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HISTÓRIA ANTIGA Caroline Silveira Bauer História Antiga Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer as origens e periodizações da História Antiga. Identificar os diferentes tipos de fontes investigativas em História Antiga. Relacionar os principais temas estudados em História Antiga. Introdução Muitas produções artísticas e culturais são responsáveis pelas imagens que as pessoas costumam ter em mente ao pensar na História Antiga. Essas representações estão constantemente interpelando a produção historiográfica e, por sua vez, a historiografia problematiza as formas de uso desse passado. Mas, para além da interação entre uma história acadêmica e uma “história pública”, que outros questionamentos são possíveis a respeito da História Antiga? Será que todos os povos, de todo o mundo, se encontraram, ao mesmo tempo, em um momento histórico chamado “História Antiga”? Quem criou essa nomenclatura e com quais interesses? Como enfrentar o debate sobre o ensino da História Antiga e do eurocentrismo? Neste capítulo, você vai estudar a História Antiga. Você vai ver como ela surgiu e se consolidou dentro da historiografia. Você também vai conhecer algumas fontes utilizadas para a escrita da história desse pe- ríodo. Por fim, vai conhecer alguns autores, brasileiros e estrangeiros, pesquisadores do período, bem como alguns temas da História Antiga. História Antiga: um campo historiográfico Antes de verifi car o que é a História Antiga ou Antiguidade (também chamada de Antiguidade Clássica e Oriental — as denominações são muitas), você deve refl etir sobre a periodização na história. Os períodos históricos são determinadas épocas cujo recorte pode ser estabelecido por fatos culturais, eco- nômicos, ideológicos, nacionais, políticos, religiosos e sociais, estabelecendo rupturas em relação a uma época anterior. Essas divisões são artifi ciais, e o seu emprego pode ocultar a pluralidade de concepções de história e de tempo, como ocorre com a divisão quadripartite da história em antiga, medieval, moderna e contemporânea. A Revolução Francesa (1789), nessa proposição, é considerada o marco para o início da História Contemporânea. Mas será que essa periodização serve para compreender o que acontecia na África ou no Brasil naquele momento? O ano de 1789 é um marco para esses outros dois continentes, faz sentido apenas para a realidade europeia, ou será que é somente uma data francesa? E como adaptar as formas de contagem do tempo das sociedades antigas às formas ocidentais de datação? Os gregos contavam os anos a partir da realização da primeira olimpíada; os romanos, a partir da fundação de Roma; os súditos dos reinos do Oriente Próximo orientavam-se pelos anos dos reinados de seus soberanos; e outras tantas sociedades utilizavam fenômenos naturais como formas de medir o tempo. Como conciliar essa multiplicidade de experiências com o calendário cristão? Os historiadores atribuem o surgimento da ideia de uma história antiga ao Renascimento, período em que se recuperam algumas concepções do “mundo clássico” greco-romano. A citação a seguir é longa, mas é bastante importante para você compreender essa “construção” do mundo antigo: O que hoje denominamos de História Antiga foi, no princípio, um movimento cultural e literário de produção de memória a partir de textos e objetos. Após a dissolução do Império Romano ocidental, a lembrança de um passado pré- -cristão foi aos poucos se dissolvendo. [...] A partir do século XII, esses textos passaram a ser cada vez mais procurados e difundiu-se, a partir da Itália, a ideia de que eles representavam algo diferente da cultura contemporânea: eram a herança escrita dos antigos. Muitos pensadores, poetas, artistas e curiosos da natureza começaram a debruçar-se sobre esses textos, extraindo os livros originais das grandes compilações manuscritas. A ideia de que tinha havido um mundo “antigo”, anterior ao cristianismo, com uma cultura rica e singular, difundiu-se, aos poucos, pelas cortes europeias e pelos literatos. Essa cultura laica, livre do domínio da Igreja, parecia muito adequada aos novos tempos. Fornecia novos padrões estéticos, novas formas de pensar as relações entre sociedade e Estado, de valorizar a riqueza e o comércio, de projetar novos futuros. [...] A queda de Constantinopla para os turcos, no século XV, acentuou a redescoberta de textos gregos, ao mesmo tempo em que colocou, de forma dramática, a oposição entre a Europa cristã e clássica e o mundo islâmico. As antigas ruínas, às quais não se prestava atenção, passaram a ser consideradas testemunhos desse mundo “antigo”. Edifícios foram descritos ou desenhados, estátuas e pinturas foram resgatadas, inscrições foram copiadas, moedas foram História Antiga2 colecionadas e formaram-se as primeiras coleções de objetos “antigos”. O impacto na cultura erudita, dos sábios e das cortes europeias, foi imenso. É a esse processo que se dá o nome equivocado de Renascimento. Não foi um renascer passivo, mas uma reconstrução profunda da memória, com objetivos bem presentes: rejeitar uma parte do passado mais recente, definindo-o como “Idade Média” ou “Idade das Trevas”, para construir uma nova identidade, voltada para o presente e para o futuro (GUARINELLO, 2014, p. 173–176). Posteriormente, a nomenclatura “História Antiga” vai se afirmando como um “período histórico”, na medida em que a história adquire contornos de cientificidade. Ao longo do século XIX, torna-se hegemônica junto às ideias de civilização, nação e progresso para compreender a história universal em uma lógica linear, em que cada etapa deve “[...] supostamente desenvolver forças que estariam contidas, em gestação, nas etapas anteriores. Assim é que o Renascimento sucede à Idade Média e inaugura os Tempos Modernos” (GRUZINSKI, 2001, p. 58). Você deve notar ainda que: “a ideia de um tempo linear acompanha-se em geral da convicção de que existiria uma ordem das coisas. Custamos a nos livrar da ideia de que todo sistema possuiria uma espécie de estabilidade original a que ele tenderia inexoravelmente” (GRUZINSKI, 2001, p. 58). E o que isso significou para a narrativa histórica? “A civilização grega (e a tradição cristã) e sua história foram redefinidas para serem menos orientais e africanas, mais europeias. Foram, assim, apropriadas como herança exclusiva da Europa Ocidental” (SOVIK, 2009, p. 57). Veja o que afirma Silva (2018, p. 76): A tradicional seleção quadripartite da história, somada a uma temporalidade linear, nos leva a crer que a origem de quase todos os processos históricos está no ocidente branco e cristão. [...] Porém, outras articulações entre passado, presente e futuro são possíveis. Diferentes contatos culturais na história pro- vocaram misturas, mas também alterações nas formas de conceber o tempo e os processos históricos que nos orientam. [...] Também é muito destacada a cultura greco-romana como matriz da cultura ocidental e de uma cultura erudita, embora se possa estudar também a história antiga através dos contatos entre diferentes culturas constituintes do oriente e do ocidente. A História Antiga foi concebida como o período que vai do surgimento da escrita (aproximadamente 4000 a.C.) à queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.). 3História Antiga Como você deve imaginar, há críticas à História Antiga enquanto dis- ciplina. Muitas vezes, ela é encarada como uma disciplina imperialista, já que disseminou uma narrativa focada em processos europeus como influenciadores de fenômenos globais. Porém, grande parte das críticas é embasada por um contexto de desconhecimento a respeito da refor- mulação da disciplina, que traz propostas cada vez menos imperialistas (FRANCISCO, 2017). Considere, por exemplo, que a História Antiga tradicional tem se reor- ganizado; muitas vezes, é denominada “História do Mediterrâneo Antigo”. Assim, ela deixa de ser tanto uma históriageneralista/universal como uma história clássica. Isso faz com que as partes do mundo que não participaram efetivamente da História Antiga deixem de ser necessariamente periféricas e se tornem espectadoras de uma experiência alheia, o que não deixa de ser, como pontua Francisco (2017), um exercício de alteridade. Considere ainda que: Essa situação parece ter especial importância por dois motivos. O primeiro é a base da crítica à História Antiga. Em termos panfletários, pode-se dizer que ela não nos serve, que ela é necessariamente imperialista, que ela contribuiu para a organização de uma identidade periférica na maior parte do planeta, inclusive no Brasil. Muitos desses argumentos são bastante válidos, mas sua validade é parcial. A História Antiga vem mudando e essas mudanças apresentam um forte componente autocrítico. Por exemplo, a perspectiva racista dos Estudos Clássicos ao longo do século XIX e XX, apresentada por Martin Bernal (1990), ainda é tema de debate e promoveu uma ampla reflexão sobre alguns critérios narrativos da História Antiga. O que quero dizer é que a crítica estabelecida à História Antiga (se ela é importante ou não para nós) deveria partir de um conhecimento mais profundo do campo. Sem isso, restam apenas impressões um tanto desatualizadas sobre ela, o que afeta sensivelmente a qualidade do argumento crítico (FRANCISCO, 2017, p. 55–56). Além disso, como afirma Francisco (2017), hoje se desenvolve uma cons- ciência crítica em relação à História Antiga. Atualmente, é mais aceita a ideia de que não é possível elaborar narrativas em termos exclusivos de uma herança cultural. Isto é: sabe-se que não existe uma linha direta entre o mundo contemporâneo e o antigo. O fato de existirem elementos “antigos” presentes no cotidiano atual não significa que a contemporaneidade seja herdeira dos gregos e dos romanos; talvez signifique, contudo, que tenha herdado um projeto moderno europeu que estabeleceu uma trajetória civilizatória a partir História Antiga4 da História Antiga. Nesse sentido, você deve considerar que o afastamento desse processo funciona como uma nova tomada de posição: a própria noção de periferia pode ser reavaliada (FRANCISCO, 2017). Assim, um dos desafios para a historiografia do século XXI é romper com a concepção de História Antiga como parte de uma história universal e como ponto de partida para o estudo da civilização ocidental. Será neces- sário refletir de forma mais global os processos de integração realizados no Oriente Médio e no Mediterrâneo entre os séculos X a.C. e V d.C, interli- gando África, Ásia e Europa. É preciso repensar a perspectiva eurocêntrica e linear da História Antiga, bem como a sua leitura a partir de conceitos como civilização, nação e progresso. Fontes para pesquisa Uma fonte histórica é determinado documento (escrito, material, oral, visual) que possibilita ao historiador elaborar suas narrativas históricas, fornecendo evidências, indícios e rastros sobre determinado passado. Algumas sociedades deixaram inúmeros materiais que podem ser convertidos em fontes históricas. Em outras, esses registros podem ter sido destruídos com a passagem do tempo ou deliberadamente, pela ação do homem. Há ainda aquelas em que, culturalmente, as transmissões geracionais são feitas de forma oral, e muitas informações acabam se perdendo. Enfim, são múltiplas as razões pelas quais atualmente existe mais ou menos acesso às culturas escrita, material, oral e visual de uma sociedade. Além disso, cada uma dessas fontes pressupõe conceitos, metodologias e teorias específicas, como a arqueologia, a etnografia, a paleografia, etc. Considerando as sociedades egípcia, grega, mesopotâmica e romana, que fontes podem ser utilizadas para a escrita da história? A seguir, você vai ver alguns exemplos. Arqueologia: trabalhando com a cultura material A arqueologia é considerada uma ciência que trata particularmente da cultura material das sociedades, de tudo o que se refere à vida humana, no passado e no presente. Existem muitas subáreas, resultantes da especiali- zação em alguns períodos, em alguns métodos ou até mesmo em locais a serem pesquisados. 5História Antiga No link a seguir, assista à websérie Conhecendo a Arqueologia e aprenda mais sobre o trabalho de um arqueólogo. https://qrgo.page.link/zDRWf Você sabe o que é cultura material? Veja o que afirma Meneses (1983, p. 112): Por cultura material poderíamos entender aquele segmento do meio físico que é socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém pressupor que o homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósitos e normas culturais. Essa ação, portanto, não é aleatória, casual, individual, mas se alinha conforme padrões, entre os quais se incluem os objetivos e projetos. Assim, o conceito pode tanto abranger artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como coisas animadas (uma sebe, um animal doméstico), e também o próprio corpo, na medida em que ele é passível desse tipo de manipulação (deformações, mutilações, sinalizações), ou ainda os seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma cerimônia litúrgica). Assim, podem ser considerados cultura material: objetos de uso pessoal, roupas, artefatos, cerâmicas, ferramentas feitas em madeira, pedra e metal, moedas, joias, construções arquitetônicas, monumentos, maquinários, habita- ções, etc. Como as fontes escritas não são abundantes para o caso da História Antiga, é necessário seguir as recomendações de Febvre (1985, p. 249): A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles exis- tem. Mas ela pode fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos escritos, se os não houver. [...] Numa palavra, com tudo aquilo que pertence ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. Ao estudar esses artefatos, o arqueólogo ou o historiador extrapola a questão utilitária do objeto e pensa nas relações de sua produção, seu comércio e sua circulação, bem como nos significados que as sociedades lhe atribuem. Desse modo, é possível estudar formas de convivência, de comércio, de relações sociais; tudo isso a partir de um único objeto. História Antiga6 Paleografia: transcrevendo outros mundos A paleografi a é uma prática para o estudo da escrita antiga e a transcrição de sua caligrafi a ou de seus símbolos. Essa técnica está presente desde os primeiros “tradutores” dos hieróglifos e da escrita cuneiforme e foi se especializando ao longo do tempo. Você já ouviu falar sobre a Pedra de Roseta? Ela é um documento his- tórico muito importante para o estudo da sociedade egípcia, pois, além de permitir a decifração dos hieróglifos, ofereceu aos historiadores vestígios sobre o funcionamento dos sistemas cultural, econômico e político do Egito na época ptolomaica (III a II a.C.). Esse bloco de granito (Figura 1) foi encontrado em 1799, durante as escavações de uma comitiva francesa na cidade de Roseta, e uma primeira tradução foi feita por Champollion, que utilizou algumas práticas já empregadas para tentar interpretar os antigos hieróglifos (SALES, 2007). Figura 1. Pedra de Roseta. Fonte: Curiosidades... (2019). 7História Antiga Filosofia, literatura, teatro e religião Os escritos fi losófi cos, literários e teatrais, bem como as práticas religiosas, são fontes inestimáveis para o estudo das sociedades antigas. Para os gregos, por exemplo, o teatro era uma forma muito importante de relação social. São diversas as formas de os homens se relacionarem com a natureza e entre si mesmos, o que gerou diferentes mitos e cosmogonias. Além disso, o pensamento fi losófi co deixou um legado para a humanidade. Considere dois exemplos que são obras de referência para o estudo da história grega: a Ilíada e a Odisseia. Ambos os textos são poemas épicos cuja autoria é atribuída a Homero e que permitem conhecer alguns costumes e algumas tradições daGrécia antiga. A Ilíada narra alguns episódios entre o 9º e o 10º ano da Guerra de Troia. Já a Odisseia narra o retorno de Ulisses após a Guerra de Troia para a sua cidade natal, Ítaca. Temáticas de pesquisa Desde a constituição da história enquanto disciplina, no século XIX, houve interesse na pesquisa e no estudo da Antiguidade. Contudo, o desenvolvimento dessas investigações foi distinto de acordo com o período histórico e com o local de produção. Naquela conjuntura, por exemplo, a história do mundo antigo estava ligada a um pensamento nacional, e houve uma instrumentalização da Antiguidade para forjar histórias e identidades nacionais. A ideia era buscar as origens em um passado longínquo glorifi cado, procurando legitimar práticas do presente. Porém, conforme a história da historiografia foi debatendo seus métodos e suas teorias, bem como a relação que as sociedades desenvolvem com a história, houve mudanças na forma de pesquisar e estudar a Antiguidade. Veja o que afirma Silva (2010, p. 99): Ainda no domínio dos avanços epistemológicos, a História da Antiguidade Clássica, e do mundo antigo de maneira geral, tem sido acompanhada, ao longo dos últimos anos, principalmente a partir do início da década de 1990, de grandes mudanças ocorridas nos domínios da História. A consciência de que o historiador produz, com seu ofício, espaços, tempos, indivíduos e práticas, ao passo em que ele próprio se encontra inserido em contextos e conjunturas específicas, aportou, desde algumas décadas, significativas mudanças para a epistemologia da História Antiga. A convicção por parte de muitos histo- riadores da cultura, mas não só, de que os objetos são criados, constituídos História Antiga8 e de que o historiador é também uma espécie de narrador tem conferido um deslocamento da acentuação de grandes paradigmas explicativos do mundo antigo (que estabeleciam conhecimentos definitivos e sínteses totalizadoras a respeito da cidadania, da escravidão, das relações sociais, das instituições) para uma História Antiga que se quer mais plural, mais diversa. Assim, você pode considerar que a possibilidade de estudos em História Antiga é bastante variada, dependendo da disponibilidade de fontes e das problemáticas elaboradas pelos pesquisadores. Existem estudos que se dedicam a analisar a história de determinadas sociedades (egípcios, sumérios, babilônicos, hebreus, gregos, romanos, berberes, dálmatas, trácios, núbios), suas relações sociais, suas estruturas políticas e sua cultura. É possível ainda estabelecer recortes mais delimitados, trabalhando com os escravizados ou as mulheres, por exemplo. Além disso, existem estudos que se dedicam às regiões, chamando a aten- ção para a especificidade geográfica e para a relação do homem com o meio. Também há pesquisas que problematizam o que é ser ocidental ou oriental. Ainda, existem os estudos que se dedicam às produções culturais e também à historiografia produzida sobre a História Antiga desde o Renascimento, passando pelo século XIX e chegando aos dias de hoje. Entre as mais diversas temáticas e entre os incontáveis profissionais que se dedicam ao estudo da História Antiga, dois deles seguem como referência para as pesquisas na área. O primeiro deles, Moses Finley, historiador inglês, elaborou suas análises realizando críticas a uma historiografia da Antiguidade de viés marxista, relatando os problemas de utilizar o conceito de classe social na Antiguidade Clássica e sugerindo, em seu lugar, as ideias de ordem ou status para se referir a determinados grupos sociais. Outro grande pesquisador na área é o francês Jean-Pierre Vernant, que, por meio de um trabalho interdisciplinar, congregando a antropologia, a sociologia, a psicologia e a história, estudou os símbolos e a dimensão do simbólico, bem como a sua importância para o homem grego. Embora os temas de pesquisa em História Antiga tenham sido muito am- pliados desde os anos 1990, a dificuldade de construir uma visão plausível de qualquer aspecto da sociedade para além dos mais altos estratos de riqueza, poder ou status social continuou sendo uma característica marcante da disci- plina, em contraste com os desenvolvimentos ocorridos nas ciências sociais 9História Antiga e em outros campos da história. Nos últimos anos, porém, a reflexão mais aprofundada sobre o lugar da História Antiga no mundo atual têm levado os classicistas e historiadores da Antiguidade a colocar questões de um modo diverso e mais dinâmico. Afinal, hoje a tradição clássica deixou de ser domi- nante e há a emergência de centros periféricos de pesquisa em países como o Brasil, com suas experiências de exclusão, violência e desigualdade social. Assim, temáticas como gênero, sexualidade, relações escravistas e ainda o cotidiano passaram a ser exploradas pelos historiadores. A pesquisa sobre História Antiga no Brasil Nos últimos anos, houve uma expansão do campo de pesquisas sobre a História Antiga no Brasil. Isso ocorreu devido a novas problemáticas advindas de refl exões conceituais, teóricas e metodológicas, bem como por um acesso mais facilitado às fontes primárias, por meio de recursos digitais (BELLEBONI- -RODRIGUES; SILVA, 2012). Essas alterações foram fundamentais para que se repensasse o que era compreendido como Antiguidade e para que houvesse mudanças nos métodos, nos objetos e na abordagem das pesquisas. O impacto dessas transformações na produção brasileira pode ser atestado qualitativa e quantitativamente pelo número de trabalhos inscritos nos sim- pósios temáticos dos encontros regionais e nacional da Associação Nacional de História (ANPUH), pelo aumento do número de eventos específicos e pelo surgimento de grupos e laboratórios de pesquisas. De acordo com Funari, Silva e Martins (2009 apud SILVA, 2010, p. 103): Houve uma ampliação de objetos de pesquisa, de paradigmas interpretativos, mas, o que não é menos importante, houve uma significativa ampliação do universo social dos historiadores do mundo antigo. O caráter aristocrático da História, e da História Antiga, em particular, foi superado pela inclusão de estudiosos não oriundos das elites, cuja formação intelectual e acadêmica não era de berço, mas aprendida, tanto no Brasil como, de maneira crescen- te, também no estrangeiro. Os paradigmas interpretativos tradicionais, que enfatizam a homogeneidade social e o respeito às normas foram, de forma crescente, contrapostos às visões multifacetadas e atentas ao conflito. Silva (2010) afirma que houve, no Brasil, um progressivo abandono de abordagens aristocráticas e elitistas da história, baseadas em histórias nacionais. Além disso, passou-se a desenvolver uma História Antiga mais problematizada, com reflexões sobre os discursos, menos linear e menos presentista: História Antiga10 Desprovida de vínculos com uma tradição de estudos clássicos estabelecida e com vínculos que a ligam a uma fictícia história nacional (Roma antiga/ Roma moderna, Gália/França, Germânia/Alemanha, Bretanha/Inglaterra, e.g.), a História Antiga desenvolvida no Brasil, e em outros países vistos como periféricos no cenário historiográfico mundial da disciplina, beneficia- -se de um não comprometimento ou de um comprometimento menor com questões identitárias nacionais, que comumente afetaram a produção de conhecimento nesse campo. [...] O grande número de temas e subtemas de livros, de autoria individual ou coletiva, de colóquios entre especialistas e de atas publicadas desses mesmos colóquios apontam para um novo rumo nas pesquisas sobre a Antiguidade no Brasil. Nesses, palavras como identi- dades, diversidade, fronteiras, margens, imagens, símbolos, representações, percepções, encontros, conflitos, presença, usos do passado etc., indicativas de inovadoras preocupações epistemológicas, apontam para uma Antiguidade cujas leituras têm sido menos normativas e mais problematizadas (SILVA, 2010, p. 104–105). No Brasil, um marco significativo no desenvolvimento de pesquisassobre a História Antiga foi a organização em torno de sociedades e grupos de trabalho e pesquisa, que, além dos historiadores, congregaram pesquisadores de outras áreas, como a arqueologia, a filosofia e as letras. A organização da pesquisa nesses grupos deu origem à Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, fundada em 1985 (SILVA, 2010). Como exemplos de grupos de trabalho e pesquisa que, além de congregar pesquisadores, organizam eventos nacionais e internacionais e publicam revistas, você pode conside- rar: Laboratório de Estudos do Império Romano (LEIR–USP), Laboratório de História Antiga (LHIA–UFRJ) e Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA–UERJ), entre muitos outros. Destacam-se pelo pioneirismo os trabalhos de Pedro Paulo Funari, de Ciro Flamarion Cardoso, bem como de uma geração de pesquisadores que defenderam suas teses de doutorado relacionadas à temática da História Antiga nos anos 2000. Entre eles: Nathália Monseff Junqueira, que analisa os usos do passado egípcio na França oitocentista e a questão da identidade; Glaydson José da Silva, que trata das questões de gênero em documentação literária; e Luciane de Munhoz Omena, que aborda os setores subalternos romanos como atores políticos à luz da obra de Sêneca (BELLEBONI- -RODRIGUES; SILVA, 2012). 11História Antiga BELLEBONI-RODRIGUES, R. C.; SILVA, S. C. Os desafios e a importância da história antiga na formação do professor de história. In: BATISTA, E. L.; SILVA, S. C.; SOUZA, T. N. (org.). Desafios e perspectivas das ciências humanas na atuação e na formação docente. Jundiaí: Paco Editorial, 2012, v. 5. CURIOSIDADES sobre a Pedra de Roseta. In: SEBO Itinerante. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em: https://seboitineranteblog.wordpress.com/2016/05/29/curiosidades-sobre-a- -pedra-de-roseta/. Acesso em: 23 jun. 2019. FEBVRE, L. Combates pela história. Lisboa: Presença, 1985. FRANCISCO, G. da S. O lugar da história antiga no Brasil. Mare Nostrum, v. 8, n. 8, 2017. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/marenostrum/article/view/138860. Acesso em: 20 jun. 2019. GRUZINSKI, S. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. GUARINELLO, N. L. Ensaios sobre história antiga. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. MENESES, U. T. B. A cultura material no estudo das sociedades antigas. 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