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Histórias do Ensino de Historia no Brasil

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Prévia do material em texto

Histórias do Ensino de
História no Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Josué Modesto dos Passos Subrinho
Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Vice-reitor
O CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS
Luiz Augusto Carvalho Sobral (Coordenador)
Antônio Ponciano Bezerra
Dilton Cândido Santos Maynard
Eduardo Oliveira Freire
Lêda Pires Corrêa
Maria Batista Lima
Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves
Maria José Nascimento Soares
Péricles Morais de Andrade Júnior
Ricardo Queiroz Gurgel
Rosemeri Melo e Souza
Vera Lúcia Corrêa Feitosa
Veruschka Vieira Franca
ITAMAR FREITAS
Histórias do Ensino de
História no Brasil
Vol. 2
São Cristóvão, 2010
Histórias do Ensino de História no Brasil (v. 2)/
H673h Itamar Freitas. - São Cristóvão: Editora da UFS,
2010.
220 p.
ISBN: 978-85-7822-139-3
1. História. 2. Educação - Ensino. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central
da Universidade Federal de Sergipe
Copyright © 2010, Itamar Freitas
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida,
transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico,
por fotocópia e outros, sem a prévia autorização da UFS, por
escrito.
Revisão
Edvar Freire Caetano
Editoração eletrônica
Adilma Menezes
Capa
Hermerson Menezes
Sumário
- Apresentação 7
- Erudição histórica e livro didático de História
na Primeira República: as iniciativas de Sílvio
Romero e de João Ribeiro (1890/1900) 13
- História do Brasil para crianças: o livro escolar
nos primeiros anos da República e a iniciativa
de Joaquim Maria de Lacerda (1880/1918) 45
- A História ensinada e a História por se ensinar
a partir das conferências e congressos sobre
o ensino secundário brasileiro (1922/1934) 67
- Pedagogos, educadores e o ensino científico
de História (1880/1935) 109
- A invenção dos testes no ensino secundário
de História (1928/1935) 135
- História e Escola Nova: as inovações do
professor Cesarino Júnior para o ensino
secundário em São Paulo (1928/1936) 155
- A historiografia escolar na Comissão Nacional
do Livro Didático (CNLD): pareceres de Jonathas
Serrano (1938/1941) 179
- Contribuições para o estabelecimento de
alguns marcos institucionais sobre o ensino
superior de História no Brasil: uma crônica
das origens (1908/1946) 199
- Índice onomástico 209
Apresentação
Como contar a história do ensino de História no Bra-
sil? A primeira tarefa é constituir o objeto que se faz a
partir de uma questão e da situação espaço-temporal. A
pergunta é obvia: como se configurava o ensino de Histó-
ria nas primeiras décadas da República Brasileira? A res-
posta, fundada sobre a orientação de Andrés Chervel
(1990, p. 180-181), que reproduz em parte a vulgata da
Didática (o quê, para quê e como ensinar?), seria
compartimentada entre as finalidades, conteúdos e as
formas de avaliação da disciplina escolar História.
Mas a posição de Chervel não é dominante nos estu-
dos sobre o tema. Para Flávia Caimi (2008, p. 132-133),
investigar o ensino de História na última década foi de-
bruçar-se sobre estratégias de ensino (linguagens), His-
tória temática, currículos, diversidade cultural (conteú-
dos), livro didático (recursos), aprendizagem, produção do
 ITAMAR FREITAS
8
conhecimento histórico, memória, identidade, educação
patrimonial (estratégias de ensino) e formação de profes-
sores.
Essa variedade de objetos é a alegria de todo pesquisa-
dor, porque conserva a utopia de uma História total (His-
tória do todo) e supera as narrativas produzidas na pri-
meira metade do século XX, que punham ênfase nas ideias
de História, nos programas, currículos e compêndios.
A variedade, no entanto, representa também um tor-
mento para quem planeja uma síntese sobre a História
do ensino de História no Brasil. Na verdade, não é tanto o
pluralismo, mas o caráter fragmentário das iniciativas de
investigação em termos espaciais, temporais e temáticos.
Acompanhem esses exemplos: quem opta por incluir o
livro didático como objeto privilegiado de uma História do
ensino referente ao período republicano se depara com
imensas lacunas sobre os manuais da escola primária.
Se esse mesmo historiador incorpora os currículos, cer-
tamente, não encontra pesquisa básica sobre a experi-
ência do secundário no período posterior à lei orgânica.
Se acolhe a formação de professores como tema, perde-
se na dispersa informação sobre a experiência anterior à
instituição das faculdades de Filosofia. Se, por fim, volta
os olhos para o inventário das estratégias de ensino es-
barra na pobreza dos modelos em voga (tradicional/ino-
vador), fruto da insuficiente reflexão sobre os nexos entre
epistemologia da História, Psicologia educacional e Peda-
gogia.
Às descontinuidades da pesquisa, dispersão das fon-
tes e à pobreza de vistas de alguns estudiosos, somem-se
também as dificuldades de compor o texto. Para Antoine
Histórias do Ensino de História do Brasil 
9
Prost (2008, p. 211-233), três são os tipos mais emprega-
dos pelos historiadores. O primeiro e mais antigo é a His-
tória narrativa. Ele diz a mudança, como as coisas esta-
vam e como vieram a se constituir dentro de (ou após)
determinado período. O segundo, ao contrário, diz como
eram as coisas. É o tipo História-quadro. Os usos combi-
nados da História-quadro e da História narrativa, por
fim, compõem o terceiro tipo, a História mista.
A classificação de Prost não é nova, sabemos. Os es-
critores das histórias universal, da civilização ou geral
costumavam anunciar os métodos de composição: para a
experiência do mundo antigo, histórias narrativas. Para
as experiências moderna e contemporânea, tempo de des-
continuidades e fusões de trajetórias (civilizações, povos
e nações) em quase todo o globo terrestre, a História
sincrônica ou mista – sincrônica e diacrônica justapos-
tas (Cf. Freitas, 2006).
Antes que me alongue demais nesta apresentação que
já vai virando a terceira página, devo dizer que este livro
sugere uma alternativa para se contar a História do en-
sino de História do Brasil, apesar das limitações impos-
tas pela pesquisa acadêmica aos trabalhos de síntese.
Usando a tipologia de Antoine Prost, é possível afirmar que
se trata aqui de uma escrita mista. São histórias narrati-
vas (diacrônicas) paralelas que formam uma História-qua-
dro. Um quadro do ensino de História nas cinco primeiras
décadas do período republicano, que por sua vez poderá
transformar-se em narrativa à medida que outros perío-
dos forem desvelados.
É um quadro lacunar, como de resto o são todos os
quadros históricos. Uma coletânea como aquelas
 ITAMAR FREITAS
1 0
publicadas anualmente nos encontros nacionais sobre
História, Ensino de História e nos grupos de trabalho
sobre História do ensino de História. Há, no entanto, al-
gumas singularidades nesta obra. Os textos foram pro-
duzidos pelo mesmo autor e no mesmo período (2002/
2006). As histórias conservam os mesmos interesses, con-
ceitos e estratégias de investigação, estando interrelacio-
nadas as conclusões.
Se o leitor tiver a paciência de seguir os capítulos até o
final da obra, se já forem do seu conhecimento os con-
teúdos do primeiro volume de Histórias do ensino de His-
tória no Brasil (2006) e, ainda, se assimilar e comparar as
teses anunciadas, perceberá alguma lógica na trajetória
desse multifacetado objeto “ensino de História” no con-
turbado período inicial da nossa experiência escolar re-
publicana.
Os textos salpicam o pano de fundo da Primeira Repú-
blica, principalmente, com a vivência nos ensinos primá-
rio, secundário e superior; com exemplos exemplares de
estratégias de ensino e de aprendizagem, produção do
conhecimento histórico escolar, produção e avaliação de
livros didáticos; disciplinas escolares e universitárias;
sujeitos individuais-pessoais (professores, historiadores,
técnicos, gestores e legisladores) e coletivos - instituições
públicas e privadas (institutos históricos, institutos de
educação normal, colégios secundários, associações pro-
motoras da educação pública, faculdades de Filosofia, en-
tre outros).
Os capítulosbuscam e demarcam origens, inícios, co-
meços ou, simplesmente, acontecimentos – atos funda-
dores, indicadores de rupturas no ensino de História no
Histórias do Ensino de História do Brasil 
1 1
Brasil, num tempo de reflexões sobre o que caberia ou
não ao Estado em matéria de educação escolar, sobre as
formas educacionais a serem difundidas em todo o país e
as teorias que orientariam o ensino de História em seus
diferentes níveis.
Por meio deles foi possível afirmar, por exemplo, que:
1. não houve “o cânone” para a escrita da História do
IHGB, sobretudo na produção de livros destinados aos
cursos primários; 2. o método de ensino catequético so-
breviveu às iniciativas inovadoras do início da República
e foi largamente difundido pelo livro didático de História
para crianças; 3. até 1930 não se tinha clareza sobre o
que deveria ser o ensino de História para os jovens, aven-
tando-se teorias que mesclavam positivismo, catolicismo
ultramontano e pragmatismo norte-americano, entre ou-
tras abordagens; 4. o nascimento da produção de im-
pressos pedagógicos sobre o “como ensinar” História es-
teve relacionado diretamente à especialização das disci-
plinas profissionalizantes dos cursos de Pedagogia, ou seja,
eles nasceram com a cientificização dos cursos de forma-
ção de professores; 5. os teststeststeststeststests, modalidade de avaliação
objetiva, massificadora, criadora de excelências, foram
introduzidos no ensino de História ao longo da década de
1920, a partir da abertura dos historiadores à Psicologia
educacional; 6. estratégias de ensino escolanovistas mi-
graram para o ensino secundário de História no início
dos anos 1930, mas não conseguiram romper com a apren-
dizagem centrada na memória; 7. a primeira iniciativa de
avaliação nacional de livros didáticos foi empreendida no
final dos anos 1930 sob os mesmos argumentos justifica-
dores e críticos empregados a favor e contra o nosso con-
 ITAMAR FREITAS
1 2
temporâneo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD;
e, por fim, 8. o ensino de História em nível superior (ou
seja, para alunos pós-secundário) não se iniciou com as
fundações das universidades de São Paulo e do Distrito
Federal.
Como afirmei, são textos que anunciam (e até denun-
ciam) acontecimentos (ditos) fundadores. Que não sejam
confundidos, portanto, como apologia ao “ídolo das ori-
gens”, denunciado por François Simiand [1903] na sua
cruzada em prol da Sociologia. Que sirvam para informar
e refinar a pesquisa histórica e fornecer certa orientação
às discussões sobre alguns dos problemas que povoam o
nosso cotidiano docente.
Este é o meu desejo.
Referências
CAIMI, Flávia. Novas conversas e antigas controvérsias: um olhar sobre a
historiografia do ensino de História. In: OLIVEIRA, Margarida Dias de,
CAINELLI, Marlene Rosa, OLIVEIRA, Almir Félix Batista de. Ensino de Histó-
ria: múltiplos olhares em múltiplos espaços. Natal: Editora da UFRN, 2008.
pp. 127-135.
CHERVEL, Andre. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo
de pesquisa. Teoria e Educação. Porto Alegre, n. 2, p. 177-254, 1990.
FREITAS, Itamar. Histórias do ensino de História no Brasil. Aracaju: Fundação
Oviêdo Teixeira; São Cristóvão: Editora da UFS, 2006. v. 1.
PROST, Antoine. Criação de enredos e narratividade. In: Doze lições sobre a
História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. pp. 211-233.
SIMIAND, François. Introduction aux études historiques. In: CEDRONNIO,
Marina (Org.). François Simiand: Méthode historique et sciences sociales. Pa-
ris: Archives contemporaines, [19—]. p. 99-108.
1
ERUDIÇÃO HISTÓRICA E
LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
NA PRIMEIRA REPÚBLICA:
as iniciativas de Sílvio
Romero e de João Ribeiro
(1890/1900)
 ITAMAR FREITAS
1 4
Nas histórias da historiografia brasileira, os institutoshistóricos e geográficos – notadamente, o InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro – ocupam posição
de destaque e marcam mais que um período. São consi-
derados fornecedores de um paradigma – escrita da His-
tória erudita e historicista – e rotulados como produtores
de uma História-memória umbilicalmente ligada à ques-
tão das identidades nacional e regional em diferentes
momentos do século XIX e do século XX. (Cf. Rodrigues,
1982; Schwarcz, 1993; Gomes, 1996; Diehl, 1998; Reis,
1999; Iglésias, 2000; e Ferreira, 2002).
Essa notoriedade justifica-se. Como o Estado brasi-
leiro estabeleceu-se durante décadas sem, contudo, ins-
talar uma universidade ao modo europeu – alemão ou
francês –, esses grêmios, que reuniam a elite letrada da
terra, autoproclamaram-se como núcleos produtores/
legitimadores da ciência da História. E de fato o foram.
Dos institutos, saíram as primeiras propostas registra-
das sobre o “como escrever a História” – obviamente, a
História do Brasil que se efetivava como nação – e, con-
sequentemente, sobre o que deveria ser o conhecimento
histórico (biografias, corografias, obras de síntese), al-
ternando procedimentos eruditos alemães – a erudição
de Varnhagem – ou cientificistas franceses e ingleses –
as filosofias da história difundidas por Euclides da Cu-
nha e Sílvio Romero, por exemplo.
Tal notoriedade é reforçada pelos estudos de síntese
sobre a História da historiografia brasileira, que situam
os institutos como um fornecedores de um padrão de es-
crita somente combatido após o surgimento da geração
de 1930 e das primeiras universidades no Brasil (Cf.
Histórias do Ensino de História do Brasil 
1 5
Freitas, 2006, p.11-28). O reforço é mantido também com
os mais recentes estudos sobre História do ensino de His-
tória que se aventuram na descrição ou na defesa de
uma tese sobre a configuração do ensino de História e
da escrita da História para as escolas nas primeiras dé-
cadas do período republicano: quem prescrevia os temas,
quem modelava as narrativas escolares? Quem fornecia
a teoria? A resposta é imediata: o modelo francês ou o
padrão IHGB (Cf. Reznik, 1998; Vechia, 2003; Gasparello,
2004; Fonseca, 2003; Bittencourt, 2004). Mas, será que
o IHGB configurava um modelo de escrita seguido à risca
pelos construtores de manuais? Será que esse suposto
modelo tinha força suficiente para homogeneizar conteú-
dos e padrões de escrita dos livros didáticos de História
para o primário, sobretudo? Como se relacionavam, en-
tão, os profissionais “da ciência”, membros do IHGB, com
as demais instâncias de produção, vulgarização do saber
de Clio? Como o suposto “Canon do IHGB”, em termos de
teoria da História, seria apropriado pelos autores de ma-
nuais escolares de História para o ensino primário no Rio
de Janeiro?
Responder a tais questionamentos é impossível sem o
acesso à pesquisa básica sobre o livro didático para a
escola elementar – estudos que ainda rareiam no Brasil.
No entanto, desejo estimular a discussão, tratando, inici-
almente, de alguns exemplos da experiência brasileira na
produção de livros didáticos de História para as crianças
nos tempos da Primeira República.1 Nesse caso, as ques-
1 Período de não interferência da União na produção de livros de História e
na organização do ensino primário.
 ITAMAR FREITAS
1 6
tões sobre as quais me debruço referem-se aos mecanis-
mos de controle da produção do livro didático de História
e à configuração do livro didático de História do Brasil,
produzido por membros do IHGB para o ensino primário.
Na primeira parte deste texto, portanto, trato das con-
cepções de História dos sócios do Grêmio e sintetizo a
posição oficial do Instituto acerca de manuais, veiculada
nos pareceres das comissões permanentes no período
1890/1942. Na segunda e terceira partes, apresento os
traços dominantes da escrita da História para crianças,
efetivada sob a pena de dois membros do IHGB e impor-
tantes formadores de opinião sobre a História no Brasil:
Sílvio Romero e João Ribeiro. O objetivo deste capítulo,
enfim, é examinar, sob o aspecto da teoria da História, a
relação entre a ciência de referência e a escrita da Histó-
ria para a disciplina escolar, tendo como ambientes privile-
giados a principal agência legitimadora da historiografiano
início da República, o IHGB, e a trajetória intelectual de dois
dos seus mais prestigiados historiadores. Com este traba-
lho, questiono uma assertiva que povoa o “senso comum”
dos pesquisadores: a ideia de a escrita da História para a
disciplina escolar era fruto da transposição2 didática de
um suposto canon gestado no IHGB.
2 Transposição didática é aqui tomado no sentido mais estreito da locução,
expresso por Yves Chevallard (1991, p. 20): passagem do conhecimento
erudito para o conhecimento escolar. Sobre os desdobramentos da noção
de transposição didática para as pesquisas sobre a origem e a legitimidade
das disciplinas escolares, na França, Grã-Betanha e Brasil, ver Bittencourt
(2003, p. 9-38).
Histórias do Ensino de História do Brasil 
1 7
Sob(re) o cânon do IHGB3
Começemos com uma questão: qual o lugar do ensino
de História no cotidiano dos institutos históricos? Em ter-
ras bandeirantes – pioneiras em reformas educacionais,
entre 1894/1940, o ensino de História e seus livros didá-
ticos praticamente não constaram nas pautas do Insti-
tuto Histórico e Geográfico de São Paulo. Salvo embates
pontuais acerca da autonomia da disciplina História do
Brasil (cadeira e tempo no currículo), o IHGSP esteve mais
próximo das instituições de nível superior. Isso ocorreu,
supomos, por razões bastante lógicas. Naquele tempo,
lugares onde se discutiam os padrões da escrita da His-
tória teriam que se preocupar com as instituições forma-
doras do historiógrafo, ou seja, deveriam pôr acento no
ensino em nível superior. (Freitas, 2006, p. 183-205).
Mas, não se pode dizer, inicialmente, que o desprestí-
gio da História ensinada no IHGSP tenha alcançado o
maior grêmio da nação. O IHGB esteve bastante ativo,
mesmo nos anos posteriores à proclamação da Repúbli-
ca. Seus sócios também figuravam nas principais insti-
tuições secundárias e também nas escolas normais mo-
delares do Rio de Janeiro e de São Paulo. Como testemu-
nho dessa relação sodalício-magistério, a seguinte listagem
de professores de História é por si bastante loquaz: Afon-
so de Escragnolle Taunay era professor de História no
3 Agradeço à profa. Christianne Gally pela pesquisa realizada sobre a Revista
do IHGB.
 ITAMAR FREITAS
1 8
Ginásio São Bento (1911)4, Tancredo do Amaral – Escola
Normal de São Paulo, Basílio de Magalhães – Ginásio de
Campinas (1914) e Escola Normal do Rio de Janeiro, An-
tonio Joaquim Ribas – Faculdade de Direito de São Paulo,
Laudelino Freire – Colégio Militar, por fim, barão Homem
de Melo, Gastão Ruch, Gastão de Escragnolle Doria, João
Ribeiro (1915) e Jonathas Serrano (1919), todos professo-
res de História do Colégio Pedro II.
Com pouco esforço, também podemos juntar a esses
professores de História alguns produtores de literatura
didática de História – Francisco Ferreira da Rosa, João
Fernandes Diniz, [?] Franckenberg, José Maria Velho da
Silva, Felisbelo Freire, Sílvio Romero, Candido Mendes de
Almeida e Carlos de Laet. Entretanto, para a construção
de uma pedagogia para a História no Brasil para crian-
ças e jovens, dentro do IHGB, apenas um desses sócios
demonstrou interesse sistemático, indicando as bases ci-
entíficas em que se fundaria o moderno ensino de Histó-
ria. Este homem foi Jonathas Serrano (Cf. Serrano, 1921,
520-523). Os membros da “Casa do Brasil”, portanto, no
período em foco, não pautaram o ensino de História em-
bora, de alguma forma, tenham teorizado sobre a ciência
de referência a ser cultivada no Brasil. Mas, que tipo de
teoria da História era professada por esses e outros mem-
bros da instituição nos primeiros quarenta anos de Re-
pública?
4 As datas entre parênteses registram o ano de entrada no IHGB. (Cf. Freitas,
2006, Anexo 2, p. 6-12).
Histórias do Ensino de História do Brasil 
1 9
Os estudiosos dessa temática5 veem a historiografia
do período como uma miríade de iniciativas eruditas, ana-
líticas e memorialistas, tendo como personalidade desta-
cada, entre 1889 e 1930, a figura de João Capistrano de
Abreu. O historiador cearense é considerado o “ponto de
ligação” (Dihel, 1998, p. 60) ou o “arco” (Novais, s.d.), como
cita Jobson Arruda, “entre a produção do IHGB e a gera-
ção liderada por Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado
Júnior, ultrapassando os limites da mera narrativa em
favor de uma História compreensiva.” (Arruda, 1999, p.
39).
Sob o “arco” ou dentro do “ponto”, não importa a metá-
fora, penso que essa “pré-História” (Arruda, 199, p. 39) ou
essa passagem “do clássico ao moderno” (Diehl, 1998, p.
60) da produção histórica brasileira deve merecer estudo
detalhado. Para contribuir com a temática, examinei as
representações dos sócios sobre a História a partir dos
discursos, falas e pareceres das comissões do grêmio. O
que encontrei nesse acervo sugere a coexistência de vári-
os modelos de inteligibilidade histórica naquele período.
Isso me levou a indagar se haveria mesmo, nessas primei-
ras quatro décadas da República, uma “teoria da História
do Instituto” ou, dizendo de outra forma, se seria o caso de
se falar em um cânon para a “Casa do Brasil”.
Mergulhemos, então, nesse universo de testemunhos
oficiais. O que se pode observar? Tem-se uma variedade
de posições onde as únicas referências comuns atribuí-
5 Exceção feita ao trabalho de Lilia Moritz Schwarcz (1993).
 ITAMAR FREITAS
2 0
das à História são as clássicas funções de mestra da
vida, de construtora da nação e formadora do cidadão,
bem como a necessidade de cultivar-se a heurística e a
crítica documental. A variedade de concepções depõe, por
sua vez, sobre a natureza e a origem plural dos membros
aceitos no grêmio a partir dos anos 1880: monarquistas,
republicanos históricos, cientificistas, religiosos, profes-
sores, magistrados, políticos com mandato, embaixado-
res e jornalistas de vários matizes partidários.
Assim é possível compreender a multiplicidade de posi-
ções. Lá estavam a teoria da História que incorporava a
noção de providência – Padre Belarmino José de Souza
(1896)6, Arcebispo D. Joaquim Arcoverde (1898) e Padre
Júlio Maria (1899); os apologistas da historiografia
nomotética, ao modo de H. T. Buckle – Rodrigo Otávio
Filho (1938), de H. Taine – Liberato Bittencourt (1912), e
de H. Spencer – Sílvio Romero, Felisbelo Freire, Jonathas
Serrano (1921); e os antípodas ou céticos a essa modali-
dade teórica – Pedro Lessa (1908).
No IHGB, também cabiam a historiografia como sínte-
se fundada nas ciências sociais – Oliveira Viana (1924),
na antropogeografia de F. Ratzel – Eurico de Góis (1912),
no historicismo da vertente C. Langlois e C. Seignobos –
Max Fleiuss (1907), e no presentismo e “pragmatismo” –
João Ribeiro (1915). Todas faziam apologia à História como
ciência e, no máximo, uma concessão: História como ciên-
cia e arte – a arte de escrever – como afirmara Taine na
História da literatura inglesa.
6 As datas entre parênteses expressam o ano em que os sócios manifestaram
as suas concepções de História no cotidiano do grêmio.
Histórias do Ensino de História do Brasil 
2 1
Alguns desses autores paradigmáticos, consumidos
pelos historiadores do Instituto – e historiadores profes-
sores –, haviam teorizado sobre educação/pedagogia, livro
didático e ensino de História, não como arte, mas, agora,
como ciência. Foram os casos de Langlois e de Seignobos
(1898). Nos trabalhos da casa, entretanto, essa contribui-
ção específica não veio à tona, fosse na produção de ma-
nuais, fosse na avaliação dos livros escolares de História.
Manuais, evidentemente, houve vários, produzidos por
iniciativas particulares. Poucos foram enviados ao Grê-
mio e registrados em ata – como prova de envolvimento
dos futuros sócios com o saber de Clio –, mas são indícios
significativos para conhecermos as representações dos
eruditos do IHGB acerca dos livros didáticos de História.
O que dizem esses pareceres?
A primeira constatação sobre os pareceres é o des-
prestígio da Pedagogia. O critério de “didaticidade” não
estava assentado numa área do saber que orientava a
formação do professor do ensino primário.O crivo da
“didaticidade” não foi problematizado, foi intuído. A se-
gunda observação a ser feita diz respeito ao tamanho dos
pareceres. Eles eram bem menos extensos que os exem-
plares do gênero sobre as biografias, memórias, relações
e monografias etc.
Outra constatação importante é o estatuto – na au-
sência de melhor termo – epistemológico da obra didáti-
ca. Seria produto de historiador? A resposta é positiva.
As comissões de História aceitavam e compreendiam a
obra didática de História como trabalho de pesquisa de
historiador. Entretanto, a imagem de obra didática em
voga transmitia a ideia de que o livro escolar possuía um
 ITAMAR FREITAS
2 2
defeito congênito: era resumido ao extremo, deixando sem-
pre algo da História do Brasil pouco esclarecido. Mas, em
geral, depois de corrigidos uma data, um nome ou um
defeito tipográfico, eram os trabalhos didáticos bem rece-
bidos, posto que divulgavam a História pátria e ajudavam
a fixar, na mocidade, os fatos e personalidades responsá-
veis pela construção da nação.
Quadro n. 1 - Quadro n. 1 - Quadro n. 1 - Quadro n. 1 - Quadro n. 1 - Livros didáticos de História submetidos às Comissões
Permanentes do IHGB – 1889/1942
Título
Historia da America y de Chile para el curso
médio y las escuelas
História moderna
Homens e fatos da História pátria
Educação cívica ou a História de São Pau-
lo ensinada pela biografia dos seus vultos
mais notáveis
Vultos de História pátria
Notícia histórica e geográfica de Angra dos
Reis, precedida de um bosquejo histórico
das descobertas da América e do Brasil
Lições de História do Brasil
História do Brasil
Epítome de História universal
Metodologia da História na aula primária
Autor
Julio Banados Espinoza
Alfredo Nascimento
José Maria Velho da Silva
Tancredo do Amaral
Francisco Ferreira Rosa
Honório Lima
Basílio de Magalhães
João Ribeiro
Jonathas Serrano
Jonathas Serrano
Ano*
1889
1890
1895
1897
1898
1899
Sd
1914
1918
1918
Mas, sobre a teoria da História expressa, onde está o
suposto cânon do IHGB? O que falam os pareceres? Quan-
do a divergência foi de credo filosófico, religioso ou políti-
Histórias do Ensino de História do Brasil 
2 3
co, admitiu-se que a função do Instituto não era exercer
autoridade “derimente ou decisiva” sobre as opiniões dos
escritores, mas limitar-se a “recolhê-las e arquivá-las como
subsídios para a formação da História pátria” (Alencar,
1899, p. 715).
Depois dessa breve exposição sobre teoria da História
e concepção de livro didático de História veiculada pelos
pareceres IHGB, verticalizarei o exame da relação ciência
de referência/escrita escolar no trabalho de dois dos seus
mais prestigiados sócios. Verifiquemos os distanciamen-
tos e as aproximações entre a ideia de ciência da História
e a escrita da História para crianças na trajetória de
João Ribeiro e de Sílvio Romero.
História do Brasil para as crianças: a iniciativa de
Sílvio Romero
Sílvio Romero é bastante conhecido como historiador e
crítico da literatura (Cf. Ventura, 1991, 2001; Cândido,
1978) e historiador e crítico da historiografia brasileira
(Cf. Mota, 2000; Turin, 2004; Meneses, 2006). Só recen-
temente a sua face de pedagogo tem sido explorada com
mais vagar: o professor de Filosofia (Cf. Teixeira, 2001;
Araújo, 2004), o didata da História, formulador do currí-
culo do ensino secundário (Cf. Freitas, 2006) e, talvez, de
uma teoria geral da educação para o Brasil (Cf. Nasci-
mento, 1999; Souza, 2006). Neste tópico, abordarei um
lado pouco referido do pensador sergipano: escritor de
livro didático de História.
A História do Brasil ensinada pela biografia dos seus
heróis, lançada por Sílvio Romero no Rio de Janeiro no
 ITAMAR FREITAS
2 4
ano de 1890, foi uma iniciativa de escrita da História
para os alunos do curso primário, no momento em que
a nascente República começava a pensar em assumir o
ensino das primeiras letras como questão nacional. Mas,
qual o sentido de “didático” no Brasil da Primeira Repú-
blica? Para não avançarmos a esmo, conheçamos as
concepções epistemológicas de Sílvio Romero a respeito
da História.
História: concepções e objeto
Se nos ativermos, apenas, à História-saber, que resul-
ta no documento textual escrito – o livro de História –,
veremos que o lagartense a concebeu, inicialmente, como
ciência, e ciência expressa em leis, ao modo comteano.
(Cf. Ramos, 1874).
Em seguida, zombando de seu examinador em concur-
so para a cadeira de Filosofia do Colégio Pedro II, Sílvio
Romero assegurou para a História o statusstatusstatusstatusstatus positivo de
ciência. Na tese Interpretação filosófica dos fatos históricos
(1880), a produção do conhecimento histórico seria medi-
ada pela combinação de dois determinantes: as forças
naturais e as forças humanas, à maneira do britânico
Henry Thomas Buckle.
No ano de 1888, Romero já era crítico consagrado. O
coroamento da carreira se deveu à produção de sua His-
tória da literatura brasileira, onde a escrita da História
deveria incorporar os elementos de ordem física, biológi-
ca e histórica (naturais, étnicos e morais) sob a orienta-
ção de outro inglês de renome, Herbert Spencer. (Cf.
Meneses, 2006; Freitas, 2007).
Histórias do Ensino de História do Brasil 
2 5
E sobre os “conteúdos” históricos, ou melhor, sobre o
objeto que se deveria explorar, tratar, expor etc. em for-
ma de textos, o que escrevera o autor até o lançamento
do livro para o ensino primário? Romero anunciou suas
posições a respeito em alguns momentos da sua obra,
sobretudo no seu projeto de currículo para a escola se-
cundária brasileira (Cf. Romero, 1901). Nesse trabalho,
três ordens de fenômenos se destacariam: 1. os demar-
cadores da ideia de nação: nascimento com a expulsão
dos holandeses e percurso brasileiro com “destino” à
mestiçagem total (negros e índios assimilando a raça
portuguesa); 2. os principais elementos da vida espiritu-
al brasileira e da literatura brasileira: os fatores estáti-
cos, permanentes (natureza e raças portuguesa, negra
e índia) e os fatores dinâmicos, variáveis (as influências
estrangeiras); 3. o produto literário stricto sensustricto sensustricto sensustricto sensustricto sensu: poe-
sia, teatro, romance, eloquência, História, crítica e filo-
sofia.
Em sua Filosofia do direito, há um capítulo intitulado
“Teoria das criações fundamentais e irredutíveis da hu-
manidade ou classificação dos fenômenos em sociologia”.
Sílvio Romero afirmou que esse mesmo texto fora produ-
zido em 1882 para suprir a “ausência de classificação
completa dos fenômenos... objeto da sociologia”. Foi
republicado em Doutrina contra doutrina e na primeira e
segunda edições da Filosofia do direito, resumindo-se no
seguinte enunciado:
Após um exame desses [caracteres de fatos, séries de
fatos] podemos afirmar, sem medo de errar, que sete,
apenas sete, são as classes, as espécies diversas dos
 ITAMAR FREITAS
2 6
atos e fenômenos culturais que constituem a civiliza-
ção humana, como ela se tem desenvolvido desde os
mais remotos tempos da pré-História até aos dias de
hoje. E chamam-se elas: ciência, religião, arte, políti-
ca, moral, direito e indústria. (Romero, 1908a, p. 177-
180; Cf. Freitas, 2006, p. 95-106).
De posse dessas informações, questionei: como seria,
então, escrever para as crianças? Em que medida as
convicções de Romero sobre História e ensino de História
se materializariam no ensino para as crianças?
A História do Brasil em quatro atos: o que, por que
e como contar às crianças
Ao iniciar a sua História para crianças, Sílvio Romero
anuncia os princípios para o perfeito entendimento da
História do Brasil. Observem que ele emprega a palavra
“entender” e “interpretar” (demarcador erudito?). Quais
seriam esses princípios? Romero parece não ter saída e
mergulha numa Filosofia especulativa da História. Tra-
balha com as ideias de “destino” e “missão”. Todo grande
povo tem uma missão a cumprir pelo “progresso” da “hu-
manidade”. O Brasil ainda é novo. Não há como reconhe-
cer essa missão. Mas, os seus filhos já podem pensar na
invenção de um “ideal”.E o ideal a ser atingido, para por
o Brasil no rol dos contribuintes do progresso da huma-
nidade, é fornecido pelo próprio Sílvio Romero:
formar a mansão democrática do congraçamento, não
dos deserdados da Europa somente, mas dos
Histórias do Ensino de História do Brasil 
2 7
deserdados de todo o mundo, e, pela reunião, pela
igualdade de todos, formar o povo do porvir, o tipo novo,
que não é oriundo do exclusivismo europeu, ou afri-
cano, ou asiático, ou americano, o tipo novo que há
de ser a mais perfeita encarnação do cosmopolitismo
do futuro. (Romero, 1908b, p. 14).
Configurada em livro, portanto, a escrita da História
teria a função de cultivar os valores do trabalho, cora-
gem, honradez, perseverança, que alimentariam o nosso
consciente e legítimo patriotismo. O passado nacional se-
ria organizado em função desse novo destino apontado
por Romero. A História do Brasil, seria enredada de for-
ma a desfilar em frente do expectador (leitor) e compro-
var retroativamente que o futuro por ele apontado é legí-
timo e está correto.
Como fazer então? João Ribeiro, autor do prefácio, ex-
plica: se se quer “inocular na escola a conduta cívica e
patriótica” só há um instrumento: “reconstituir a pátria
pelos patriotas, a História anônima pelo documento au-
tógrafo, e sintetizar a espécie pelos exemplares mais níti-
dos do indivíduo” (Ribeiro, 1908b, p. vi). Evidentemente,
a biografia não era novidade. A estratégia estava presen-
te no ensino primário da França, Inglaterra, Estados Uni-
dos e Alemanha (Cf. Schnass e Rude, 1939). A novidade
do livro de Romero seria, entretanto, o enfileiramento de
“pontos culminantes”, dos “homens representativos” que
“por si sós dão todas as induções da vida coeva, e que, ...
na sua cronologia têm auréolas suficientes para cumular
de fulgor as lacunas obscuras do tempo, que entre eles
medeia.” (Ribeiro, 1908, p.vi).
 ITAMAR FREITAS
2 8
Conhecidas as metáforas de Ribeiro (pontos culminan-
tes, auréolas) e de Romero (teatro) tentemos ressignificá-
las para uma melhor exposição da escrita da História
que se queria contar às crianças. Comecemos pela forma
de recortar o tempo. Para Sílvio Romero, a História do
Brasil não principia com Cabral. É Cristóvão Colombo
quem inaugura as páginas do livro (logo após descrever
os elementos étnicos formadores, o território, fauna e flo-
ra do Brasil). O Brasil é filho da era industrial, do
universalismo e do cosmopolitismo. A História, portanto,
inicia-se em 1492.
Sobre o fim da narrativa, podemos afirmar que o
distanciamento estratégico entre o tempo em que se cons-
trói a narrativa e o tempo a ser narrado – conhecido
indicador de crítica histórica, de erudição – é de pouco
mais de uma década. O último acontecimento do livro é a
morte de Floriano Peixoto (1895)7.
Esse espaço entre 1492 e 1895 é recortado simetrica-
mente em quatro blocos bem datados, domando as idas e
vindas da experiência brasileira, facilitando assim as vi-
das do aprendiz e do contador da história, que está fun-
damentado numa filosofia da História: 1. tempo de des-
cobrimento e de conquista; 2. tempo de expansão e resis-
tência; 3. tempo de autonomia; 4. tempo de independên-
cia e de unidade territorial.
Se é drama também deve haver cenário. E os cenários
são clássicos. A orla marítima nos dois primeiros séculos,
os tabuleiros do centro e as Campinas do sul no século
7 Tomo por base a outra edição, publicada em 1908.
Histórias do Ensino de História do Brasil 
2 9
XVIII e, por fim, todo o território brasileiro no século XIX. A
História do Brasil é a narrativa do avanço de duas frontei-
ras imaginárias: de leste para oeste e de norte para o sul.
Cruzando agora o tempo e o espaço da experiência narra-
da com o espaço materializado nas páginas do manual, vere-
mos que a escrita de Romero é predominantemente uma
História do contemporâneo – por mais reservas que ele te-
nha demonstrado no didático a essa modalidade erudita:
49% para o século XIX. A distribuição de biografias também
reforça essa conclusão: são 10 para o século XIX, 6 para os
séculos XVIII e XVII e apenas uma para o século XVI.
E quanto aos personagens, o que se pode dizer acerca
dos protagonistas na experiência brasileira? Como
escolhê-los? Os valores condizentes com a Filosofia da
História anunciada (destino, missão) justificam ainda mais
as suas opções (José de Anchieta, Felipe Camarão,
Gregório de Matos, Antônio Feijó, Benjamin Constant e
mais 20 outras personalidades). Mas, esse critério es-
conde outra necessidade: a relação dos personagens com
a hipótese filosófica de Romero: o Brasil nasce da luta
com o inimigo exterior. Por isso, não obstante o elogio à
“História cultural” alemã – a História “íntima”, a “criação
e desenvolvimento d’aquelas instituições que se referem
à vida interna, econômica e artística de uma nação”
(Romero, 1908b, p. 57) –, os personagens eleitos, em sua
maioria, estão relacionados à “História exterior” do Bra-
sil. Cerca de 61% das páginas biográficas são dedicadas
à política e 39% ao mundo das letras e das ciências. Em
relação aos atos/períodos, apenas no século XVIII predo-
minam as ciências e letras. Nos demais a ação política
(as guerras) é o traço dominante da História do Brasil.
 ITAMAR FREITAS
3 0
Como seria, então, escrever para as crianças? Em que
medida as convicções de Romero sobre a ciência da His-
tória se materializariam no ensino para as crianças?
Para Sílvio Romero, a escrita da História destinada às
crianças do final do século XIX e início do século XX de-
veria respeitar certos níveis de complexidade (ou as limi-
tações congnitivas das crianças). A escrita era a imitação
da aula. Exigia habilidade de síntese do professor para a
seleção dos assuntos. Do aluno, exigia atenção. Nada de
micrologias de erudição. Apenas alguns nomes, atitudes
e muitos valores a observar, rememorar e praticar. A
História também deveria partir das vidas destacadas na
construção da nacionalidade: a experiência de adultos,
políticos e intelectuais. O método biográfico, já consagra-
do na América do Norte e na Europa seria aqui também a
mais adequada estratégia de ensino de História e, por
conseguinte, da escrita da História para as crianças.
Níveis de complexidade, observação das finalidades, dos
usos e da clientela dos livros de História, entretanto, não
faziam parte da receita epistemológica gestata por Sílvio
desde 1874. A aposta numa Filosofia da História demons-
trada pelas ações e periodização – descobrir, conquistar,
expandir, resistir, autonomizar-se e unificar – estas sim,
são sinais de uma transposição didática. Os demais ele-
mentos caracterizadores do saber de Clio são abandona-
dos. Nada de dederminantes naturais e físicos. Nada de
distanciamentos temporais entre a História vivida e a His-
tória narrada a vincarem a experiência brasileira. Em
lugar da pluralidade de fenômenos culturais (religião, arte,
moral, direito, indústria, política), predomina a experiên-
cia do político.
Histórias do Ensino de História do Brasil 
3 1
Sílvio Romero, por fim, também deixou mostras da difi-
culdade em se aproximar do pequeno leitor. É pobre em
imagens, é desequilibrado no estilo, na construção dos
parágrafos. Abusa da frase rebuscada, erudita e das pa-
lavras cientificistas. Foi necessário acrescentar um “vo-
cabulário” ao final da obra. Minha hipótese é de que, ao
contrário de representar inovação pedagógica ou histori-
ográfica, esse elemento pós-textual funcionaria como um
corretivo à escrita didática de Romero, efetuado por João
Ribeiro, esse sim, mestre da palavra e da escrita para
estudantes. Mas, como teria se desincumbido de tais ques-
tões o nosso estudioso da “língua brasileira”?
História do Brasil para as crianças: a iniciativa de
João Ribeiro
João Ribeiro de Andrada Fernandes é hoje considera-
do um dos mestres da língua “brasileira” (Gally, 2007). O
homem que vendeu milhares de gramáticas, ajudando a
enriquecer o livreiro Francisco Alves. Era também histo-
riador, escrevinhador das letras históricas. Seus traba-
lhos de erudiçãoestão espalhados nas coletâneas em for-
ma de crítica de testemunhos e de análise historiográfi-
ca. Foi, talvez, o que mais resenhou obras históricas na
Primeira República.
O livro mais conhecido, contudo, é a História do Brasil
para o curso superior, produzido na labuta anual de pro-
fessor de História do Colégio Pedro II. A obra, lançada em
1900, é considerada um divisor de águas na historiogra-
fia didática (Cf. Melo, 1997; Gasparello, 2004). É, princi-
palmente, dessa versão – destinada aos alunos de 11 aos
 ITAMAR FREITAS
3 2
19 anos – que a maioria dos seus estudiosos tem retirado
as ideias sobre a ciência da História ou a “arte” de escre-
ver a História, caracterizando-o como germanista. Neste
tópico, entretanto, tratarei da escrita didática para as
crianças configurada na História do Brasil. A obra foi im-
pressa em três versões, provavelmente, pela primeira vez
em 1900, ano do IV Centenário da Independência e época
em que foi lançada a História do Brasil para os cursos
médio e superior (curso ginasial).
História: conteúdos substantivos e concepções de
ciência
Como já foi anunciado, a natureza da ciência da Histó-
ria professada por João Ribeiro em sua obra mais conhe-
cida – História do Brasil (1900) e também no trabalho crí-
tico divulgado em periódicos cariocas (Cf. Gomes, 1996) –
é debitária da História da cultura alemã (Leão, 1934; Ri-
beiro, 1957; Hansen, 2000). Mas, isso não chega a ser
uma novidade, pois o próprio João Ribeiro confessou a
dívida. De Handelmann e Martius, apropriara-se, tão so-
mente, da hipótese de que o Brasil fora constituído a
partir do “particularismo” de cada província e não “de um
núcleo central que se multiplicasse ou se expandisse como
Roma.” (Ribeiro, 1931). A formulação estaria relacionada
à História da Alemanha, onde se observava o “contraste
entre o sentimento da unidade nacional e o particularismo
de cada província.” (Handelmann, 1931, p. LV).
A História e a historiografia alemãs também estavam
na ideia de identificar o “sentimento característico” de
cada uma das “células” – que, por autodesenvolvimento e
Histórias do Ensino de História do Brasil 
3 3
colisão entre si, fizeram nascer o “organismo nacional”
brasileiro. Tais sentimentos e células, efetivamente de-
senvolvidas na sua História do Brasil para o curso superi-
or, seriam, enfim: a religião e a tradição da Bahia, o radi-
calismo republicano de São Paulo, o liberalismo modera-
do de Minas e do Rio de Janeiro, e o separatismo da
Amazônia e, depois, do Rio Grande. (Cf. Ribeiro, 1912, p.
24, 325). Essa é a descrição sintética da contribuição de
João Ribeiro à formatação dos conteúdos históricos, dos
currículos de História do Brasil e também da sua aposta
cientificista para organizar a experiência histórica brasi-
leira. Mas, o que ele pensava ser a ciência da História? A
resposta é fornecida em outro livro didático – História
universal – publicado em 1894 e reimpresso sem altera-
ções substantivas em 1919.
Para João Ribeiro a História não poderia “ser a narrati-
va de sucessos casuais desordenados e incompatíveis com
uma coordenação metódica e científica” (Ribeiro, 1894, p.
1-26; 1919, p. 355). Essa afirmação pela negativa queria
dizer que a História era ciência ao modo positivo –
fundamentata em leis, generalização e causalidade. Esse
padrão de regularidade, em termos de História, era recen-
te. Datava do século XIX. Quem o fornecia era a economia
política e a biologia, com seus contributos principais: as
noções de divisão do trabalho, de progresso por diferencia-
ção, de sociedade e indivíduos como organismo. Como or-
ganismos, portanto, homens e sociedades estariam sub-
metidos às “influências” mesológicas (fenômenos astronô-
micos, habitat, autitude, longitude/latitude e clima), bioló-
gicas (progresso, crescimento, diferenciação, hereditarie-
dade, filogênese e ontogênese), e psicológicos (que pesa-
 ITAMAR FREITAS
3 4
vam na construção das instituições – linguagem, direito,
moral, religião, arte e ciência). A grande estratégia meto-
dológica para aferir a regularidade da maioria das ações
humanas, por fim, seria fornecida pela Estatística.
Como vimos, é uma outra base para “interpretação
filosófica dos fatos históricos”, se quisermos lembrar o
título da tese de igual teor e publicada quase à mesma
época por Sílvio Romero. Isso posto, cabe colocar a ques-
tão ligada à ideia de transposição didática: em que medi-
da tais soluções sobre a ciência da História, a origem e a
identidade brasileiras seriam transferidas para o manual
de História do Brasil destinado ao ensino primário no iní-
cio do século XX?
Uma síntese da História do Brasil
Diferentemente do que tinha orientado no livro de Síl-
vio Romero, João Ribeiro não constrói a sua síntese
enfatizando os exemplos dos grandes homens. Ribeiro
privilegia o acontecimento – o insumo básico para carac-
terizar a sua hipótese sobre a origem, desenvolvimento e
a identidade do Brasil.
Na demarcação do princípio e fim da História pátria, já
podemos perceber o distanciamento entre as duas obras.
A História de João Ribeiro inicia-se com o descobrimento
(1500) e finda-se com a proclamação da República. As
justificativas para o marco inicial são os condicionantes
da expansão marítima e comercial europeia, impressos
sobre a experiência brasileira e não o voluntarismo de
homens como Colombo e Cabral. O final da História (1889),
por outro lado, é indicador de erudição. Para o autor, os
Histórias do Ensino de História do Brasil 
3 5
fatos ainda estão em ebulição, não havendo maturidade
ainda para o julgamento desse presente imediato.
Isso não quer dizer que a História do tempo presente
não seja privilegiada. O tempo narrado, contabilizado em
páginas, indica que 28% do livro é dedicado ao século
XIX, o tempo da autonomia e da implantação da demo-
cracia. Esse número também significa o dobro do espaço
concedido aos eventos iniciais como o descobrimento, ex-
ploração e colonização, que foi de 14%.
Ao longo do livro de 156 páginas, 22 capítulos distribu-
em a matéria aparentemente destinada a 22 lições. Li-
ções que ocupam de 5 a 7 páginas em média, em forma
de narração. Os 22 capítulos, entretanto, obedecem (de
forma adaptada) à lógica comunicada no livro para o en-
sino “superior” – sua aposta cientificista para a organiza-
ção da experiência brasileira. Isso resultou numa perio-
dização em 6 atos: 1. descobrimento, exploração e início
da colonização (1500/1549); 2. lutas contra o monopólio
dos franceses, ingleses e holandeses; 3. formação do Bra-
sil, revoltas nativistas; 4. definição do território; 5.
surgimento do espírito de autonomia; 6. transição do ab-
solutismo para a democracia.
As ações, majoritariamente, depõem sobre a experiên-
cia do político, embora iniciem-se sob domínio do econô-
mico: o próprio modo de periodizar já fornece indícios desse
caráter. As ações dominantes, enfim, são: descobrir, ex-
plorar e colonizar; guerrear, invadir, restaurar, libertar,
rebelar-se, lutar, fundar, expulsar, conspirar, condenar,
executar, revolucionar, submeter, partir, ficar, tornar-se
independente, abdicar, unificar, abolir, proclamar, e su-
ceder (durante a República).
 ITAMAR FREITAS
3 6
Como se pode depreender da sequência de ações, os
cenários são, inicialmente, o litoral norte, depois a Bahia,
o Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Ceará, Minas
Gerais, Rio da Prata, Paraguai e Rio de Janeiro, nova-
mente, ao final da História. Nesses cenários, passeiam
personagens masculinos, obviamente, ligados à experi-
ência do político – nobres, administradores, militares, clé-
rigos, comerciantes – e de forma residual, os índios, com-
panhias de comércio e partidos políticos.
A síntese da História do Brasil, enfim, é um desfilar de
conflitos que explicam a chegada dos portugueses, a for-
mação inicial da sociedade, configuração do território, a
origem do sentimento de autonomia, o esforço para evi-
tar a fragmentação, e a implantação do regime democrá-
tico – na figura da República.
Isso posto, resta-nos tentar responder: emque medi-
da as escolhas para o ensino primário são debitárias das
suas ideias sobre a ciência da História e os objetos da
História do Brasil?
Novamente, como em Sílvio Romero, é preciso conside-
rar a ideia de João Ribeiro, de que a escrita didática para
as crianças deve reproduzir o ambiente da sala de aula. A
divisão em capítulos de dimensões simétricas é o primeiro
indício: capítulos são aulas, praticamente independentes
umas das outras, com início, meio e fim, título, sumário,
texto narrativo e sinopse ao final de um período. Mesmo
que João Ribeiro fosse avesso à “afetação pedagógica”, re-
sultante de uma espécie de “linguagem infantil” comum nos
livros didáticos da época, não deixou, contudo de preocu-
par-se com a dosagem da “quantidade de matéria”, e de
simplificar o vocabulário e a sintaxe da obra. Basta com-
Histórias do Ensino de História do Brasil 
3 7
parar as versões da História do Brasil do curso primário,
com os exemplares para os cursos médio e superior.
Especificamente tratando de teoria da História, fica
patente a sua tentativa de transpor a aposta cientificista
sobre a experiência brasileira, produzida, inicialmente,
para os alunos do curso secundário. A ideia de Brasil
como um organismo, estruturado em células, o desenvol-
vimento nacional explicitado em termos de leis e causali-
dades – o progresso, o fim da monarquia e a abolição
como fatos inexoráveis explicitam a transposição. Por ou-
tro lado, não há como verificar no livro didático o uso da
base estatística para a regularidade das ações humanas,
nem os fatores psicológicos que tanto pesavam na cons-
trução das instituições. Linguagem, direito, moral, religião,
arte e ciência, instituições básicas, contudo, não ganham
espaço na obra de João Ribeiro para as crianças.
Conclusões
No início deste capítulo, anunciei a proposta de exami-
nar a relação entre a ciência de referência e a escrita da
História escolar, pondo os olhos na experiência do IHGB
e de dois dos seus mais eminentes sócios: João Ribeiro e
Sílvio Romero. As conclusões a que cheguei, embora
centradas na análise de dois manuais apenas, podem
fundamentar novas hipóteses sobre a ideia de transposi-
ção didática no início da República, em vigor entre pes-
quisadores da História da historiografia e da História do
ensino de História.
Em primeiro lugar, em termos de teoria da História,
não há padrão dominante no período em foco, entre os
 ITAMAR FREITAS
3 8
sócios do IHGB – excetuando-se os valores atribuídos à
heurística, e à função pedagógica e cidadã do saber de
Clio (como já adiantei na introdução). Não há também, no
limite dos pareceres consultados, uma prescrição domi-
nante sobre como se deveria escrever a História do Brasil
para escolares, sobretudo em termos de teoria da Histó-
ria. Os livros didáticos são considerados obras de histori-
ador, mas o IHGB não difunde, explicitamente, um credo
científico em prol de tal ou tal corrente. Em decorrência
dessa primeira afirmação, portanto, não se pode dizer
(novamente, no limite dos exemplos selecionados) que os
sócios da casa seguiam “o canon” do IHGB.
Com as análises das histórias do Brasil de Sílvio Romero
e de João Ribeiro, constatei que os autores cunharam
justificativas para a defesa da História como ciência e
que tais justificativas, obviamente, sofreram modificações
ao longo da suas trajetórias intelectuais. No ato de escre-
ver para as crianças, também notei que os autores trans-
puseram as suas apostas (especulativa e cientificista) no
trabalho de organização da experiência brasileira, como
de resto é comum em qualquer empreitada de síntese.
João Ribeiro e Sílvio Romero, por outro lado, encontra-
ram muitas dificuldades para transpor alguns traços do-
minantes das teorias da História professadas durante a
vida – se é que queriam mesmo efetuar essa transposição.
Constatei que outros condicionantes agiram na configura-
ção da escrita da História para as crianças. É provável
que os mais significativos elementos tenham sido as fina-
lidades e a clientela dessa modalidade historiográfica.
Essas conclusões me levam a reforçar a hipótese de
que a historiografia didática é uma outra História, que
Histórias do Ensino de História do Brasil 
3 9
não obedece à risca um suposto padrão fornecido por
uma instituição legitimadora da ciência de referência, e
nem mesmo é coerente com a epistemologia histórica pro-
fessada por quem dela se ocupa. Ainda que alguns histo-
riadores e professores de História da primeira República
tenham pensado em termos de transposição didática, ou
seja, disciplina escolar como reflexo da ciência de refe-
rência, os estudiosos sobre o tema devem matizar essa
afirmação (e o seu próprio desejo) sob pena de falcear os
resultados da investigação. Ensinar “História como uma
ciência”, não é o mesmo que ensinar “a ciência da Histó-
ria” na escolarização básica. Dizendo de outra forma e
com referentes contemporâneos: no ensino de História da
primeira República, são tão rarefeitas as teorias da His-
tória professadas no IHGB, quanto o são as possibilida-
des de apropriação da(s) nova(s) História(s) no dia a dia
da maioria das classes de História no Brasil do início do
século XXI. (Cf. Oliveira, 2007, p. 9-18).
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2
HISTÓRIA DO BRASIL
PARA CRIANÇAS:
o livro escolar nos
primeiros anos da República
e a iniciativa de
Joaquim Maria de Lacerda
(1880/1918)
 ITAMAR FREITAS
4 6
Por volta de 1896, o historiador Manoel Curvello deMendonça (1870/1914) publicou um depoimento signi-ficativo sobre o valor da educação e, especificamente,
dos estudos históricos para a consolidação da ideia de
República. Em Sergipe republicano (1896), ele asseverou
que o “ensino de História adquiriu largo desenvolvimen-
to” na cidade de Laranjeiras – SE e fez “nascer na alma
pura e inteligente dos moços alunos o sentimento arden-
te das aspirações democráticas.” Trago aqui a fala de Men-
donça para ressaltar que, também no final do século XIX,
os estudos de História poderiam proporcionar o “esclareci-
mento” e estimular a “mudança”. Não eram apenas co-
nhecimentos sobre grandes homens, fatos destacados,
comprometidos com o estabelecimento da nação. Assim,
por estimular a crítica do tempo presente, a História deve-
ria figurar nos currículos das escolas que educavam os
“moços alunos” e os “homenúnculos” da sua época.
Mas, como “fazer nascer na alma pura e inteligente
dos moços alunos o sentimento ardente das aspirações
democráticas?” Que tipo de ensino de História cumpriria
esse desejo? Manoel Curvello não revela. Sabe-se apenas
que o professor do seu tempo possuía duas grandes fer-
ramentas: a própria voz e o livro escolar. A voz daqueles
professores do final do século XIX e do início do século XX
– em Sergipe, onde nasceu Curvello, ou no Riode Janei-
ro, onde fez carreira intelectual –, perdeu-se irremedia-
velmente. Mas, os “livrinhos” de História do Brasil não.
Eles estão depositados em bibliotecas, arquivos e sebos à
espera dos seus decifradores.
Neste texto, descrevo apenas uma das iniciativas de
didatização do saber de Clio para crianças, que circula-
Histórias do Ensino de História do Brasil 
4 7
vam no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do regime
republicano: a Pequena História do Brasil, de Joaquim
Maria de Lacerda (1838/1886),1 publicada em 1880 e au-
mentada em 1918 por Luiz Leopoldo Fernandes Pinheiro.
O objetivo é estudar o livro escolar em seus componentes
estruturantes: os aspectos tipicamente historiográficos,
pedagógicos, linguísticos e os seus modos de impressão.
A ideia é colher informações sobre o sentido de conceitos
e métodos da História e da Pedagogia, o estágio das técni-
cas de impressão e das formas de tratamento de determi-
nados acontecimentos, como sugere Alain Choppin (s.d.),
num tempo em que o ser “criança” ainda não se havia
tornado objeto relevante para a Psicologia no Brasil.
Um artefato de papel e tinta
Livros didáticos “não são meramente idéias, sentimen-
tos, imagens, sensações, significações que o texto possa
representar. Nem tampouco é o texto em abstrato. Pois
esse texto, de que as pessoas normalmente vêem apenas
idéias, sentimentos, imagens, etc. é constituído de letras
(confeccionadas com tinta sobre papel) segundo uma fa-
1 Para Circe Bittencourt, Joaquim Maria de Lacerda era “um autor religioso”
que na década de 1880 havia escrito várias obras para o ensino elementar.
A pesquisadora afirma ainda que “o falecimento do autor não diminuiu a
venda de suas obras, conforme atestam os catálogos que indicam as
‘atualizações’ realizadas por outro autor em seus textos originais”. (Bittencourt,
2005). A Biblioteca Nacional ainda guarda a 11ª edição da Pequena história
do Brasil (1899) e também a Pequena geographia da infância: composta
para uso nas escolas primárias, nona edição, revista e melhorada (1898), e
o Curso methodico de geographia phisica, politica, historica, commercial e
astronomica: composto para uso das escolas brazileiras, nona edição,
melhorada (19—), todos editados pela H. Garnier.
 ITAMAR FREITAS
4 8
mília de tipo (ou face de tipo ou fonte), que lhes dá homoge-
neidade.” (Munakata, 1997, p. 84). Corroborando, então,
com a definição do professor Munakata, enfrentemos o
primeiro problema: quais seriam as características mate-
riais da Pequena História do Brasil do dr. Joaquim Lacerda?
O livro foi lançado em 1880, mas, na segunda edição
(1918), já usufruía dos benefícios introduzidos pela com-
posição em linotipo linotipo linotipo linotipo linotipo (1885).2 A estrutura da obra con-
templa o que entendemos hoje como elementos pré-tex-
tuais, textuais e pós-textuais. Compunha-se de capa, falsa
folha de rosto, folha de rosto, prefácio, prólogo; texto prin-
cipal e tábua cronológica; índice geral (correspondente
aos atuais sumários) e índice alfabético dos brasileiros
ilustres. Observem que não há referências bibliográficas.
Os textos principais – nosso alvo privilegiado – eram
compostos pelo tipo romano, da família serifada, em esti-
lo normal, tipo n. 13, com uso parcimonioso da variedade
de tamanhos. Observem na Figura 1 o equilíbrio no em-
prego desses tipos: acima, no cabeçalho, o título do capí-
tulo e o número da página quase imperceptível. Ele não
deve chamar atenção, apenas registrar a origem da li-
ção. Em seguida, o título do capítulo em caixa alta e o
subtítulo em tipo menor, em linha separada. O próximo
título refere-se ao primeiro tópico do capítulo. Esse é um
caso raro do uso de tipo não serifado. Por fim, o conteúdo
da lição propriamente dito, ou seja, o texto principal –
que deverá expressar as “idéias, sentimentos e imagens”,
2 Processo de composição em que as linhas de texto “são fundidas à medida que
vão sendo digitadas num teclado.” Diferente dos “tipos móveis, em que cada
palavra, cada frase, cada parágrafo e cada página são montados letra por letra,
manualmente.” (Munakata, 1997, p. 82; Cf. Smith Júnior, 1990, p. 95-96).
Histórias do Ensino de História do Brasil 
4 9
destinadas às faculdades da “infância brasileira”. Aqui,
há variação de estilo: o itálico e o normal. O itálico é
indicador de interrogação e, ao mesmo tempo, repre-
senta a figura do professor. Para o aluno (além de repre-
sentar o professor), o itálico pode reproduzir a imagem
do mestre interrogando-o, nos dias de leitura – nas au-
las – ou nos momentos de avaliação – nas sabatinas. Já
o tipo normal registra a resposta correta, a sentença
que deve ser memorizada pelo aluno, o texto que é de
sua responsabilidade ler, reler e conservar de cor. Ob-
servem também o tamanho dos tipos do texto principal (n.
13): são relativamente grandes para a ocupação da man-man-man-man-man-
chachachachacha – 8 palavras, em média para cada linha de texto.
Vejamos agora as ilustrações. São todas em preto e
branco e do tipo linearlinearlinearlinearlinear, ou seja, não há ícones que apre-
sentem gradações entre o preto e o branco, passando por
várias tonalidades de cinza – como são comuns nas re-
produções fotográficas. Aí está uma limitação técnica para
baratear o produto, talvez. Vigora então o desenho
tracejado. A disposição das ilustrações, porém, cumpre
função bastante conhecida em nosso tempo. Elas que-
bram a monotonia da página ocupada pelo texto escrito,
servem de descanso visual e funcionam como atrativo –
estimulam a imaginação do pequeno leitor. E mais, elas
estão integradas ao texto, mantendo relação direta com o
assunto abordado no parágrafo ao lado ou acima. As ilus-
trações já trazem título, e informação sobre a custódia e
a autoria da imagem.
 ITAMAR FREITAS
5 0
Figura n. 1.
Fonte: Lacerda, 1918, p. 11.
Histórias do Ensino de História do Brasil 
5 1
Figura n. 2
Matança do 1º bispo
da Bahia e de seus
companheiros
Fonte: Lacerda, 1918,
p. 32.
Figura n. 3
Transmigrações para
minas
Fonte: Lacerda, 1918,
p. 44.
Figura n.4
Independência ou
morte (quadro de
Pedro Américo)
Fonte: Lacerda,
1918, p. 94.
 ITAMAR FREITAS
5 2
Mas, se as fontes estão relacionadas ao texto, elas
devem dizer algo bastante significativo. Sobre o que a
iconografia do livro de Lacerda está tratando? A maior
parte das ilustrações (71,2%) são do tipo meio busto de
homens destacados, a exemplo de Cabral, de Diogo Antô-
nio de Feijó, e Duque de Caxias. As demais representa-
ções iconográficas referem-se às cenas históricas (9,1%)
(Cf. Figuras 2, 3 e 4. pág. 51) – a matança do primeiro
bispo do Brasil, o grito do Ipiranga, a viagem dos colonos
para as minas; fontes históricas (7,6%) – artefatos dos
indígenas, padrão português, embarcação do século XVI;
visões panorâmicas de recantos do Brasil (7,6%) – uma
paisagem da Paraíba, a península de Itapagibe em 1549,
o alcacer da Boa Vista em Pernambuco; e, por fim, os
mapas e plantas (mapa mundimapa mundimapa mundimapa mundimapa mundi, plantas das cidades do
Recife e da Bahia), que ocupam apenas 4,5% do total de
65 ilustrações. A distribuição das ilustrações também longe
está de ser homogênea. Para o tempo inicial da colônia,
introduzem-se os mapas, visões panorâmicas estáticas e
as cenas da “Transmigração para as minas”. Da segun-
da metade do século XVIII em diante, inicia-se o desfile
dos homens ilustres: Antônio Vieira, Gomes Freire de
Andrade, D. João VI entre outros.
O aspecto geral do livro é de sobriedade. Não há
vinhetas ou quaisquer tipos de adornos. Os fiosfiosfiosfiosfios são
utilizados apenas como sub-divisores de assuntos. Com
a ausência de cores, e para não perder em profundida-
de e legibilidade, as ilustrações que não retratam os ho-
mens em meio bustos são limitadas por cercadurascercadurascercadurascercadurascercaduras
(ou quadros). Há problemas até com a disposição das
imagens que excedem a largura da mancha. Observem
Histórias do Ensino de História do Brasil 
5 3
a limitação da técnica nesse sentido: o leitor tem que
girar o livropara examinar as cenas da “descoberta do
Brasil” e da “Independência ou morte” – reproduções
dos quadros de Aurélio de Figueiredo e de Pedro Américo,
respectivamente (Cf. Lacerda, 1918, p. 12 e 94). A capa
não é ilustrada e no fundo emprega-se o tom pastel. Em
suma, o resultado final desses processos de composição
e impressão é um livro que segue um certo padrão para
os didáticos: formato 12 x 18 cm; papel couché, e
gramatura semelhante aos demais impressos de grande
formato (15 x 23 cm), destinados ao público adulto, que
circularão na década posterior. Vejamos agora que tipo
de escrita histórica foi produzida para esse didático de
História do Brasil.
Quadro n. 1 Quadro n. 1 Quadro n. 1 Quadro n. 1 Quadro n. 1 - Transformação do texto linear em modo questionário
Descobrimento do Brazil
O Brazil foi descoberto pelo
almirante português Pedro Ál-
vares Cabral. [Tal descober-
ta] teve lugar a 22 de Abril
de 1500, reinando em Portu-
gal el –rei D. Manuel.
O descobrimento do Brazil foi
um effeito do acaso. Navegava
Cabral para a India, quando,
para evitar as calmarias da cos-
ta da África, afastou-se tanto
d’ella, que veio a avistar do lado
do Occidente uma terra desco-
nhecida. (Lacerda, 1919, p. 11).
Descobrimento do Brazil
P. Por quem foi descoberto o Brazil?
R. O Brazil, foi descoberto pelo almirante
portuguez Pedro Àlvares Cabral.
P. Quando teve lugar este descobrimento ?
R. Teve lugar a 22 de Abril de 1500, reinando em
Portugal el-rei D. Manuel.
P. O que deu occasião a este notável aconteci-
mento?
R. O descobrimento do Brazil foi um effeito do
acaso. Navegava Cabral para a Ìndia, quando, para
evitar as calmarias da costa d’Africa, afastou-se
tanto d’ella, que veio a avistar do lado do Occidente
uma terra desconhecida. (Lacerda, 1919, p. 11).
 ITAMAR FREITAS
5 4
A escrita da História
Já afirmei que os livros didáticos “não são meramente
ideias, sentimentos, imagens, sensações, significações que
o texto possa apresentar”. Ocorre que o texto linear es-
crito também é componente estruturante do objeto. Na
Pequena História de Lacerda ele apresenta-se na forma
do diálogo – um diálogo extraído de uma narrativa linear.
Atentem para esse fragmento que demonstra o processo
de didatização da narrativa histórica: vejamos em pri-
meiro lugar o suposto texto original da lição sobre o “des-
cobrimento do Brasil” e ao seu lado a transformação da
narrativa em modo questionário (cf. Quadro n. 1).
E quanto às “significações que o texto possa apresen-
tar”, que sugere o livro de Lacerda? Obviamente a Peque-
na História do Brasil homogeneíza a experiência indígena
(selvagens), não oferece uma linha sobre a vida dos escra-
vos, encara a História pátria a partir da “descoberta”, ain-
da fruto de um “acaso”, apresenta o personagem Domin-
gos Fernandes Calabar como o “homem de cor”, “pérfido”
e “desertor”, não comenta os feitos administrativos de Pom-
bal, enaltece o trabalho dos jesuítas, anuncia a “Conspira-
ção do Tiradentes” como o fato mais importante do “gover-
no de Luiz de Vasconcelos” e comemora a destruição de
Canudos, “onde um fanático conhecido por Antonio Con-
selheiro, conseguindo fanatizar grande número de serta-
nejos (jagunços), formou uma povoação, que afinal se tor-
nou perigosa à ordem pública.” (Lacerda, 1918, p. 137).
Depois desses comentários, é importante que não su-
cumbamos à tentação de condenar a “obrinha” do Dr.
Joaquim com base nos avanços da pesquisa histórica
Histórias do Ensino de História do Brasil 
5 5
universitária contemporânea ou à luz de uma visão
classista da sociedade brasileira. Lembremos que o livro
foi escrito em 1880 e a edição comentada registra a data de
1918. Além disso, a considerar-se como confiáveis os dados
do prefácio da segunda edição, levemos em conta que apro-
ximadamente dez mil pessoas, entre alunos, pais e profes-
sores manusearam a primeira edição, e esse número forne-
ce alguma legitimidade às “significações que o texto possa
apresentar”. Dizendo de outro modo, é provável que a gran-
de maioria dos adultos concordassem com as teses ali
expostas e as fizesse transmitir às próximas gerações.
Outro aspecto relevante para o conhecimento da escrita
da História do didata Joaquim Lacerda é a forma de recor-
tar o tempo da experiência brasileira. A rigor, não obedece a
nenhuma das clássicas periodizações à disposição no mer-
cado até 1880. Cunha Matos (1839) propôs três épocas,
Abreu e Lima (1843), oito; Henrique Bellegarde (1831), seis;
e Justiniano José da Rocha (1855), cinco. Lacerda4 divide a
História do Brasil em sete períodos (1500-1580; 1580-1640;
1640-1808; 1808-1822; 1822-1831; 1831-1899; 1889-1906),
não coincidentes com as propostas citadas, mas mantém
os critérios dominantes até então: as ocorrências político-
administrativas. Um exame das subdivisões de cada perío-
do pode indicar a sua opção, talvez. É provável que as suas
escolhas tenham se pautado pelo programa dominante do
velho Pedro II, entre as reformas de Benjamin Constant
(1890) e de Carlos Maximiliano (1915). Vejamos:
4 Na verdade, não é Lacerda quem divide a história do Brasil em sete partes,
posto que o mesmo faleceu em 1886. É provável que Olavo Bilac tenha
refeito a periodização, ampliando o sexto e acrescentando o sétimo segmento
em 1905. (Cf. Batista, Galvão e Klinke, sd., p. 11).
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5 6
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