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GEOPOLÍTICA AULA 2 Prof. Andre Francisco Matsuno Frota 2 CONVERSA INICIAL Na etapa anterior dos estudos em Geopolítica, você viu os principais conceitos e fundamentos da Geopolítica com base na obra de Teixeira Júnior (2017). Agora, e com base no referido autor, você conhecerá importantes contribuições teóricas para a Geopolítica clássica concebidas e defendidas por três autores relevantes para esse campo de estudos: Alfred Mahan, Halford Mackinder e Nicholas Spykman. Os autores, cujas reflexões influenciaram a Geopolítica do século XX, particularmente a da Guerra Fria, serão apresentados a seguir. Iniciaremos o primeiro tema com Alfred Mahan. TEMA 1 – ALFRED T. MAHAN O almirante norte-americano Alfred Tayer Mahan (1840-1914), conforme explica Teixeira Júnior (2017, p. 52), “[...] foi um misto de militar e acadêmico”. Ao advogar a relevância do mar para a projeção e a conservação do poder do Estado, como pode-se observar em sua obra The Influence of Sea Power upon History (1890), Mahan prestou uma contribuição fundamental para pensar o papel do poder marítimo, ainda que, àquela altura, o termo Geopolítica e seu respectivo espaço acadêmico não existissem de fato (Teixeira Júnior, 2017, p. 54). Com experiência acadêmica e de comando no U.S. Naval War College (que frequentou entre 1880 e 1890) e no Newport War College, além de graduado pela United States Naval Academy, Mahan é considerado, conforme explica Teixeira Júnior (2017, p. 52-59), um importante estrategista naval, além de geoestrategista e um dos “pioneiros” da Geopolítica. Prova disso é a influência significativa do almirante para a estratégia naval dos Estados Unidos graças à sua “projeção bioceânica”, algo que foi ao encontro das expectativas de Mahan quanto à transformação de seu país em uma potência marítima, em uma época que privilegiava o papel decisivo do poder terrestre (Teixeira Júnior, 2017, p. 52-60). No Tema 2, você poderá observar os princípios mahanianos para o poder marítimo. TEMA 2 – MAHAN: PRINCÍPIOS Para o almirante norte-americano, aspectos demográficos, de localização e extensão geográfica do Estado devem ser levados em conta para a 3 configuração do seu poder e natureza (marítima ou continental). Conforme explica Crowl (2001, citado por Teixeira Júnior, 2017, p. 55), “os cinco fatores decisivos para a constituição do poder marítimo – expressão do poder geopolítico – são: posicionamento + extensão territorial + população + caráter nacional + política de governo (Castro, 1999; Crowl, 2001)”. Para Mahan, o melhor exemplo para corroborar sua aposta no domínio dos mares para a expansão e aumento do poder nacional, bem como para a segurança e para a vitória militar, foi o Império Britânico. Sua condição de isolamento territorial, o controle de pontos estratégicos ao redor do globo terrestre e o peso do poder naval britânico foram somados ao “caráter nacional” e à “mentalidade oceânica” do povo, fatores-chave para o status de potência marítima do Império Britânico à época (Teixeira Júnior, 2017, p. 55-59). Se Mahan foi o expoente teórico do Poder Marítimo, Sir Halford Mackinder foi o expoente teórico do Poder Terrestre, conforme pode-se verificar a seguir, no Tema 3. TEMA 3 – MACKINDER O geógrafo britânico Halford Mackinder, além de ter fundado a Oxford School of Geography e dirigido a London School of Economics, integrou o Parlamento Britânico e deu à Geopolítica maior visibilidade, maior autonomia em relação à Geografia Política e, principalmente, uma sólida contribuição teórica, ao propor, com bases sólidas, uma teoria do Poder Terrestre (Teixeira Júnior, 2017, p. 61). Com Mackinder, bem como por sua preocupação com o futuro do Império Britânico diante do poderio da Alemanha e da Rússia à época, o olhar para o Poder Terrestre foi acompanhado de dois conceitos-chave, cuja influência foi, direta e indiretamente, refletida na Geopolítica Clássica e no futuro desta última: os conceitos de Heartland e de área-pivô, que serão explicados adiante (Teixeira Júnior, 2017, p.73-74). Em um contexto de ascensão da Alemanha enquanto potência continental, bem como diante da posição de força do Império Russo enquanto poder terrestre na Europa, Mackinder via-se diante de uma preocupação: a de que o Império Britânico e o seu poder marítimo pudessem ser ameaçados pela ascensão de uma potência terrestre na Europa Continental, fosse a Alemanha, a Rússia, ou, no pior dos cenários, ambas enquanto aliadas (Teixeira Júnior, 4 2017, p. 62-63). Com isso, contrariando o pensamento de Mahan e do Poder Marítimo, o geógrafo britânico coloca o Poder Terrestre como central para o futuro do mundo (Teixeira Júnior, 2017, p. 63). No Tema 4, os conceitos centrais para a teoria de Mackinder serão mais bem observados. TEMA 4 – MACKINDER: CONCEITOS-CHAVE Diante disso, ao publicar o famoso artigo “The Geographical Pivot of History” (1904), Mackinder “deslocou” o “centro do mundo” para o Leste, para a “Ásia profunda”, cujas dinâmicas de expansão territorial seriam decisivas para a Geopolítica (Teixeira Júnior, 2017, p. 63-64). Com essa nova perspectiva eurasiática, de acordo com Melo (1999, citado por Teixeira Júnior, 2017, p. 64), surgiu a seguinte reflexão teórica mackinderiana sobre a política e o poder mundiais: “o mundo como sistema político fechado; História universal baseada na causalidade geográfica; postulado da luta pela supremacia entre o poder marítimo e o poder terrestre” (Teixeira Júnior, 2017, p. 64). Teixeira Júnior (2017, p. 64-65) explica que, para Mackinder, a interconexão da política mundial, ou seja, o “sistema fechado”, resultou essencialmente da chamada “época colombiana”, ou seja, o período histórico marcado pelo protagonismo europeu na “descoberta” do Novo Mundo, bem como no avanço para a Oceania e a Ásia. Para o geógrafo britânico, essa expansão inseriu essas áreas do globo nas “dinâmicas globais de poder e riqueza” (Teixeira Júnior, 2017, p. 65), um processo cuja expansão foi marcada pelo papel do mar e do poder naval (Teixeira Júnior, 2017, p. 65). Essa dinâmica “colombiana” cederia lugar, após o fim do século XIX, a uma dinâmica expansionista terrestre, a época pós-colombiana (Teixeira Júnior, 2017, p. 67). Facilitada por avanços tecnológicos como o navio e as ferrovias, a expansão do Poder Terrestre encontraria menores limitações, e essa época marcaria um processo de “dupla expansão”. Além disso, como explica Teixeira Júnior (2017, p. 67, grifo do autor), essa expansão “[...] produziria os moldes para a futura oposição entre oceanismo e continentalismo em torno da hegemonia mundial”, a qual encontrou em Mackinder um respaldo explicativo das principais rivalidades históricas entre potências terrestres e marítimas que foram determinantes para a política e para a consolidação de hegemonias ao longo da história (Teixeira Júnior, 2017, p. 67-69). 5 Essa realidade, fortalecida pelo papel atribuído por Mackinder à causalidade geográfica, ou seja, às vantagens, às localizações geográficas e aos condicionamentos do espaço geográfico para a interação entre os povos – aspectos que seriam importantes definidores da orientação marítima, terrestre ou anfíbia da expansão dos Estados –, foi importante para o olhar do geógrafo britânico para a Eurásia, onde o poder e a expansão do Império Russo assumiria o contraponto terrestre ao poder e à expansão marítimos da Europa Ocidental (Teixeira Júnior, 2017, p. 65-68). Nessa região estaria o que Mackinder definiu inicialmente como Área Pivô (Pivot Area) e que, após 1919, foi novamente delimitada e denominada Heartland em “Democratic Ideals and Reality”(1919)1. Trata-se de uma área cujo controle foi, por meio da expansão terrestre, consolidado em sua maior parte pelo Estado russo ao longo dos séculos(Teixeira Júnior, 2017, p. 74). Para entender essa contribuição teórica e suas consequências geopolíticas, é preciso lembrar que o modelo teórico mackinderiano considera os mares de forma “unificada” (Grande Oceano) e não delimitados em distintos oceanos. Da mesma forma, o modelo considera a Eurásia e a África como um único continente, a Ilha Mundial (World Island). Além disso, esse modelo considera a América e a Oceania grandes ilhas que “orbitam” a World Island, juntamente com países como Inglaterra e Japão, regiões que compõem o Crescente Externo (Outer Crescent), ao passo que o Crescente Interno (Inner Crescent) consistiria numa “zona de irradiação”, área que circunda o Heartland e que pode permitir tanto o acesso e a expansão da potência terrestre quanto sua contenção (Teixeira Júnior, 2017, p. 75-76). Essa área seria, portanto, vital para a expansão do poder terrestre para a Europa e Ásia, cujo controle por essa potência poderia permitir-lhe alcançar a capacidade anfíbia (terrestre e marítima). Por sua vez, o controle do Crescente Interno pela(s) potência(s) marítima(s) permitiria conter essa expansão terrestre e essa potencial capacidade anfíbia, fosse uma expansão alemã, russa ou outra, exercendo papel-chave para o futuro da balança de poder e da hegemonia globais. Nesse contexto, o controle do Heartland, rico em recursos, com um vasto território, uma vasta população e de localização estratégica para a defesa 1 Nessa obra, Mackinder introduziu o termo Oceano Central (Midland Ocean), mais bem compreendido no contexto geopolítico da Guerra Fria (Teixeira Júnior, 2017, p. 75). 6 territorial, permitia ao Estado que o controlasse uma concentração de poder bastante favorável e de difícil contenção (Teixeira Júnior, 2017, p. 74-76). Preocupado com a preservação do poder britânico e diante da possibilidade de controle dessa região por parte da Alemanha e/ou da Rússia, Mackinder defendeu a criação de Estados-tampão entre esses dois países após a Primeira Guerra Mundial (Mello, 1999, p. 57 citado por Teixeira Júnior, 2017, p. 77). Em linhas gerais, sua contribuição geopolítica pode ser resumida pela seguinte, e famosa, frase: “Quem domina a Europa Oriental controla o Heartland; quem domina o Heartland controla a World Island; quem domina a World Island controla o mundo” (Mello, 1999, p. 56 citado por Teixeira Júnior, 2017, p. 75). Entre aqueles influenciados por Mackinder, está Nicholas Spykman, cujas contribuições para a Geopolítica podem ser conferidas a seguir, compondo o Tema 5 desta aula. TEMA 5 – SPYKMAN Nicholas Spykman, de origem holandesa-americana, teve Mahan e Mackinder como influências teóricas para compor a sua Teoria do Rimland, de vital contribuição para a desconstrução da orientação isolacionista da política externa dos Estados Unidos em prol de uma inserção internacional mais assertiva e de alcance global (Teixeira Júnior, 2017, p. 77-78). Essa inserção ativa dos EUA foi determinante para a projeção do país como principal potência marítima durante e após a Segunda Guerra Mundial e, principalmente, no contexto da Guerra Fria, na qual assumiu a contraposição à potência terrestre do Heartland, a União Soviética – aspecto que, atualmente, poderia ser aplicado a Washington diante da China (Teixeira Júnior, 2017, p. 77). Influenciado por Mackinder e Mahan, Spykman observou e vivenciou o pós-Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial (até 1943, ano de sua morte) (Teixeira Júnior, 2017, p. 87), e constatou, entre outros, três aspectos- chave: a vantagem decisiva do poder marítimo para os EUA; a relevância do Crescente Interno para a contenção da potência terrestre na Eurásia; e a relevância dos avanços tecnológicos, da aviação militar e da capacidade militar anfíbia (por exemplo, porta-aviões) para a projeção de poder do Estado. Esses aspectos foram essenciais, também, para que Spykman combatesse o histórico isolacionismo da política externa dos EUA em relação à política internacional, 7 orientação reforçada naquele país entre o pós-Primeira Guerra e o início dos anos 1940 (Teixeira Júnior, 2017, p. 78-81). Sendo assim, Spykman apontou, em The Geography of The Peace (1944), uma falha da política isolacionista: ao considerar que a condição insular (de relativo isolamento territorial) dos EUA em relação a potências rivais garantia uma proteção natural e a neutralidade do país diante do equilíbrio de poder mundial, os isolacionistas ignoravam um aspecto cartográfico essencial para o pensamento do autor americano-holandês (Teixeira Júnior, 2017, p. 81-83). Em outras palavras, uma “[...] projeção azimutal equidistante centrada no Polo Norte” (Teixeira Júnior, 2017, p. 82), a qual, por priorizar a Eurásia e a América do Norte – principais massas terrestres do planeta e, graças ao poder aéreo, mais “próximas”, por conta da rota aérea transpolar –, demonstra que “[...] a região ártica reforça um dado perturbador: a proximidade das massas terrestres da Eurásia e da América do Norte, um golpe fatal na tese isolacionista” (Teixeira Júnior, 2017, p. 82-83, grifo do autor). Dessa forma, como demonstrado pela declaração de guerra alemã aos EUA e por Pearl Harbor, o isolacionismo não garantiria a neutralidade nem o afastamento norte-americano de questões sensíveis da política internacional. Pior que isso, a potência do Heartland, caso desenvolvesse capacidade de poder anfíbia ao controlar o Crescente Interno, poderia ameaçar a segurança da América do Norte, o que poderia ser evitado por uma postura ativa e de contenção estratégica por parte de Washington – o que evitaria, também, o risco do cerco do Novo Mundo pelo Velho Mundo (Teixeira Júnior, 2017, p. 83, grifo do autor). Apesar disso, conforme explica Teixeira Júnior (2017, p. 85), Spykman não conferiu papel tão determinante à oposição entre potências marítimas e terrestres como decisiva para o condicionamento e para a posição global dos países, ao menos não tanto quanto Mackinder conferiu. Para que essa contenção fosse bem-sucedida, Spykman defendeu que os EUA assumissem o papel de potência marítima com capacidade de desenvolver capacidade anfíbia por meio da presença norte-americana nas fímbrias marítimas da Eurásia, região correspondente, conforme mencionado, ao que Mackinder denominou Crescente Interno. Assim, “com base no uso de alianças militares e no equilíbrio de poder, seria possível erguer uma barreira estratégica contra o impulso expansionista continental” (Teixeira Júnior, 2017, p. 85). 8 Se isso falhasse, o risco de que o poder terrestre desenvolvesse capacidade anfíbia e, em posição hegemônica, ameaçasse os EUA e demais regiões do globo seria real, conforme Mackinder temia. Conforme expõe Mello (1999, citado por Teixeira Júnior, 2017, p. 85), demonstrando a influência mackinderiana para Spykman, “quem controla o Rimland domina a Eurásia; quem domina a Eurásia controla os destinos do mundo”. Portanto, a necessidade de Washington conter a União Soviética nas fímbrias da Europa e da Ásia seria, para Spykman, imperativa para o equilíbrio de poder mundial (Teixeira Júnior, 2017, p. 85). NA PRÁTICA Os conceitos apresentados pelos autores clássicos da geopolítica podem ser aplicados para a realidade brasileira. Becker (1999, 2004) demonstrou como o continente sul-americano pode ser regionalizado pela perspectiva continentalista, tal como proposta por Mackinder (1904). Nessa aplicação, a autora defende que o espaço amazônico seja o Heartland do continente, a centralidade desse espaço em relação ao resto do espaço geográfico. As potencialidades que o espaço amazônico detém, seja pelos recursos naturais, seja pelas funções de regulação climática para o resto do planeta, apontam para o Estado que o controlar vantagem estratégicae tática em relação aos demais Estados situados no continente. FINALIZANDO O conteúdo do texto da disciplina procurou demonstrar a contribuição dos autores clássicos da Geopolítica. Em primeiro lugar, apresentaram-se os princípios elaborados por Alfred T. Mahan, seguidos por Halford Mackinder e, encerrando, por Nicholas Spykman. Em conjunto, os autores apresentam um debate entre maritimidade e continentalidade, bases da formação histórica da Geopolítica. 9 REFERÊNCIAS BECKER, B. K. Cenários de curto prazo para o desenvolvimento da Amazônia. Cadernos NADIAM, Brasília, MMA, 1999. _____. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. MACKINDER, H. J. The Geographical Pivot of History. The Geographical Journal, v. 23, n. 4, p. 421-437, April 1904. TEIXEIRA JUNIOR, A. Geopolítica: do pensamento clássico aos conflitos contemporâneos. Curitiba: InterSaberes, 2017.
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