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Autora: Profa. Simone Camacho Gonzalez Colaboradores: Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Nome Língua e Construção de Sentido Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Professora conteudista: Simone Camacho Gonzalez Simone Camacho Gonzalez é professora titular da Universidade Paulista desde 2004, lecionando as disciplinas de Língua Inglesa, e coordenadora auxiliar do curso de Letras da mesma Universidade. Possui graduação em Letras pela Faculdade Ibero-Americana de Letras e Ciências Humanas (1989) e mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Atualmente é aluna especial de pós-graduação na Universidade de São Paulo e estuda os multiletramentos em uma perspectiva de linguagem pluralista e multicultural. Tem experiência em ensino-aprendizagem de Língua Inglesa, atuando principalmente com: formação do professor, interação professor-aluno, processo de ensino-aprendizagem, representação e metodologias de ensino de língua estrangeira, tanto em ensino presencial como na modalidade EaD. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Virgínia Bilatto Lucas Ricardi Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Sumário Língua e Construção de Sentido INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 LÍNGUA INGLESA: OUTROS OLHARES E PERSPECTIVAS .....................................................................9 1.1 Letramento .............................................................................................................................................. 10 1.2 Gêneros discursivos ............................................................................................................................. 16 1.3 Gêneros textuais ................................................................................................................................... 23 1.4 Análise de um texto: articulação entre gênero textual, contexto de produção e estrutura linguística ................................................................................................................................ 26 Unidade II 2 LÍNGUA INGLESA: PRODUZINDO SENTIDO ........................................................................................... 30 2.1 Code of conduct ................................................................................................................................... 32 2.2 Rules and regulations ......................................................................................................................... 35 2.3 Scientific article .................................................................................................................................... 42 2.4 Book review and school journal article ....................................................................................... 43 7 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 INTRODUÇÃO A disciplina Língua e Construção de Sentido contempla os estudos morfossintáticos e semânticos da língua inglesa por meio da análise de variados gêneros textuais. O objetivo geral é desenvolver a habilidade linguística em uma perspectiva de construção de sentido e análise contextual, envolvendo as concepções sobre letramento crítico. Os objetivos específicos são: aprimorar o conhecimento sistêmico- estrutural da língua inglesa, tendo como objeto de estudo a análise crítica de diversos gêneros textuais; discutir os elementos linguísticos que compõem a língua inglesa à luz do uso que se faz do idioma ao agir na sociedade; levar à percepção de como a língua se organiza a fim de atender às demandas sociodiscursivas; incorporar à estrutura linguística o contexto de produção dos discursos. Nossa disciplina visa aprimorar o conhecimento sistêmico-estrutural da língua inglesa, tendo como objeto de estudo a análise crítica de diversos gêneros textuais. O foco da disciplina é a construção de sentido. O construto teórico está alicerçado no conceito de letramento (KLEIMAN, 2005; COPE; KALANTZIS, 2000) e de domínio discursivo (BAKHTIN, 2003; TODOROV, 1980; MARCUSCHI, 2005, 2008) porque acredita-se que: o domínio dos gêneros como instrumentos possibilita aos agentes produtores e leitores uma melhor relação com os textos, pois, ao compreenderem como utilizar um texto pertencente a um determinado gênero, pressupõe-se que esses agentes poderão também transferir conhecimentos e agir com a linguagem de forma mais eficaz, mesmo diante de textos pertencentes a gêneros até então desconhecidos (CRISTOVÃO, 2002, p. 95) A primeira unidade traz o conceito de letramento, domínio discursivo, gêneros primários e secundários, gêneros textuais e contexto de produção. A segunda unidade apresenta textos de diferentes gêneros textuais e analisa suas estruturas composicionais à luz dos conceitos discutidos na unidade anterior. 9 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO Unidade I 1 LÍNGUA INGLESA: OUTROS OLHARES E PERSPECTIVAS Os estudos linguísticos tradicionais, cuja origem está nos estudos de Saussure (2000) e de seus alunos, definem língua como um sistema de signos, um código convencionado na e pela sociedade, em que a língua pressupõe o uso de palavras que se organizam estruturalmente por meio de regras preestabelecidas. O pai da Linguística, como é conhecido, afirma: [...] a língua é de natureza homogênea: constitui-se num sistema de signos em que, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica (signo linguístico = significado + significante), e em que as duas partes do signo são igualmente psíquicas (SAUSSURE, 2000, p. 23). E ratifica: “[...] é necessário colocar-se primeiro no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações de linguagem” (SAUSSURE, 2000, p. 16). Essa visão de língua prevaleceu por muito tempo e de certa forma orientou os eventos de ensino- aprendizagem de línguas ao longo das décadas. Daí depreende-se a ênfase que se dá à estrutura da língua, à gramática (sistema que organiza e estabelece as regras do código linguístico) quando se pensa no processo de aprendizagem de uma língua, seja ela materna ou estrangeira. Trazendo essa questão para o objeto de estudo deste nosso curso, que é a Língua Inglesa, a ideia que predomina – e, por vezes, nos assola – é a de que uma pessoa que estuda inglês só será bem sucedida quando dominar todas as estruturas linguísticasdessa língua, isto é, quando apre(e)nder todas as regras gramaticais. O que acaba acontecendo é uma supervalorização dos estudos linguísticos estruturais em detrimento do desenvolvimento de uma visão de língua em uma perspectiva sociodiscursiva. Não negamos a necessidade do conhecimento da estrutura da língua e nem poderíamos, já que ela também se concretiza por meio dessas estruturas. É preciso, sim, saber a gramática de uma língua, (re)conhecer e articular seus tempos verbais, conectivos, preposições, artigos, adjetivos, pronomes, locuções. No entanto, podemos nos permitir outros olhares que muito provavelmente abrirão caminhos no processo de aprendizagem/aprimoramento da língua inglesa. Afinal, não é possível continuar olhando para uma língua sob um único ângulo quando as últimas décadas nos trazem um oceano de informações que chegam via globalização – conforme já estudamos – e via tecnologias da comunicação. Por isso, caro(a) aluno(a), o(a) convidamos para discussões e reflexões à luz da seguinte afirmação: Grammar needs to be seen as a range of choices one makes in designing communication for specific ends, including greater recruitment of nonverbal 10 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I features. These choices, however, need to be seen as not just a matter of individual style or intention, but as inherently connected to different discourses with their wider interests and relationship of power (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 17). É com essa proposta de outras visões sobre o ensino-aprendizagem de língua que discutiremos os tópicos a seguir. As discussões que virão não são de interesse apenas aos que pretendem lecionar inglês, mas a todos que se interessam pela língua inglesa e que tenham como objetivo a comunicação eficaz nesse idioma. 1.1 Letramento Figura 1 É comum ouvir que letramento é o mesmo que alfabetização. Basta a leitura de um único artigo sobre letramento, no entanto, para perceber que é muito mais do que isso. A alfabetização faz parte do letramento, está contida nele e é fundamental para que alguém possa ser considerado plenamente letrado, mas isso não basta. O letramento está ligado a práticas sociais no que diz respeito à escrita e à oralidade. Jaeger revela: Pesquisas recentes no campo do letramento apontam para a construção da escrita não apenas como fenômeno universal, indeterminado social e culturalmente, mas também como responsável pelo progresso, civilização e acesso ao conhecimento e à mobilidade social. A nova visão de letramento tem por base uma definição voltada a um conjunto de práticas sociais ligadas à escrita, em contextos específicos, para objetivos específicos (JAEGER, 2003, p. 34). Kleiman (2005) explica que o letramento está relacionado aos usos da escrita na vida moderna e demanda um conjunto de habilidades e competências que, acrescentamos, são interdependentes, conforme ilustra o diagrama a seguir: 11 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO Envolve práticas diárias de leitura Letramento Envolve saber usar o código da escrita Envolve imersão no mundo da escrita Envolve participar das práticas sociais que envolvem a escrita Figura 2 A figura evidencia que o letramento é resultado de um processo que exige de seu sujeito ação e agência. Quando se fala em imersão no mundo da escrita e práticas diárias de leitura, pressupõe-se um sujeito comprometido com seu processo de aprendizagem que entende que ler e escrever – em seu sentido mais amplo – significa dialogar com o mundo e consigo mesmo. Para que esse diálogo se realize, todavia, é preciso estar de olhos bem abertos aos movimentos do mundo, fenômenos, realizações, descobertas, análises, histórias, acontecimentos. Não se trata de um simples contemplar, é mais do que isso. Se observarmos atentamente, há três palavras que se destacam na figura: envolvimento, participação e prática. Ou seja, implica um sujeito dinâmico que sabe que deve produzir sentido de um texto ou qualquer outro produto ou material escrito em um determinado evento social. Dessa forma, complementa Kleiman (2005), o letramento permite adquirir o conhecimento necessário para agir em uma situação específica e está intrinsecamente relacionado com a oralidade e com as mais diversas linguagens não verbais. Essas outras linguagens, complementa a autora, incluem, entre outros: • Mudanças e transformações dos textos, decorrentes das novas tecnologias. • Escrita ambiental, como pichações, grafites, letreiros, outdoors, buttons. • Textos midiáticos: multissemióticos ou multimodais. 12 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Com base nessas afirmações, observe a seguinte página do British Council: Figura 3 É uma página da seção Listen and Watch de um dos cursos oferecidos pelo British Council. Há diversas modalidades presentes: a linguagem escrita formal padrão, a possibilidade de clicar nas imagens e ser levado a uma outra página para exibição dos conteúdos de listening e, desta forma, ter acesso à linguagem oral e ao som; os filmes cujas imagens dão suporte aos scripts dos listenings; ainda na página, um podcast (= forma de publicação de arquivos de mídia digital) para download de cursos digitais de Língua Inglesa, além da seção Your Comments, onde os usuários podem interagir com outros usuários e com o mediador do curso, observando que, nesta seção, não há exigência quanto ao uso da língua formal padrão, pois o objetivo é justamente a comunicação com falantes de todos os níveis de conhecimento do idioma. Há, sem dúvida, uma grande diferença entre a maneira como se lia antes, tipograficamente (= linearmente), e a leitura digital. Já não lemos mais da esquerda para a direita, apenas. Nossos olhos vão para todas as direções e, em uma única página, há oportunidades de uso da língua em diferentes e variadas modalidades. E esse é um dos muitos motivos para pensarmos na língua e suas diversas possíveis manifestações como um recurso para a prática social. A língua em sua essência fluída, não estática. 13 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO Saiba mais Consulte <learnenglish.britishcouncil.org/>. Você encontrará inúmeros cursos on-line de e em Língua Inglesa. Encontramos em Cope e Kalantzis (2000) um complemento às considerações feitas anteriormente sobre letramento. Os autores afirmam que o letramento pode levar a uma participação social plena e igualitária, mas, para que isso possa ocorrer, não pode se restringir à alfabetização – compreendida com o ensinar a ler e a escrever, dentro dos limites da folha de papel, de forma padronizada e considerando apenas a língua materna. Letramento, no sentido pleno da palavra, não se dá em uma perspectiva formalizada, monolingual e monocultural, mas, sim, em um campo aberto onde se negocia a multiplicidade dos discursos. O escopo do letramento deve abranger as sociedades globalizadas, a multiculturalidade e a pluralidade dos textos que circulam no mundo. É dessa perspectiva que surge a palavra “multiletramentos”: [...] a word we chose to describe two important arguments we might have with the emerging cultural, institutional, and global order: the multiplicity of communication channels and media, and the increasing saliency of cultural and linguistic diversity. The notion of multiliteracies supplements traditional literacy pedagogy by addressing these two related aspects of textual multiplicity. What we might term “mere literacy” remains centered on language only, and usually on a singular national form of language at that, which is conceived as a stable system based on rules such as mastering sound-letter correspondence. This is based on the assumption that we can discernand describe corect usage. Such a view of language will characteristically translate into a more or less authoritarian kind of pedagogy. A pedagogy of multiliteracies, by contrast, focuses on modes of representations much broader than language alone (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 4). Não pretendemos discorrer sobre o conceito de multiletramentos, porque o foco desta disciplina é outro, conforme já explicitado. No entanto, incluímos a citação anterior para que se possa ter uma ideia do quanto o processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa expandiu em relação à visão de que “saber inglês é saber as regras gramaticais”. 14 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Saiba mais Se você, caro(a) aluno(a), tem interesse em ler mais sobre letramentos e/ou multiletramentos, indicamos: COPE, B.; KALANTZIS, M. (Org.). Multiliteracies: Literacy learning and the design of social futures. Nova Iorque: Routledge, 2006. GRANDO, K. B. O letramento a partir de uma perspectiva teórica: origem, conceituação e relações com a escolarização. In: IX ANPED SUL. Anais... Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2012. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/ anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/3275/235>. Acesso em: 13 maio 2015. ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. ROJO, R.; MOURA, E. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. SENNA, L. A. G. Letramentos: princípios e processos. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. (Disponível na Biblioteca Virtual da UNIP Interativa). SOUSA, R. M. R. Q. de. Multiletramentos em aulas de língua inglesa no ensino público: transposições e desafios. Tese de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. THE NEW LONDON GROUP. A pedagogy of multiliteracies: designing social futures. Harvard Educational Review, v. 6, n. 1, p. 1-31, Cambridge, 1996. Bem, você deve estar pensando que o panorama agora está bem mais complexo. Se apreender/assimilar a estrutura formal – a gramática, enquanto sistema – da língua inglesa já é, por si só, um desafio, o que dizer de agregar a isso todas essas práticas e visões multifacetadas de linguagem, para que só então possa ser considerado letrado no idioma? Mas é cabível raciocinar de um outro modo: é fato que o conhecimento das estruturas formais de uma língua é condição sine qua non para que possa ser considerado letrado nessa língua e ter a possibilidade de participação social. Todavia, todas as questões apresentadas até aqui nos levam a perceber que a gramática tem de dialogar com os textos, levando em consideração os eventos sociais que eles representam. As regras, por si só, não nos dizem nada, não nos permitem criar sentido. É por isso 15 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO que, muitas vezes, estudamos um idioma por meio de uma visão tradicional de ensino – que põe em foco as regras gramaticais descontextualizadas – e mesmo com muito esforço e exercício, não conseguimos articular aquele conhecimento em uma situação real de comunicação. Ao compreendermos que as regras são apenas parte daquilo que permitirá o trânsito pelo idioma com participação nos eventos sociais, é possível ver sentido em estudarmos uma língua por meio dos textos que circulam no mundo. Marcuschi (2008, p. 51) afirma: “Que o ensino de língua deva dar-se através de textos é hoje um consenso tanto entre linguistas teóricos como aplicados. Sabidamente, essa é, também, uma prática comum na escola e orientação central dos PCN”. Há controvérsias em relação a ser uma prática comum nas escolas, mas este é outro assunto, para um outro momento. O importante é compreendermos o caráter fluído da língua e suas regras gramaticais em função dos discursos, e não o contrário. Marcuschi (2008, p. 51-52) diz que, com base em textos, pode-se apreender uma língua, trabalhando-se, entre outros: • a língua em seu funcionamento autêntico e não simulado; • as relações entre as diversas variantes linguísticas; • o funcionamento e a definição das categorias gramaticais; • os padrões e a organização de estruturas sintáticas; • a organização do léxico e a exploração do vocabulário; • o funcionamento dos processos semânticos da língua; • a organização das intenções e os processos pragmáticos; • a progressão temática e a organização tópica; • o estudo dos gêneros textuais. Observa-se que não se despreza o estudo da língua como estrutura, como um código linguístico organizado por um sistema de regras. Muito pelo contrário, esse estudo é fundamental. O que se faz é chamar a atenção para o estudo da língua em funcionamento, a serviço da comunicação entre as pessoas e da construção de saberes, valores, crenças, representações. Assim, vemos em Kleiman (2005) que letramento corresponde a práticas sociais de uso da escrita e essas práticas são coletivas e colaborativas, por isso se fala em construção de sentido e nunca em sentido pronto, predeterminado por ocasião da produção do texto. Cada uma dessas práticas é situada, isto é, tem um objetivo específico dentro de um contexto específico de produção, numa determinada esfera de atividade. 16 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Vamos, então, estudar os elementos linguísticos em seus hábitats naturais, ou seja, nos textos. Para tal, revisitaremos os conceitos de gêneros discursivos e gêneros textuais. Saiba mais A seguir, mais algumas indicações: MATTOS, A. M. A. Novos letramentos, ensino de língua estrangeira e o papel da escola pública no século XXI. In: JORDÃO (Org.). Letramentos e Multiletramentos no Ensino de Línguas e Literaturas. Revista X, v. 1, 2011. Disponível em: <ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/revistax/article/ download/22474/16915>. Acesso em: 14 maio 2015. MATTOS, A. M. A.; VALÉRIO, K. M. Letramento crítico e ensino comunicativo: lacunas e interseções. RBLA, v. 10, n. 1, p. 135-158, Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbla/v10n1/08. pdf>. Acesso em: 14 maio 2015. REVISTA X: LETRAMENTO CRÍTICO E MULTILETRAMENTOS. v. 1, n. 1, Departamento de Letras Estrangeiras Modernas – Universidade Federal do Paraná, 2011. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/revistax/ issue/view/1232/showToc>. Acesso em: 14 maio 2015. 1.2 Gêneros discursivos Os gêneros discursivos são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos (BAKHTIN, 2003, p. 268). Todorov (1980) relata que a palavra “gênero” foi originalmente utilizada pela retórica, com Platão, bem como pela literatura – com o objetivo de distinguir entre o lírico, o épico e o dramático. Daí, depreendemos que o estudo dos gêneros interessa, desde os antigos, àqueles que se ocupam dos estudos da linguagem. A propósito, o uso da linguagem é uma atividade humana que permeia quase todas as demais atividades humanas e é tão multiforme quanto essas tantas outras atividades. Explica-nos Bakhtin (2003) que empregamos a língua para produzir enunciados (= atos de produção do discurso oral ou escrito). Esses enunciados são concretos, únicos, realizam-se em condições específicas e possuem uma finalidade de comunicação que se manifesta por seu conteúdo temático, por sua construção composicional e pelo estilo de linguagem, elementos que serão abordados posteriormente. 17 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO Bakhtin esclarece: esses trêselementos estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003, p. 262). Considerando ser o enunciado uma atividade humana e o homem – dado o seu intelecto – um ser com capacidade de realização de inesgotáveis atividades, os gêneros discursivos são, consequentemente, fenômenos sociais dotados de imensa riqueza e diversidade e sem possibilidade de serem definidos quantitativamente. Eles diferenciam-se, ampliam-se e transformam-se com o uso. Variam de acordo com o contexto histórico, social e cultural; variam de acordo com o papel social e representações dos sujeitos envolvidos no evento da comunicação e também de acordo com a instituição na qual deverão circular. Essa tamanha heterogeneidade dos gêneros discursivos gera uma impossibilidade de se traçar um plano único de estudo para eles. É possível pesquisá-los, observá-los e analisá-los, mas não é possível radiografá-los no sentido de estabelecer e delimitar suas características nem muito menos enumerá-los. Há, claro, gêneros discursivos que refletem muito menos a individualidade dos sujeitos envolvidos naquela ação de linguagem – por exemplo, os enunciados padronizados de documentos jurídicos e discursos oficiais. Há, nesses gêneros discursivos, uma maior especificidade no uso da linguagem. Mesmo assim, apresentam diversidade e a visão da heterogeneidade dos gêneros do discurso prevalece. E é justamente devido a essa extrema heterogeneidade, fruto das infindas relações humanas que se concretizam no uso da linguagem, que Bakhtin (2003, p. 263-264) dividiu os gêneros em dois tipos: o primário e o secundário, a saber: Gêneros primários: podem também ser chamados de gêneros simples e compreendem as ações de linguagem que ocorrem nas situações do cotidiano, de caráter espontâneo, informal e não pré-elaborado. Como exemplos, podemos citar os diálogos do dia a dia, narrativas orais sobre assuntos do cotidiano, reuniões entre amigos etc. Os gêneros primários ocorrem na comunicação imediata entre interlocutores. Gêneros secundários: podem também ser chamados de gêneros complexos e necessitam de um meio, geralmente a escrita, para se configurarem. Os gêneros secundários apresentam uma forma de uso da linguagem mais elaborado em situações de ação de linguagem mais complexas, mais intelectualmente construídas. Como exemplos, podemos citar artigos políticos e jornalísticos, entre outros. É importante lembrar que a matéria dos gêneros é a mesma; o que os diferencia é o grau de complexidade, o quanto seus enunciados foram ou não elaborados antes de serem proferidos. 18 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Para ilustrar essa questão de gêneros discursivos primários e secundários e relacioná-los com o uso da língua, selecionamos um trecho de um texto literário. Trata-se do início do primeiro capítulo da obra The Old Man and the Sea, de Ernest Hemingway, referência entre as obras do autor. Figura 4 Leia-o atentamente, prestando atenção nas estruturas linguísticas utilizadas: He was an old man who fished alone in a skiff in the Gulf Stream and he had gone eighty-four days now without taking a fish. In the first forty days a boy had been with him. But after forty days without a fish the boy’s parents had told him that the old man was now definitely and finally salao, which is the worst form of unlucky, and the boy had gone at their orders in another boat which caught three good fish the first week. It made the boy sad to see the old man come in each day with his skiff empty and he always went down to help him carry either the coiled lines or the gaff and harpoon and the sail that was furled around the mast. The sail was patched with flour sacks and, furled, it looked like the flag of permanent defeat. The old man was thin and gaunt with deep wrinkles in the back of his neck. The brown blotches of the benevolent skin cancer the sun brings from its reflection on the tropic sea were on his cheeks. The blotches ran well down the sides of his face and his hands had the deep-creased scars from handling heavy fish on the cords. But none of these scars were fresh. They were as old as erosions in a fishless desert. Everything about him was old except his eyes and they were the same color as the sea and were cheerful and undefeated. “Santiago”, the boy said to him as they climbed the bank from where the skiff was hauled up. “I could go with you again. We’ve made some money.” 19 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO The old man had taught the boy to fish and the boy loved him. “No,” the old man said. “You’re with a lucky boat. Stay with them.” “But remember how you went eighty-seven days without fish and then we caught big ones every day for three weeks.” “I remember,” the old man said. “I know you did not leave me because you doubted.” “It was papa made me leave. I am a boy and I must obey him.” “I know,” the old man said. “It is quite normal.” “He hasn’t much faith.” “No,” the old man said. “But we have. Haven’t we?” “Yes,” the boy said. “Can I offer you a beer on the Terrace and then we’ll take the stuff home.” “Why not?” the old man said. “Between fishermen” (HEMINGWAY, 2012, p. 8). No trecho anterior, podemos observar a presença dos gêneros primário e secundário. Os três primeiros parágrafos pertencem ao gênero secundário, com linguagem e estruturas gramaticais mais elaboradas. O autor faz uso dos tempos verbais simple past e past perfect. A história é narrada no simple past, e o past perfect é utilizado para remeter o leitor aos fatos ocorridos antes da situação narrada (HEMINGWAY, 2012): The old man had taught the boy to fish and the boy loved it. O velho tinha ensinado/ensinara (had taught = past perfect) o menino a pescar e o menino adorava fazer isso (loved = simple past). He was an old man who fished alone in a skiff in the Gulf Stream and he had gone eighty-four days now without taking a fish. Ele era velho e pescava sozinho (was/fished = simple past) e já estava há oitenta e quatro dias sem pegar um peixe (had gone = past perfect). O primeiro parágrafo segue inteiro nesse contraste entre o que se apresentava no momento da narrativa e o que havia ocorrido antes do quadro narrado. Assim, o conhecimento desses dois tempos verbais nos ajuda a compreender o que levou o velho pescador à condição em que se encontrava. 20 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I O segundo e terceiro parágrafos descrevem o pescador. Como o tempo da narrativa é o passado, todos os verbos estão no simple past: was/were/ran/had. Nesses parágrafos, o que nos mostra a característica do gênero secundário é a rica e farta seleção dos adjetivos: old, thin, gaunt, deep, brown, benevolent, tropic, deep-creased, heavy, fresh, fishless, cheerful, undefeated. Juntos, eles nos permitem traçar mentalmente a imagem física e psicológica do personagem. Após esses três parágrafos, inicia-se um diálogo entre o pescador e um menino, seu amigo e ex-companheiro de pescaria. Nesse ponto, o gênero passa a ser primário, pois além de representar de uma ação de linguagem oral, retrata um diálogo entre personagens de origens simples, com pouca ou nenhuma escolaridade, isto é, conhecimento formal da língua. Há, inclusive, a representação de desvios da língua padrão como em: It was papa made me leave. LI padrão: It was papa who made me leave. He hasn’t much faith. No, the old man said. But we have. Haven’t we? LI padrão: He hasn’t got much faith. ou He doesn’thave much faith. No, the old man said. But we do, don’t we? Essa questão de gêneros primários e secundários nos ajuda a entender por que, às vezes, temos dificuldade para compreender um texto em língua inglesa, enquanto compreendemos outros textos com muito mais facilidade. Entre outros fatores, isso pode estar relacionado ao fato dos gêneros secundários serem muito mais elaborados e complexos, linguisticamente falando, do que os gêneros primários. Saber sobre essas diferenças pode ajudar a nos prepararmos melhor antes de iniciar o processo de produção de sentido, seja na leitura ou na escrita. Essa preparação inclui, entre outros: buscar informação extratextual, buscar informação sobre o autor e o contexto sociocultural do texto, ficar atentos às variantes linguísticas, analisar o campo semântico. Ou seja, a existência dos gêneros discursivos leva-nos a refletir sobre o papel do homem frente à linguagem e ao seu papel social. Oliveira chama-nos a atenção: Indissociável da sociedade e disponível em sua memória linguística, o domínio de um gênero permite ao falante prever quadros de sentidos e comportamentos nas diferentes situações de comunicação com as quais se depara. Conhecer determinado gênero significa ser capaz de prever regras 21 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO de conduta, seleção vocabular e estrutura de composição utilizadas, é a competência sócio-comunicativa dos falantes que os leva à detecção do que é ou não adequado em cada prática social. E ainda, quanto mais competente – e experiente – for o indivíduo, mais proficiente ele será na diferenciação de determinados gêneros e na facilidade de reconhecimento das estruturas formais e de sentido que o compõe (OLIVEIRA, 2004, p. 1). Seguindo essa linha de pensamento, os gêneros se estabelecem porque nós nos estabelecemos como participantes de um determinado grupo social, como membros de alguma comunidade. “Os gêneros são, pois, padrões comunicativos que, socialmente utilizados, funcionam como uma espécie de modelos comunicativos globais que representam um conhecimento social localizado em situação concreta” (BAKHTIN, 2003). Pelo fato de serem criados e recriados na sociedade, na necessidade e no uso, não é possível quantificar e relacionar os gêneros discursivos, conforme já foi mencionado, mas podemos citar alguns mais comuns: Quadro 1 GÊNEROS DISCURSIVOS Literário Jurídico Político Jornalístico Do cotidiano Publicístico Médico Científico Científico-acadêmico Religioso Conforme citado anteriormente, a fim de aferir a qual gênero discursivo pertence um determinado enunciado, devemos, em uma primeira instância, levar em consideração três elementos principais: o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo de linguagem. Vejamos a definição de cada um deles: Conteúdo temático: “O conteúdo temático de um texto pode ser definido como o conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas, isto é, que são traduzidas no texto pelas unidades declarativas da língua natural utilizada” (BRONCKART, 2003, p. 97). É o assunto do qual o texto trata, o referente, a mensagem que se deseja transmitir. Construção composicional: diz respeito à estrutura formal do texto, isto é, o “como” ele foi elaborado: formal, informal, prolixo, preciso, parágrafos curtos ou longos, estruturas sintáticas mais ou menos elaboradas, construção do conjunto, relação do autor com os participantes da comunicação discursiva, acabamento etc. 22 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Estilo de linguagem: o estilo de linguagem está diretamente relacionado às escolhas individuais do autor do texto: suas preferências gramaticais, seleção lexical, uso ou não de metáforas, ironia, acidez etc. Em The New London Group (1996, p. 13) encontramos a seguinte definição para estilo: “Style is the configuration of all the semiotic features in a text in which, for example, language may relate to layour and visual images”. É imprescindível ressaltar que a divisão desses três elementos é puramente didática. No texto, eles se apresentam de forma indissolúvel, como um todo, o todo que materializa o texto. Além disso, a percepção e análise desses elementos não terão validade alguma se todo o contexto não for considerado: (a) o contexto sócio-histórico, isto é, o tempo, o momento e o espaço da produção do texto, bem como as motivações, expectativas e intenções de seus interlocutores; e (b) o contexto de produção, ao qual daremos uma atenção especial. Com base em Bronckart (2003, p. 93-97), o contexto de produção é um dos parâmetros para a organização textual. Ele não pode ser acessado em sua completude porque, além de ser constituído na situação de ação de linguagem externa, também o é na interna e a esta sabemos não ser possível total acesso. Mas, considerando que o agente se organiza textualmente a partir de suas representações dos mundos formais e também a partir das avaliações dos outros, o contexto de produção torna-se de suma importância. Podemos colocá-lo em dois planos, sendo o primeiro o contexto físico, hospedeiro de duas capacidades cognitivas: a identidade do emissor (eu) e do receptor (o outro) e as coordenadas tempo- espaço, conforme mostra o quadro a seguir: Quadro 2 – O contexto físico de produção O lugar de produção è onde? = o lugar físico da produção do texto. O momento de produção è quando? = a extensão de tempo do texto produzido. O emissor è quem diz? = o ser físico que produz o texto. O receptor è para quem diz? = o ser físico que recebe o texto. No contexto físico, é possível fazer uma discussão do meio físico, uma descrição factual. Já o segundo plano leva em consideração os mundos social e subjetivo, ou seja, a interação comunicativa: trata-se do contexto sociossubjetivo, que se constrói e se reconstrói continuamente, pois baseia-se no processo de aprendizagem do ser humano, que é um processo contínuo e em permanente transformação, como demonstra o quadro a seguir: Quadro 3 – O contexto sociossubjetivo de produção O lugar social è onde? = em que formação social estou? Em qual instituição estou: escola, igreja, quartel, shopping, delegacia? O objetivo da interação è o efeito que o enunciador deseja que seu texto produza sobre o destinatário: convencê-lo, persuadi-lo, emocioná-lo etc. A posição social do emissor (enunciador) è quem diz? = qual é o papel social de quem diz? Pai, chefe, amigo, rival, cliente, fornecedor, aluno, professor? A posição social do receptor (destinatário) è para quem diz? = qual é o papel social do receptor do texto? Pai, chefe, amigo, aluno, professor? 23 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO O contexto de produção é uma camada da materialidade do texto a ser descrita e discutida. É como uma radiografia do corpo textual, a partir da qual é possível mapear e compreender o tempo, o espaço, a identidade e a posição da tríade autor-texto-leitor. Após essas considerações sobre o conceito de gêneros discursivos, vamos passar para o estudo dos gêneros textuais: entidades linguísticas, com fins comunicativos, que transitam pelo mundo e contribuem para a apreensão de sentido. 1.3 Gêneros textuais No tópico anterior, estudamos os gêneros discursivos e seus elementos. Neste tópico, a discussão será em torno dos gêneros textuais. Para compreender a diferença entre eles, tomemos que “discurso” deriva de instituição e “gênero” deriva das ocasiões sociais convencionalizadas em que a vida social acontece. Usa-se a expressão gênero discursivo: para designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamosem discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística e religiosa não abrangem um gênero em particular, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas (MARCUSCHI, 2005, p. 24-25). O quadro a seguir contribui para uma melhor compreensão daquilo que foi explanado no parágrafo anterior, pois com ele é possível visualizar que os gêneros textuais estão contidos nos gêneros discursivos, chamados por Marcuschi (2005) de domínios discursivos. Quadro 4 Domínios discursivos Gêneros textuais (Alguns exemplos de um amplo universo possível) Literário Romance, poesia, conto, conto de fadas, crônica, fábula. Jurídico Petição, acórdão, licitação, veredicto, processo, recurso, laudo, apelação, sentença, inquérito. Jornalístico Artigo, edital, texto de opinião, carta (ao leitor, por exemplo), nota (de falecimento, de casamento etc.), resenha, reportagem, notícia. Publicitário Anúncio, folheto, flyer, outdoor, placa, logomarca, inscrições em muros. Médico Laudo, prescrição, avaliação, bula de remédio, boletim. Instrucional (científico, acadêmico e educacional) Dissertação, tese, resumo, resenha, resenha crítica, artigo, relatório, conferência, aula expositiva, palestra, diploma, provas, manuais de ensino, regulamentos. Religioso Sermão, oração, novena, jaculatória, cânticos religiosos. Adaptado de: Marcuschi (2008, p.194-196). 24 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Note que os gêneros textuais abarcam tanto textos na modalidade oral quanto na modalidade escrita, pois são os textos que encontramos em nossa vida diária. E se pensarmos nesses gêneros textuais separadamente, é possível perceber que cada um deles possui seu conteúdo, propriedade funcional e construção composicional. E já que ressaltamos essa diferenciação entre domínios discursivos e gêneros textuais, cabe também assinalar que os gêneros textuais são compostos por um ou mais tipos de texto que são “uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)” (MARCUSCHI, 2005, p. 22). Gêneros textuais são, portanto, textos organizados de forma que contenham características estruturais relativamente estáveis, correspondendo a práticas e funções sociais específicas. Na nossa vida cotidiana, nossos atos de fala/escrita ocorrem por meio de gêneros mais ou menos preestabelecidos, como podemos verificar observando o quadro anterior. Conforme afirma Pinheiro: [...] pode-se vincular a noção de gênero à recorrência de especificidades e à observação de certos parâmetros sob os quais um texto é produzido e percebido. Um gênero está ligado ao reconhecimento de regularidades de forma e conteúdo de um texto; às formas e aos significados sociais convencionalizados dentro de uma comunidade. [...] No entanto, não se pode pensar em gênero como uma força conservadora. Sua inserção na dinâmica de uma cultura determina sua contínua transformação, da mesma forma que busca garantir uma certa estabilização. [...] O reconhecimento de regularidades nos textos de um gênero contribui para que produtores e receptores se orientem na instância de produção e de interpretação dos mesmos. Diante do exposto, o que fica transparente é a ideia de que a produção e a interpretação de um texto estão atreladas ao reconhecimento de regularidades e de variabilidades. Por isso um texto tende a ser inteiramente construído dentro das convenções de um gênero. E o novo não significa necessariamente o inédito, mas novo porque é construído para uma ocasião social específica, para um momento sócio-histórico-culturalmente determinado (PINHEIRO, 2002, p. 275). Muitas vezes, temos dificuldades para ler ou escrever um texto por não estarmos familiarizados com o gênero em que ele foi/deve ser produzido. Como vimos na citação anterior, há vários aspectos sobre o gênero textual que extrapolam o simples conhecimento do vocabulário. Na verdade, os gêneros não são formas fixas, “receitas”, mas, sim, refletem (bem como dão forma) aos modos dinâmicos com que se constroem significados em uma determinada cultura. É por isso que gêneros textuais novos parecem surgir a todo o momento. Muitas vezes, tratam-se de adaptações de gêneros já existentes, caso, por exemplo, das enciclopédias virtuais. Podemos citar também os blogs: são os diários pessoais de outros tempos. Essa questão da natureza dinâmica e flexível dos gêneros textuais é também encontrada em Ormundo e Wetter: Diferentes gêneros são combinados e novos gêneros se desenvolvem mediante a combinação de gêneros já existentes. Mudanças de gêneros 25 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO são pertinentes para reestruturação e reescalonamento da vida social no novo capitalismo que está ligado à capacidade transformadora da ação humana de intervir numa série de eventos, tanto quanto alterar o seu curso (ORMUNDO; WETTER, 2013, p. 87). Identificar o gênero textual de um determinado enunciado e reconhecer a qual domínio discursivo ele pertence são tarefas que nos aproximam dos textos. Mais familiarizados com o que vamos ler ou com o que teremos de/queremos escrever, nossas escolhas ou o nosso olhar para os elementos lexicais e morfossintáticos são mais conscientes e mais orientados. Esse reconhecimento também nos permite discernir textos que precisam ter suas estruturas mais próximas da gramática normativa daqueles que se constroem a partir de variantes linguísticas. É evidente que não esgotamos as discussões sobre domínios discursivos e gêneros textuais. O que fizemos até aqui foi apenas uma apresentação e algumas breves considerações que, esperamos, possam contribuir com vocês, alunos(as), na produção de sentido em língua inglesa. Desta forma, sugerimos a leitura dos textos mencionados, a fim de ampliar ainda mais seus conhecimentos. Saiba mais Se você, caro(a) aluno(a), tem interesse em ler mais sobre gêneros discursivos e gêneros textuais, indicamos: MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. PINHEIRO, N. F. A noção de gênero para análise de textos midiáticos. In: MEURER, J. L.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros textuais. Bauru: EDUSC, 2002. DIONÍSIO, A. P. et al. Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2010. SACHETTO et al. Gêneros textuais: reflexões e ensino. CES Revista, v. 22, p. 169-180, Juiz de Fora, 2008. Disponível em: <http://www.ufjf.br/fale/ files/2010/06/G%C3%AAneros-textuais-reflex%C3%B5es-e-ensino.pdf>. Acesso em: 14 maio 2015. LIMA, A. M. J. Os gêneros textuais e o ensino da produção de texto: análise de propostas em livros didáticos de Língua Inglesa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, 2007. Disponível em: <http:// www.uece.br/posla/dmdocuments/adrianamoraisjalesdelima.pdf>. Acesso em: 4 maio 2015. OLIVEIRA, M. S. Gêneros textuais e letramento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 2, p. 325-345, Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http:// wac.colostate.edu/siget/rbla/socorro.pdf>. Acesso em: 14 maio 2015. 26 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I 1.4 Análise de um texto: articulação entre gênero textual, contexto de produção e estrutura linguística Pensando no que foi exposto sobre conteúdo temático, construção composicional, estilo de linguagem e contexto de produção, vamos analisar o Hino Nacional da Índia. Há uma razão para termos escolhido o hino desse país que ficará evidenciada ao longo de nossos comentários. O conteúdo temático de umhino é, na maioria das vezes, a expressão de admiração e amor à pátria. Como um hino é um texto para ser cantado, ele é, em geral, elaborado por meio de estrofes e costuma possuir um refrão. As estruturas gramaticais de um hino podem ser mais ou menos elaboradas (no caso do Hino Nacional Brasileiro, temos estruturas sintáticas bem complexas), mas o que normalmente é comunicado por meio de um hino é o fervor pela pátria e a disposição de seu povo à servidão e à luta em nome de um país independente e próspero. Em geral, o objetivo de um hino nacional é despertar a consciência cívica e salientar que verdadeiros patriotas defendem o seu país até a morte, se necessário. Observe que, mesmo antes de apresentarmos o hino que será discutido, já podemos pensar, por exemplo, sobre sua estrutura e temática. É uma forma de nos prepararmos para o texto que virá e nos ajuda a compreender melhor a camada linguística do texto, as escolhas do autor em termos morfossintáticos e semânticos. É importante, também, conhecermos um pouco sobre o contexto de produção do texto, no caso do Hino Nacional da Índia. Vejamos: India’s various ethnic and cultural groups are honoured in the national anthem, and the melody is very reminiscent of Indian music as well. The music and words (including the English translation) were written by Rabindranath Tagore, the same composer of the music and words of the national anthem of Bangladesh. The poem originally was written (in Bengali) in 1911 with five verses, only the first verse is the national anthem. The subject of the song is the Universal Spirit that guides India (God), possibly as a unifying link to the varying ethnic groups of the nation. It was first used as a national anthem by the “Free State of India” (Axis-controlled India) from 1943-1945. It was officially adopted as India’s national anthem two days before the republic was declared in 1950. At the time of adoption, another national song “Vande Mataram” was popular with the people and many government leaders, but the fact that Vandemataram personified India as a Goddess was offensive to the monothestic Muslim population and led to Jana-gana-mana’s adoption as the national anthem (INDIA, [s.d.]). 27 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO Figura 5 The National Anthem of India The national anthem of India is sung on many occasions, mainly on two national holidays – Independence Day (August 15) and Republic Day (January 26). The song comprises the lyrics and music of the first stanza of the Nobel laureate poet Rabindranath Tagore’s “Jana Gana Mana” written in praise of India. Below are the words of India’s national anthem and the translation into English, by the same author: Quadro 5 12 First stanza In English Jana-gana-mana-adhinayaka, jaya he Bharata-bhagya-vidhata. Punjab-Sindh-Gujarat-Maratha Dravida-Utkala-Banga Vindhya-Himachala-Yamuna-Ganga Uchchala-Jaladhi-taranga. Tava shubha name jage, Tava shubha asisa mage, Gahe tava jaya gatha, Jana-gana-mangala-dayaka jaya he Bharata-bhagya-vidhata. Jaya he, jaya he, jaya he, Jaya jaya jaya, jaya he! Thou1 art the ruler of the minds of all people Dispenser of India’s destiny Thy name rouses the hearts of Punjab, Sind, Gujarat and Maratha Of the Dravida and Orissa and Bengal It echoes in the hills of the Vindhyas and Himalayas Mingles in the music of Jamuna and Ganges and is chanted by the waves of the Indian Sea. They pray for thy blessings and sing thy praise. The saving of all people waits in thy hand Thou dispenser of India’s destiny Victory, victory, victory to thee!2 1 Yhou/thee = you 2 A tradução para o inglês foi feita pelo próprio autor do texto original, Rabindranath Tagore, e está na no site referenciado. 28 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 Unidade I Second stanza In English Ohoroha Toba Aahbaana Prachaarita, Suni tab udaar vaani Hindu Bauddh Shikha Jain, Parasik Musolman Christaani Purab pashchim aashey, Tab singhaasana paashey Premohaara hawye gaanthaa Jana gana oikya vidhaayak jaya he, Bhaarat bhaagya vidhaataa Jaya he, jaya he, jaya he, Jaya jaya jaya, jaya he! You call us to unite day and night Hindus and Budhists Jainas and Sikhis Parsees, Muslims, and Christians, From east and West your throne above We move to weave A garland of love You rule on the hearts of so many You, the guardian of India’s destiny Victory, victory, victory to thee!3 3 Adaptado de: Das (s.d.) e Rabindranath Tagore (s.d.). O hino completo tem cinco estrofes, mas optamos por apresentar as duas primeiras, porque elas já nos dão subsídios para as observações que pretendemos fazer. Comentamos anteriormente que um hino, normalmente, declara a disposição de um povo para defender sua pátria até a morte, se necessário. Todavia, pudemos perceber que o hino da Índia se diferencia um pouco dos demais. A primeira estrofe traz os nomes de diversas regiões da Índia e deposita a guarda e a defesa da pátria nas mãos de um deus. A segunda estrofe nomeia os mais diversos povos que habitam a Índia e pede para que esse deus guie os seus corações, sem se importar com as diferenças, sobretudo as religiosas. É um hino que se assemelha a uma oração. Bem, hinos e orações são gêneros bem diferentes, mas o contexto sócio-histórico da Índia – um país assolado, por um lado, pela ganância dos colonizadores e, por outro, pelos conflitos religiosos, sociais e culturais de seu próprio povo – justifica as escolhas do autor, que nomeia regiões e pessoas, a fim de propor à terra e aos homens uma convivência pacífica. Além disso, a simplicidade do texto do hino também nos remete aos princípios indianos. Se prestarmos atenção na estrutura linguística, os verbos utilizados são: ser, ecoar, elevar, misturar/ mesclar, cantar, orar, repousar, unir e entrelaçar. Todos estão no presente – simple present, destacando a simplicidade do texto. Há muito mais de substantivos (regiões e povos) no hino do que verbos, o que pode ser interpretado como um convite à contemplação do que é, e não um convite a guardar, lutar e defender o que se tem. Talvez possamos dizer que se trata da visão da pátria como lar e não como propriedade. O refrão “Victory, victory, victory to thee” canta a vitória do deus protetor do país, e não uma vitória decorrente de luta sangrenta. Como é possível notar, o conteúdo temático, o estilo de linguagem e a estrutura composicional trabalham em função do contexto de produção. Uma análise nesse viés nos permite olhar para as estruturas linguísticas como (co)construtoras de sentido, isto é, com parceiras no ato da escrita ou da leitura. 3 A tradução para o inglês decorre de uma transcrição de um áudio onde indianos cantam, em inglês. O vídeo está no site referenciado. 29 Pó s - R ev isã o: V irg in ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 05 /2 01 5 LÍNGUA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO Figura 6 Resumo Nesta primeira unidade, vimos que os estudos linguísticos tradicionais orientaram as abordagens de ensino-aprendizagem tanto da língua materna quanto da língua estrangeira durante muito tempo. Ratificamos que o conhecimento das estruturas formais de uma língua é fundamental para que o indivíduo tenha a possibilidade de participação e trânsito nas mais diversas esferas sociais; entretanto, afirmamos que a gramática tem de dialogar com os textos, levando em consideração os eventos sociais que eles representam. Por esse motivo, apresentamos o conceito de letramento sob a perspectiva do saber produzir sentido de um texto em um determinado evento social. Trata-se do ensino-aprendizagem de um idioma por meio do estudo da língua em funcionamento e a serviço da comunicação e da construção dos saberes. Como consequência, discutimos os gêneros discursivos, os gêneros textuais e seus elementos, e foi abordada também a noção de contextode produção.
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