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Escola Secundária du Bocage Português, 10.º Ano Ficha de Avaliação Nome:______________________________________________________ Turma:______ N.º:______ Data:____ / ____ /_______ Observações:_______________________________________________ Professor/a:_____________________ Avaliação:________________ Encarregado de Educação:__________________________________ 1. Considere o texto seguinte e responda às questões apresentadas. Capítulo 148 Das tribulações que Lisboa padecia per míngua de mantimentos. Ó quantas vezes encomendavom nas missas e pregações que rogassem a Deos devotamente por o estado da cidade! E ficados os geolhos (1), beijando a terra, braadavom a Deos que lhes acorresse, e suas prezes (2) nom eram compridas! Uũs choravom antre si, mal-dizendo seus dias, queixando-se por que tanto viviam, como se dissessem com o Profeta: «Ora veese a morte ante do tempo, e a terra cobrisse nossas faces, pera nom veermos tantos males!» Assi que rogavom a morte que os levasse, dizendo que melhor lhe fora morrer, que lhe serem cada dia renovados desvairados (3) padecimentos. Outros se querelavom (4) a seus amigos, dizendo que forom desaventuirada gente, que se ante nom derom a el-Rei de Castela (5) que cada dia padecer novas mizquiindades (6), firmando-se de todo nas peores cousas que fortuna em esto podia obrar. Sabia porem isto o Meestre e os de seu Conselho, e eram-lhe doorosas d’ouvir taes novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam, çarravom suas orelhas do rumor do poboo. Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer alguũs homẽes e molheres, que tanta diferença há d’ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom (7), como há da vida aa morte? Os padres e madres viiam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos sobr’eles, nom tendo com que lhe acorrer, senom planto e espargimento de lagrimas; e sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que entendiam que el-Rei de Castela deles havia de tomar; assi que eles padeciam duas grandes guerras, ũa dos emigos que os cercados tinham, e outra dos mantimentos que lhes minguavom, de guisa que eram postos em cuidado de se defender da morte per duas guisas (8). Pera que é dizer mais de taes falecimentos? Foi tamanho o gasto das cousas que mester haviam que soou uũ dia pela cidade que o Meestre mandava deitar fora todolos que nom tevessem pam que comer, e que somente os que o tevessem ficassem em ela; mas quem poderia ouvir sem gemidos e sem choro tal ordenança de mandado aaqueles que o nom tinham? Porem sabendo que nom era assi, foi-lhe já quanto de conforto. Onde sabee que esta fame e falecimento que as gentes assi padeciam, nom era por seer o cerco perlongado (9), ca nom havia tanto tempo que Lixboa era cercada; mas era per aazo das muitas gentes que se a ela colherom de todo o termo; e isso mesmo da frota do Porto quando veo, e os mantimentos serem muito poucos. Ora esguardae (10) como se fossees presente, ũa tal cidade assi desconfortada e sem neũa certa feúza (11) de seu livramento, como veviriam em desvairados cuidados quem sofria ondas de taes aflições? Ó geeraçom que depois veo, poboo bem aventuirado, que nom soube parte de tantos males, nem foi quinhoeiro (12) de taes padecimentos! Os quaes a Deos por Sua mercee prougue (13) de cedo abreviar doutra guisa, como acerca ouvires. NOTAS: (1) geolhos: joelhos. (2) prezes: preces, orações. (3) desvairados: diversos. (4) querelavom: queixavam-se. (5) por não se terem entregado ao rei de Castela em vez de. (6) mizquindades: desgraças. (7) entre ouvir estas coisas e passá-las. (8) guisas: maneiras. (9) perlongado: de longa duração. (10) esguardae: observai, olhai. (11) feúza: confiança, segurança. (12) quinhoeiro: participante. (13) prougue: agradou. A. Releia as linhas 1 a 6 do texto. Retire desse excerto seis vocábulos relacionados com o campo lexical de «religião». B. A forma latina «patrem» deu origem, em português, aos vocábulos «pai» e «padre» (linhas 14-15). Indique a designação deste fenómeno no contexto da evolução de uma língua. 2. Leia o excerto da «Crónica de D. João I» de Fernão Lopes abaixo apresentado, que se refere à situação vivenciada pelo povo de Lisboa dentro das muralhas da cidade. Depois, apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem. Capítulo 148 Das tribulações que Lisboa padecia per míngua de mantimentos. Ó quantas vezes encomendavom nas missas e pregações que rogassem a Deos devotamente por o estado da cidade! E ficados os geolhos (1), beijando a terra, braadavom a Deos que lhes acorresse, e suas prezes (2) nom eram compridas! Uũs choravom antre si, mal-dizendo seus dias, queixando-se por que tanto viviam, como se dissessem com o Profeta: «Ora veese a morte ante do tempo, e a terra cobrisse nossas faces, pera nom veermos tantos males!» Assi que rogavom a morte que os levasse, dizendo que melhor lhe fora morrer, que lhe serem cada dia renovados desvairados (3) padecimentos. Outros se querelavom (4) a seus amigos, dizendo que forom desaventuirada gente, que se ante nom derom a el-Rei de Castela (5) que cada dia padecer novas mizquiindades (6), firmando-se de todo nas peores cousas que fortuna em esto podia obrar. Sabia porem isto o Meestre e os de seu Conselho, e eram-lhe doorosas d’ouvir taes novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam, çarravom suas orelhas do rumor do poboo. Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer alguũs homẽes e molheres, que tanta diferença há d’ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom (7), como há da vida aa morte? Os padres e madres viiam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos sobr’eles, nom tendo com que lhe acorrer, senom planto e espargimento de lagrimas; e sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que entendiam que el-Rei de Castela deles havia de tomar; assi que eles padeciam duas grandes guerras, ũa dos emigos que os cercados tinham, e outra dos mantimentos que lhes minguavom, de guisa que eram postos em cuidado de se defender da morte per duas guisas (8). Pera que é dizer mais de taes falecimentos? Foi tamanho o gasto das cousas que mester haviam que soou uũ dia pela cidade que o Meestre mandava deitar fora todolos que nom tevessem pam que comer, e que somente os que o tevessem ficassem em ela; mas quem poderia ouvir sem gemidos e sem choro tal ordenança de mandado aaqueles que o nom tinham? Porem sabendo que nom era assi, foi-lhe já quanto de conforto. Onde sabee que esta fame e falecimento que as gentes assi padeciam, nom era por seer o cerco perlongado (9), ca nom havia tanto tempo que Lixboa era cercada; mas era per aazo das muitas gentes que se a ela colherom de todo o termo; e isso mesmo da frota do Porto quando veo, e os mantimentos serem muito poucos. Ora esguardae (10) como se fossees presente, ũa tal cidade assi desconfortada e sem neũa certa feúza (11) de seu livramento, como veviriam em desvairados cuidados quem sofria ondas de taes aflições? Ó geeraçom que depois veo, poboo bem aventuirado, que nom soube parte de tantos males, nem foi quinhoeiro (12) de taes padecimentos! Os quaes a Deos por Sua mercee prougue (13) de cedo abreviar doutra guisa, como acerca ouvires. Crónica de D. João I de Fernão Lopes (ed. de Teresa Amado), Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS: (1) geolhos: joelhos. (2) prezes: preces, orações. (3) desvairados: diversos. (4) querelavom: queixavam-se. (5) por não se terem entregado ao rei de Castela em vez de. (6) mizquindades: desgraças. (7) entre ouvir estas coisas e passá-las. (8) guisas: maneiras. (9) perlongado: de longa duração. (10) esguardae: observai, olhai. (11) feúza: confiança, segurança. (12) quinhoeiro: participante.(13) prougue: agradou. A. Releia o primeiro parágrafo e explicite duas atitudes dos habitantes perante as dificuldades que se lhes deparam. As duas atitudes dos habitantes que os habitantes tomam, perante as dificuldades que se lhes deparam, são as seguintes: uma postura introvertida, em que as pessoas choravam sozinhas e se lamentavam dizendo que preferiam a morte às desgraças que viviam; uma postura diferente da anterior, dirigida para o exterior, pois havia habitantes que se queixavam aos amigos, concluindo que sofriam por não se terem rendido ao exército castelhano. B. Relacione as referências ao Mestre com a intenção de fornecer desta personalidade uma imagem de humanidade. C. Retire do texto dois exemplos que demonstrem a necessidade que o cronista tem de estabelecer uma ligação com o leitor. 3. Leia o excerto da «Crónica de D. João I» de Fernão Lopes. Em caso de necessidade, consulte as notas. Depois, apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem. Capítulo 11 Do alvoroço que foi na cidade cuidando (1) que matavom o Meestre, e como aló (2) foi Alvoro Paaez e muitas gentes com ele. [...] A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas ruas principaes, e atrevessavom logares escusos, desejando cada uũ de seer o primeiro; e preguntando uũs aos outros quem matava o Meestre, nom minguava (3) quem responder que o matava o Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha. E per voontade de Deos todos feitos duũ coraçom com talente (4) de o vingar, como forom aas portas do Paaço que eram já çarradas (5) ante que chegassem, com espantosas palavras começarom de dizer: — U matom o Meestre? que é do Meestre? quem çarrou estas portas? Ali eram ouvidos braados de desvairadas maneiras. Taes i (6) havia que certificavom que o Meestre era morto, pois as portas estavom çarradas, dizendo que as britassem (7) pera entrar dentro, e veeriam que era do Meestre, ou que cousa era aquela. Deles (8) braadavom por lenha, e que veesse lume pera poerem fogo aos Paaços, e queimar o treedor e a aleivosa (9). Outros se aficavom (10) pedindo escaadas pera sobir acima, pera veerem que era do Meestre; e em todo isto era o arroido atam grande que se nom entendiam uũs com os outros, nem determinavom neũa cousa (11). E nom soomente era isto aa porta dos Paaços, mas ainda arredor deles per u homeẽs e molheres podiam estar. Ũ as viinham com feixes de lenha, outras tragiam carqueija pera acender o fogo cuidando queimar o muro dos Paaços com ela, dizendo muitos doestos (12) contra a Rainha. De cima nom minguava quem braadar que o Meestre era vivo, e o Conde Joam Fernandez (13) morto; mas isto nom queria neuũ creer, dizendo: — Pois se vivo é, mostrae-no-lo e vee-lo-emos. Entom os do Meestre veendo tam grande alvoroço como este, e que cada vez se acendia mais, disserom que fosse sua mercee de se mostrar aaquelas gentes, doutra guisa (14) poderiam quebrar as portas, ou lhe poer o logo, e entrando assi dentro per força, nom lhe poderiam depois tolher (15) de fazer o que quisessem. Ali se mostrou o Meestre a ũa grande janela que viinha sobre a rua onde estava Alvoro Paaez e a mais força de gente, e disse: — Amigos, apacificae vos, ca eu vivo e são som a Deos graças. E tanta era a torvaçam (16) deles, e assi tiinham já em creença que o Meestre era morto, que taes havia i que aperfiavom (17) que nom era aquele; porem conhecendo-o todos claramente, houveram gram prazer quando o virom, e deziam uũs contra os outros: — Ó que mal fez! pois que matou o treedor do Conde, que nom matou logo a aleivosa com ele! Creedes em Deos, ainda lhe há de viinr (18) alguũ mal per ela. Oolhae e veede que maldade tam grande, mandarom-no chamar onde ia já de seu caminho, pera o matarem aqui per traiçom. Ó aleivosa! já nos matou uũ senhor, e agora nos queria matar outro; leixae-a, ca ainda há mal d’acabar por estas cousas que faz. E sem dúvida, se eles entrarom dentro, não se escusara a Rainha de morte (19), e fora maravilha quantos eram da sua parte e do Conde poderem escapar. O Meestre estava aa janela, e todos olhavom contra ele dizendo: — Ó Senhor! como vos quiserom matar per treiçom, beento seja Deos que vos guardou desse treedor! Viinde-vos, dae ao demo esses Paaços, nom sejaes lá mais. E em dizendo esto, muitos choravom com prazer de o veer vivo. Veendo el estonce (20) que neũa duvida tiinha em sua segurança, deceo afundo e cavalgou com os seus acompanhado de todolos outros que era maravilha de veer. Os quaes mui ledos (21) arredor dele, braadavom dizendo: — Que nos mandaes fazer, Senhor? que querees que façamos? E el lhe respondia, aadur (22) podendo seer ouvido, que lho gradecia muito, mas que por estonce nom havia deles mais mester (23). Crónica de D. João I de Fernão Lopes (ed. de Teresa Amado), Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS: (1) cuidando: pensando, julgando. (2) aló: lá. (3) minguava: faltava. (4) talente: unidos pelo desejo comum com o propósito («talente»). (5) çarradas: cerradas, fechadas. (6) i: aí, lá. (7) britassem: partissem. (8) Deles: alguns deles. (9) o treedor e a aleivosa: o traidor e a pérfida, alusão ao Conde Andeiro e a Leonor Telles, sua amante e viúva do rei D. Fernando. (10) aficavom: teimavam. (11) nem determinavom neũa cousa: nem conseguiam tomar nenhuma decisão. (12) doestos: injúrias, insultos. (13) Conde Joam Fernandez: Conde Andeiro. (14) doutra guisa: doutra forma, doutra maneira. (15) tolher: impedir. (16) torvaçam: agitação. (17) aperfiavom: insistiam. (18) viinr: vir. (19) não se escusara a Rainha de morte: não evitara a Rainha a morte. (20) estonce: então. (21) ledos: alegres. (22) aadur: mal, dificilmente, a custo. (23) mester: necessidade. A. Situe e enquadre a ação narrada na «Crónica de D. João I». B. Mencione o motivo que levou a população a juntar-se no Paço e a ameaçar invadir o edifício. C. Refira a intenção do Mestre ao mostrar-se à janela. D. A personagem povo é apresentada de forma anónima. Comprove-o, recorrendo a exemplos do texto. E. Identifique, no texto, duas marcas de religiosidade e comente a sua expressividade, tendo em conta o retrato que o cronista faz do Mestre. F. Transcreva comentários que revelam a subjetividade do narrador. G. Identifique os recursos expressivos presentes nas passagens seguintes e comente a sua expressividade: a) «[...] tam grande alvoroço como este, e que cada vez se acendia mais» (linha 24); b) «De cima nom minguava quem braadar que o Meestre era vivo, e o Conde Joam Fernandez morto (linha 21); c) «— Amigos, apacificae vos [...] (linha 29). H. Comente a expressividade e a importância da alternância entre o discurso direto e o discurso indireto ao longo da narração. I. Uma das características do estilo de Fernão Lopes é o recurso a imagens visuais e auditivas. Demonstre-o, citando exemplos do excerto apresentado. 4. Leia o excerto da «Crónica de D. João I» de Fernão Lopes. Em caso de necessidade, consulte as notas. Depois, apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem. Capítulo 11 Do alvoroço que foi na cidade cuidando (1) que matavom o Meestre, e como aló (2) foi Alvoro Paaez e muitas gentes com ele. O Page do Meestre que estava aa porta, como lhe disserom que fosse pela vila segundo já era percebido (3), começou d’ir rijamente (4) a galope em cima do cavalo em que estava, dizendo altas vozes, braadando pela rua: — Matom o Meestre!matom o Meestre nos Paaços da Rainha! Acorree ao Meestre que matam! E assi chegou a casa d’Alvoro Paaez que era dali grande espaço. (5) As gentes que esto ouviam, saiam aa rua veer que cousa era; e começando de falar uũs com os outros, alvoraçavom-se nas voontades, e começavom de tomar armas cada uũ como melhor e mais asinha (6) podia. Alvoro Paez que estava prestes (7) e armado com ũa coifa (8) na cabeça segundo usança daquel tempo, cavalgou logo a pressa em cima duũ cavalo que anos havia que nom cavalgara; e todos seus aliados com ele, braadando a quaes quer que achava dizendo: — Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao Meestre, ca (9) filho é deI-Rei dom Pedro. E assi braadavom el e o Page indo pela rua. Soarom as vozes do arroido (10) pela cidade ouvindo todos braadar que matavom o Meestre; e assi como viuva que rei nom tiinha, e como se lhe este ficara em logo (11) de marido, se moverom todos com mão armada, correndo a pressa pera u (12) deziam que se esto fazia, por lhe darem vida e escusar morte. Alvoro Paaez nom quedava d’ir pera alá (13), braadando a todos: — Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao Meestre que matam sem por quê! Crónica de D. João I de Fernão Lopes (ed. de Teresa Amado), Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS: (1) cuidando: pensando, julgando. (2) aló: lá. (3) percebido: preparado, combinado. (4) rijamente: depressa. (5) dali grande espaço: era longe. (6) asinha: depressa. (7) prestes: pronto. (8) coifa: elmo, capacete. (9) ca: porque. (10) arroido: ruído, barulho. (11) em logo: em lugar. (12) pera u: onde. (13) pera alá: continuava a dirigir-se para lá. A. Refira o assunto do excerto apresentado. B. Explicite a função da frase que precede o texto. C. Demonstre, comprovando com transcrições textuais, que as ações do pajem do Mestre e de Álvaro Pais não são espontâneas, apontando antes para um plano prévio, e refira o objetivo deste plano. D. Descreva a forma como a multidão reage aos apelos do pajem e de Álvaro Pais, recorrendo a passagens do texto. E. Identifique o argumento utilizado pelo cronista, por intermédio de Álvaro Pais e do pajem, para legitimar o Mestre como sucessor ao trono de Portugal. F. Comente a expressividade da frase seguinte: «Soarom as vozes do arroido pela cidade ouvindo todos braadar que matavom o Meestre;» (linha 16). G. Atente no pregão: «— Matom o Meestre! matom o Meestre nos Paaços da Rainha! Acorree ao Meestre que matam!» (linha 7) Identifique os recursos expressivos presentes neste pregão e analise a sua estrutura, comentando o efeito que destes resulta. H. Demonstre, a partir do excerto apresentado, que o estilo de Fernão Lopes é marcado pelo realismo e pelo dinamismo. 5. Leia o excerto da «Crónica de D. João I» de Fernão Lopes que se apresenta de seguida. Depois, apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem. Capítulo 115 Per que guisa estava a cidade corregida para se defender, quando el-Rei de Castela pôs cerco sobre ela. Nom leixavom os da cidade, por serem assi cercados, de fazer a barvacãa (1) d’arredor do muro da parte do arreal, des a porta de Santa Caterina, ataa torre d’Alvoro Paaez, que nom era ainda feita, que seriam dous tiros de besta; e as moças sem neuũ medo, apanhando pedra pelas herdades, cantavom altas vozes dizendo: Esta Lixboa prezada, mirá-la e leixá-la. Se quiserdes carneiro, qual derom ao Andeiro; se quiserdes cabrito, qual derom ao Bispo. e outras razões semelhantes. E quando os ẽmigos os torvar (2) queriam, eram postos em aquel cuidado em que forom os filhos de Israel, quando Rei Serges, filho de rei Dario, deu licença ao profeta Neemias que refezesse os muros de Jerusalem, que guerreados pelos vezinhos d’arredor, que os nom alçassem (3), com ũa mão poinham a pedra, e na outra tinham a espada pera se defender; e os Portugueses fazendo tal obra, tinham as armas junto consigo, com que se defendiam dos ẽmigos quando se trabalhavom de os embargar (4), que a nom fezessem. As outras cousas que pertenciam ao regimento da cidade, todas eram postas em boa e igual ordenança; i nom havia nẽuũ que com outro levantasse arroido nem lhe empecesse per talentosos excessos (5), mas todos usavom d’amigavel concordia, acompanhada de proveito comuũ. Ó que fremosa cousa era de veer! Uũ tam alto e poderoso senhor como el-Rei de Castela, com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra, postas em tam grande e boa ordenança, teer cercada tam nobre cidade! E ela assi guarnecida contra ele de gentes e d’armas com taes avisamentos (6) por sua guarda e defensom! Em tanto que diziam os que o virom, que tam fremoso cerco de cidade nom era em memoria d’homeẽs que fosse visto de mui longos anos atá aquel tempo. Crónica de D. João I de Fernão Lopes (ed. de Teresa Amado), Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS: (1) barvacãa: barbacã, muro com função de defesa das muralhas, um pouco menor que a parede da muralha. (2) torvar: atrapalhar, perturbar. (3) que os nom alçassem: para que não erguessem os muros. (4) embargar: impedir. (5) nem lhe causasse dano por atos intencionalmente desordeiros. (6) avisamentos: precauções. A. Identifique o acontecimento histórico descrito neste excerto. B. Mostre de que forma Lisboa e os seus habitantes preparam a defesa da cidade. Justifique a sua resposta com transcrições textuais. C. Comprove que a caracterização de D. João de Castela e seu exército contribui para enaltecer a população de Lisboa. 6. Leia o excerto da «Crónica de D. João I» de Fernão Lopes que se apresenta de seguida. Em caso de necessidade, consulte as notas. Depois, apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem. Capítulo 148 Das tribulações que Lisboa padecia per míngua de mantimentos. Como nom lançariam fora a gente minguada (1) e sem proveito, que o Mestre mandou saber em certo pela cidade que pam havia per todo em ela, assi em covas come per outra maneira, e acharom que era tam pouco que bem havia mester sobr’elo (2) conselho? Na cidade nom havia trigo pera vender, e se o havia, era mui pouco e tam caro que as pobres gentes nom podiam chegar a ele; ca valia o alqueire (3) quatro livras; (4) e o alqueire do milho quareenta soldos; (5) e a canada (6) do vinho três e quatro livras; e padeciam mui apertadamente, ca dia havia i que, ainda que dessem por uũ pam ũa dobra, (7) que o nom achariam a vender; e começarom de comer pam de bagaço de azeitona, e dos queijos das malvas e raízes de ervas, e doutras desacostumadas cousas, pouco amigas da natureza; e taes i havia que se mantinham em alféloa. (8) No logar u (9) costumavom vender o trigo, andavom homeẽs e moços esgaravatando a terra; e se achavom alguũs grãos de trigo, metiam-nos na boca sem tendo outro mantimento; outros se fartavom d’ervas, e beviam tanta agua, que achavom mortos homẽes e cachopos jazer inchados nas praças e em outros logares. Das carnes, isso mesmo, havia em ela grande mingua; e se alguũs criavom porcos, mantinham-se em eles; e pequena posta de porco, valia cinco e seis libras que era ũa dobra castelã; e a galinha, quareeenta soldos; e a dúzia de ovos, doze soldos; e se almogávares (10) tragiam alguũs bois, valia cada uũ sateenta livras, que eram catorze dobras cruzadas, valendo entom a dobra cinco e seis livras; e a cabeça e as tripas uũa dobra; assi que os pobres per mingua de dinheiro,nom comiam carne e padeciam mal; e começarom de comer as carnes das bestas, e nom somente os pobres e minguados, mas grandes pessoas da cidade, lazerando, nom sabiam que fazer; e os gestos mudados com fame, bem mostravom seus encubertos padecimentos. Andavom os moços de três e quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos, como lhes ensinavam suas madres, e muitos nom tinham outra cousa que lhe dar senom lagrimas que com eles choravom que era triste cousa de veer; e se lhes davom tamanho pam come ũa noz, haviam-no por grande bem. Desfalecia o leite aaquelas que tinham crianças a seus peitos per mingua de mantimento; e veendo lazerar (11) seus filhos a que acorrer nom podiam, choravom ameúde sobr’eles a morte ante que os a morte privasse da vida. Muitos esguardavom as prezes alheas (12) com chorosos olhos, por comprir o que a piedade manda, e nom tendo de que lhes acorrer, caíam em dobrada tristeza. Toda a cidade era dada a nojo (13), chea de mesquinhas (14) querelas, sem neuũ prazer que i houvesse: uũs com grande mingua do que padeciam; outros havendo doo (15) dos atribulados; e isto nom sem razom, ca se é triste e mesquinho o coraçom cuidoso nas cousas contrairas que lhe aviinr (16) podem, vede que fariam aqueles que as continuadamente tam presentes tinham? Pero com todo esto, quando repicavom, neuũ nom mostrava que era faminto, mas forte e rijo contra seus ẽmigos. Esforçavom-se uũs por consolar os outros, por dar remedio a seu grande nojo, mas nom prestava conforto de palavras, nem podia tal door seer amansada com neũas doces razões; e assi como é natural cousa a mão ir ameúde onde see (17) a door, assi uũs homẽes falando com outros, nom podiam em al departir (18) senom em na mingua que cada uũ padecia. Crónica de D. João I de Fernão Lopes (ed. de Teresa Amado), Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS: (1) gente minguada: população carente, pobre. (2) havia mester sobr’elo conselho: necessário haver um plano comum acerca disso. (3) alqueire: unidade de peso para cereais. (4) livras: moedas medievais. (5) soldos: moedas medievais. (6) canada: antiga unidade de medida (líquidos). (7) dobra: moeda medieval. (8) alféloa: melaço. (9) u: onde. (10) almogávares: soldados que roubavam gado do exército inimigo. (11) lazerar: sofrer, afligir-se. (12) prezes alheas: preces das outras pessoas. (13) nojo: tristeza. (14) mesquinhas: miseráveis. (15) doo: dó, pena, piedade. (16) viinr: vir. (17) see: está. (18) em al departir: falar sobre outra coisa. A. O texto identifica a principal adversidade com que os habitantes de Lisboa se deparam durante o cerco do exército castelhano. Liste as consequências sociais e psicológicas que a falta de alimentos gerou na cidade. Fundamente a sua resposta com citações do texto. B. Releia o texto das linhas 6-9 e 10-19. Explique o motivo pelo qual o cronista enumera os bens e o seu preço de forma pormenorizada. C. Considere a frase: «[…] choravom ameúde sobr’eles a morte ante que os a morte privasse da vida.» (linha 26). Identifique dois recursos estilísticos presentes na frase e refira-se à sua expressividade. 7. Leia o excerto da «Crónica de D. João I» de Fernão Lopes que se apresenta de seguida. Em caso de necessidade, consulte as notas. Depois, apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem. Capítulo 11 Do alvoroço que foi na cidade cuidando (1) que matavom o Meestre (2), e como aló (3) foi Alvoro Paaez e muitas gentes com ele. De cima nom minguava quem braadar que o Meestre era vivo, e o Conde Joam Fernandez (4) morto; mas isto nom queria neuũ crer, dizendo: — Pois se vivo é, mostrae-no-lo e vee-lo-emos. Entom os do Meestre veendo tam grande alvoroço como este, e que cada vez se acendia mais, disserom que fosse sua mercee de se mostrar aaquelas gentes, doutra guisa (5) poderiam quebrar as portas, ou lhe poer o fogo, e entrando assi dentro per força, nom lhe poderiam depois tolher (6) de fazer o que quisessem. Ali se mostrou o Meestre a ũa grande janela que viinha sobre a rua onde estava Álvoro Paaez e a mais força de gente, e disse: — Amigos, apacificae vos, ca eu vivo e são som, a Deus graças. E tanta era a torvaçam (7) deles, e assi tinham jé me crença que o Meestre era morto, que taes havia i que aperfiavom (8) que nom era aquele; porem conhecendo-o todos claramente, houveram gram prazer quando o virom, e deziam uũs contra os outros: — Ó que mal fez! Pois que matou o treedor do Conde, que nom matou logo a aleivosa com ele! Creedes em Deos, ainda lhe há de viinr (9) alguũ mal per ela. Oolhae e vede que maldade tam grande, mandarom-no chamar onde ia já de seu caminho, pera o matarem aqui per traiçom. Ó aleivosa! já nos matou uũ senhor, e agora nos queria matar outro; leixae-a, ca ainda há mal d’acabar por estas cousas que faz. E sem dúvida, se eles entrarom dentro, não se escusara a Rainha de morte (10), e fora maravilha quantos eram da sua parte e do Conde poderem escapar. O Meestre estava aa janela, e todos olhavom contra ele dizendo: — Ó Senhor! como vos quiseram matar per treiçom, beento seja Deus que vos guardou desse treedor! Viinde-vos, dae ao demo esses Paaços, não sejaes lá mais. E em dizendo esto muitos choravom com prazer de o veer vivo. Veendo el estonce (11) que neũa duvida tinha em sua segurança, deceo afundo e cavalgou com os seus acompanhado de todolos outros que era maravilha de veer. Os quaes mui ledos (12) arredor dele, braadavom dizendo: — Que nos mandais fazer, Senhor? Que querees que façamos? E el lhe respondia, aadur (13) podendo seer ouvido, que lho gradecia muito, mas que por estonce nom havia deles mais mester (14). E assi encaminhou pera os Paaços do Almirante u pousava o Conde dom Joam Afonso, irmão da Rainha, com que havia de comer. As donas da cidade, pela rua per u ele ia saíam todas aas janelas com prazer dizendo altas vozes: — Mantenha-vos Deos, Senhor! Beento seja Deos que vos guardou de tamanha traiçom, qual vos tinham bastecida! Ca nenhuũ por estonce podia outra coisa cuidar. E indo assi ataa entrada do Ressio, e o Conde viinha com todolos seus, e outros boõs da cidade que o aguardavom, assim como Afons’Eanes Nogueira, e Martim Afonso Valente, e Estavam Vaasquez Filipe, e Alvoro do Rego, e outros fidalgos; e quando vio o Meestre ir daquela guisa, foi-o abraçar com prazer e disse: — Mantenha-vos Deos, Senhor! Sei que nos tirastes de grande cuidado, mas vós mereciees esta honra melhor que nós. Andae, vamos logo comer. E assi forom pera os Paaços u pousava o Conde. Crónica de D. João I de Fernão Lopes (ed. de Teresa Amado), Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS: (1) cuidando: pensando. (2) Meestre: Mestre de Avis, futuro D. João I. (3) aló: lá. (4) Conde Joam Fernandez: Conde Andeiro, nobre galego partidário dos castelhanos na crise dinástica. (5) doutra guisa: doutra maneira. (6) tolher: proibir. (7) torvaçam: alvoroço. (8) aperfiavam: teimavam. (9) viinr: vir. (10) não se escusara a rainha de morte: a Rainha não teria evitado ser morta. (11) estonce: então. (12) ledos: contentes. (13) aadur: com dificuldade. (14) mester: necessidade. A. Delimite as sequências centrais do excerto apresentado, relacionando cada uma dessas sequências com o espaço em que ocorrem. B. O Mestre de Avis é apresentado como o salvador da situação política, como se fosse uma espécie de ser predestinado por Deus. Comprove a veracidade da afirmação, fundamentandoa sua resposta com quatro transcrições textuais. C. Mostre de que maneira as formas verbais conferem dinamismo ao texto.
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