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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3 2 ALFABETIZAÇÃO .................................................................................................. 4 2.1 Conceito de alfabetização ................................................................................... 4 2.2 Os principais métodos de alfabetização ............................................................. 7 2.3 As especificidades do método sintético de alfabetização ................................. 12 2.4 As especificidades do método analítico de alfabetização ................................. 18 3 LETRAMENTO ..................................................................................................... 21 3.1 Alfabetizar letrando ........................................................................................... 25 3.2 Aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita ............................... 29 3.3 Hipóteses fonológicas e ortográficas da construção da escrita ........................ 32 3.4 Sequências didáticas para a autonomia na escrita ........................................... 35 4 AMBIENTE ALFABETIZADOR ............................................................................ 41 4.1 Conceito e características ................................................................................. 41 4.2 Escola: ambiente alfabetizador ......................................................................... 44 4.3 Construindo um ambiente alfabetizador ........................................................... 46 5 O SIGNO LINGUÍSTICO ...................................................................................... 49 5.1 Algumas características do signo ..................................................................... 52 5.2 O valor linguístico ............................................................................................. 53 6 AVALIAÇÃO NA ALFABETIZAÇÃO ..................................................................... 56 6.1 A avaliação em seu contexto educacional ........................................................ 56 6.2 A avaliação como um instrumento fundamental na qualificação do processo alfabetizador ..................................................................................................... 60 6.3 Avaliação e prática pedagógica no processo de alfabetização e letramento .... 64 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 ALFABETIZAÇÃO 2.1 Conceito de alfabetização Segundo o dicionário Houaiss, alfabetização é a “[...] ato de propagar o ensino ou difusão das primeiras letras” (ALFABETIZAÇÃO, 2009). Nesse sentido, se pode dizer que a alfabetização seria a ação de ensinar/aprender a ler e escrever. Essa ação permitirá que o sujeito crie novos conhecimentos. Maciel e Lúcio (2009, p. 14) complementam dizendo: A escrita, comparável a um instrumento, é vista como capaz de permitir a entrada do aprendiz no mundo da informação, seja possibilitando o acesso aos conhecimentos histórica e socialmente produzidos, seja criando condições diferenciadas para produção de novos conhecimentos. Soares (2004, p. 16) conceitua alfabetização como o “[...] processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita”. Além disso, ela destaca a alfabetização como um “[...] conjunto de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita” (SOARES, 2004, p. 16). Fonte: www.quindim.com.br Em outra obra, Soares (2006) complementa dizendo que, para entrar e viver no mundo do conhecimento, o sujeito precisa desenvolver duas habilidades. A primeira se relaciona ao domínio da escrita, que contempla o sistema alfabético e ortográfico, desenvolvido pela alfabetização. Já a segunda tem a ver com o domínio das 5 competências e com o uso da escrita em diferentes situações e contextos, o que é obtido por meio do letramento. Seguindo a mesma linha, Paulo Freire (1983) afirma que a alfabetização é um ato criador, no qual o sujeito é agente da aprendizagem na medida em que vai aprendendo e compreendendo a leitura e a escrita. Segundo o autor, esse processo não acontece de forma mecânica ou desvinculada de um universo existencial, ele requer uma atitude e uma postura de criação e recriação. Freire (1991) também destaca que não basta apenas dominar a escrita, é preciso inserir o sujeito nesse mundo para que desenvolva uma leitura crítica das relações sociais. Se analisar os dois conceitos, vai notar que ambos caminham para a mesma direção. Ambos entendem que alfabetizar não é apenas decodificar ou dominar a leitura e a escrita. É preciso ir além e se torna fundamental pensar na formação de sujeitos capazes de interpretar e transformar a leitura e a escrita utilizando-as em suas práticas cotidianas. Traçando uma breve trajetória da alfabetização, você pode perceber que até meados de 1980 ela era pensada a partir de métodos sintéticos e analíticos que resultavam em formas definidas de como o professor deveria ensinar. Nesses métodos, em especial no silábico ou no fônico, a criança repetia informações prontas, transmitidas por meio de cartilhas, nas quais aprendia a memorizar o nome e o traçado das letras, decorando seus sons. A correspondência som- -grafia e a memorização das famílias silábicas eram utilizadas nas atividades diárias do professor, de forma que a criança era exposta a textos prontos para fixar as letras e sílabas trabalhadas. O trabalho era mecânico e bastava a criança decorar o nome das letras, o som e a junção das sílabas para formar palavras. A alfabetização, nesse caso, resumia-se à cópia e à repetição, sendo vista sob a perspectiva do professor, responsável por ensinar. EXEMPLO Observe a frase a seguir. Ela exemplifica o método de alfabetização em que eram utilizadas palavras com as mesmas famílias silábicas. A criança, por meio da leitura repetitiva, deveria fazer a relação fonema-grafema. IVO VIU A UVA 6 Na maioria dos casos, as crianças, por repetirem tantas vezes as informações obtidas nas cartilhas, as decoravam. Contudo, não compreendiam por que cada letra era utilizada. Além disso, eram privadas de avançar em sua aprendizagem. Isso porque os professores acreditavam que a criança só poderia seguir para a leitura se, primeiro, passasse por esse processo. O chamado “período preparatório” visava a atividades de motricidade e percepção. Os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) mudaram o foco, pensando em como a criança aprende, se desenvolve e se apropria da língua escrita. A partir desses trabalhos, esses processospassaram a ser compreendidos como uma construção contínua, desenvolvida concomitantemente dentro e fora da sala de aula, em processo interativo e que acontece desde as primeiras relações da criança com a escrita. Aqui, a criança não é mais vista como mero receptor de conhecimento, mas como um sujeito que pensa a escrita desde muito cedo, buscando compreender como ela funciona. As cartilhas são substituídas por atividades e elementos que fornecem indícios para a elaboração de atividades desafiadoras, a fim de que as hipóteses construídas pelos alunos sejam colocadas em pauta. Para perceber o Sistema de Escrita Alfabética (SEA), é preciso que a criança compreenda a suas propriedades. Esse sistema envolve um conjunto de hipóteses e, sabendo disso, o aluno pode realizar a leitura ou a escrita de novas palavras apenas memorizando a relação entre letra e som de forma produtiva. O Sistema de Escrita Alfabética significa muito mais que a aquisição de um código, como propunham as teorias tradicionais. Ele é um sistema notacional de representação da escrita, em que as habilidades perceptivas e de motricidade não têm um peso fundamental. Nesse caso, atividades reflexivas e desafiadoras auxiliarão a criança a compreender os segmentos sonoros da fala e das palavras. É preciso tratar a escrita alfabética como um objeto de conhecimento. Assim, o professor auxiliará o aluno a descobrir, reconstruir e se apropriar do SEA. Morais (2005, p. 45) destaca que para alfabetizar letrando é preciso: [...] reconhecer que a escrita alfabética é em si um objeto de conhecimento: um sistema notacional. Na esteira desse posicionamento, além de buscarmos abandonar o emprego das palavras “código”, “codificar” e “decodificar”, parece-nos necessário criar um ensino sistemático que auxilie, dia após dia, nossos alunos a refletir conscientemente sobre as palavras, para que venham a compreender como esse objeto de conhecimento funciona e possam memorizar suas convenções. 7 Nesse sentido, quando a criança ingressa na escola, é fundamental que o professor crie uma rotina diversificada, com diferentes atividades de reflexão e exploração sobre os níveis das palavras, assim como com a compreensão do sistema de escrita como um todo. Seguindo essa linha, é importante também promover habilidades de consciência fonológica, que permitirão que o sujeito reflita sobre as dimensões sonoras das palavras. As habilidades de consciência fonológica surgem à medida que a criança consegue refletir sobre as palavras na dimensão da sonoridade, percebendo que elas podem ser trabalhadas de diferentes formas. Vale apostar em atividades que façam a criança identificar e compreender o que é uma palavra, quantas sílabas ela possui, quais os fonemas existentes e como são feitas as correspondências entre os fonemas e as letras. Por isso, você pode utilizar atividades que envolvam separação, contagem e comparação quanto ao tamanho ou semelhança sonora. Além disso, pode se valer de atividades que abrangem rimas, som inicial e som final, que contribuem para que o aluno perceba os sons da fala. Mas, sobretudo, o aluno deve ser incentivado a escrever e a elaborar hipóteses, mesmo que ainda não domine o sistema alfabético de escrita. A ideia é que a criança construa o conceito de língua escrita e caminhe por esse processo significativamente. Portanto, para que ela aprenda a ler e escrever, é necessário que seja exposta a situações que a desafiem a refletir sobre a língua, transformando as informações recebidas em saberes próprios. 2.2 Os principais métodos de alfabetização Recorrendo ao dicionário Houaiss, entre tantos significados apresentados, se destaca este: métodos são um “conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino, a prática de uma arte etc”. Ou ainda: “processo organizado, lógico e sistemático de pesquisa, instrução, investigação, apresentação etc” (MÉTODO, 2009). Diante desses apontamentos, se você pensar nos métodos na perspectiva da alfabetização, pode considerar que eles se baseiam em indicar metodologias específicas que devem ser seguidas pela criança para aprender a codificar e decodificar a leitura e a escrita. 8 A partir dessas discussões, você pode conhecer, então, os métodos que foram utilizados ao longo dos anos para alfabetizar as crianças. Araújo (1996) destaca que os métodos sintéticos e analíticos, criados entre os séculos XVI e XVIII e se estendendo até meados de 1960, surgiram para se opor aos métodos de soletração, predominantes na Antiguidade e na Idade Média. Esses métodos de soletração eram considerados difíceis e contribuíam para os grandes índices de fracasso escolar na fase de alfabetização. Fonte: www.site.primeiraescolha.com.br Os métodos sintéticos, segundo Frade (2005), são procedimentos que partem das unidades menores para as unidades maiores. Ou seja, inicia-se pelo ensino das letras, da memorização, da decoração e do domínio do alfabeto para, posteriormente, passar às sílabas, às palavras, às frases e aos textos. Esse método em específico impossibilita que a criança avance para uma nova fase de conhecimento se não tiver, primeiro, dominado e passado por todas as etapas anteriores. Isto é, está em jogo um processo no qual a criança aprende das partes para o todo. É, portanto, um método que foca seu ensino na decifração e na leitura mecânica, dando ênfase à correspondência entre o som e a grafia e utilizando como estratégia principal a percepção auditiva, por meio de exercícios de leitura em voz alta e ditados feitos pelos professores. Por ser um método de decoração e memorização, ele traz suas regras já estabelecidas, o que torna o ensino cansativo, desmotivador e com pouco significado 9 para a criança. Afinal, as palavras utilizadas nas cartilhas já eram determinadas, apresentando pouca relevância na percepção da leitura e da escrita. O aluno, nessa concepção de alfabetização, recebe o conhecimento pronto. Porém, na maioria das vezes não compreende e possui dificuldades para produzir textos devido ao restrito vocabulário a que foi exposto. Em contrapartida, acredita-se que o método sintético seja positivo, devido à grande exposição da criança às repetições e regras impostas, pois ela alcança a ortografia perfeita mais rapidamente, visto que já conhece e domina as palavras que necessita escrever em suas atividades. Já os métodos analíticos, diferentes dos sintéticos, “[...] partem do todo para as partes e procuram romper radicalmente com o princípio da decifração” (FRADE, 2007, p. 26). Esses métodos ensinam a criança partindo das unidades maiores para as unidades menores, ou seja, a leitura é vista como um ato global. Assim, os métodos analíticos visam a propor atividades que “[...] vão do texto à frase, da frase à palavra, da palavra à sílaba” (FRADE, 2007, p. 26). Do ponto de vista da alfabetização, o método analítico favorece que a criança se aproxime um pouco mais de sua realidade. Afinal, em vez de reconhecer primeiro as letras e as sílabas fora de contexto, o aluno tem a oportunidade de aprender a partir das palavras emitidas de forma inteira e não apenas das partes ou pedaços delas. Nessa perspectiva, os textos podiam ter sentido um pouco maior, pois a leitura não era realizada por meio da silabação. Em contrapartida, há as duas faces da moeda, visto que, por ser um método que parte da leitura de palavra por palavra, pode também trabalhar a partir de elementos isolados e com poucos significados, impossibilitando que a criança veja o texto na sua totalidade. Além disso, diferente do método sintético, no analítico os professores não exigiam que os alunos fizessem a correspondência sonora entre a fala e o texto escrito. Na maioria das atividades, eram propostos exercícios orais em que as crianças deveriam reconhecer a palavra sem pronunciá-la oralmente e eraminstigadas a realizar cópias e leituras silenciosas, o que também as desestimulava e tornava o trabalho cansativo e pouco produtivo. De acordo com Mortatti ([2006]), iniciaram-se, por volta da década de 1920, os embates contrários aos métodos analíticos. Buscava-se um ensino que contemplasse o aprendizado da leitura e da escrita ao mesmo tempo. Surge então o método misto, que varia entre o analítico e o sintético e destaca-se tanto pelo ensino do todo quanto 10 pelo ensino das partes, de forma conjunta. Nesse método, o professor escolhe se as atividades partirão das palavras, das frases ou dos textos. Mortatti ([2006]) ainda destaca que o método misto se tornou especialmente relevante a partir de 1934, quando foram criadas as bases psicológicas de alfabetização contidas no livro Testes ABC, escrito por M. B. Lourenço Filho. Esse autor verificava a maturidade necessária para a criança aprender o processo de leitura e escrita e classificava os alunos, organizando-os em classes homogêneas, com vistas à eficácia da alfabetização. A partir dessa proposta, o ensino volta a ser visto como tradicional. O trabalho do professor, por sua vez, se baseava na produção de manuais prontos e cartilhas, que visavam a interligar a habilidade da leitura com a habilidade da caligrafia e da ortografia. Nessa fase, instaurou-se também o período preparatório, no qual a criança era envolvida em atividades de prontidão, de discriminação auditiva e visual, além de realizar atividades que testavam a coordenação motora por meio de exercícios com identificação e traçado das letras. Tal proposta tinha como objetivo medir as habilidades e conhecimentos das crianças relativos à leitura e à escrita. Além disso, as separava conforme a sua maturidade. Em todos os métodos apresentados, tanto nos sintéticos quanto nos analíticos e mistos, predominava a utilização das cartilhas, cuja proposta principal era apresentar às crianças letras, sílabas soltas, palavras, frases e textos com pouca relevância e significado no contexto em que os alfabetizandos estavam inseridos. Da mesma forma, o objetivo das cartilhas visava a abordar apenas a codificação (escrita) e a decodificação (decifração) e pouco agregava conhecimentos aos envolvidos. A aprendizagem do código alfabético acontecia por meio da transmissão do ensino, cuja proposta era iniciar a alfabetização partindo das unidades mais fáceis para, em seguida, apresentar as mais difíceis. Nessas concepções de métodos, acreditava-se que o aluno chegava à escola com pouco ou quase nada de conhecimento a respeito da língua. Portanto, a escola teria o papel de iniciar o processo da leitura e da escrita por meio do ensino de letras, sílabas e palavras, passando para os alunos, que eram meros receptores, as informações prontas e fora do contexto. 11 A partir desse período, Mortatti ([2006]) destaca que houve uma descrença muito grande nos métodos para se alfabetizar. Isso ocorreu, pois, os altos índices de fracasso escolar e reprovação, assim como a aprendizagem superficial a que as crianças eram submetidas, tornaram-se pontos de discussão entre os educadores que buscavam respostas e caminhos para alfabetizar de forma mais efetiva. Fonte: www.iped.com.br O processo de ensino e aprendizagem passou a ser debatido e pensado sob um novo enfoque. Iniciaram-se as discussões acerca do construtivismo como forma de desmetodizar a alfabetização. Esse campo foi muito estudado por Jean Piaget, que é apontado como um dos precursores da teoria construtivista. A aprendizagem, nessa concepção, é vista como um processo contínuo de desenvolvimento, em que o conhecimento é construído pelo próprio sujeito na sua interação com o mundo, na medida em que é envolvido em situações de aprendizagens relevantes e significativas. Em meados de 1980, seguindo a linha construtivista, surgem os estudos e pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) acerca da psicogênese da língua escrita. Esses estudos reforçam que a escrita alfabética não é um código que se aprende a partir de métodos e atividades de memorização. Pelo contrário: a criança elabora e formula diferentes hipóteses sobre a escrita, sendo este um processo gradativo que acontece em momentos diferenciados do seu desenvolvimento. 12 Além disso, outra questão levantada é que os processos de aprendizagem acontecem antes mesmo do ingresso da criança na escola. Isso se dá por meio da sua inserção em ambientes letrados e da sua participação em vivências e práticas sociais de leitura e escrita, de forma que o aluno interage com diferentes tipos de textos nas mais variadas atividades desenvolvidas. Diante dessas questões, é fundamental que você reflita que não existem métodos perfeitos, tampouco teorias milagrosas que farão a criança aprender de forma plena. Cada indivíduo concebe o conhecimento ao seu tempo e da sua maneira. O importante é que sejam desenvolvidas metodologias de ensino que auxiliem a criança a refletir sobre a escrita alfabética, tornando-a pensante, crítica, reflexiva e questionadora. Frade (2005, p. 15) destaca que “Muitas vezes, à própria menção da palavra método, temos um comportamento intolerante, porque pensamos que essa palavra se refere a apenas um caminho para alfabetizar ou a uma fórmula inflexível”. Para que não haja retrocessos, é preciso combater aquele ensino a partir de métodos rígidos em que os professores ficam presos à mesma forma de ensinar e às mesmas práticas pedagógicas. Nesse sentido, Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985, p. 29) destaca: “O método (enquanto ação específica do meio) pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar [...] A obtenção do conhecimento é um resultado da própria atividade do sujeito”. Assim, é importante que a escola pense em intervenções que ajudem a criança a aprender de forma conjunta, tornando-a um sujeito capaz de formular hipóteses, discutir e ser “intelectualmente ativo”. É necessário, portanto, relacionar o momento atual da educação às discussões de problemática social que permeiam o cenário educacional. Isso principalmente no que diz respeito ao fato de que não existe uma ideia definitiva ou limitada acerca das metodologias, apenas a busca por caminhos que levem a criança a se alfabetizar a partir de conteúdos mais complexos e significativos. 2.3 As especificidades do método sintético de alfabetização Albuquerque (2012) destaca que o método sintético de ensino surgiu por volta do século XVII. Nesse período, a leitura e a escrita passaram a ter maior importância 13 frente às mudanças históricas que a sociedade vivia. Como a grande maioria da população não dominava o código escrito, iniciaram-se as discussões acerca de um método que contemplasse a decodifi cação como forma de expandir a escolarização ao restante da população, focando, assim, na prática escolar da leitura. Surge aí o método sintético, que se baseia no ensino da leitura e da decifração de forma mecânica. O objetivo principal desse processo é que a criança faça a correspondência entre o oral e o escrito por meio do aprendizado de unidades menores para unidades maiores (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). O aluno, nesse contexto, aprende primeiro as letras, partindo para as sílabas e as letras dentro de cada sílaba, para depois, finalmente, chegar à leitura da palavra. Até que todo esse processo aconteça, a criança é submetida a uma gama de atividades de memorização e decoração de letras e traçados, como forma de garantir um aprendizado mais efetivo. As cartilhas ou livros utilizados durante esse período eram um dos principais recursos que o professor tinha à sua disposição, sendo também o primeiro contato da criança com algum material impresso. Para compreender melhor o método sintético, você deve conhecer as três fases distintas que são caracterizadas a partir dos métodos alfabético,fônico e silábico. Método alfabético No método alfabético, também chamado de método de soletração e método ABC, a unidade partia do ensino, da decoração e da memorização oral das letras do alfabeto. Primeiro, as letras eram apresentadas na ordem alfabética, depois no sentido inverso e, posteriormente, havia o reconhecimento das letras isoladas. A etapa seguinte era apresentar a forma gráfica das letras. Conforme ia aumentando o conhecimento da criança, as sequências iam atingindo graus maiores de dificuldade. Partia-se então para o estudo e a formação das sílabas que eram soletradas e decoradas pelos alunos para fazer as combinações silábicas. Nessa etapa, a criança apenas memorizava e não estabelecia a relação entre a escrita e a fala. Segundo Frade (2007), as famílias silábicas eram apresentadas para as crianças de forma que elas pudessem fazer todas as combinações possíveis. Havia 14 também a estratégia de que as letras e sílabas fossem cantadas e memorizadas. Assim, o processo se tornava lento e pouco representativo para a criança. Carvalho (2005, p. 22) ainda complementa que o método alfabético “[...] baseia- se na associação de estímulos visuais e auditivos, valendo-se da memorização como estímulo didático — o nome da letra é associado à forma visual, as sílabas são aprendidas de cor e com elas se formam palavras isoladas”. Nesse sentido, você pode considerar que as palavras eram apresentadas e trabalhadas fora do contexto, sem haver relação entre elas. Fonte: www.gestaodedocumentosadm.blogspot.com De acordo com os estudos de Frade (2007), até os dias de hoje, regiões como o Nordeste, por exemplo, utilizam esse método para alfabetizar. Seja na alfabetização doméstica, realizada pelos familiares, seja na educação levada a cabo por professores leigos e com pouca formação, ainda há o emprego e os estudos repetitivos que partem das cartas de ABC e que possuem como fundamento o ensino partindo das letras. Método fônico No método fônico, a unidade de ensino parte dos sons e tem como principal objetivo estabelecer a relação entre a letra e o som que ela representa. A união da 15 consoante com a vogal auxilia a criança a trabalhar a pronúncia das sílabas que estão sendo formadas, relacionando a palavra falada à escrita. Num primeiro momento, por possuírem nomes e sons iguais, eram trabalhadas as vogais, depois palavras formadas apenas por elas. No segundo momento, eram apresentadas as consoantes e as formas mais complexas dos seus sons dentro da palavra. Para Frade (2007, p. 23), o objetivo do método fônico é fazer a relação de que: “Cada letra (grafema) é aprendida como um fonema (som), que, junto a outro fonema, pode formar sílabas e palavras”. A partir da formação das palavras, surgem as frases e os textos. Esse método é muito utilizado nos dias de hoje e possui suas vantagens e desvantagens. Entre as vantagens está o fato de que, se o aluno compreender a relação entre as letras e os fonemas, haverá uma correspondência direta que será decifrada mais rapidamente, sem oferecer maiores dificuldades. Isso se dá principalmente quando é preciso escrever palavras com P, B, T, D e V, por exemplo, nas quais os fonemas representam a escrita das letras. Em contrapartida, algumas consoantes, para terem seus sons identificados, precisam do apoio de uma vogal, mesmo que ela fique oculta na hora da pronúncia. Um exemplo é o fonema /m/, que necessita de um mê para ser referenciado. Entre as desvantagens está o fato de que as letras podem apresentar diferentes sons e fonemas conforme a posição que ocupam na palavra. Assim, esse processo de transição até que a criança chegue ao nível ortográfico se torna mais lento. Outra questão são as variações quanto à pronúncia das palavras, que trazem confusões na hora da escrita, pois uma mesma palavra é falada de uma forma e escrita de outra. Como você sabe, o sotaque e as variações da língua conforme cada região do país influenciam essas inconstâncias. O método fônico, nesse sentido, tem o objetivo de fazer com que a criança demonstre compreensão dos padrões regulares de correspondência entre o som e a soletração, entre os fonemas e os grafemas. A ideia é que, a partir desse domínio, possa identificar os sons e realizar a leitura de palavras. 16 Método silábico O método silábico ou de silabação, segundo Frade (2005), tinha como ponto de partida a união entre a consoante e a vogal para formar as sílabas. No entanto, como em métodos anteriores, as unidades eram apresentadas à criança das mais fáceis para as mais difíceis. Iniciava-se pelo ensino das vogais e encontros vocálicos, e os professores faziam as relações entre a letra e as palavras começadas com ela a partir de ilustrações. Por exemplo, “A de árvore”, “E de escada”. Posteriormente, eram sistematizadas as sílabas simples, também utilizando o mesmo enfoque, porém agora no destaque das sílabas iniciais dentro da palavra, como “PA de panela”, “MA de maçã”. A partir dessa introdução, eram trabalhadas as famílias silábicas da sílaba que estava em destaque na palavra, ou seja, se a sílaba que estava sendo aprendida era PA de panela, partia-se para o estudo da família pa/pe/pi/po/pu e para a formação de novas palavras. Nesse sentido, quando a criança era instigada a escrever alguma palavra, ela precisava primeiro se remeter à família silábica que a representava. Por exemplo, ao escrever a palavra “banana”, ela deveria pensar na família do B (ba/be/bi/bo/bu) e na família do N (na/ne/ni/no/nu). O ensino das famílias silábicas compostas por essas letras era apresentado à criança de forma que a sílaba era indicada e estudada sistematicamente. A partir do estudo das famílias, partia-se para a formação de palavras, frases e textos que continham as sílabas já trabalhadas anteriormente. 17 Os apoiadores do método silábico acreditavam que o processo acontecia de forma mais concreta e rápida, pois se estabelecia a relação entre os segmentos da fala e da escrita. As cartilhas com o método silábico tinham como conteúdo palavras que partiam da sílaba trabalhada. Dentro dessa letra, eram apresentadas então várias palavras, frases e textos em que a sílaba ensinada ganhava destaque. Essas palavras, na maioria das vezes, não tinham sentido dentro do texto, pois a preocupação maior era que as famílias silábicas pudessem ser trabalhadas e Exemplo Hoje, o método silábico é utilizado, por exemplo, nos silabários simples, que servem para a fixação das famílias silábicas pelas crianças (Figura 1). Figura 1. Silabário simples. Fonte: Plano... (2016) 18 evidenciadas pelas crianças. Os textos e histórias eram artificiais, sem relação com os usos sociais, e tinham o propósito de trabalhar e treinar o ensino das sílabas de forma mecanizada. Nesse sentido, os métodos sintéticos, sejam eles alfabéticos, fônicos ou silábicos, têm como proposta a progressão das unidades menores para as mais complexas. Além disso, privilegiam a aprendizagem das partes para o todo por meio da decodificação, da análise fonológica e da relação entre letras e sons. Você pode perceber, no entanto, que os métodos da marcha sintética são inflexíveis e tendem a desconsiderar os usos e funções sociais da escrita, dando pouca importância ao sentido que os textos têm no contexto da criança. 2.4 As especificidades do método analítico de alfabetização No combate aos métodos sintéticos de alfabetização, surgem os métodos analíticos. Sua finalidade é romper com o princípio da decifração e ensinar a criança a perceber do todo para as partes, ou seja, a analisar de forma global a palavra, a frase ou o texto para, posteriormente, considerar e decompor as unidades menores.A principal estratégia perceptiva dos métodos analíticos, segundo Frade (2007), é a visual. A ideia é que o aluno compreenda o sentido de um texto, utilize a pontuação e a ortografia e tenha como ponto de partida um contexto mais próximo da sua realidade. Quando considerada essa totalidade, o processo de alfabetização deixa de ser abstrato e se tornar mais significativo. Assim, o professor deve apresentar às crianças as palavras, frases ou textos explorando-as o maior tempo possível, para só depois analisar e decompor as partes. Para entender melhor o método analítico, veja a seguir as três fases distintas desse método: palavração, sentenciação e global de contos. Método da palavração É um método que se inicia a partir da apresentação da palavra, normalmente ilustrada e vinculada ao universo da criança. O objetivo disso é estabelecer relações entre a grafia e a representação da imagem. Quando o método era aplicado, as palavras eram lidas e escritas diversas vezes até serem memorizadas. Somente a 19 partir dessa escrita é que elas eram divididas silabicamente, estudadas e relacionadas a palavras novas que contivessem as sílabas vistas anteriormente. Com base nas palavras e no estudo das sílabas, partia-se para a relação entre grafema e fonema, em que a criança percebia os sons que representavam cada unidade. A etapa seguinte era a formação das frases com essas palavras e de textos com as frases trabalhadas. Fonte: www.petecaportal.wordpress.com A diferença entre o método da palavração e o método silábico de marcha sintética, segundo Frade (2005), é que as palavras não têm a obrigatoriedade de ser decompostas no início do processo. Pelo contrário, elas primeiro precisam ser compreendidas e reconhecidas para depois serem esmiuçadas. Além disso, na palavração não existia a lógica de que deveria iniciar-se a alfabetização pelas palavras mais fáceis. O que se levava em consideração era se as palavras apresentavam sentido e significado para os alunos. Para exemplificar o método da palavração, considere a palavra “boca”. Num primeiro momento, a palavra será analisada em sílabas (bo-ca). A partir dessa análise, é desenvolvido o trabalho com as famílias silábicas pertencentes à palavra (ba/be/bi/bo/bu), chegando-se enfim à aprendizagem das letras (b-o-c-a). Frade (2005) aponta, entre as desvantagens da palavração, as dificuldades enfrentadas pelos alunos para escrever palavras novas, visto que não era incentivada a análise e o reconhecimento das partes. 20 Método da sentenciação Frade (2007) aponta que, no método de sentenciação, a aprendizagem toma como partida a utilização da sentença ou da frase que, depois de contextualizada, é dividida e decomposta em palavras. Posteriormente, são abordados os elementos mais simples e as unidades menores, as sílabas. As frases, assim como no método da palavração, são formadas e levam em consideração o contexto do aluno. Depois de as frases serem apresentadas, ocorre a leitura e a escrita delas, o que envolve um processo de memorização. Dentro de cada sentença, observa-se as semelhanças entre as palavras, comparando-as entre si, tendo como objetivo a formação de grupos com novas palavras. Somente depois desse processo é que são introduzidas as sílabas e as relações entre fonemas/grafemas. Método global de contos O método global de contos, textos ou historietas, segundo Frade (2007), toma como ponto de partida o reconhecimento global do texto, que, assim como nos métodos anteriores, precisa ser memorizado durante um período de forma que seja lido, escrito e compreendido. Para isso, eram apresentados aos alunos cartazes ou pré livros com partes de um texto ou textos completos que fossem significativos para eles. Após essa apresentação e um convívio maior do aluno com o texto, este era desmembrado em frases ou sentenças, partindo-se para o reconhecimento das palavras e, finalmente, das sílabas e letras. Todo esse processo acontecia de forma mais lenta, pois, caso esse método fosse apresentado apressadamente, as unidades menores poderiam não ter sentido para a criança. Nesse método, por haver a necessidade de trabalhar iniciando-se pelos textos, as cartilhas foram deixadas em segundo plano. Os textos deveriam ser escolhidos a partir de temas relevantes para o universo infantil, considerando, nesse sentido, o “todo” como algo concreto e palpável de ser apreendido. Iniciou-se então a produção de livros e cartazes que serviriam como material de apoio para o trabalho do professor. Há quem diga que o método global proporciona à criança maior reconhecimento e uma aprendizagem mais significativa, visto que o ensino da leitura 21 acontece antes mesmo de a criança conhecer as partes menores ou o nome das letras. Em contrapartida, há também quem defenda que nesse método a criança não aprende realmente a ler; ela apenas decora os textos trabalhados em sala de aula, descobrindo o que está escrito. No que diz respeito à tentativa de a criança decodificar e realizar a leitura, acreditava-se que era um processo que acontecia com mais rapidez por partir de palavras conhecidas e que tinham como foco a memorização global. No entanto, alguns questionamentos surgiam, principalmente quando se pensava na aprendizagem efetiva dos alunos, pois o professor deveria saber identificar se o processo de leitura está realmente acontecendo, ou se aula está apenas servindo como um momento para decorar textos e histórias ou recitar palavras. Pensando, então, nos métodos de marcha analítica estudados até aqui, é importante você notar que todos têm como enfoque a compreensão do sentido da aprendizagem a partir do reconhecimento do todo. Assim, têm como vantagem a possibilidade de a criança realizar, desde seu primeiro contato com o processo de escolarização, a leitura de palavras, frases ou textos que tenham significado para ela. Como você pode imaginar, se não for conduzido e orientado corretamente pelo professor, esse processo pode tornar-se um ponto de dificuldade para o aluno, correndo-se o risco de perder o sentido diante da apresentação de novas palavras. 3 LETRAMENTO O letramento ocorre muito antes do ingresso na escola. Ele é um processo sistemático que envolve, além dos professores, pais e demais pessoas que convivem com a criança. Biazioli (2018) destaca que a criança, desde muito pequena, está inserida em um contexto letrado, rodeada de situações cotidianas que envolvem a leitura e a escrita. Entre essas situações, você pode considerar o uso de livros e revistas, as contações de histórias, as músicas e as cantigas de roda como exemplos práticos e concretos de como esse processo é rico quando apresentado desde os primeiros anos de vida. Quando o adulto apresenta o mundo da cultura à criança, ela se apropria, ou seja, ela internaliza, dando sentido àquilo que está vivenciando, conhecendo, experimentando. 22 Depois desse primeiro contato com os pais e familiares, é importante que as práticas sociais de letramento sejam promovidas. Elas devem ter início desde a educação infantil, em que a criança tem o seu primeiro convívio coletivo. Posteriormente, devem ter continuidade no ensino fundamental, em que serão criadas situações práticas para que esse processo seja aprimorado e aprofundado. Fonte: www.site.primeiraescolha.com.br É nesse período que a escola e, mais especificamente, o professor assumem um papel fundamental na inserção no ambiente letrado. Afinal, é necessário que tanto a sala de aula quanto os demais espaços da escola sejam vistos pela criança como lugares agradáveis e com múltiplas possibilidades de atividades e aprendizagens. Em síntese, é preciso instigar a criança a interagir com as práticas de letramento, alimentando seu desejo de estar na escola. Visitas à biblioteca, por exemplo, podem proporcionarà criança o contato com diferentes tipos de materiais escritos e possibilitar ainda uma experiência fora da sala de aula. Quanto mais objetos, instrumentos, linguagens, gêneros e portadores de textos de conhecimento da criança forem utilizados, maior será o sentido, o desejo e o significado internalizado por ela. Segundo Franchi (2012), pensar na função social da leitura e da escrita é pensar no que os textos representam no dia a dia desses sujeitos dentro e fora da sala de aula. Ou seja, à medida que as crianças compreendem o uso e a função da escrita, elas têm as suas intenções de aprendizagem contempladas. 23 Nessa perspectiva, você deve considerar que utiliza a leitura no seu dia a dia para os mais variados propósitos, como localizar endereços, fazer uma receita, ler uma bula de remédio, mandar uma mensagem para algum amigo ou familiar, entre tantas outras. Essas leituras diversas envolvem o confronto de opiniões e interpretações e a exploração mais aprofundada do conteúdo abordado. O que você deve é incorporar tais conhecimentos na rotina da sala de aula para que os alunos se tornem verdadeiros leitores e escritores. O ponto de partida para o processo de efetivo aprendizado é a convivência, o contato e a experimentação com o mundo da cultura escrita. Os conhecimentos sobre a linguagem adquiridos nas mais variadas situações que a criança traz quando chega à escola evidenciam que ela está inserida em um contexto comunicativo de produção e compreensão das funções da língua escrita. Assim, a ideia é criar nas novas gerações a necessidade de utilizar a escrita socialmente, coletivamente, de acordo com a função para a qual foi criada. Além disso, é possível ampliar a comunicação e a troca de vivências entre os alunos, de forma que eles interajam, auxiliem-se e aproximem-se das atividades propostas pelo letramento. Esse é o sentido, a significação e a reconstrução proposta por diferentes perspectivas de apropriação do sistema de leitura e escrita. Essa apropriação da escrita possibilita um avanço no desenvolvimento cultural da criança, pois abre possibilidades para um conhecimento mais refinado do mundo e, consequentemente, para o raciocínio e o pensamento mais complexos. Por conta disso, é importante favorecer o contato dos alunos com diferentes tipos de textos para que façam uso dessa tecnologia da escrita nas diferentes situações vivenciadas. Nesse sentido, você precisa ter em mente que a criança, como membro da sociedade, precisa do convívio com a leitura e a escrita para conhecer o mundo que a rodeia. Dessa forma, ela se interessa e busca respostas para suas indagações, tornando o processo de aprendizagem mais significativo. É fundamental que a criança possa falar, escutar, escrever e se envolver em situações reais de mediação e interação na sociedade, de forma que a sala de aula também se torne um espaço de participação, partilha, cooperação recíproca e trocas de opiniões, informações e experiências. Segundo Franchi (2012), essa interação social proporciona vastas experiências entre as crianças, além de favorecer que o professor observe as 24 dificuldades e peculiaridades existentes durante a realização das atividades, na medida em que faz os devidos encaminhamentos nos momentos apropriados. Esse processo ainda deve levar em consideração que os modelos escritos sejam contextualizados com uma significação. Ou seja, é fundamental que a criança faça relações entre a palavra trabalhada e o objeto que ela representa. Para isso, o professor deve traçar diferentes estratégias que coloquem o sujeito em contato com distintas situações e informações do cotidiano, levando-o a compreender aquilo que está escrevendo ou lendo. Tais atividades, atreladas a debates e discussões, contribuem para que a criança contextualize as palavras, fazendo relações entre som, grafia e interpretando o sentido a que está sendo exposta. Além disso, essas atividades se tornam significativas quando envolvem os sujeitos na construção do conhecimento e na resolução de problemas e desafios. Outra questão pertinente que favorece a compreensão e a apropriação do sistema de escrita é o uso de atividades orais e espontâneas. Segundo Franchi (2012), O professor deve trabalhar tanto a letra, a sílaba e a junção delas na formação de palavras quanto a contextualização desse conhecimento para que a criança reflita sobre o processo. A promoção dessas situações dialogadas dá oportunidade para que os alunos construam novas significações voltadas à proposta de alfabetização e letramento. ATENÇÃO!!! É importante você notar que o letramento não é um treinamento repetitivo de determinada habilidade trabalhada em sala de aula, tampouco pode ser aprendido ou medido. Ele vai além do conhecimento das letras e dos sons. É preciso que o significado da língua escrita tenha relevância no mundo letrado e que a criança possa identificar e refletir sobre os usos sociais, de maneira que interaja com os mais variados gêneros de textos. Para ela estar inserida nesse mundo, não é necessário apenas compreender o sistema de escrita alfabética. É preciso que o aluno use a língua nas diversas práticas sociais de leitura e escrita, a fim de produzir novos sentidos para o que apreende e a fim de participar de forma integrada da sociedade. 25 3.1 Alfabetizar letrando Alfabetização e letramento são processos paralelos, são duas ações distintas, mas que caminham juntas e são inseparáveis para a garantia da aprendizagem da leitura e da escrita. Ou seja, o professor vai ensinar o Sistema de Escrita Alfabética permitindo que a criança vivencie práticas de leitura e escrita, agregando esses conhecimentos a situações reais e atividades cotidianas. Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita — a alfabetização — e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita — o letramento (SOARES, 2004, p. 14). No entanto, há algumas questões importantes que o educador deve levar em consideração antes de tentar contemplar esses dois conceitos em seu planejamento: é possível que todas as crianças aprendam ao mesmo tempo? Como ensinar os alunos? Qual é o papel e qual é a importância do professor alfabetizador? Fonte: www.educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br Você pode começar refletindo sobre o papel do educador. É importante que ele realize um trabalho voltado à inserção do aluno em um ambiente alfabetizador e letrado. Nesse ambiente, a criança deve ter a oportunidade de conhecer, vivenciar, refletir e experimentar novas práticas de leitura e escrita. Além disso, o professor deve 26 criar um espaço acolhedor que contemple as diferenças, especificidades e características dos alunos. A diferença entre ensinar uma prática e ensinar para que o aluno desenvolva uma competência ou habilidade não é mera questão terminológica. Na escola, onde se predomina uma concepção da leitura e da escrita como competências, concebe-se a atividade de ler e de escrever como um conjunto de habilidades progressivamente desenvolvidas até se chegar a uma competência leitora e escritora ideal: a do usuário proficiente da língua escrita. Os estudos do letramento, por outro lado, partem de uma concepção de leitura e de escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem. (KLEIMAM, 2007, p.02). Todo esse trabalho parte de um planejamento voltado ao que o professor quer e ao que precisa ensinar aos alunosao longo de todo o ano letivo. Para fazer esse planejamento, o professor deve levar em consideração os usos sociais da língua escrita, tanto no âmbito escolar como nas demais esferas, promovendo uma postura investigativa em que a autonomia, o respeito e o diálogo sejam as peças-chave para o aprendizado. Nesse sentido, a escola e o professor devem fazer a mediação entre as práticas de alfabetização (importantes para o desenvolvimento das competências dos alunos) e os objetivos sociais e práticas relevantes presentes nas situações do cotidiano. É fundamental que, na fase de alfabetização, a criança possa vivenciar a leitura, assim como a produção, a compreensão e a reflexão de textos orais e escritos, a fim de se apropriar do Sistema de Escrita Alfabética. A ideia é que as diferentes ideias e posicionamentos dos alunos possam fazer parte do trabalho como um todo. Partindo desse pressuposto, o trabalho com diferentes portadores de texto e gêneros textuais serve como ponto de partida para enriquecer a aula. Afinal, tais portadores e gêneros se aproximam da realidade em que a criança está inserida, valorizam as suas experiências, instigam a imaginação, possibilitam um aprendizado mais significativo e propiciam vivências práticas que vão além dos conteúdos escolares. A seguir, você pode ver alguns dos muitos portadores de texto e gêneros textuais existentes. Eles podem ser trabalhados em sala de aula na perspectiva da alfabetização e do letramento. Além disso, se aproximam das práticas sociais vivenciadas pelos alunos. Receitas; Manuais, regras de jogos, listas e instruções; 27 Bilhetes; Cartas; Convites; Histórias em quadrinhos, tirinhas; Parlendas, cantigas de roda, trava-línguas, lendas; Músicas; Piadas; Poesias, contos, fábulas; Rótulos e embalagens; Símbolos, placas; Cardápios; Jornais, revistas, sites, noticiários, cartazes informativos. [...] a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais (VYGOTSKY, 1991, p. 31). A partir do planejamento da prática, o professor poderá, por meio das atividades diárias realizadas em sala de aula, observar e buscar respostas aos questionamentos anteriores: é possível que todas as crianças aprendam ao mesmo tempo? Como ensinar os alunos? Você pode considerar que em todas as turmas, independentemente da localidade, existe uma grande diversificação e heterogeneidade em relação ao conhecimento de cada criança. Algumas possuem conhecimento além do que se espera ou do que é trabalhado durante o ano. Outras parecem não acompanhar o mesmo ritmo do restante da turma. E essa complexidade das interações em sala de aula é que torna o trabalho do professor tão desafiador. As crianças iniciam o ano com diferentes conhecimentos, aprendizagens, capacidades e habilidades, tanto em relação ao sistema de escrita alfabética como em relação a outros conteúdos abordados dentro e fora da sala de aula. Algumas crianças envolvem-se mais cedo e são cercadas por práticas de letramento; outras, 28 porém, estão envolvidas em um contexto com poucos estímulos e necessitam de um contato maior com o material escrito. O que o professor precisa ter em mente é que os alunos são capazes de aprender, independentemente do ambiente em que estão inseridos. Assim, mesmo que as crianças iniciem o ano com conhecimentos abaixo do que é esperado para os objetivos de trabalho, o professor pode contemplar as hipóteses e saberes que já possuem. Porque alfabetização e letramento são conceitos frequentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo em que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p. 90) Fonte: www.educacao.estadao.com.br Na perspectiva do trabalho conjunto entre alfabetização e letramento, o professor precisa, em primeiro lugar, traçar um perfil da turma, percebendo os diferentes níveis em que as crianças se encontram. Depois, deve pensar em atividades diversificadas que trabalhem com o sistema notacional e as situações de 29 reflexão, questionamento e criação de hipóteses. A partir desse envolvimento e desse conhecimento que as crianças possuem acerca da escrita, é possível planejar atividades que de fato contribuam para que o aluno avance em seus conhecimentos sobre o sistema de escrita alfabética, criando diferentes oportunidades de aprendizagem e de integração com o processo de escolarização. Cabe ao professor compreender o processo, buscar soluções por meio de estudo, reflexão e troca com seus pares. Assim, ele deve trabalhar com esses diferentes saberes, conhecendo as práticas culturais e sociais vivenciadas pela comunidade e pelos alunos. Ele precisa ainda favorecer o contato com a escrita nas mais variadas circunstâncias, para que a criança vá se familiarizado com as situações de aprendizagem e avance de nível. Por fim, é urgente que escolas e educadores pensem em práticas de alfabetização e letramento partindo de um planejamento que contemple atividades capazes de auxiliar os alunos a avançarem em sua aprendizagem. Tais atividades devem ser do interesse da criança e estar de acordo com a realidade em que ela está inserida. Somente por meio dessas experiências será possível refletir sobre a prática da leitura e da escrita em diferentes circunstâncias. Portanto, o desenvolvimento das capacidades dos alunos em relação à língua escrita não é um processo que se encerra assim que eles se apropriam do sistema de escrita; pelo contrário, ele se estende por toda a vida. O que os sujeitos fazem é apenas aprimorar e criar possibilidades na construção de novos conhecimentos e habilidades. 3.2 Aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita Como você sabe, para a teoria da evolução, a pergunta fundamental é “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? ”. Já para as teorias de aquisição de língua materna, a pergunta fundamental seria “o que veio primeiro: a fala ou a escrita? ”. A resposta, em um primeiro momento, parece óbvia e lógica: a fala. Contudo, é importante discutir e refletir sobre as implicâncias e relações dessas modalidades. Nessa perspectiva, no ensino formal, “[...] a escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto [...]” (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 9). Assim, a escrita sempre foi privilegiada como a 30 “verdadeira forma de linguagem”, mas a língua falada deve ter um lugar de destaque nas relações de ensino e aprendizagem. A escola não deve pôr de lado a língua falada, nesse sentido, “[...] o ensino da oralidade não pode ser visto isoladamente, isto é, sem relação com a escrita, pois elas mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis [...]” (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 13). Por isso, é fundamental descrever as relações intercambiáveis entre esses dois elementos, de modo que o aluno construa relações entre a sua fala e a sua escrita. O textofalado possui as seguintes características (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000): Interação entre pelo menos dois falantes; Ocorrência de pelo menos uma troca de falantes; Presença de uma sequência de ações coordenadas; Execução em determinado tempo; envolvimento em uma interação centrada. A comunicação deve ser compreendida sempre dentro de uma interação. Todo texto, seja falado ou escrito, é construído dentro de um espaço-tempo por sujeitos. Logo, “[...] nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que escreve como aquele para quem se escreve são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que — dialogicamente — se constroem e são construídos no texto [...]” (KOCH; ELIAS, 2011, p. 34). Em outras palavras, o texto falado é sempre uma construção social e interacional. O papel do professor O professor deve assumir o papel de mediador entre as estruturas da língua e o aluno. Assim, fica de lado a noção de que ele é a figura central do processo educativo. Quando se fala sobre o professor e sobre a sua importância no processo de aquisição da escrita, é importante destacar que muitos problemas da educação decorrem do modo como os livros literários são utilizados na escola. Nesse contexto, o professor, antes de tudo, deve ser também um leitor, para que o aluno encontre nele um modelo. As obras literárias a serem trabalhadas em sala de aula, conforme Saraiva (2001), devem estar distantes dos textos que possuem como único objetivo disseminar formas estereotipadas de literatura, simplesmente pedagogizantes ou apartadas da realidade do receptor. 31 Consequentemente, é a compreensão da finalidade da literatura, bem como dos processos inerentes ao ato de ler, que conduz à mudança das atividades com o texto na escola. Ela inclui, inevitavelmente, a seleção de obras cujo mundo ficcional, constituído graças à concepção original da linguagem, estabelece um vínculo solidário com a psicologia do leitor, permitindo-lhe atuar como sujeito da produção. Por sua vez, a escolha de obras potencialmente ricas em experiências rejeita a imposição de leituras comprometidas com um sistema rígido de avaliação e solicita o diálogo como princípio metodológico. Somente uma relação harmoniosa entre professor e aluno pode levar à descoberta coletiva de modos de ler que produzam prazer e conhecimento e que incentivem o leitor a compor, através de textos, uma cadeia de significações (SARAIVA, 2001, p. 27). Em outras palavras, os livros literários a serem trabalhados em sala de aula devem ser pensados primeiramente a partir da forma estética e da proximidade com a realidade dos leitores. Além disso, o professor deve ler as obras e só depois utilizá- las como ferramentas para a leitura e a escrita de seus alunos. Assim, o professor é um agente que contribui para a aquisição da escrita pelo aluno, visto enquanto sujeito que constrói o seu aprendizado. Ou seja, o aluno não é mais objeto da aprendizagem. Esta é um processo dialético em que o aluno se apropria da escrita e também de si mesmo enquanto produtor de textos. Fonte: www.escribo.com Nesse contexto, é importante tratar dos níveis de consciência fonológica, listados a seguir. Consciência de rimas e aliterações: permite que a criança perceba a relação entre os sons das palavras (seja no início ou no final delas) presentes em músicas e poemas. 32 Consciência de sílabas: percepção de que as palavras possuem partes que se complementam e de que as sílabas, quando justapostas, configuram um sentido. Consciência de fonemas (ou consciência fonêmica): dentro de cada sílaba e de cada palavra, há a composição de unidades sonoras que podem modificar o significado de uma palavra. O que esses itens demonstram é a percepção de que a criança, antes de ser alfabetizada, possui algum nível de consciência relativa aos sons das palavras. O trabalho na escola deve ser desenvolvido a partir da construção da relação entre o som e a representação escrita dele, para, mais tarde, englobar a construção textual. 3.3 Hipóteses fonológicas e ortográficas da construção da escrita O processo de escrita não se baseia apenas numa simples substituição entre fonema (unidade sonora que forma e distingue palavras) e grafema (símbolo gráfico usado para construir palavras), mas na compreensão da escrita e da sua organização. O modelo tradicional de ensino deu relevância desde sempre ao aspecto material da escrita, ou seja, ao desenho das letras. Contudo, as novas teorias de aquisição de língua materna — principalmente os estudos realizados por Emília Ferreiro presentes no livro Reflexões sobre alfabetização, publicado em 1993 — dão relevância e priorizam a reflexão acerca do conteúdo da escrita. Em síntese, isso significa que tudo aquilo que o professor ensina deve fazer sentido para o aluno. Em A psicogênese da língua escrita, Ferreiro e Teberosky (1985) apresentam uma série de hipóteses sobre os níveis do processo de construção da escrita. Tais hipóteses foram formuladas a partir de uma extensa pesquisa realizada com crianças em fase de alfabetização. No primeiro momento, a criança percebe que a escrita representa o mundo de forma direta, ou seja, que significante e significado se identificam. Segundo Saussure (2003), o significado seria o sentido, a ideia de alguma coisa, o conceito, ou mesmo a representação mental de algo. Já o significante seria a imagem acústica: “Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos [...]” 33 (SAUSSURE, 2003, p. 80). Ou seja, o significante seria a parte perceptível do signo, e o significado, a parte inteligível. O sujeito começa a perceber a escrita como a soma dos desenhos enquanto representações dos objetos. “O desenho pode ser interpretado, o texto serve para ler o que o desenho representa. Neste caso, como em muitos outros, a expectativa é a de que o texto corresponda ao desenho, o objeto representado em um também o está no outro [...]” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 73). Desse modo, o que deve ser buscado é a percepção de que há diferença entre desenhar e escrever. O aluno também pode relacionar o que escreve com a forma (tamanho) do desenho, ou seja, as formas escritas devem reproduzir as formas dos objetos. A segunda hipótese é convencionalmente chamada de pré-silábica (as autoras não chamam esse estágio dessa forma; apenas mais tarde é que outros teóricos o fazem). Esse é o momento em que a criança começa a perceber o caráter arbitrário e convencional do sistema de escrita. Ela começa a perceber as distinções entre significante e significado, de modo que os símbolos da escrita não representam diretamente a realidade. Assim, ela começa a depreender significados diferentes nas escritas que faz. Além disso, há o início da diferenciação entre números e letras. O estágio seguinte se dá no momento em que a criança começa a perceber que o sistema de escrita da língua portuguesa se baseia no som; é a hipótese silábica (Figura 1). EXEMPLO No estágio pré-silábico, se a criança quiser escrever a palavra “boi”, por exemplo, é normal que ela relacione a grafia com o tamanho do animal. Assim, ela pode escrever “boi” com uma letra maior. 34 Como você pode ver na Figura 1, as representações se aproximam das letras formativas do nome, e a criança percebe que a escrita não é ideográfica ou pictográfica, mas fonográfica. A mudança qualitativa consiste em que: a) se supera a etapa de uma correspondência global entre forma escrita e a expressão oral (recorte silábico do nome); mas, além disso, b) pela primeira vez a criança trabalha claramente com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala [...] (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 193). Mesmo assim,a criança ainda não se libertou da hipótese silábica, visto que em alguns momentos representa a sílaba e em outros, o fonema. Nesse estágio, ela se encontraria na hipótese silábico-alfabética. No momento em que a criança percebe que cada letra escrita pode representar um fonema, ela se encontraria na hipótese alfabética, ou seja, ela estaria alfabetizada. No Quadro 1, a seguir, você pode ver uma síntese das diferentes hipóteses. 35 De todo modo, as autoras deixam claro: “[...] é conveniente esclarecer que não pretendemos propor nem uma nova metodologia da aprendizagem nem uma nova classificação dos transtornos da aprendizagem [...]” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 15). Por isso, em nenhum momento elas falam de uma proposição de um método, mas de hipóteses e constatações derivadas das suas pesquisas. 3.4 Sequências didáticas para a autonomia na escrita As sequências didáticas são esquemas linguísticos básicos que entram no trabalho pedagógico na constituição de diversos gêneros e variam menos em função das circunstâncias sociais. É o produtor que escolhe qual das sequências disponíveis se aplica melhor à situação em que se encontra: a descritiva, a narrativa, a injuntiva, a explicativa, a argumentativa ou a dialogal. Contudo, antes de o sujeito escrever alguma das sequências, ele deve estar ou ter entrado em contato com os gêneros textuais: A par da familiarização com os gêneros, é possível levar o aluno a depreender, entre determinadas sequências ou tipos textuais — narrativas, 36 descritivas, expositivas, etc. — um conjunto de características comuns, em termos de estruturação, seleção lexical, uso de tempos verbais, advérbios (de tempo, lugar, modo, etc.) e outros elementos dêiticos, que permitem reconhecê-las como pertencentes à determinada classe (KOCH; ELIAS, 2011, p. 63). Assim, o estudo deve estar sempre relacionado com a leitura, a produção e a reflexão a respeito do gênero escolhido pelo professor. Segundo Koch e Elias (2011), há cinco sequências didáticas: as narrativas, as descritivas, as expositivas, as injuntivas e as argumentativas. Em um mesmo gênero, mais de uma sequência pode estar presente. Sequências narrativas Apresentam sucessão temporal/causal de eventos, situação inicial e final. Entre tais situações, há uma situação intermediária que modifica o estado de coisas. Nessas sequências, predominam verbos de ação, advérbios temporais, causais e locativos. Além disso, há discurso relatado (direto, indireto ou indireto livre). As sequências narrativas estão presentes em gêneros textuais como notícias, romances, contos, etc. Fonte: www.sumarequalifica.com.br As lendas são exemplos de sequências narrativas. Trabalhar com lendas é sempre motivador para os alunos, pois aguça a sua imaginação e ao mesmo tempo 37 pode se tornar um excelente modo de estudo das narrativas. A seguir, veja um exemplo de lenda. Vitória-régia Essa é uma história linda de amor de uma bela índia pelas estrelas, a ponto de querer se tornar uma. Naiá era uma jovem guerreira que, por amar a natureza, tinha o hábito de contemplação por longo período da lua e das estrelas. Com o sonho de ser de fato uma estrela, pediu a Jaci — a lua — que a fizesse uma estrela, mas os dias passaram sem que o desejo se concretizasse, fazendo com que a jovem índia, triste, em um dia de lua cheia, fosse esperar por Jaci na beira do lago. Ao ver a bela imagem refletida na água, se encantou e ali mergulhou para nunca mais voltar. Como sempre foi querida na tribo e na região, os peixes e os pássaros pediram a Jaci que a tratasse de forma especial. Assim, Naiá foi transformada na mais bela planta aquática já vista — a vitória-régia ou estrela das águas — no Rio Amazonas. A flor de pétalas brancas é perfumada e só abre à noite, para amanhecer rosada e ainda bela (CELI, 2019, documento on-line). Sequências descritivas São caracterizadas pela apresentação de propriedades, qualidades e elementos de uma entidade, situação no espaço, etc. Nesse tipo de sequência, [...] predominam os verbos de estado e situação, ou aqueles que indicam propriedades, qualidade, atitudes, que aparecem no presente, em se tratando de comentário, e no imperfeito, no interior de um relato. Predominam articuladores de tipo espacial/situacional [...] (KOCH; ELIAS, 2011, p. 65). Na Figura 2, a seguir, veja um exemplo. 38 Sequências expositivas São construídas a partir de representações conceituais dentro de uma ordenação lógica. Os tempos verbais se referem ao mundo comentado e os conectores são do tipo lógico. Um gênero textual que se utiliza dessa sequência são os textos de dicionário ou mesmo de sites de consulta, como a Wikipédia. Veja um exemplo: Anodorhynchus é um gênero de aves psitacídeas que inclui três espécies de arara, exclusivas das florestas tropicais da América do Sul e que podem ser observadas no Brasil. Conhecidas popularmente como araras-azuis, são aves de grande porte, com comprimento variável entre os cerca de 70 cm da arara-azul-pequena e 1 metro da arara-azul-grande, o maior representante da ordem Psittaciformes. A sua plumagem é uniforme, em tons de azul ou azul-esverdeado. O bico é poderoso e preto. Estas araras distinguem-se dos membros do gênero Ara pela presença de manchas amarelas na cabeça, na zona da bochecha e em torno dos olhos. 39 Todas as espécies de arara-azul encontram-se em perigo de extinção devido à caça e à degradação de habitat (WIKIPÉDIA, 2019, documento on-line). Sequências injuntivas Prescrevem comportamentos, ações sequencialmente ordenadas, com verbos no imperativo, infinitivo ou futuro do presente e articuladores adequados ao encadeamento sequencial das ações prescritas. O gênero receita é um exemplo desse tipo de sequência, mais especificamente na parte sobre o modo de preparo. Confira: Brigadeiro INGREDIENTES 1 caixa de leite condensado 1 colher (sopa) de margarina sem sal 7 colheres (sopa) de achocolatado ou 4 colheres (sopa) de chocolate em pó Chocolate granulado MODO DE PREPARO Em uma panela funda, acrescente o leite condensado, a margarina e o chocolate em pó. Cozinhe em fogo médio e mexa até que o brigadeiro comece a desgrudar da panela. Deixe esfriar e faça pequenas bolas com a mão passando a massa no chocolate granulado (TUDOGOSTOSO, 2019, documento on-line). Sequências argumentativas (stricto sensu) São as que apresentam uma ordenação ideológica de argumentos e/ou contra- -argumentos, com predominância de elementos modalizadores, verbos introdutores de opinião, operadores argumentativos, etc. É o tipo de texto pedido em vestibulares, 40 no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em artigos científicos e nos editoriais ou artigos de opinião dos jornais. Confira um exemplo: Manoel Soares: problema de branco A maior luta que temos nas quebradas é vencer os reflexos da escravidão. Hoje, um jovem negro na periferia vive menos do que um escravo do período colonial, de acordo com os números da violência do IBGE. Os piores salários ainda são das pessoas negras. As faculdades têm mais pessoas brancas, enquanto os presídios têm mais negros. Se você consegue contar nos dedos os médicos negros que conhece, é porque algo está errado — deveriam ser tantos que faltariam dedos. Essa luta não pode ser somente de negros. As pessoas brancas precisam assumir seu papel na luta contra o preconceito que está na estrutura da sociedade. Quando você entra em um restaurante e não tem negros sentados à mesa, o racismo está presente. Quando você vê pessoas negras sendo paradas pela polícia, enquanto pessoas brancas passam batido, o racismo está presente. Quando você vê pessoas negras na empresa em que trabalha somente fazendo limpeza ou segurança, o racismo está presente.Mas não somos somente nós, negros, que devemos levantar a voz para essas realidades que refletem o racismo estrutural. Você, branco, deve perguntar por que não tem negros ali, deve exigir que as coisas mudem. E não adianta vir com esse papo que não existe cor: existem cores diferentes, e todas devem ser tratadas iguais. O racismo não é um problema de negros, mas de brancos. Quem precisa mudar é a pessoa que acha normal negros serem tratados diferente ou sequer percebe quando o racismo está presente. Algumas pessoas são racistas, outras são socialmente cegas, mas o pior cego é aquele que não quer ver. Então, contamos com você para abrir o olho de quem ainda não viu o 41 mal que o racismo faz a negros e brancos (DIÁRIO GAÚCHO, 2019, documento on-line). Cada gênero, desse modo, elege uma ou mais dessas sequências ou tipos para a sua constituição. Assim, por exemplo, no gênero romance, você encontra não apenas a sequência narrativa, mas a descritiva (nas descrições de espaços e personagens) e a expositiva (quando o narrador se insere na história). Fonte: www.luis.blog.br Cabe à escola, então, possibilitar que o aluno domine diferentes gêneros textuais e as sequências didáticas que eles implicam. Desse modo, o estudante vai ser capaz de, dentro e fora da escola, produzir gêneros textuais próximos ou distantes de sua realidade. Da mesma forma, cabe à escola colocar os alunos próximos de situações verdadeiras de comunicação, aproximando a prática da teoria e atribuindo, assim, sentido ao aprendizado. “Quanto mais claramente o objeto do trabalho é descrito e explicado, mais ele se torna acessível aos alunos não só nas práticas linguajeiras de aprendizagem, como em situações concretas [...]” (KOCH; ELIAS, 2011, p. 74). 4 AMBIENTE ALFABETIZADOR 4.1 Conceito e características Segundo Monteiro ([201-?]), foi a partir dos anos 1980, sobretudo com o avanço das ideias construtivistas no cenário pedagógico, que surgiram importantes questionamentos sobre o que seria necessário para que uma criança pudesse ser 42 alfabetizada. Quais seriam os recursos necessários que facilitariam a aquisição dessa habilidade? Qual a implicação das metodologias utilizadas e da didática do professor para que essa alfabetização se efetivasse? Esses são alguns dos questionamentos que levarão você à definição de um ambiente alfabetizador. Por meio dessa citação, você pode perceber que as ideias construtivistas a respeito das capacidades da criança propuseram que o contato desta com materiais escritos e sua participação ativa em práticas de escrita e leitura de adultos poderiam potencializar o conceito de alfabetização. E, partindo desse princípio, a necessidade de criação de um ambiente alfabetizador também se tornou evidente. Talvez seja importante você relembrar o que vem a ser o construtivismo nesse início de abordagem sobre o tema. Isso é válido principalmente para marcar que, a partir dele, se muda o foco do “ensinar” para o “aprender”, o que altera significativamente a forma de abordar a leitura e a escrita. Segundo Coll et al. (2006, p. 19, grifo nosso): A aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que aprender não é copiar ou reproduzir a realidade. Para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de apreendê-lo; não se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir de experiências, interesses e conhecimentos prévios que, presumivelmente, possam dar conta da novidade. Partindo da citação dos autores, você pode perceber que, ao tratar dos objetos de conhecimento da leitura e da escrita, também deve atentar ao conceito de representação. Esse conceito será essencial para que você possa desenvolver suas atividades como professor alfabetizador. A representação produz sentidos na criança a respeito de determinado objeto que a cerca e sobre o qual produz suas experiências. Você pode pensar que, ao estar em um mundo onde se vê cercada de sinais, símbolos gráficos e sons, a criança logo cedo irá começar a estabelecer relações entre esses elementos na tentativa de representá-los. Imagine a criança que, em casa, diariamente se utilize de objetos que apresentam escritas e desenhos. Essa experiência faz com que ela comece a realizar suas associações e combinações desses sinais buscando construir uma representação. Logo, o creme dental “X do ursinho” passa a ser o seu preferido e assim ela irá identificá-lo no mercado ao realizar as compras com a família, por exemplo. 43 Considere uma criança ainda em idade pré-escolar. Ao manusear um livro de literatura infantil com muitas imagens e algumas poucas palavras escritas, a criança entende logo que aquelas palavras representam algo que se diz sobre as imagens, que ambas se complementam. Assim, a escrita passa a representar algo possível de produzir um entendimento sobre a história que vem sendo retratada na obra a partir das imagens e das palavras. Com a difusão do ideário construtivista, para o qual o foco é a criança e seu processo de conceitualização da escrita, a interação da criança com esse objeto de conhecimento ganhou uma grande importância nos encaminhamentos pedagógicos. A ideia fundamental é a de que o aprendiz da língua escrita é capaz de refletir sobre o sistema de representação, apropriando-se de seus sinais gráficos e de suas regras de funcionamento, a partir do contato intenso com os materiais escritos e da participação ativa em práticas de leitura e escrita de adultos (MONTEIRO, [201-?]) Você pode considerar, então, a partir do que viu até aqui, que um ambiente alfabetizador é aquele onde o aluno se encontra imerso em sinais, símbolos, gráficos, palavras escritas, desenhos e sons que possam produzir significados e representações. Um ambiente alfabetizador também é aquele onde os alunos estão constantemente sendo estimulados às práticas relacionadas ao desenvolvimento de sua autonomia e a aproximações com aspectos relacionados à pesquisa. Por meio da utilização de recursos variados encontrados nesse ambiente, os aprendizes poderão criar e desenvolver as habilidades necessárias para que a leitura e a escrita produzam sentidos e sejam apreendidas. Quando você ouve falar em recursos, pode imaginar desde as simples folhas brancas até tintas, lápis, argilas e toda sorte de materiais com os quais possam ser representadas as letras e demais signos gráficos a serem aprendidos, não é? Logo, você pode inferir que, quanto maior for a disposição desses elementos com os quais a pessoa pode interagir e vivenciar, mais facilitada será a sua alfabetização. Outra característica importante do ambiente alfabetizador é a capacidade de proporcionar a participação e a interação entre os alunos que se encontram em processo de alfabetização. Isso pode ser perseguido a partir do uso de atividades em grupo e da constante observação e acompanhamento dos diferentes níveis em que os alunos se encontram. 44 Segundo Ferreiro 1999, um ambiente alfabetizador possui a capacidade de despertar o interesse, motivar, estimular e desafiar os alunos a continuarem buscando aprender a ler e escrever. Além disso, esse ambiente vai sempre deixar claro aos alunos que a escrita e a leitura apresentam uma intenção e uma funcionalidade que muito auxiliam nas suas vidas cotidianas. É importante você notar que um ambiente alfabetizador não é somente encontrado na escola, mas ao seu redor. Afinal, a leitura e a escrita são objetos sociais necessários e presentes no cotidiano das pessoas. 4.2 Escola: ambiente alfabetizador Com o passar dos séculos, a escola assumiu um papel central na vida em sociedade. A educação escolar passou a classificaros indivíduos, estratificando socialmente aqueles que iriam exercer certos papéis sociais, galgar certas categorias profissionais, serem vistos como capazes e pessoas de sucesso. Ou seja, a educação escolar, sobretudo na contemporaneidade, é fundamental e representa um parâmetro, uma meta, um objetivo muito importante a ser perseguido por todos, caso queiram desfrutar das melhores possibilidades que a sociedade oferece. Fonte: www.educacao.estadao.com.br 45 A escola, na contemporaneidade, é a instituição social que cumpre a finalidade de alfabetizar, ou seja, de “tornar o indivíduo capaz de ler e escrever” (SOARES, 2010, p. 31). Isso fez com que a escola procurasse criar metodologias e técnicas em busca de alcançar esse objetivo considerado primordial na sua própria existência. A importância da escrita é notória no interior das instituições escolares, em todos os níveis da educação. É a partir dela, de sua apropriação, que os alunos são inclusive classificados e avaliados. Porém, é importante que você realize a seguinte reflexão “[...] a escrita é importante na escola porque é importante fora da escola, e não o inverso” (FERREIRO, 1999, p. 21). Ou seja, aprender a ler e escrever é essencial para que o indivíduo possa viver em sociedade e apropriar-se das mudanças e reconfigurações em que se encontra imerso diariamente. Logo, a capacidade de ler e escrever é um marcador social importante e que coloca o indivíduo em condições de interpretar melhor o mundo, interagir com as pessoas e exercer sua cidadania. Basta você se deter rapidamente nos pré-requisitos para seleção de profissionais para algumas vagas no mercado de trabalho que identificará tal importância. Como você viu, então, a escola se constitui como principal espaço, ainda na contemporaneidade, onde a aprendizagem da leitura e da escrita se dará. Ferreiro (1999, p. 21) complementa a ideia afirmando que: A escola (como instituição) se converteu em guardiã desse objeto social que é a língua escrita e solicita do sujeito em processo de aprendizagem uma atitude de respeito diante desse objeto, que não se propõe como um objeto sobre o qual se pode atuar, mas como um objeto a ser reproduzido fielmente sem modificá-lo. Ora, se você acompanhar o raciocínio proposto na citação, pode inferir que, por mais criativo e inovador que o professor alfabetizador se torne, ainda assim o objeto de conhecimento a ser aprendido conservará suas características, não é mesmo? Ou seja, o alfabeto existe, é real e concreto e deve ser apreendido, assimilado e reproduzido com maestria por aqueles que aprendem. E ainda existem as normas de ortografia a serem conhecidas e também seguidas e respeitadas. Então, como professor alfabetizador, você tem um grande compromisso, no interior da escola, de torná-la o ambiente mais favorável e propício para o desenvolvimento do processo de alfabetização. Isso passa, necessariamente, pela 46 construção de bons ambientes alfabetizadores, capazes de potencializar a aprendizagem significativa da leitura e da escrita nos alunos. 4.3 Construindo um ambiente alfabetizador Existem algumas questões que você deve levar em conta, como professor alfabetizador, para construir um ambiente propício à alfabetização. Agora, você vai compreender melhor esses aspectos. O primeiro aspecto a considerar é que você, como professor, deve reconhecer que a criança necessita perceber o caráter prático e funcional que a aprendizagem da escrita e da leitura representa na sua vida social. Reforçando essa ideia, Ferreiro (1999, p. 25) comenta que: As crianças são facilmente alfabetizáveis desde que descubram, através de contextos sociais funcionais, que a escrita é um objeto interessante que merece ser conhecido (como tantos outros objetos da realidade aos quais dedicam seus melhores esforços intelectuais). Esses contextos sociais funcionais citados pela autora podem ser compreendidos como a capacidade de a criança entender as mensagens, traduzir ou decodificar o que aparece ao seu redor cotidianamente, ser capaz de transmitir o que pensa, escrever aquilo que ouve e fala. Outra observação importante é que “a aprendizagem da leitura e da escrita é um processo de construção pessoal do conhecimento que, no entanto, não pode acontecer sozinho. Nesse processo, a interação, a ajuda, é muito relevante” (PAUSAS et al., 2004, p. 21). Você deve considerar que a criança, ainda antes de entrar na escola, já se encontra envolta em experiências que se relacionam à escrita e à leitura, ou seja, já traz consigo uma bagagem em relação a esses objetos de conhecimento. Ao chegar na escola, porém, para que possa apropriar-se e de fato adquirir as habilidades da escrita e da leitura, é imprescindível o trabalho do professor alfabetizador. Este deverá, além de considerar o que a criança já traz consigo, entender que cada um dos alunos pode se apresentar num nível diferente na organização de suas ideias, conhecimentos e representações sobre a leitura e a escrita, o que deve ser respeitado. Aqui, é oportuno que você se lembre de Vygotsky (1979). Ele afirma que, ao estudar a linguagem, a criança nunca parte do zero para aprender algo, pois suas 47 vivências histórico-sociais a acompanham. Cabe ao professor atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) dos alunos, estimulando o seu máximo desenvolvimento potencial. Na Figura 1, você pode ver uma síntese de alguns aspectos que favorecerão a aprendizagem da leitura e da escrita. Agora, você vai ver cada um dos itens mostrados na Figura 1, que poderão auxiliar muito na tarefa da alfabetização escolar. Participação: a participação dos alunos é primordial. Em vez de uma sala de aula já repleta de estímulos visuais gráficos que levem ao objeto de conhecimento (alfabeto nas paredes, por exemplo), melhor seria se o alfabeto fosse sendo introduzido aos poucos, junto com os alunos. Ele deve ser trabalhado cotidianamente e, então, após isso, ir ocupando seu espaço na sala de aula. Ainda antes da entrada no alfabeto propriamente dito, por que ATENÇÃO! O conceito de ZDP foi desenvolvido por Vygotsky e simboliza o espaço em que o professor deve atuar, estimular e agir para que o aprendiz possa sair de seu desenvolvimento real e atingir o seu desenvolvimento potencial, que se encontra latente. Ou seja, existe um momento em que a criança precisará de algum apoio ou intervenção do professor alfabetizador ou de seus colegas para que dê os próximos passos na sua aprendizagem. 48 não trabalhar os rótulos e reconhecer quais significados as crianças já possuem a respeito da leitura deles? Enfim, tudo aquilo que é realizado com a participação dos alunos se torna mais significativo, o que favorece a aprendizagem. Diversificação: você viu anteriormente que o professor deve estar atento aos diferentes níveis de conhecimento que seus alunos possuem sobre a leitura e a escrita. Logo, não seria coerente que todos, obrigatoriamente, tivessem de realizar as mesmas atividades, não é mesmo? Nesse caso, é interessante que, na sala de aula, ao montar seus cantinhos pedagógicos, os meninos e as meninas possam perceber atividades diferentes. É interessante que se apresentem escolhas a serem realizadas para trabalhar os objetos. Por exemplo, se você utilizar um conto, este poderá ser olhado, escutado, assistido em DVD, dramatizado com fantoches, escrito com as mais diferentes letras. Enfim, são inúmeras as possibilidades de escolha que poderão ser oferecidas para que os alunos possam optar. Conhecimentos prévios: levar em conta os conhecimentos prévios que os estudantes trazem consigo a respeito da leitura e da escrita significa entender que esses conhecimentos são objetos sociais que atuam diretamente na vida social. Assim, são indispensáveis para acessar toda a gama deconhecimentos e educação presente na cultura e, logo, não devem ser desconsiderados. Interesse: a aprendizagem da leitura e da escrita deverá estar em sintonia com aquilo que interessa e motiva os alunos. O professor deverá mapear, descobrir quais são seus interesses reais e, a partir daí, estruturar suas atividades. Isso fará com que o engajamento seja maior e contribuirá para o desenvolvimento das atividades em sala de aula. Observação: o professor alfabetizador deve desenvolver a sua capacidade de observação, pois assim poderá identificar em quais níveis de alfabetização cada um de seus alunos se encontra. A partir disso poderá, então, propor atividades que irão ajudá-los de forma individual. Ou seja, a observação permite que a intervenção do professor seja feita na hora certa e com os indivíduos que realmente necessitam de seu auxílio. Também ajuda na hora 49 de propor atividades colaborativas, em que os alunos possam ajudar a desenvolver seus colegas. Interação: outro instrumento importante para que a leitura e a escrita possam ser aprendidas em sala de aula é a interação entre alunos e professor e entre os próprios colegas. Por meio do intercâmbio, da troca entre os alunos e os grupos que frequentam cotidianamente, normalmente haverá a assimilação dos níveis de conhecimento mais altos daqueles grupos. A interação favorece a atuação na zona de desenvolvimento proximal, que você viu anteriormente, apoiando aqueles que precisam para que possam ir adiante na aquisição das habilidades da leitura e da escrita. Você viu até aqui alguns aspectos que poderá considerar para que a alfabetização ocorra com maior sucesso no ambiente escolar. Os pontos que conheceu farão com que o ambiente alfabetizador possa ser estabelecido e favoreça a aprendizagem destes tão importantes e essenciais objetos de conhecimento que são a leitura e a escrita. Porém, a percepção do professor, sua capacidade de observação e leitura de cada aluno e de cada grupo é imprescindível para que todos esses itens sejam aplicados. Como você sabe, cada aluno é diferente, pode ter vivido experiências sociais totalmente diversas e traz consigo uma bagagem única, que deve ser conhecida pelo professor em seus primeiros contatos e que irá definir, muitas vezes, os caminhos a seguir nas ações futuras. 5 O SIGNO LINGUÍSTICO Em primeiro lugar, você deve saber que os fundamentos da noção de signo não estão exclusivamente enraizados na linguística, mas na semiótica. A semiótica é uma ciência mais abrangente (da qual, a propósito, a linguística faz parte), que se ocupa da associação entre fenômenos em geral (linguísticos ou não) e do que eles significam dentro de determinado sistema. Dessa forma, de um ponto de vista semiótico (portanto, em termos mais gerais), um signo se refere a algum fato ou entidade (quer seja um objeto, um evento ou, até mesmo, uma impressão) que representa um estado de coisas para, por exemplo, determinada cultura. 50 De acordo com Pierce (2005), existem três tipos de signo. O primeiro deles, o ícone, é um tipo de signo de natureza imagística, cuja forma possui uma relação de identidade com o objeto que representa. Alguns exemplos de ícones são a escultura de uma pessoa ou a maquete de uma casa. Outro tipo de signo é o índice, que possui uma relação de contiguidade com o objeto que representa, podendo ser considerado, na verdade, um fragmento extraído desse objeto. Esse é o caso da fumaça, que é um índice de fogo, e de nuvens negras no céu, que seriam um índice de chuva. Por último, temos o símbolo, um tipo de signo que representa o seu objeto com base em alguma convenção ou lei. Por exemplo, a cruz é o símbolo do cristianismo, a balança é o símbolo da justiça e a cor verde é o símbolo da esperança. Ao ser trazida para dentro do campo dos estudos da linguagem, a partir, principalmente, das teorizações feitas por Saussure (2012), na obra póstuma Curso de linguística geral, o signo, como componente mínimo da língua, passa a denotar o produto da relação (convencionalizada) entre uma forma linguística tal e um significado particular, sendo, portanto, denominado especificamente signo linguístico. 51 Uma explicação fundamental de Saussure (2012, p. 80) a respeito do conceito de signo linguístico é a de que este “une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica”. Isso quer dizer que o signo linguístico é de natureza puramente psíquica e estabelece uma associação entre, de um lado, a nossa representação mental de um dado fato ou objeto no mundo e, de outro, a impressão mental dos sons que compõem uma dada palavra. EXEMPLO: O que compõe o signo linguístico “mesa” não é a relação entre um objeto tal (isto é, um certo móvel) e a sequência de letras “m-e-s-a”, mas a nossa concepção mental desse móvel (isto é, de uma mesa) e a nossa lembrança mental dos sons que compõem a palavra “mesa”. Por fim, para efeitos de uma terminologia mais precisa, Saussure (2012) chama, então, a imagem acústica de significante e o conceito que ela representa de significado. Um último ponto, relativo à noção de signo linguístico (Figura 2), no qual Saussure (2012) insiste bastante, é o de que esse componente constitui, invariavelmente, uma relação indissociável entre um dado significado e o seu significante (ou, ainda, entre um dado conceito e a sua respectiva imagem acústica). Ou seja, os dois elementos que compõem o signo linguístico “estão intimamente unidos e um reclama o outro” (SAUSSURE, 2012, p. 80). Para ilustrar esse ponto, Saussure (2012) compara o signo linguístico a uma folha de papel. Não podemos separar o verso de uma folha de papel do seu anverso, tampouco podemos cortar um sem cortar o outro; da mesma forma, não podemos isolar um significante do seu significado. Portanto, seria impossível evocarmos uma 52 imagem acústica sem trazermos à mente, ao mesmo tempo, o conceito que ela representa. 5.1 Algumas características do signo Com base nas considerações feitas por Saussure (2012), podemos definir o signo linguístico, de um modo geral, como o produto da combinação entre um significado e o seu significante (ou, ainda, entre um dado conceito e a sua respectiva imagem acústica). Ainda segundo Saussure (2012), existe um conjunto de características específicas que servem para definir a natureza dessa associação. A primeira (e talvez a mais emblemática) das características do signo linguístico está traduzida na noção de arbitrariedade. Afirmar que o signo linguístico é arbitrário significa dizer que a associação entre um dado significado e o seu significante é casual. Portanto, não existem, por exemplo, relações naturais ou intrínsecas entre o nosso conceito de mesa e a imagem acústica “mesa”, em português. Tanto o é, que o conceito de mesa está associado a outras imagens acústicas (que não à “mesa”) em outras línguas, como “tafel”, em holandês, “bord”, em sueco, “tisch”, em alemão, etc. A segunda característica fundamental do signo linguístico, de acordo com Saussure (2012), diz respeito à linearidade dos significantes. Porque constitui um fenômeno acústico, o significante se realiza na mesma dimensão que quaisquer outros sons; ou seja, no tempo. Em outras palavras, podemos dizer que a sequência dos elementos que compõem a imagem acústica do signo linguístico somente se desenvolve ao longo da linha do tempo, com os respectivos sons sendo pronunciados um após o outro. Essa característica do significante parece ficar mais clara quando tentamos transpor, para o papel, a sequência dos elementos que o compõem. De fato, em diversas línguas (como no português), as imagens gráficas que representam conceitos também estão dispostas em linha, com as letras sendo escritas uma após a outra. No entanto, embora a linearidade impere sobre a imagem acústicana maioria das línguas, a modalidade escrita nem sempre segue esse princípio. É o caso de 53 línguas cujo sistema gráfico se baseia em ideogramas, como o chinês e o japonês. Nessas línguas, conceitos são representados graficamente por símbolos não lineares, com os seus componentes (isto é, traços) sendo dispostos em várias direções: uns em cima, outros em baixo, alguns dos lados ou, ainda, uns sobre os outros. Finalmente, Saussure (2012) apresenta duas características do signo linguístico que parecem contraditórias, mas que, na verdade, são complementares: a sua imutabilidade e a sua mutabilidade. De fato, o signo linguístico é imutável, na medida em que o elo que une um significado qualquer ao seu significante não é livre; ele está cristalizado conforme as convenções estabelecidas (aqui e agora, isto é, na sua dimensão sincrônica) pela comunidade linguística como um todo. Logo, não cabe a nenhum falante, por exemplo, substituir um significante por outro, na composição de um signo já instituído na sua língua, quando ou como bem quiser. Com relação ao princípio da mutabilidade do signo linguístico, Saussure (2012) explica que o elo que une um significado e ao seu significante não está imune à passagem do tempo (nesse caso, em uma dimensão diacrônica). Mais especificamente, está claro que um dos efeitos do tempo sobre a língua seria, justamente, o de promover (sempre por meio de fatores que escapam à vontade individual dos seus falantes) deslocamentos (mais ou menos drásticos) da relação entre um dado significado e um certo significante. 5.2 O valor linguístico Além do signo, outro conceito fundamental para os postulados saussurianos é a noção de valor linguístico. Com efeito, em algum momento da sua obra, Saussure (2012, p. 130) argumenta que toda língua seria, para além de um sistema de signos, “um sistema de valores”. Falar de valor linguístico, para Saussure (2012), significa determinar, de um lado, o lugar que cada signo ocupa no interior do sistema da língua (como um todo) e, de outro, os vínculos que ele mantém com os outros elementos de mesma natureza dentro desse sistema. Ou seja, um signo linguístico se define não somente pela associação entre um dado significado e o seu significante, mas também pelas relações (de semelhanças 54 e diferenças, devemos acrescentar) que ele estabelece com os outros signos que o cercam. Exemplo: A título de exemplificação, podemos considerar os conceitos de “pai”, “filho”, “mãe” e “filha”. O que define o valor de cada um desses conceitos, dentro da língua portuguesa, por exemplo, é tanto aquilo que eles têm em comum entre si (nesse caso, todos eles se referem a algum membro da família) quanto aquilo que os difere (ou seja, eles existem cada um em oposição ao outro: “pai” em oposição a “filho”, “pai” em oposição a “mãe”, “mãe” em oposição a “filha” e assim por diante). Se, por algum motivo, o conceito de “filho” desaparecesse, o conceito de “pai” ficaria vago em alguma medida e, talvez, perdesse a sua razão de ser em português. Fonte: www.reticenciaskuringa.blogspot.com Em última análise, podemos argumentar, enfim, que um signo linguístico somente está na língua porque ele é aquilo que os outros signos não são. É isso que determina o seu valor linguístico; e é esse valor que assegura o seu lugar no sistema da língua. A partir das suas reflexões a respeito do valor linguístico, Saussure (2012) procede, então, à classificação das relações que os signos estabelecem entre si dentro do sistema da língua. A sua primeira observação (2012) é de que essas relações acontecem em dois planos distintos e, portanto, engendram dois tipos: as relações sintagmáticas e as relações associativas. 55 O primeiro tipo, o das relações sintagmáticas, reflete a natureza linear dos significantes (e, portanto, da língua como um todo) e implica as relações que os signos estabelecem entre si na cadeia da fala. Visto que é impossível produzir dois signos ao mesmo tempo, eles somente podem se realizar um após o outro na linha da fala, acarretando, dessa forma, o sintagma. Por exemplo, são sintagmáticas as relações que estabelecem entre si os elementos que compõem cada uma destas sequências: “endereço postal”, “Maria casou” e “estou atrasado, preciso correr”. Esse tipo de relação (de oposição ao longo da cadeia da fala) já serve para definir uma parte do valor do signo linguístico. De acordo com Saussure (2012, p. 142), de fato, “colocado num sintagma, um signo só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a ambos”. Ou seja, em relações sintagmáticas, o valor de um signo linguístico existe na sua correspondência com os outros signos concomitantes — ou, conforme determina Saussure (2012, p. 143), nas suas relações “in praesentia”. Já as relações associativas (ou, ainda, paradigmáticas) são aquelas que os signos estabelecem com os outros signos que não estão na mesma cadeia da fala (ou, ainda, in absentia), mas com os quais mantêm algum tipo de correspondência (Figura 3). É esse tipo de relação que se manifesta, por exemplo, quando nos referimos ao conceito de “pai” em uma sentença qualquer. O mais razoável de se esperar é que essa referência evoque tantos outros conceitos quantos estão associados a ele (como “filho”, “mãe”, “filha”, etc.) se consideramos como o principal critério dessas associações, nesse caso, o fato de o conceito de “pai” se referir a um membro da família. O valor de um signo linguístico, a partir das relações associativas, determina- se, portanto, nas bases do conjunto total de elementos com que ele mantém algum tipo de relação, mas que não ocorrem formalmente na cadeia da fala, visto que são apenas virtualmente evocados. 56 6 AVALIAÇÃO NA ALFABETIZAÇÃO A avaliação na alfabetização costuma trazer intensas discussões relacionadas à eficácia de suas práticas. Tais discussões envolvem tanto estudiosos e professores quanto gestores, famílias e os sujeitos principais, as crianças. Especificamente neste momento histórico da educação nacional, o assunto ocupa mentes e surgem reflexões à luz da recente publicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Afinal, estão em jogo decisões sobre os novos tempos de alfabetizar (passagem do 1º ao 2º ano como limite para a criança se alfabetizar) e sobre os modos de ensinar (alguns apontamentos da BNCC contribuem para reflexões sobre os currículos). Tudo isso convoca os envolvidos a repensar as aprendizagens infantis e os processos de avaliação na fase da alfabetização. 6.1 A avaliação em seu contexto educacional A avaliação deve ser considerada parte integrante e de extrema importância do processo de alfabetização e letramento. Educar e avaliar nos tempos de aquisição da 57 leitura e da escrita são ações que caminham juntas na perspectiva de uma escola comprometida com o sucesso das crianças. É certo afirmar que a avaliação é uma das partes potentes do processo de ensino e aprendizagem, revelando as singularidades das crianças. Segundo Álvarez Méndez (2002, p. 65): A avaliação age, então, a serviço do saber e das pessoas que aprendem. Ela deveria ser o momento no qual quem ensina e quem aprende encontram-se com a sã intenção de aprender. Avaliamos para conhecer e aprendemos com a avaliação. Somente assegurando a aprendizagem podemos assegurar a avaliação, isto é, a boa avaliação, que forma continuamente, que seria também significativa e catalisadora de novas aprendizagens. Avaliamos enquanto aprendemos; aprendemos enquanto avaliamos. Segundo o excerto, a avaliação está a serviço da aprendizagem das pessoas. Os futuros leitores precisarão ser hábeis para decodificar palavras e símbolos escritos, integrar informações advindas de diversos textos e captar sentidos da escrita. Eles também deverão interpretar os significados dotexto, traduzir em sons as sílabas isoladas, usar habilidades de pensamento cognitivo e metacognitivo, refletir sobre a relevância do que foi lido e até construir significados a partir de textos. Nesse sentido, as avaliações trazem importantes dados sobre a diversidade de usos de tais habilidades (SOARES, 1995). Uma criança, ao ler, deverá usar uma forma específica de processamento de informação. Aprender a leitura é aprender os processos necessários para ler. O ensino e a aprendizagem devem agir no entendimento de que “[...] ler é transformar representações gráficas da linguagem em representações mentais da sua forma sonora e do seu significado. Quando se trata de um texto, o objetivo da leitura é poder apreender o seu sentido” (MALUF; CARDOSO-MARTINS, 2013, p. 16). Não distante de tais entendimentos devem estar, concomitantemente, as avaliações oferecidas às crianças. O professor não poderá exigir em avaliações que todas as crianças tenham níveis de leitura iguais. Ele precisa levar em conta o extenso, intenso, pessoal e intransferível processo de habilidade de identificação das palavras escritas. A avaliação oferece ao educador a possibilidade de acompanhar o processo de alfabetização, compreendendo as hipóteses das crianças quanto à leitura e à escrita, bem como entendendo de que forma a criança pode ser auxiliada nesse processo. 58 Você pode estar se fazendo as seguintes perguntas: como comparar os alunos em uma única provinha aos oito anos, no final do 2º ano? E como impedir os que já evoluíram em suas compreensões de responder questões que para outros são difíceis? Progressivamente, à medida que o leitor se torna capaz de identificar correta e rapidamente a grande maioria das palavras, o determinante mais importante das diferenças individuais na leitura passa a ser a qualidade e a eficiência das capacidades gerais (MALUF; CARDOSO-MARTINS, 2013, p. 16). Assim, a avaliação precisa dar suporte às diferenças determinantes, e não andar em sentidos contrários a elas. A escrita ocorre por meio de um conjunto de habilidades e conhecimentos linguísticos e psicológicos, que são inúmeros e distintos dos necessários para a leitura. Será necessário desenvolver as habilidades e conhecimentos para decodificar palavras escritas, entender informações contidas no texto e outras inúmeras competências. Magda Soares (1995, p. 9) defende que: “[...] escrever é um processo de relacionamento entre unidades sonoras e símbolos escritos, e é também um processo de expressão de ideias e de organização do pensamento sob forma escrita”. Como você deve imaginar, ambos os processos devem ser contemplados na avaliação. As etapas de ensino e aprendizagem na alfabetização e no letramento devem envolver usos sociais, funções, habilidades técnicas e valores que vão muito além de apenas saber ler e escrever (SOARES, 1995). Como todos esses ganhos, frutos de intensos esforços subjetivos, podem ficar de fora da avaliação? Nem pensar! Caso o processo de ensino e aprendizagem não leve em conta que há uma evolução, por meio de estágios, na aquisição da leitura e da escrita, é possível exigir das crianças que ainda representam a linguagem somente por meio de desenhos que façam grafismos, rabiscos e apresentem concepções das distinções entre o desenho e a escrita. Já é bastante difundido nos estudos sobre o assunto que, para além dos recursos didáticos, métodos e manuais, as crianças buscam adquirir conhecimentos. E não ficam isoladamente memorizando e repetindo supostas técnicas para se alfabetizar, para serem avaliadas. Você deve notar que os meninos e meninas são sujeitos de suas aquisições de conhecimentos sobre a leitura e a escrita. Ferreiro e Teberosky trouxeram à luz uma 59 criança desconhecida à época de suas pioneiras pesquisas. As autoras escreveram sobre a criança que: “[...] se propõe problemas e trata de solucioná-los, segundo sua própria metodologia... Insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que procura adquirir o conhecimento, e não simplesmente de um sujeito disposto a adquirir uma técnica particular” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 11). Fonte: www.fundacred.org.br Além dos suores das mãos, as avaliações deverão incluir as certezas que as etapas anteriores do planejamento e da execução trouxeram para a vida de meninos e meninas com relação à leitura e à escrita. O longo e construtivo processo de aquisição da lectoescrita é muito mais do que aprender a ler e escrever para fazer provinhas. Não haveria sentido em apenas ensinar e nada querer saber sobre o aprender. O certo é que o encontro com a escola é também o momento em que as crianças descobrem a existência da avaliação. A palavra avaliação pode não ter uma conotação pesada para todos os que passaram por escolas nos tempos de aprender a ler e escrever. E tantos outros devem ter lembranças de apuros passados. Nos últimos 30 anos, tanto o cenário educacional brasileiro quanto as leis mudaram para garantir alterações na hora de ensinar, aprender e avaliar. Com o passar do tempo, as salas de aula foram deixando de ser cenários de controle excessivo, autoritarismo, punições, memorizações de lições acríticas, repetições das mesmas lições, recompensas, pavores relacionados ao fracasso escolar, exclusões em massa, excessivas reprovações e classificações dos mais fortes aos mais fracos. Também foram sendo deixadas de lado as seleções favoráveis aos mais favorecidos socioeconomicamente, as reproduções de desigualdades sociais, os comentários 60 demolidores das vontades de aprender e a certeza de que a avaliação era um entrave aos sonhos das crianças e famílias de acesso pleno e bem-sucedido à cultura letrada. A avaliação precisou afastar-se da escolha de premiar os melhores com medalhas de honra ao mérito. Ela teve de insistir na garantia, contida nas leis, do direito à aprendizagem ampla da leitura e da escrita a todas as crianças, utilizando formas de avaliação individualizadas, capazes de fazer as dificuldades e aprendizagens consolidadas emergirem. Cordeiro (2012) afirma que, na década de 1990, surgiram várias discussões sobre os mecanismos de exclusão. Além disso, os procedimentos de avaliação “[...] se multiplicaram e, nos dias de hoje, todos falam sobre a inclusão, a progressão continuada, o reforço escolar, a recuperação contínua e outros procedimentos destinados a enfrentar o problema do fracasso e da exclusão” (CORDEIRO, 2012, p. 145). No Brasil, ficou evidente a necessidade, pós-redemocratização, de repensar a escolarização das crianças. Isso diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem e também à avaliação. O avanço das legislações educacionais, o acesso às teorizações ditas justas para a alfabetização mais eficaz de todas as crianças e as ações em prol da alfabetização e letramento foram criando um lugar mais facilitador para os desejos das crianças de aprender a ler e escrever. As atividades colocaram as crianças em situações ativas no aprender, e as avaliações são realizadas com sujeitos ativos e reais, independentemente de suas condições socioeconômicas, levadas em conta na hora de planejar atividades. 6.2 A avaliação como um instrumento fundamental na qualificação do processo alfabetizador O processo longo e instigante da alfabetização requer um instrumento fundamental para qualificar as suas práticas educativas. Tal ferramenta qualificatória é a avaliação. “A avaliação é um instrumento de que dispomos para melhorar o ensino a partir da observação dos processos e da aprendizagem dos alunos e com a análise e a revisão das propostas didáticas que fizemos” (ZABALA et al., 2016, p. 145). Os professores dos anos iniciais do ensino fundamental devem se indagar amplamente sobre seus processos de ensino, aprendizagem e avaliação. Assim, terão 61 um projeto educativo para concretizare avaliar. Os bons caminhos são as escolhas metodológicas alinhadas com os objetivos e as finalidades pretendidas. Também é fundamental o desenvolvimento de “[...] estratégias de observação para avaliar, depois, o que realmente acontece em aula e os comportamentos e as atitudes dos meninos e das meninas” (ZABALA et al., 2016, p. 139). Para crianças com seis anos, na chegada ao ensino fundamental, são essenciais ações pedagógicas que avaliem as potencialidades trazidas da educação infantil. É importante avaliar os conhecimentos e habilidades adquiridas nessa etapa da educação básica. Conhecer seus conhecimentos prévios sobre a escrita e estimular a criança a prosseguir seus estudos e ampliá-los é tarefa básica da escola, que “[...] deverá planejar sua intervenção a partir da informação que cada um dos alunos possui sobre a forma e a função do código escrito” (ZABALA et al., 2016, p. 29). Alfabetizar crianças a partir dos seis anos não é focar nos tradicionais giz, quadro e cartilhas. Sempre é bom lembrar que o ensino, a aprendizagem e a avaliação de tais crianças precisam ser pensados criativamente, já que os “[...] conhecimentos delas advêm da interação direta — corporal, experimental, sensorial — com elementos que agucem a curiosidade e que permitam experimentar, desenvolver, sistematizar, conectar” (BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 141). É importante, a partir desse ingresso no ensino fundamental, a garantia do “[...] desenvolvimento de sua oralidade, de imersão nas diferentes linguagens simbólicas da cultura e no acesso aos usos e às funções da cultura escrita em nossa sociedade” (BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 114). As legislações da educação básicas enfatizam que é necessário cuidado constante com a avaliação não punitiva e não classificatória. Tal avaliação deve estar aliada aos direitos das crianças à aprendizagem eficaz do ler e do escrever, bem como ao direito ao acesso e à permanência tranquila na escola. Além disso, as legislações adotam um currículo que pensa na sequência dos níveis, enfatizando o aprofundamento das aprendizagens necessárias. Entretanto, [...] muitos podem interpretar [esses elementos], em uma leitura aligeirada da legislação, como possibilidade de antecipação de processos de ensino ou, ainda, da desresponsabilização das escolas pelas aprendizagens necessárias às crianças em cada momento do percurso (BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 115). 62 A avaliação, nos dois anos iniciais do ensino fundamental, passa pelo acompanhamento e pela documentação do desenvolvimento das crianças. Isso é feito pelos professores e já preconizado na BNCC, homologada com parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2017. Cabe aos educadores o processo permanente de planejar ou rever as futuras propostas e metas, alinhadas à BNCC, a partir dos dados das avaliações. A ideia é garantir as aprendizagens, sempre lembrando que as crianças do 1º ano têm promoção automática para o 2º ano e direito a consolidar verdadeiramente a sua aprendizagem. Com relação à proposta pedagógica, o 2º ano deve dar continuidade à quilo que o 1º ano realizou. Fonte: www.novaescola.org.br O 2º ano parte exatamente de onde o 1º ano terminou. A continuidade será definida a partir daquilo que já́ foi conquistado pelas crianças, tendo em vista o trabalho diversificado em sala de aula, para atender à diversidade dos processos de aprendizagem das crianças. A continuidade entre 1º e 2º ano é uma responsabilidade da escola e dos docentes e não pode estar desarticulada de toda a reflexão dos demais professores. No 3º ano, a criança, já com o domínio da linguagem escrita, pode sofisticar seus modos de expressão e comunicação. É a finalização do processo de alfabetização (BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 143). Qual é a avaliação adequada para qualificar o processo de alfabetização em conformidade com a pedagogia da participação e em oposição à pedagogia da transmissão? A pedagogia da transmissão é centrada nos produtos e na comparação, nem sempre isenta de preconceitos, do que uma criança é capaz de fazer conforme as normas. Já a pedagogia da participação é definida como aquela centrada nos processos. Uma avaliação baseada nessa perspectiva não negligencia os erros e quer 63 investigá-los. Ela é centrada tanto na subjetividade quanto no grupo e reflete sobre as aquisições e realizações das crianças. A pedagogia da participação: [...] centra-se nos atores que constroem o conhecimento para que participem progressivamente, através do processo educativo, da (s) cultura (s) que os constituem como seres só cio-histórico-culturais. A pedagogia da participação realiza uma dialogia constante entre a intencionalidade conhecida para o ato educativo e a sua prossecução no contexto com os atores, porque estes são pensados como ativos, competentes e com direito a codefinir o itinerário do projeto de apropriação da cultura que chamamos educação (OLIVEIRA- - FORMOSINHO; KISHIMOTO; PINAZZA, 2007, p. 18). As atividades das crianças não poderão ser de outra ordem que não: questionamento, planejamento, experimentação, confirmação de hipótese, investigação, cooperação e resolução de problemas. Os professores alfabetizadores deverão agir para estruturar o ambiente. Eles precisam estar atentos à escuta, observando tudo, avaliando as crianças e seus intentos com elas constantemente, replanejando a partir dos resultados, formulando perguntas, abertos aos interesses e conhecimentos prévios das crianças e do grupo. No século XXI, deixaram de ser preocupações centrais do educador, ao avaliar, as ações de testar, reforçar, punir e só analisar os produtos. Hoje, a avaliação é um qualificador da aprendizagem. A Base Nacional Comum Curricular, homologada em 2017, preconiza que nos anos iniciais (1º e 2º anos) do ensino fundamental é esperado que a criança se alfabetize (BRASIL, 2018). A alfabetização é o foco da ação pedagógica e se supõe que isso traga uma consequência: a avaliação precisará dar conta desse processo. A BNCC (BRASIL, 2018) prevê que o conhecimento do alfabeto é imprescindível para o desenvolvimento do processo de escrita e leitura. Uma criança alfabetizada é capaz de codificar e decodificar os fonemas (sons da língua) em grafemas/letras (materiais gráficos), o que envolve o desenvolvimento de uma consciência fonológica (fonemas da língua e organização em seguimentos sonoros como sílabas e palavras) e o conhecimento do alfabeto em diferentes formatos (letras imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas). Além disso, a criança deve estabelecer relações grafofônicas entre esses dois sistemas de materialização do português do Brasil. A avaliação da alfabetização, possível a partir da BNCC, deverá levar em conta todos esses elementos e ainda o processo de construção de habilidades e capacidades de análise e de transcodificação linguística, presentes no processo alfabetizador. Segundo esse documento, alfabetizar é lidar com a apropriação pelo 64 aluno da ortografia da língua escrita. Isso inclui a compreensão do longo processo vivenciado em prol da construção do funcionamento fonológico da língua e a necessidade de conhecer as relações fono-ortográficas (relações entre os sons/fonemas, em suas variedades, e as letras/grafemas) (BRASIL, 2018). Então, a avaliação da alfabetização precisará dar conta do funcionamento da escrita alfabética necessária para a criança ler e escrever. Ela também deverá comprovar que as crianças conseguem perceber as relações complexas estabelecidas entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas). Já que a ação pedagógica deve estimular a consciência fonológica da linguagem, as avaliações irão analisar as crianças em suas habilidades de perceber sons e de verificar como se separam e se juntam em novas palavras, em suas complexidades. 6.3 Avaliação e prática pedagógica no processo de alfabetizaçãoe letramento A avaliação e a prática pedagógica devem percorrer trajetórias comuns no processo de alfabetização e letramento? Com certeza. A avaliação do processo de alfabetização precisa manter-se relacionada à aquisição da escrita e da leitura. Além disso, ela implica avaliar o processo de aquisição do código escrito, tanto no que se refere à escrita quanto no que se refere à leitura. Já o letramento vai além da condição apresentada a respeito do ler e do escrever, apontando os usos sociais que a criança faz do que aprendeu. Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco. No quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por estes dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita — a alfabetização — e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita — o letramento. Portanto, alfabetização e letramento não são processos independentes, mas interdependentes e indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto (e por meio) de práticas sociais de leitura e de escrita. Isto é, ela ocorre por meio de atividades de letramento. O letramento, por sua vez, só pode se desenvolver no 65 contexto (e por meio) da aprendizagem das relações entre fonema e grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2004). A alfabetização é a apropriação de um sistema simbólico ou a decodificação de signos? Ou será que tais processos se constroem paralelamente? Eles caminham de forma paralela! Ainda assim, é prioritária a entrada da criança no mundo dos símbolos. Operar com os símbolos e traduzir um conhecimento por outro são atividades próprias da abstração e da simbolização, que se iniciam nos anos da educação infantil. Todas as atividades da educação infantil devem desempenhar os seus papeis essenciais nos dois anos iniciais do ensino fundamental, tempo de alfabetizar previsto na BNCC. Fonte: www.oglobo.globo.com E você sabe o que seria essencial planejar na prática pedagógica para alfabetizar crianças e realizar a avaliação? As crianças precisam aprender, em situações com função social, a refletir sobre a própria língua, a criar vocabulários específicos, a experimentar estratégias para ler e a contar histórias vividas e inventadas. Para o aprendizado da cultura escrita, é preciso construir a perspectiva do arbitrário, do descontextualizado, do limite, do que está além do aqui e do agora. É importante você lembrar-se de que a aprendizagem da linguagem escrita é também uma alteração nas estruturas cognitivas, afinal o pensamento se materializa em palavras. Como afirmam Barbosa e Delgado (2012, p. 123): Alfabetizar não pode ser mais compreendido como ensino de letras e de números, como treino gráfico ou trabalho que enfatiza as letras e as sílabas isoladamente. Ler e escrever não se reduzem à aprendizagem mecânica de uma técnica, não têm apenas uma dimensão perceptivo-motora, mas cognitiva, cultural, social. A leitura não pode ser realizada de modo mecânico 66 transformando as crianças em leitores passivos e não críticos. A leitura não deve se limitar à interpretação do texto, mas ser considerada um caminho. Ler é mais do que decifrar, decodificar foneticamente; é produzir sentidos, interpretar, compreender, relacionar, refletir. Quando o educador de crianças em alfabetização fala em letramento (literacy), se refere aos modos como seus alunos usam a língua escrita e as práticas sociais de escrita e leitura. Assim, isso é uma referência ao estado ou condição do sujeito diante da cultura letrada e do aprender a escrever e ler. Soares (2000, p. 17) revela que implícita nesse conceito “[...] está a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la”. O processo de letramento insere as crianças constantemente na cultura escrita. Porém, todos, crianças e adultos, estão continuamente em contato com novidades a serem enfrentadas no mundo, já que há constante mutação nos formatos da escrita e da leitura. Assim, não é possível avaliar a alfabetização das crianças usando as mesmas plataformas utilizadas, por exemplo, pelos seus avós, não é? Você deve considerar que as crianças já nascem em contato com um universo repleto de letras. Desde cedo elas são apresentadas a plataformas como computadores, tablets e smartphones. Tais novidades tecnológicas insistem em lembrar que o letramento, contemporaneamente, não se inicia na entrada do 1º ano do ensino fundamental. Como afirmam Barbosa e Delgado (2012, p. 122): “Pertencer à cultura escrita é muito mais do que saber ler e escrever; é estar em processo contínuo de letramento. Podemos até́ afirmar que hoje, com as novas mídias, estamos presenciando o nascimento de novas formas de praticar a escrita e a leitura”. Como você viu, alfabetização e letramento são tarefas interdependentes (SOARES, 2004). Letramento é a “[...] ação de ensinar e aprender práticas sociais de leitura e escrita e envolve a identidade e agência do aprendiz na aquisição da linguagem” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 22). Portanto, é imprescindível ver o letramento como uma base, ou seja, “[...] leitura e escrita são, fundamentalmente, meios de comunicação e interação, enquanto a alfabetização deve ser vista pela criança como instrumento para envolver-se nas práticas e usos da língua” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 34). 67 O letramento é “[...] prática social de aquisição de significados da linguagem verbal e não verbal, contempla um sistema linguístico que contém regras, estruturas e significações construídas em contextos situados” (KISHIMOTO; OLIVEIRA- FORMOSINHO, 2013, p. 26). Além disso, o letramento serve para a reflexão dos educadores, que devem entender a aprendizagem do letramento como processo interno e autoguiado pela criança. Isso implica entender as etapas do ensino e da aprendizagem pelo foco do aprendiz. O sucesso de tal aprendizagem “[...] depende da decisão, da vontade e do interesse de cada criança, de sua agência, o que tem gerado perspectivas que valorizam a escuta da criança como ponto de partida da educação” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 26). As autoras lembram que “[...] Ferreiro e Teberosky (1985) utilizam a noção de agência ou tomada de decisão como categoria para explicar o funcionamento da mente e a aquisição de conhecimentos sobre o letramento” (apud KISHIMOTO; OLIVEIRA- -FORMOSINHO, 2013, p. 26). Programas educacionais que consideram as crianças como iguais não beneficiam o letramento, mas dificultam a visibilidade dos significados e a pronúncia de palavras. Quando o educador refletir sobre as diversas formas de letramento presentes nas diferentes crianças que recebe em sua sala de aula será capaz de conduzir o seu cotidiano com a certeza de que a aprendizagem é individual. Assim, terá sucesso no “[...] suporte ao conhecimento de cada criança, [n]a organização das classes para facilitar a aprendizagem de diversos aprendizes e [n]a relação com a família e a cultura popular” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 34). A alfabetização, processo de ensinar a escrever e ler, representa uma importante prática de letramento escolar e é caracterizada por: Objetivar a linguagem em textos escritos, despertar a consciência para os fatos da linguagem, analisar a linguagem em sua composição por partes (frases, palavras, sílabas, letras). Conhecer a “mecânica” ou funcionamento da escrita alfabética para ler e escrever significa, principalmente, perceber as relações bastante complexas que se estabelecem entre os sonsda fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas), o que envolve o despertar de uma consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons, como se separam e se juntam em novas palavras, etc. Ocorre que essas relações não são tão simples quanto as cartilhas fazem parecer (KISHIMOTO; OLIVEIRA- FORMOSINHO, 2013, p. 92). É possível conhecer pessoas que aprenderam em suas experiências extraescolares. Pais, irmãos mais velhos ou outros familiares podem ter realizado tais 68 colaborações junto aos aprendizes. Só que a grande maioria das crianças das classes populares conta com a escola para ser alfabetizada. As ações pedagógicas que deixam a desejar na concretização do direito à aprendizagem das crianças devem ser avaliadas e modificadas. Fonte: www.abcdoabc.com.br A avaliação no decorrer do 1º e 2º anos do ensino fundamental, levando em conta a BNCC e a meta de a criança se alfabetizar durante esses dois anos, poderá colaborar com uma prática avaliativa que caminhe ao lado da prática pedagógica no processo de alfabetização e letramento. A base sugere que os educadores acompanhem (e, portanto, avaliem) as capacidades/habilidades envolvidas na alfabetização (capacidades de codificação e decodificação), a saber: Compreensão de diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros sistemas de representação); Domínio das convenções gráficas (letras maiúsculas e minúsculas, cursiva e script); Conhecimento do alfabeto português do brasil; Compreensão da natureza alfabética do sistema de escrita; Domínio das relações entre grafemas e fonemas; Facilidade para saber decodificar palavras e textos escritos; Tranquilidade para ler, reconhecendo globalmente as palavras; 69 Ampliação da sacada do olhar para porções maiores de texto que meras palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura (fatiamento) (brasil, 2018). A avaliação, parte integrante do processo de ensino e aprendizagem, está ligada ao sucesso escolar das crianças, à alfabetização e ao letramento. A avaliação na alfabetização colabora essencialmente com a qualificação do professor alfabetizador. Como você viu, ela não pode ser punitiva e deve apoiar as tentativas e ações bem-sucedidas da criança ao se alfabetizar. Além disso, é certo entender que a avaliação deve sempre estar de acordo como a prática pedagógica desenvolvida no processo de alfabetização e letramento.