumuru e Bactris maraja. No sub-bosque predominam as ervas Phenakospermum guíanensis (sororoca), Olyra la tifo/ia, Philodendron mu ricatum, E guttiferum, Ischnosiphon arouma, I. gracilis e outras. Um conjunto de 29 espécies ocorreu unicamente nesta tipologia, dentre elas Alchorneopsis /7oribunda, Brosimum rubescens, Cordia exaltata, Dichorisandra villosula, Eugenia anastomosans, Guarea kunthiana, Goa tteria schomburghkiana, Heliconia acuminata, Heliconia bíhat Heliconia pendula, Hirteila racemosa, Hymenaea integrifólia, Inga falsistipula, Inga thibaudiana, Lomariopsis japurensis, Ormosia coutinhot, Protium robustum, Saccoglotis amazônica, Stryphnodendron purpureum, Theobroma cacau e outras. Foram registradas nesta tipologia 135 espécies distribuídas em 50 famílias botânicas (Anexo 1). Floresta de várzea As florestas de várzea se constituem na tipologia mais representativa de ambientes inundáveis da Amazônia (Figura 10). São ecossistemas ripários, energeticamente abertos, estando associados às bacias de rios de água branca ou barrenta, cujas nascentes estão localizadas nas áreas montanhosas da Cordilheira dos Andes, onde o processo erosivo, nos dias atuais, é elevado. O processo de deposição e sedimentação se dá ao longo do percurso desses rios que têm, entre seus principais representantes, os rios Solimões-Amazonas, Purus, Juruá e Madeira. 42 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará NOME CIENTÍFICO: Attalea maripa (Aubi.) Mart. FAMÍLIA BOTÂNICA:Arecaceae NOMES POPULARES: inaj á CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Palmeira de porte médio, dificilmente ultrapassando 20 m de altura. Está normalmente associada com vegetação secundária, sendo ecologicamente equivalente ao babaçu no nordeste brasileiro. Os frutos com polpa oleaginosa são muito apreciados por roedores como pacas, cutias e, também, veados. Distribui-se por toda a Amazônia e demais países da América do Sul. Foto: Samuel Almeida. 44 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará Figura 10. Vista da floresta de várzea do Marajó. As várzeas são ambientes recentes na escala geológica, formadas no período holocênico atual, apresentando solos tipo glei hidromórfico, sem estrutura vertical e pouco consolidada. As florestas de várzea são relativamente mais baixas e abertas do que as florestas de terra firme, com altura em torno de 20 a 25 m. No entanto, a biomassa pode ser equivalente, com área basal em torno de 25 m2 e densidade aproximada de 200 a 300 árvores por hectare; quando se considera somente os indivíduos com DAP ~ 10 cm. Registrou-se um total de 55 espécies em 27 famílias botânicas, sendo 29 espécies únicas desta tipologia, das quais figuram Avicennia germinans (siriúba), Campsiandra laurifolia (acapurana), Dioc/ea virgata, Hevea guianensis (seringueira), Hura crepitans (açacu), Macrolobium acaciaefoíiuín (arapari) PacI'iira aquatica (mamorana), 45 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Pentaclethra macroloba (pracaxí), Raphia taedigera , Rhizophora racemosa (mangueira), Varairea guianensis (impigeira), Zygia latifolia e outras. As espécies características das florestas de várzea das bacias dos rios Atuá e Anajás são: Euterpe oleracea (açaí), Virola surinamensis (ucuuba), Garapa guianensis (andiroba), Astrocaryum murumuru (murumuru), Swartzia polyphylla (pitaíca), Symphoniag/obulifera (ananim), Cainpsiandra laurifo'lia (acapurana), Pachyra aquatica (mamorana), Macrolobium acaciifolium (arapari), Pterocarpus santalinoides (mututi), dentre outras espécies. Grande parte dessas espécies possui adaptações morfológicas (raízes aéreas, sementes flutuantes, plântulas com rápido crescimento nodular) e ecofisiológicas (mecanismos de regulação asmática da água, o que permite que suas raízes e seus caules suportem pela menos 12 horas de inundação a cada dia) que possibilitam sua manutenção neste ambiente especializada. Floresta secundária - ES A vegetação secundária na Amazônia, que se origina após a ação antrápica, é popularmente denominada de capoeira. Este termo provavelmente tem origem no nhengatu, o Tupi amazônico, uma das línguas gerais da região. As principais fontes de conversão das florestas amazônicas primitivas em capoeiras são a agricultura familiar, as pastagens artificiais, a agricultura comercial e a exploração madeireira. No caso particular desta região do Marajá, tal conversão está mais associada às práticas de agricultura familiar para plantio de culturas de subsistência como mandioca, banana, milho, algumas hortaliças e legumes, sendo desenvolvidas nas áreas de floresta de terra firme, visto que nas florestas inundáveis, onde foram queimadas áreas de antigos açaizais, a floresta tem dificuldade de se recompor em função das restrições impostas pelas enchentes anuais. As características gerais de história natural das espécies de capoeira são: lucifilia (elevada demanda de luz para crescer), ciclo de vida de curto a médio (5 a 15 anos), 46 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará NomE CIENTíFICO: Aspidosperma auriculatum Marckg. FAvIíLIA BOTÂNICA: Apocynaceae Nots PoPuL's: carapanaúba, peroba CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: São árvores que atingem até 30 m de altura, ocupando o dossel das florestas de terra firme, geralmente não mais de três indivíduos (diâmetro a 1,30m do solo ~: 10 cm) por hectare. Apresenta como característica principal o caule sulcado, que favorece o acúmulo de água que beneficia a reprodução de certos insetos como o carapanã, daí o nome popular de carapanaúba. Tem ocorrência conhecida para toda a Amazônia, inclusive extra-brasileira (América do Sul). Foto: Dário Amaral. Em Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará populações de tamanho considerável, existência de bancos de sementes armazenadas no solo e, na maioria das vezes, dispersão das sementes pelo vento, aves e morcegos. A avaliação florística da capoeira registrou um total de 57 espécies distribuídas em 33 famílias (Anexo 1). A flora deste tipo de vegetação antrópica é formada geralmente por espécies pioneiras, principalmente arbustos como Vismia guianensís (lacre), Cecropia spp. (embaúbas), Casearia ulmifolia (mata-calado) Astrocaryum murutnuru (murumurú), Miconia nervosa (tinteiro) e outros. São ainda comuns indivíduos jovens de espécies da sucessão ecológica mais avançada como Guatteria poeppgiana (envira-preta), Sima ruba amara (marupá), Didymopanax morototoni (morototó), Custa via augusta (geniparana), Rol/mia exsucca (envira-biribá) etc. Entre os cipós, destacam-se Entada polyphylla, Hemidiodia ocimifolia, Machaërium quinata, Serjania paucidentada e Davilla kunthii (cipó de fogo), dentre outras. Um total de 19 espécies são exclusivas desta vegetação, dentre as quais: Casearia ulm ifolia, Clidemia hirta, Cupania scrobicula ta, Himatan thus sucuuba, Homalium guia nensis, Maprou rea guia nensis, Mouriri caílocarpa, Myriaspora egensis, Piper aduncum, Rola ndra agentea, Rol/mia excucca e Serjania paucidentada. CAMPOS NATURAIS OU SAVANAS ÚMIDAS Os campos naturais podem ser do tipo limpo (onde o estrato herbáceo sobressai na paisagem), com feição de mosaico (composta de pequenos capões até ilhas de florestas com dezenas de hectares) ou com aglomerados das palmeiras Mauritia flexuosa (buriti) ou Mauritiella aculeata (caranã). A origem e• manutenção desta paisagem está relacionada ao controle edáfico e hidrológico, especialmente o regime de enchentes a que estão submetidos estes campos anualmente (PIRES, 1955). 49 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará Campo misto Refere-se aos campos com palmeiras ou arbustivo-arbóreos. Foram registradas 84 espécies, distribuídas em 40 famílias botânicas, sendo 45 espécies exclusivas desta tipologia campestre. As únicas lenhosas encontradas foram: Ocotea laxiflora, Paliocourea longiflora, Paullin ia pinnata, Sesbania exasperata, Solanum stramon ifolium, Alchornea fluvialis, Byrsonima chrysophylla e Simaba guia nensis. A grande maioria são ervas, comoAescl'iynomene evenia, Clidemia spicata, Commeiinaguianensis, Cyperus luzulae, Cyperus sesquiflorus, Eleocharis fistulosa, Eleocharis mínima, Fimbrístylis anua, Heliotropium indicum, Hyptis atrorubens, Justicia angustifolia, Ludwigia hyssopifolia, Mimosa polydactyla, Panicum siccaneum e outras. Embora considerados uma mesma tipologia de vegetação (campo misto), sob as mesmas condições ambientais e com composições florísticas similares, é possível identificar distinções fisionômicas entre os campos com palmeiras e os campos arbustivo-arbóreos, conforme descrito a seguir. Os campos com palmeiras são permeados por formações de buriti (Mauritia flexuosa) ou caranã (Mauritiella aculeata), formando densos agregados ou extensos cordões que se projetam por quilômetros dentro dos campos. Estes buritizais são localizados geralmente em áreas de divisão de bacias ou em depressões permanentemente alagadas. As veredas de buritizais no geral acompanham os cursos primordiais d'água como nascentes de rios e igarapés que cruzam os campos, entram nas florestas de várzea e deságuam nos rios Pará ou Amazonas, na zona do estuário. Em menores densidades são ainda comuns outras palmeiras como Astrocaryum mumbaca, Bactris maraja e Euterpe oleracea. Nestes locais, denominados localmente de pirizais, as ciperáceassão mais comuns, a exemplo do junco-açu (Cyperus giganteus), junco (Eleocharis spp.) e algumas Scieria spp. O estrato arbustivo-arbóreo inclui Protium apiculatum, Alchornea f7uviatilis, Tovomita brasiliensis, Aniba citrifolia, 50 NomE CIENTÍFICO: Hyptis crenata Pohl. ex Benth. FAMÍLIA BOTÂNICA: Lamiaceae Nots POPULARES: salva-do-marajó CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Erva de pouco mais de 20cm de altura, flor lilás. Além do Marajó, a espécie se distribui nos campos úmidos do Amazonas (Humaitá), Mato Grosso, Goiás e parte nas savanas úmidas de Santa Cruz de La Sierra, Bolívia. Tem valor medicinal sendo empregada na forma de chá para diarréia, digestivo natural e depurativo do sangue. E comum nos campos da região, principalmente na parte oriental do Arquipélago, nos municípios de Muaná, Salvaterra, Ponta de Pedras e Cachoeira do Arari. Foto: Samuel Almeida Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Inga cayannensis, Andira inermis, Mouriri grandiflora, Maquira coriacea, Virola surinamensis, Eugenia muricata e Simaruba amara. Nos "baixões", com buritizais e caranazais cresce uma vegetação pioneira graminosa mais alta, que pode atingir até 1,5 m, onde o gado não forrageia. Estes locais, de feições paludosas, abrigam uma fauna peculiar composta de quelônios aquáticos como muçuãs (Kinosternon scorpioides) , aperemas (Rhinoclemyspunctularia) e jacarés Caíman sp. e Paleosuchus sp. Diferentemente, os campos arbustivo-arbóreos são caracterizados pela paisagem composta por "mondrongos", pequenos capões de mata e ilhas florestais de tamanhos e formas variados (Figura 11). Estes campos são muito comuns na parte mais centro-oriental do Marajó, especialmente nos municípios de Muaná e parte dos municípios de Curralinho, São Sebastião da Boa Vista e Anajás. 1 Figura 11. Vista geral de um campo natural do Marajó, do tipo misto arbustivo-arbóreo. 53 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajas, ilha do Marajó, Par4 As árvores e arbustos que podem estar isolados ou formando aglomerados são principalmente de Wulffía bacata, Miconia eriodonta, Tibouchina aspera, Eugenia egensis, Alibertia edulis, Paul/mia pinnata, Solanum stramonifolium, Tapirira guia nensis, Protium heptaphyllum, Vismia cayannensis, Aniba citrifolia, Byrsonima chrysophylla, Ouratea casta nae folia, Coccoloba la tifo/ia, Sima ruba amara e Vochysia vismifolia. No estrato herbáceo predominam Cyperus /uzulae, Cyperus sesquif7orus, Eleocharís minima, Fimbristy/is anua, Fimbristylís capil/aris, Phyllanthus hyssopifolioides, Hyptis atroru bens, Mimosa polydactyla, Aeschynomene evenia, Desmodium barbatum, Ludwigia hyssopifolia, Axonopus purpusit, Panicum laxum e Oldenlandia cor ymbosa. Estes campos florestados geralmente são mais altos do que os campos limpos, com algumas áreas podendo ficar fora da zona de inundação anual. São os casos dos "tesos", áreas onde o desnível pode alcançar rapidamente até 5 m. Isto talvez explique a evolução da cobertura vegetal do porte campestre para o arbóreo nos locais onde se formam os capões e ilhas de floresta. Os "tesos" formaram os antigos núcleos da colonização humana pré-colombiana que ocupou grande parte do Marajó. Os registros arqueológicos mais importantes sobre a pré-história marajoara estão centrados nestes "tesos", retratando uma cultura e civilização bem evoluídas. Estes testemunhos são compostos principalmente por fragmentos de cerâmica e artefatos líticos. Campo limpo Esta tipologia é caracterizada pela forte dominância de gramíneas e ciperáceas, originando uma paisagem campestre equivalente à denominação campo limpo da classificação de cerrados (Figura 12). A composição florística compreende um total de 85 espécies, correspondendo a 40 famílias botânicas (Anexo 1). As ciperáceas de maior destaque são Fimbristylis capi/laris, Kyllinga peruviana, Rhynchospora barbata, Rhynchospora cephalotes, Scleria hirte/la, ao lado das gramíneas 54 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Mara/6, Para Figura 12. Vista geral de um campo natural do Marajó, do tipo limpo. Andropogon leucostachyus, Axonopus purpusil, Panicum laxum, Pan icum siccaneurn, Paspalum vfrgatum e Setaria geniculata, e várias outras. Dentre as ervas exclusivas destes campos listam-se as ciperáceas Dichromena. ciliata, Eragrostis capilaris, Hypo/ytrum sylvaticum, Kyllinga peruviana, Rhynchospora barbata, Scieria hirtelia, além de gramíneas como Andropogon leucostachyus, Axonopus pubivaginatus, Panicum siccaneum, Paspalum ligulare, Paspalum virgatutn e Setaria geniculata. A topografia deste tipo de campo inclui pequena variação altimétrica, com até 5% de desnível. Este diferencial é determinante na época das chuvas, quando as partes mais baixas são as que logo inundam formando lagos de tamanhos variados, geralmente associados à rede de drenagem composta de pequenos igarapés cujos canais drenam parte destes campos. 55 r Campos e florestas das bacias dos rios Atua e Anajcs, /1/ia do Maraj 1ir Nos campos baixos hiperúmidos a pastagem não fenece e não há susceptibilidade ao fogo, apresentando um aspecto sempre verde. Podem aparecer também algumas gramíneas de áreas de várzeas inundadas como a canarana (Hynzenacliiíe a/nf91exica ti/e). Eventualmente podem aparecer ilhotas com palmeiras marajá (Bactris setosa) e caranã (Mau ritielia aculeata). O elemento lenhoso nestes campos é discreto, composto por alguns arbustos dispersos ou aqueles que crescem sobre os "mondrongos", pequenas moitas onde a microtopografia é irregular, em função da atividade de cupins de chão e algumas formigas que revolvem o solo, alterando a estrutura e formando pequenas elevações onde crescem alguns arbustos e arvoretas, dentre elas Anacardium occidentale, Cura te/la a inerica na (Figura 13), Byrsoniina crassifolia, Aspidosperina auricu/atum, Didyínopanax morototoni, Saccoglotis guianensis, Eschuei/era ovata, Virola surinarnensis, Tahernaemontana muricata e outros. Figura 13. Floração de Curateila americana (caimbé) nos campos do Marajó. 56 í 1~ h LIVI, NomE CIENTÍFICO: Caryocar microcarpum Ducke FAMÍLIA BOTÂNICA: Caryocaraceae Nos POPULARES: piquiarana-da-várzea - CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Arvore de grande porte, facilmente atingindo mais de 30 m de altura. Dificilmente ocorre com mais de três indivíduos (diâmetro a 1,30m do solo ~: 10 cm) por hectare. Existem ainda espécies de terra firme, como o piquiá verdadeiro - C. villosurn (Aubi.) Pers., além do C. microcarpum (Aubi.) Pers. O fruto desta espécie não é comestível pelo homem, como ocorre com C. viliosum, no entanto é apreciado pela fauna de vertebrados terrestres como pacas, cutias, veados e porcos, que consomem além do fruto as flores. Apresenta distribuição por todo o estuário Amazônico, além de vários outros países da América do Sul. Foto: Dário .Amaral Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará Similaridade florística A Figura 14 expressa o grau de agrupamento das tipologias vegetais em função da composição de espécies. Individualizam-se nitidamente dois blocos de agrupamento: um formado pelas florestas mistas com palmeiras e florestas de terra firme, que unem-se, por sua vez, com as florestas inundáveis e o outro, em menor grau de junção, formado pelas duas tipologias campestres. A maior similaridade (0,33) foi obtida entre as florestas mistas com palmeiras e as florestas de terra firme, com 54,24% de espécies comuns. Na paisagem campestre a similaridade foi menor. Apenas 18% das espécies ocorrem concomitantemente nos campos limpos e campos mistos. Entre as demais tipologias a similaridade foi muito baixa, com índices de apenas 0,03, quando se comparam as florestas secundárias com as florestas de várzea, com apenas quatro espécies comuns, Astrocarywn murumuru, Oenocarpus distichus, Inga edulis e Vismia tnacrophylla. Os baixos índices de similaridadeentre os ambientes revelam a elevada diversidade beta desta região, com grande concentração de espécies exclusivas por ambiente. indico de Similaridade de Jacard (%) 100 75 50 25 CA CM FAI FMP FTF VAR Figura 14. Análise de agrupamento dos tipos de vegetação estudados, usando como método de ligação o agrupamento do vizinho mais próximo. CA (campo limpo), CM (campo misto), FAI (floresta aluvial inundável), FMP (floresta aluvial inundável mista com palmeiras), FTF (floresta de terra firme), VAR (floresta de várzea) e FS (floresta secundária). Ilha do Marajó (PA). 59 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará Espécies úteis e valor econômico Historicamente, a população do Marajó utiliza a vegetação nativa no seu cotidiano para as mais diferentes finalidades, principalmente no uso alimentício, medicinal, bem como para construção de casas, demarcação de fazendas e currais para a criação de gado, com destaque ao búfalo (Figura 15). Aliás, a região concentra o maior rebanho de búfalos do Brasil (www.cbra.org.br). Conta a lenda que o animal teria sido introduzido involuntariamente na região, após sobreviver nadando do naufrágio de um navio asiático quando de passagem pela costa marajoara, e logo se adaptou plenamente ao local. Contudo, oficialmente, a primeira importação foi feita em 1895 pelo criador Vicente Chermont de Miranda, com animais oriundos da Itália (www.cbra.org.br). O conhecimento popular sobre a utilização desta rica diversidade vegetal é comum em toda a região, principalmente nas regiões mais rurais, como nas bacias dos rios Atuá e Anaj ás, que em função de um certo grau de isolamento em relação aos centros urbanos maiores, restringe-se de uma maior disponibilidade de produtos industrializados. Figura 15. Montaria de búfalo nos campos do Marajó 82 1 11 JR 4.. Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará NomE CIENTÍFICO: Astrocaryum vulgare Mart. FAMÍLIA BOTÂNICA: Arecaceae Nots POFULAFES: tucumã, tucumã-do-Pará CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Palmeira de porte médio, dificilmente ultrapassando 10 de altura. De crescimento agressivo, é considerada como espécie pioneira, comum em vegetação secundária. Estipes múltiplos, raramente simples, cobertos de espinhos. Pode produzir até 6cachos por safra, cujos frutos são comestíveis pelo homem e animais silvestres como pacas, pequenos roedores e cutias. Ocorre por toda a Amazônia brasileira até as Guianas. Foto: Samuel Almeida. 62 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará No Anexo 2 estão listadas 144 espécies que apresentam utilização conhecida, com informação do nome vulgar, tipo de utilização, parte da planta utilizada e informações complementares. Grande parte desta flora é de uso madeireiro, com espécies nobres, de alto valor comercial como Cedrela odorata (cedro), Manilkara huberi (maçaranduba), Couratari inultiflora (tauarí), Diplotropis purpurea (sucupira), Dipterix sp. (cumarú), Caryocar glabrum (piquiarana), Goupia glabra (cupiúba) e outras de menor valor como Eschweilera coriacea (mata-matá) e Guarea ssp. (jataúbas). Dentre os produtos não madeireiros merecem destaque as medicinais, como Hyptis crenata (salva do Marajó), espécie endêmica da região e amplamente utilizada como digestivo natural e depurativo do sangue. Outra espécie de relevância é a Carapa guianensis (andiroba), cujo óleo tem eficácia no tratamento de traumatismos, tumores e distensão muscular. Sua casca é utilizada como vermífugo e antitérmico. A espécie é atribuída, ainda, propriedades insetífugas, repelente natural contra os insetos, especialmente os mosquitos do gênero Anopheles, transmissores da malária, doença epidêmica comum nesta região da Amazônia. Um grupo à parte é o das alimentícias, principalmente as espécies frutíferas, em especial o açaí (Euterpe oleracea) símbolo das paisagens do Marajó, base da alimentação diária de grande parte dos habitantes desta região. Outras palmeiras muito apreciadas são Qenocarpus bacaba (bacaba) eAstrocaryutn vulgare (tucumã). Além destas, têm-se as arbóreas Rheedia inacrophylla (bacuri-pari), Spondias mombin (taperebá), Byrsonitna crassifolia (murucí), Anacardiutn giganteum (cajuí), Pouteria caitnito (abíu) entre outras. São importantes, ainda, as espécies de uso ornamental, principalmente as Brotnelia ssp., Heliconia ssp. e Philodendron ssp., as aromáticas, como Píper aduncum (pimenta longa), Protium ssp (breu), Annona ambotay (envira-taia), as de uso artesanal, tipo Desmoncus orthacanthus ( jacitara), Mauritia flexuosa (burití), além de outros usos. Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó,Pará Espécies ameaçadas de extinção Duas espécies registradas neste estudo constam na lista de espécies da flora do estado do Fará ameaçadas de extinção (www.museu-goeldi.br), são elas: Cedrela odorata L. (cedro) eManilkara huberi (Ducke) Chevalier (maçaranduba). O cedro, tem ocorrência restrita às florestas de terra firme, enquanto a maçaranduba (Figura 16) é encontrada nas florestas de terra firme, nas florestas de várzea e em florestas inundáveis mistas com palmeiras. Ambas as espécies têm suas populações ameaçadas em função da intensa exploração madeireira, bastante apreciada pelo mercado consumidor. Apresentam, de maneira geral, distribuição ampla na Amazônia. Figura 16. Árvore de Manilkara huberi (maçaranduba) no interior da floresta de terra firme do Marajó. foto: Dário Amaral 64 f/L!J rJ 1 r : Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará NOME CIENTÍFICO: Mauritia flexuosa L. F. FAMÍLIA BOTÂNICA: Arecaceae NOMEs roPuIJuss: buriti CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Palmeira vistosa que atinge facilmente mais de 30m de altura. Abundante nas várzeas, campos, veredas e demais florestas inundadas do Marajó, quase sempre associadas com córregos d'água. Tem uso tradicional amplo e diversificado. O fruto é comestível, melhor apreciado como sucos, cremes e compotas. Os troncos (estipes) são utilizados pelas populações ribeirinhas como vias de acesso (pontilhões) às casas sobre as várzeas do estuário amazônico. E também uma espécie oleaginosa, cuja polpa também é rica em pró-vitamina A. Outro tipo de uso, menos difundido, é como adoçante natural a partir da adocicada seiva de seu tronco. Tem distribuição por toda a América do Sul. Foto: Dário Amaral, Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Fará A flora inventariada neste estudo expressa uma elevada diversidade beta, em função dos diversos ecossistemas envolvidos, com destaque para as florestas inundáveis ricas em palmeiras, as florestas de várzea, os campos (limpos e mistos) e florestas de terra firme. Foram 547 espécies em 96 famílias botânicas, entre árvores, palmeiras, arbustos, ervas, lianas e epífitas. Esta flora sobressai muito mais pela diversidade do que pelo endemismo da vegetação. A quase totalidade das espécies catalogadas é amplamente distribuída na Amazônia, à exceção de três espécies, Heliconia 1ourteígiae Emygdio & E. Santos, Disreganthus lateralis (L. B. Sm.) Gouda e Geonotna aspidiifolia Spruce, que representam novas ocorrências para a ciência, conforme detalhado abaixo. Heliconia Iourteigiae Emygdio & E. Santos - Heliconiaceae De acordo com o banco de dados do Missouri Botanical Garden (http://mobot.org) não existe registro de ocorrência desta espécie para o Brasil, apenas para o Peru, Suriname e Venezuela. No Herbário do Museu Goeldi (MG), no entanto, há uma coleta de 1971 para o estado de Roraima, mais precisamente no rio Mucajaí. Assim, esta coleta do Marajó representa a primeira referência conhecida para o Pará. Distegantl'zus lateralis (L. B. Sm.) Gouda - Bromeliaceae Trata-se do primeiro registro para o Brasil. Havia conhecimento apenas para a Guiana Francesa, coleta relativamente recentede dezembro de 2000 (Missouri Botanical Garden, http://mobot.org). Geonoma aspidiifolia Spruce - Arecaceae Esta espécie tem distribuição conhecida no Brasil para os estados do Amazonas, principalmente nos arredores de Manaus e Acre, na reserva extrativista do Alto Juruá. No Pará, corresponde à segunda ocorrência, a primeira coleta data de 1907 no rio Mapuera, em Oriximiná. 67 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajás, ilha do Marajó, Pará Segundo a classificação do RADAMBRASIL (JAPIASSU; GÓES, 1974) a vegetação do Marajó é constituída por três fisionomias muito distintas: campos naturais, floresta tropical densa e vegetação pioneira com influência marinha. Em consonância com o RADAMBRASIL, classificações mais atuais (IBGE, 1994) acrescentam a estas macrofisionomias do Marajó os seguintes detalhamentos: Floresta Ombrófila Densa (aluvial e de terras baixas), Áreas de Formação Pioneira (vegetação com influência fluvial - campos - e fluviomarinha - manguezal), Savanas (tipo parque) e áreas de tensão ecológica ou contato (savanas versus florestas ombrófilas). Destas tipologias, apenas os manguezais não estavam representados nas áreas investigadas deste estudo, visto que estes ocupam os extremos litorâneos com influência marinha do arquipélago. Juntamente com as florestas de terra firme e de várzea as tipologias vegetais abertas (savanas e campos) são as mais representativas do Marajó. O trecho de vegetação aberta inventariada neste estudo corresponde ao que o IBGE (1994) classifica como Áreas de Formação Pioneira, que neste caso refere-se a campos. Todavia, alguns autores (MIRANDA; CARNEIRO, 1994; MIRANDA; ABSY, 1997) incluem estas áreas quando discutem savanas amazônicas. Na Amazônia, a origem e a manutenção das savanas são atribuídas a paleoclimas, geologia e condições edáficas atuais. Evidências testemunhais de natureza palinológica e florística, demonstram que nas fases secas do período pleistocênico, predominavam o tipo de vegetação xeromórfica (AB'SABER 1982; BIGARELLA; LIMA, 1982; ABSY HAMMEN, 1976). Em virtude da história geológica recente (aproximadamente 10 mil anos) entende- se que o endemismo biológico no Marajó seja pouco expressivo. Os processos de NomE CIENTÍFICO: Euterpe o/era cea Mart. FAMÍLIA BOTÂNICA: Arecaceae Nos POPULARES: açaí CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS s ECOLÓGICAS: Estipes múltiplos, formando touceiras, podem atingir mais de 15m de altura. Atualmente talvez seja a planta com maior expressão socioeconômica da Amazônia. Esta palmeira é base da alimentação da população ribeirinha do Marajó e do estuário amazônico, sendo para muitos a principal fonte de renda, seja pela comercialização do fruto ou do palmito. Tem distribuição concentrada no estuário amazônico, no estado do Pará, mas com populações disjuntas na Venezuela, Colômbia, Equador, Suriname e Peru. Foto: Dário Amaral Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará diferenciação e especiação necessários para o surgimento de uma flora específica decorre de uma escala temporal muito mais ampla. Apenas uma espécie registrada no estudo, Hyptis crenata (salva do marajó) é considerada como endêmica, e trata-se de uma espécie herbácea com ocorrência comum nos campos da região, utilizada para fins fitoterápicos pelos habitantes locais. A composição florística das savanas amazônicas foi comparada por Miranda e Carneiro-Filho (1994) que numa análise de similaridade de gêneros (443), constataram diferentes níveis de afinidade florística entre áreas de savanas do Marajó (PA), Roraima (RR), Ariramba (PA), Humaitá (AM), Alter-do-Chão (PA), Monte Alegre (PA) e Carajás A). De maneira geral, as similaridades foram consideras baixas pelos autores. A menor similaridade foi de 29%, entre o Marajó e Alter-do-Chão, e a maior similaridade corresponde às savanas de Alter-do-Chão e Monte Alegre, em 54%. Os resultados apresentados por estes autores demonstram que similaridades florísticas mais altas não estão relacionadas à proximidade geográfica, muito pelo contrário, o Marajó, por exemplo, foi mais similar em relação às savanas mais distantes como Roraima (42%) e Humaitá (42%) quando comparadas àquelas do próprio Estado, como Alter-do-Chão (29%) e Monte Alegre (36%). Situação semelhante é aqui evidenciada, quando se compara a savana deste trabalho com a do município de Joanes (BASTOS, 1984), também no Marajó, distante menos de 100 km. Apenas nove espécies (14%) são comuns às duas áreas, sendo elas: Cura teila americana, Byrsonima crassifolia, Astrocaryum vulgare, Andropogon Ieucostachyus, Axon opus pubivaginatus, Axonopus purpusii, Desmodiutn barbatum, Rhychosphora cephalotes e Vismia guianensis Além dos exemplos citados acima, algumas outras espécies registradas neste estudo têm ocorrência comum nas savanas da Amazônia (MIRANDA; CARNEIRO- FILHO, 1994) como: Anacardiutn occidentale, Heliconia psittacorum, Polygala adenophora, Sauvagesia erecta e Tibouchina aspera. 71 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará Segundo Beard (1953) as manchas de savanas amazônicas formam uma "faixa de conexão" entre as savanas do escudo guianense e os cerrados do escudo brasileiro, sendo bastante similares florística e fisionomicamente, apesar das distâncias geográficas que as separam. Estas afinidades das savanas amazônicas com os cerrados do Brasil Central são igualmente apontadas nos estudos de Bastas (1984), nas savanas de Joanes (Marajó), registrando a ocorrência de algumas espécies comuns e em Miranda (1993), que constatou que todas as espécies arbóreas de Alter-do-Chão (município de Santarém, Pará) são comuns aos cerrados do Brasil Central. Para Ratter et ai. (2003), a diversidade alfa dos cerrados brasileiros (número de espécies ocorrendo em uma única comunidade) é frequentemente alta, contrariamente das isoladas savanas amazônicas, com exceção de Alter-do-Chão (Pará) e um sítio em Humaitá (Amazonas), que contém baixa diversidade florística, com registro de apenas 177 espécies em 58 áreas estudadas, das quais 77 são espécies de distribuição ampla, comuns na região nuclear do cerrado brasileiro. Segundo os autores, a diversidade alfa das savanas amazônicas raramente vai além de uma dúzia de espécies de árvores ou arbustos grandes. Utilizando técnicas de análise multivariada, o referido estudo reconhece sete grupos fitogeográficos para o bioma cerrado no país, sendo que as savanas amazônicas são citadas em dois destes grupos. Um grupo exclusivo, formando um conjunto à parte, considerado como áreas isoladas da Amazônia, e um outro (representado pelos cerrados próximos a serra das Andorinhas, divisa do Pará com o Tocantins) em bloco com outras áreas, envolvendo Norte-Nordeste, que agrupam áreas do extremo norte de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí e Tocantins. De fato, a similaridade florística entre savanas amazônicas (MIRANDA; CARNEIRO-FILHO, 1994; este estudo) e do Brasil Central (RATTER et ai. 1992, 1996) parece mais evidente entre gêneros e principalmente em relação às árvores com características xeromórficas, como é o caso principalmente das Quaiea, Byrsonima, Curatelia, Connarus, Bowdichia, Annona, Tabebuia e Anacardium. 72 13 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Fará Notts CIENTÍFICO: Ludwigia hyssopifolia (G. Don) Exeil FÍLLk BOTÂNICA: Onagraceae NOMES POPULARES: Não CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Erva de pouco mais de 20cm de altura, flores amarelas. São comuns nos campos do Marajó, associadas a terrenos arenosos. Trata-se de uma espécie de ampla distribuição no mundo, com registro para os continentes americano, asiático e africano. Foto: Dário Amaral 74 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará Contrastando com as feições campestres, a paisagem florestal natural do Marajó é dominada pelas florestas aluviais de terra firme e de terras baixas,representada pelas várzeas estuarinas. A flora destas tipologias é, de maneira geral, comum em outras áreas da Amazônia com ocorrências destas paisagens florestais. O destaque, no entanto, são as palmeiras, pela diversidade e abundância, presentes inclusive nas florestas não inundáveis de terra firme. São elas: Astrocaryum mumbaca, A. vulgare, A. murumuru, Aualea maripa, Bactris mata/a, Desmoncus orthacanthus, Euterpe oleracea, Geonoma aspidifolia, G. baculifera, Iriartea exorrhiza, Manicaria saccifera, Mauritia flexuosa, Mauritielia aculeata, Oenocarpus bacaba, Oenocarpus distichus e Raphia taedigera. Segundo Oliveira (2005), as palmeiras são predominantes em algumas florestas na transição da Amazônia com outros biomas, em ambientes perturbados, próximos a comunidades indígenas ou tradicionais, e em formações de floresta de baixio, como a região deste estudo. Analisando diversos inventários na Amazônia, o referido autor destaca Eschweilera coriacea (mata-matá) como espécie de grande importância estrutural, sendo a única que aparece com grande densidade em levantamentos por toda a Amazônia. Esta espécie esteve presente em todas as feições florestais aqui amostradas, exceto nas várzeas. As várzeas ocorrem em toda a região, margeando os numerosos rios que drenam o arquipélago, sendo mais expressiva na porção sul do Marajó, principalmente entre o furo de Breves e o rio Atuá. A exploração de espécies de várzea no Marajó, principalmente Virola surínamensis, é uma atividade bastante antiga, sendo a região estuarina, com destaque para Breves, uma das cinco zonas madeireiras do Pará, responsável por 12% da produção de madeira em tora do Estado (VERISSIMO, 2002). Estas várzeas são, diariamente, inundadas por duas vezes, quando a maré oceânica empurra o volume de água do rio para o contra-fluxo, elevando a 2 m no verão 75 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará (julho a novembro) até 4 m no período chuvoso do inverno amazônico (janeiro a abril). Além do fluxo diário das marés, as várzeas e campos baixos do Marajó são inundados por três a quatro meses durante o período chuvoso, quando a paisagem e a rotina de vida das populações marajoaras são totalmente alteradas. Para sobreviver neste ambiente inundado, algumas espécies são adaptadas, como Pterocarpus santalinoides (mututí), Pentaclethra macroloba (pracaxí), Symphonia giobulifera (anani), possuindo mecanismos de regulação osmótica da água, o que permite que suas raízes e caules suportem pelo menos 12 horas de inundação diária, inclusive com certo grau de salinidade (ALMEIDA et ai., 2004). A salinidade parece ser um fator de limitação para a diversidade de espécies de várzea na Amazônia, sendo menor nas áreas extremas do deita (no limite do oceano) em relação àquelas localizadas mais para o interior, no baixo amazonas (ALMEIDA et ai., 2004). Partindo deste pressuposto, as várzeas mais ao sul do Marajó, como as deste estudo, apresentam maior riqueza específica quando comparadas às várzeas do extremo norte da grande ilha, por exemplo, em relação os municípios de Chaves e Afuá (ALMEIDA etal., 2004). Esta análise mostra-se em concordância na comparação de riqueza de espécies arbóreas deste estudo (42 ssp) em relação a Chaves (36 ssp), porém contraditória em relação a Afuá (60 ssp). Todavia, há de se considerar as diferenças metodológicas de amostragem da vegetação aplicada aos referidos estudos que são absolutamente distintas. As maiores extensões de florestas de terra firme do Marajó estão concentradas no lado ocidental, correspondendo às mais altas cotas topográficas da região. Ocorrem, ainda, de forma pontual, nos terrenos mais baixos, ocupando faixas estreitas como neste estudo. As florestas de terra firme da Amazônia apresentam uma predominância de algumas famílias botânicas, principalmente Leguminosae (sensu lato), Lecythidaceae, Sapotaceae, Burseraceae e Chrysobalanceae (DUCKE; BLACK, 1954; OLIVEIRA, 2000). Todas estas famílias estiverem igualmente representadas neste estudo. 0 rã 'II Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Ana/ás, ilha do Marajó, Pará NOME CIENTÍFICO: Mauritie/la armata (Mart.) Burret FAMÍLIA BOTÂNICA: Arecaceae Nos POPuIa.ss: caranã, buritirana CARACTERÍSTICAS BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS: Palmeira de porte baixo, dificilmente ultrapassando lOm de altura. Ocorre preferencialmente em áreas abertas, como campos e campinas. Os estipes são cobertos de acúleos. Assim como o buriti, é uma espécie indicadora de água superficial, associada a nascentes e olhos d'água. Amplamente distribuída na Amazônia brasileira, nas veredas dos cerrados do Brasil Ce -itral; nos campos brejosos do nordeste, além de Bolívia, Venezuela, Equador, Guianas e Peru. Foto: Dário Amaral Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anaja's, ilha do Marajó, Pará destaque, no entanto, é conferido à Sterculiaceae, com seis espécies registradas, riqueza igual a Lecythidaceae e Sapotaceae. As espécies são Sterculia e/ata, Sterculia pruriens, Theobroma speciosum, Theobroma subincanum e Theobroma sylvestris. Cama et ai. (2005) analisaram agrupamentos florísticos entre comunidades arbóreas em diferentes locais do estado do Pará, utilizando para tal um banco de dados composto por 24 inventários em florestas de terra firme e 10 em floresta de várzea. As florestas de terra firme apresentaram maior riqueza de espécies arbóreas que as floresta de várzea, havendo uma maior tendência de agrupamento das florestas de terra firiTie em função da proximidade geográfica quando comparada às florestas de várzea. A maioria das espécies listadas como de ampla distribuição nos sítios investigados foram comuns neste estudo, como Dia//um guianense, Theobroma speciosuin, Tachigaiía myrmecophiia, Laetia procera, Brosimum guia nensis, Maniikara huber. Microphoiis venulosa, Goupia glabra e Saccogiotis guianensis. O arquipélago do Marajó é uma região fisiográfica com características ambientais singulares. Situa-se na foz do maior rio do mundo em volume d'água, o Amazonas, e sob a influência direta da dinâmica oceânica, em sua porção setentrional. Os efeitos provocados por esta conjunção de forças naturais podem ser dimensionados pela diversidade de ecossistemas existentes na região, tais como campos, savanas, florestas ombrófilas de terra firme, florestas inundáveis de várzea e igapó, manguezais e restingas. Esta complexidade de ecossistemas favorece o desenvolvimento de uma flora de elevada diversidade beta, com grande concentração de espécies exclusivas para cada ambiente. Curateila americana (caimbé) e Byrsonima verbascifoiia (orelha de burro) são dois exemplos. Ocorrem no Marajó apenas nas áreas campestres, com elevada incidência de luz solar e solos arenosos e bem drenados. Espécies como Pachira aquatica (mamorana), Pentaciethra macroioba (pracaxí) e Vatairea guianensis (impigeira), por sua vez, são tolerantes às inundações diárias das florestas de várzea que cobrem a região. Outras como Stryphnodendron purpureum (parica') e Tachigalia 79 Campos e florestas das bacias dos rios Atuá e Anajas, ilha do Mara/ó, Para myrmecophilla (tachizeiro) são espécies exuberantes da floresta amazônica e habitam os terrenos mais altos de terra firme. O Marajó é, em função desta diversidade e complexidade de habitas, um ambiente bastante vulnerável e suscetível às perturbações e desequilíbrios ambientais. No entanto, são intensos os impactos das ações antrópicas em atividades econômicas, principalmente a retirada de madeira e palmito das áreas florestadas e pecuária extensiva de gado bubalino e bovino nos campos naturais. A região foi classificada como área de extrema importância para a biodiversidade da Amazônia, no workshop para Avaliação de Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade Brasileira, promovido pelo MMA, em 1999 em Macapá. O arquipélago como um todo corresponde à uma unidade de conservação estadual (APA do Marajó,
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