Buscar

Quilombos da Paraíba pdf completo

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 313 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 313 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 313 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Quando em 2003 nasceu 
AACADE (Associação de apoio as 
comunidades afrodescendentes) 
na Paraíba eram conhecidas 
umas cinco ou seis comunidades 
negras rurais, entre elas Caiana 
dos Crioulos, Serra do Talhado, 
Pedra D´Agua. Em 2004, após 
a promulgação do decreto do 
governo Lula n° 4.887, a FCP 
(Fundação Cultural Palmares) 
emite as primeiras duas certidões 
de auto reconhecimento para as 
comunidades quilombolas de Serra 
do Talhado e Matão. No mesmo 
ano AACADE, em conjunto com 
outras entidades envolvidas, 
organiza o primeiro encontro 
das comunidades negras com a 
participação de 28 representantes 
de 14 quilombos. Na ocasião é 
criada a Comissão estadual e em 
seguida registrada o� cialmente 
como Coordenação Estadual das 
comunidades negras e quilombolas, 
CECNEQ.
É o começo de um longo 
caminho que levará em dez anos 
a identi� cação na Paraíba de 
39 (trinta e nove) comunidades 
quilombolas, 36 (trinta e seis) das 
quais tendo recebido a certidão de 
auto reconhecimento pela FCP.
O presente livro conta um pouco 
desta história visando mostrar 
como a colaboração entre entidades 
de voluntariado e órgãos públicos, 
quando trabalham em sinergia e 
com os mesmos objetivos, pode 
levar a resultados apreciáveis 
e interessantes em prol das 
comunidades.
Estrutura do livro
Trata-se do primeiro estudo 
exaustivo sobre a realidade 
quilombola da Paraíba com enfoque 
na ação do INCRA e de duas 
entidades – AACADE e CECNEQ 
– atuantes com as comunidades 
quilombolas do Estado. 
Dois artigos introdutivos oferecem 
uma panorâmica sobre a questão 
quilombola no Brasil e na Paraíba.
Seis capítulos são baseados 
na experiência de campo e nos 
trabalhos de 5 antropólogos que 
realizaram os Relatórios Técnicos 
de Identi� cação e Delimitação em 8 
comunidades da Paraíba por conta 
do INCRA, órgão responsável pelos 
processos de titulação das terras 
quilombolas.
Um artigo analisa a importância 
do acesso a direitos e parcerias 
para o desenvolvimento das 
comunidades.
No capitulo conclusivo o 
antropólogo italiano Roberto 
Malighetti, baseando-se na sua 
experiência de trabalho de campo 
realizado no quilombo do Frechal 
(Maranhão), propõe uma re� exão 
sobre os valores paradigmáticos 
e sobre nacionais que implicam 
com os padrões da resistência e das 
novas práticas de cidadania do povo 
quilombola para os seus direitos.
O livro termina com um 
levantamento bibliográ� co dos 
trabalhos acadêmicos sobre as 
comunidades quilombolas da 
Paraíba.
QUILOMBOS
a realidade de hoje e os 
desafi os para o futuro
DA PARAÍBA
Alberto Banal
Maria Ester Pereira Fortes
(organizadores)
Q
U
ILO
M
B
O
S D
A
 PA
R
A
ÍB
A
 
 a realid
ad
e d
e h
o
je e o
s d
esafi o
s p
ara o
 fu
tu
ro
A
lb
erto
 B
an
al
M
aria E
ster P
ereira Fo
rtes
(o
rg
an
izad
o
res)
Os trabalhos desta coletânea permitem-nos observar como as 
comunidades quilombolas em processo de luta e de mobilização 
elaboram uma percepção de justiça que passa necessariamente pela 
efetivação de seus direitos territoriais. O processo de emergência 
identitária é indissociável de semelhante percepção. As ligações 
com os territórios expropriados e sob ameaças de usurpação 
são mantidas e renovadas através de estratégias cotidianas de 
resistência, que pre� guram uma situação social de efetivação de 
suas práticas de uso comum dos recursos naturais, mesmo em 
situações em que a desagregação das grandes plantações propiciou 
condições para a emergência de uma autonomia produtiva e de 
uma existência individualizante. Pode-se falar de uma “paisagem 
de resistência” ao se elencar o repertório de práticas mobilizatórias 
e de discursos que se contrapõem ao ideário dos movimentos 
quilombolas. Eis uma questão relevante que insere esta coletânea 
num amplo debate, revelando a atualidade deste livro.
 Alfredo Wagner Berno de Almeida.
“
“
2013
QUILOMBOS DA PARAÍBA
Alberto Banal
Maria Ester Pereira Fortes
(organizadores)
QUILOMBOS DA PARAÍBA
A realidade de hoje e os 
desafios para o futuro
João Pessoa
2013
Copyright 2013 by os autores 
 
Capa: 
Alberto Banal 
 
Diagramação: 
Imprell Editora 
 
Fotografia da capa: 
Alberto Banal 
Dona Lurdes, Quilombo Grilo 
 
Fotografias: 
Alberto Banal 
 
Revisão: 
 
 
 
 
Q6 Quilombos da Paraíba: a realidade de hoje e os 
desafios para o futuro / Alberto Banal, Maria Ester 
Pereira Fortes (organizadores).- João Pessoa: 
Imprell Gráfica e Editora, 2013. 312p. 
 
 ISBN: 978-85-8332-004-3 
 1. Quilombos - Paraíba. 2. Comunidades 
quilombolas - Paraíba. 3. Quilombolas - direitos. I. 
Banal, Alberto. II. Fortes, Maria Ester Pereira. 
 CDU: 94(81).027(813.3) 
 
 
 
 
 
 
Agradecimentos
Este livro que desde sua concepção teve o carinho e a dedicação 
primorosa de Alberto, é fruto do mutirão de muitas mãos solidárias. 
Está povoado de personagens e histórias, anônimas na maioria das 
vezes mas extremamente expressivas. Foi graças aos quilombolas 
que foi possível dar vida a este trabalho que pretende ser uma 
documentação, um relato, um estudo das problemáticas que 
envolvem os muitos quilombos que pontilham a Paraíba. Quer ser 
também uma provocação.
Ao longo destes últimos dez anos, rostos, personagens, histórias 
outrora ignoradas ou desconhecidas foram tomando forma. 
Das sombras da história oficial foram aparecendo olhos, bocas, 
pensamentos feitos palavras dos quilombolas. Eles são os autores 
desta obra que permitiram que pesquisadores e amigos de 
caminhada pudessem fixar no papel aquilo que estava talvez se 
perdendo.
Não podemos deixar de mencionar pessoas como Bidia, Geilsa, 
Valquíria, Leonilda, seu Miguel (em memória), Zé Paulo, Lourdes, 
Sebastião, Zé Pequeno, Gilmar, Ana, Geraldo, Eliane, e por meio 
destes todos os outros quilombolas, entre eles o patriarca seu 
Domingos, que nos introduziram nos quilombos e nos permitiram 
de pisar este chão fecundo e misterioso da memória e da 
ancestralidade. 
Quando iniciamos esta jornada com os quilombos não estava 
na nossa cabeça para onde levaria tudo isto: era um mundão 
desconhecido que estava se descortinando e foram muitas as 
surpresas, belas surpresas ao longo destes anos. A vida quilombola 
se tornou mídia, se tornou exposição (várias exposições) e agora se 
torna livro, livro da vida quilombola, do povo que está vivo e quer 
viver.
Nosso carinho, nosso apreço e nosso agradecimento aos 
quilombolas da Paraíba e a quantos nos ajudaram a conhecer 
melhor esta realidade.
Luís Zadra e Francimar Fernandes de Sousa - AACADE
7
Sumário
Prefácio: Mobilizações étnicas não-tardias ........................................9
Alfredo Wagner Berno de Almeida
“A Via Crucis” das comunidades quilombolas no Brasil e na 
Paraíba ....................................................................................................18
Alberto Banal
Comunidades quilombolas na Paraíba ............................................. 44
Maria Ester Pereira Fortes – Fernanda Lucchesi 
A comunidade quilombola de Matão ............................................... 64
Rodrigo de Azeredo Grünewald
A Comunidade Urbana de Serra do Talhado ....................................82
Maria Ester Pereira Fortes
Nós somos outros: apontamentos em torno do exercício da 
pesquisa antropológica nos quilombos de Pedra D’água e Vaca 
Morta/PB .............................................................................................. 106
Rogério Humberto Zeferino Nascimento
Grilo: das memórias de assujeitado ao direito quilombola .........128
Mércia Rejane Rangel Batista
Comunidade Negra de Paratibe - De quilombo a bairro e de bairro 
a quilombo: 200 anos de posse da terra .........................................174
Maria Ronizia P. Gonçalves
O quilombo de Pitombeira: terra, trabalho e esperança ............ 202
Rodrigo de Azeredo Grünewald
Acesso a direitos e parceriastransformam paisagem quilombola do 
brejo paraibano ................................................................................... 226
Rosa Lima Peralta - Maristela Oliveira de Andrade
8
Exceder as Exceções. Práticas Quilombolas de Novas 
Cidadanias .................................................................................... 250
Roberto Malighetti
Os quilombos da Paraíba nos trabalhos acadêmicos – Um 
levantamento bibliográfico .............................................................. 282
Alberto Banal - Francinete Fernandes de Sousa - Marco Antônio de 
Oliveira Tessarotto
Sobre os autores ................................................................................. 306
Siglas ......................................................................................................312
Comunidade Senhor do Bonfim
Munícipio de Areia
Quilombos de Areia de Verão e 
São Pedro dos Migueis
Mobilizações 
étnicas não-tardias
Alfredo Wagner Berno de Almeida
12
Os trabalhos de pesquisa que compõem esta coletânea constatam, sem nenhuma surpresa, das tantas que refletem atualmente a dramática situação das “comunidades 
remanescentes de quilombos”, que, completados 25 anos de 
promulgação da Constituição Federal de 1988, neste outubro de 
2013, há uma tendência absolutamente decrescente das titulações 
das terras destas comunidades e o menosprezo total dos sucessivos 
governos pela aplicação de medidas inerentes às políticas de 
reconhecimento e titulação iniciadas com a redemocratização. 
Neste quarto de século, emitir a certidão de identificação das 
referidas comunidades se tornou mais complicado. Obstáculos 
burocráticos sucessivos tem prolongado em demasia e até inibido 
o registro do autoreconhecimento. Titular suas terras se tornou 
quase que impossível, mediante a inocuidade da ação oficial e 
as repetidas concessões governamentais aos interesses voltados 
para a reestruturação formal do mercado de terras em expansão, 
diretamente vinculados aos agronegócios. Além disto, no atual 
governo, com a implementação de medidas desenvolvimentistas, se 
agigantam os condicionantes ao uso efetivo dos recursos naturais 
em terras tituladas em nome das comunidades quilombolas1. 
Verifica-se uma prática oficiosa de repascer-se em um modus 
operandi retrógrado de recusa da titulação definitiva das terras 
das comunidades quilombolas, evidenciando uma prática de 
dominação intimamente ligada à ideologia da concentração 
fundiária como sinônimo de “progresso”, numa economia agrário-
exportadora, apoiada na monocultura, na concentração fundiária 
e em formas de imobilização da força de trabalho – características 
das “novas plantations” e da circulação de commodities, que 
remetem, de certo modo, à sociedade colonial.
Assim, até setembro de 2012, ou seja, em 24 anos, contados desde 
a Constituição de 1988, foram certificadas pela Fundação Cultural 
Palmares apenas 1.826 comunidades quilombolas das quase 
cinco mil reivindicadas pelos movimentos sociais. Por outro lado, 
até janeiro de 2013, haviam sido abertos pelos órgãos fundiários 
1 A ilustração maior desta diretriz pode ser verificada com o Decreto presidencial de 29 de 
setembro de 2011, relativo ao Território Quilombola Brejo dos Crioulos, localizado no Norte 
de Minas Gerais, que converte os direitos territoriais das comunidades remanescentes de 
quilombos em direitos de “superficiários”, do mesmo modo que restringe suas terras ao solo, 
juridicamente separado do subsolo, o qual, consoante menção explícita do Art. 4º, estaria 
disponível prioritariamente à exploração de empresas petrolíferas, de gás e de mineração.
13
oficiais somente 1.227 processos e apenas 156 editais de Relatórios 
Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID). 
Os resultados relativos à titulação das terras das comunidades 
quilombolas revelam-se, portanto, inexpressivos. Até o presente 
foram emitidos pelos órgãos fundiários oficiais (INCRA, ITERPA, 
ITERMA, ITESP, INTERBA) 138 títulos correspondentes a 995.000 
ha. Este resultado corresponde aos 25 anos de instituição pela CF 
do Art.68 do ADCT. Em outras palavras a capacidade operacional 
da burocracia dos órgãos fundiários procede a conta-gotas e, sem 
dirimir os conflitos, traz a incerteza da reprodução física e cultural 
às comunidades quilombolas. Em outras palavras não se permite às 
comunidades qualquer projeção sobre seu futuro próximo, gerando 
um clima de tensões sociais agudizadas. Haja vista que o total de 
hectares proclamado pelos movimentos quilombolas em suas pautas 
reivindicatórias encontra-se acima de 20 milhões de hectares.
As dificuldades de reconhecimento e titulação mostram-se 
agravadas pela tendência ascensional dos conflitos sociais, 
atingindo as comunidades quilombolas. A violência tornou-se uma 
constante nas ocorrências de conflitos registradas nos últimos três 
anos em pelo menos 14 unidades da federação. O mais recente 
destes trágicos episódios concerne ao assassinato a facadas do 
líder quilombola Sr. Teodoro Lalor de Lima, na região portuária 
central de Belém (PA), em 19 de agosto de 2013, no momento em 
que desembarcava na capital portando uma petição a ser entregue 
ao Ministério Público Federal sobre a ação violenta de grandes 
proprietários de terras na Ilha de Marajó2.
Estudiosos que interpretam tal processo chamam a atenção para 
os assassinatos e para a constante criminalização dos líderes 
das comunidades quilombolas, como tentativas de fragilizar os 
movimentos sociais, deixando o campo livre para a flexibilização 
dos direitos territoriais das comunidades tradicionais, considerada 
imprescindível pelas forças ruralistas para a expansão das 
monoculturas de cana de açúcar, soja, milho, pinus, eucalipto, 
acácia e dendê. As terras tradicionalmente ocupadas pelas 
2 Para maiores detalhes sobre esta ocorrência de conflito consulte-se: Rodrigues, Eliana Teles 
e Acevedo Marin, R. – “Quilombolas do Rio Arari e Gurupá na mira de ações e ameaças de 
fazendeiro de Cachoeira do Arari” in Acevedo Marin, R. ; Almeida, A.W.B. - Quilombolas: 
reivindicações e judicialização dos conflitos. Manaus.PNCSA.UEA.2012 pp.49-61
14
comunidades tradicionais e notadamente pelos quilombolas ao 
serem mantidas sob regime de uso comum dos recursos naturais 
contrariam a regra básica do mercado de terras, porquanto não 
são passíveis de atos de compra e venda e não fazem parte dos 
diferentes circuitos mercantis de troca. O título definitivo das terras 
é emitido em nome das associações comunitárias e não em nome 
de indivíduos, condicionando seu uso aos interesses comuns das 
unidades familiares e impedindo sua “livre” aquisição ou venda. 
Exatamente neste ponto é que os interesses de mercado colidem 
com os movimentos quilombolas seja em audiências no legislativo, 
no Supremo Tribunal Federal, com ações de inconstitucionalidade, 
ou em órgãos do executivo.
Nos termos desta coletânea que ora prefaciamos pode-se 
considerar discutível a afirmação usual de que o Estado da Paraíba 
teria chegado tardiamente às mobilizações e lutas pelos direitos 
quilombolas. A noção de tardio ao pressupor temporalmente um 
dado começo, em que os agentes sociais revelam autoconsciência 
e capacidade de mobilização política, poderia ser revista. Edward 
Said rompe com esta sequencia necessariamente temporal e 
propõe que se pense o tardio consoante uma concomitância, 
isto é, como “fazendo parte” e ao mesmo tempo como “estando 
à parte” do presente3 (Said, 2009:44). Com esta noção pode-se 
interpretar que, de tal modo mostra-se monótona a ação oficial, 
procrastinando as certificações e titulações, e tamanhas tem 
sido as dificuldades dos diferentes movimentos quilombolas de 
orquestrarem uma ação conjunta, que é possível asseverar que 
estas lutas estariam num “estágio” aproximado. Não obstante 
os avanços no processo de autoconsciência, que configuram 
novas realidades localizadas e novas maneiras de percebê-
las, abrangendo não apenas a Paraíba, mas também o Ceará 
e o Amazonastem-se também uma multiplicação das formas 
organizativas diferenciadas, que mostram uma cultura de resistência 
em consolidação. Deste modo o argumento de que a Paraíba teria 
chegado tarde nas lutas pelos direitos territoriais dos quilombolas, 
pode ser relativizado, sobretudo quando se constata um quadro 
de atomização das organizações do movimento quilombola, com 
sua capacidade de mobilização relativamente comprometida. As 
3 Cf.Said, Edward W. – Estilo Tardio. São Paulo. Companhia das Letras .2009
múltiplas formas organizativas, que convergem diferentemente 
para a CONAQ (Coordenação Nacional das Comunidades Negras 
Rurais Quilombolas), estão a requerer maior acuro na construção 
social de critérios de representatividade e na composição de 
pautas reivindicatórias capazes de assegurar grandes mobilizações 
políticas. Este é um desafio constante numa quadra em que a 
CONAQ estaria vivenciando uma transição, caracterizada pela 
passagem de uma entidade de militantes para uma entidade de 
massas, com representação ampla e diferenciada, de comunidades 
quilombolas heterogeneamente constituídas em âmbito nacional.
A propósito, como lembram os autores desta coletânea, na Paraíba 
já foram identificadas 39 comunidades quilombolas, sendo 36 
certificadas pela FCP. Não há, todavia, registro de titulação, o que 
direciona as interpretações para o exame da força dos “velhos” 
padrões de relação política apoiados nos agronegócios através das 
grandes plantações e da concentração fundiária.
As situações sociais quilombolas tem se constituído em objeto 
de reflexão de pesquisadores, vinculados às universidades, aos 
órgãos fundiários oficiais, às associações voluntárias da sociedade 
civil e aos movimentos sociais. Os debates teóricos balizam os 
procedimentos operacionais, mas de modo algum seria possível falar 
em “antropologia aplicada”. Não há conceitos e modelos a serem 
testados nem tão pouco exercícios de demonstração de eficácia 
de esquemas explicativos pré-elaborados. A oposição rural/urbano 
não é tomada como dualismo geográfico e sim como um dualismo 
conceitual, que transcende às pré-classificações de “espaços 
físicos”. O significado de “quilombo urbano” estaria marcado por 
esta dinâmica absolutamente teórica. Estas distinções e cortes 
permitem, pois, aproximações, quanto ao gênero dos trabalhos em 
questão e aos seus propósitos, designando-os como “artigos”.
Nos oito artigos, referidos a situações empiricamente observáveis 
na Paraíba, que compõem a presente coletânea, observa-se que 
pelo menos cinco dentre eles foram construídos com dados e 
informações extraídos de Relatórios Técnicos de Identificação 
e Delimitação (RTID). Um dentre eles remete simultaneamente 
a trabalho acadêmico. Um sexto concerne a dados obtidos em 
trabalho de campo para elaboração de dissertação de mestrado, 
enquanto o sétimo refere-se a exercício de pesquisa acadêmica e o 
16
derradeiro refere-se a reflexões produzidas a partir da experiência 
de atividades de antropólogas como servidoras do INCRA. A 
reflexidade, descrevendo as relações de pesquisa e de entrevista, 
definidoras do próprio trabalho antropológico, permite aproximá-
los e conferir uma certa unidade à coletânea.
Apenas um artigo não se refere à Paraíba, com características que 
combinam noções teóricas com exercício descritivo, e diz respeito 
a uma conhecida situação histórica de quilombo do Estado do 
Maranhão, mais exatamente a de Frechal, que foi a primeira 
área selecionada pelo Projeto Vida de Negro (PVN), da SMDDH 
e do Centro de Cultura Negra, em 1989, para integrar pauta 
reivindicatória de titulação e que em 1992 tornou-se um quilombo 
reconhecido como Reserva Extrativista (RESEX).
Os trabalhos desta coletânea permitem-nos observar como as 
comunidades quilombolas em processo de luta e de mobilização 
elaboram uma percepção de justiça que passa necessariamente 
pela efetivação de seus direitos territoriais. O processo de 
emergência identitária é indissociável de semelhante percepção. 
As ligações com os territórios expropriados e sob ameaças de 
usurpação são mantidas e renovadas através de estratégias 
cotidianas de resistência, que prefiguram uma situação social 
de efetivação de suas práticas de uso comum dos recursos 
naturais, mesmo em situações em que a desagregação das 
grandes plantações propiciou condições para a emergência de 
uma autonomia produtiva e de uma existência individualizante. 
Pode-se falar de uma “paisagem de resistência” ao se elencar 
o repertório de práticas mobilizatórias e de discursos que se 
contrapõem ao ideário dos movimentos quilombolas. Eis uma 
questão relevante que insere esta coletânea num amplo debate, 
revelando a atualidade deste livro.
A via crucis 
das comunidades 
quilombolas no 
Brasil e na Paraíba
Seu Domingos - Quilombo os Rufinos
Município de Pombal
Alberto Banal
19
20
No dia 18 de abril de 2012 o ministro Cezar Peluso, presidente do STF, proferiu seu voto pela procedência da ação da ADI 3239, ajuizada pelo DEM contra o Decreto 4.887/2003 e, 
portanto, pela inconstitucionalidade do decreto questionado. De 
acordo com o ministro, teria sido melhor que o Congresso Nacional 
tivesse editado uma lei, em vez de o Poder Executivo editar uma 
série de normas sobre o assunto, muitas vezes umas revogando 
as outras, configurando uma verdadeira “legislação perversa”. 
Por consequência seria melhor acabar com o decreto porque 
na realidade não só não ajudou a causa quilombola, mas, pelo 
contrário, transformou o caminho para os quilombolas obterem 
a titulação de suas terras em “uma verdadeira via crucis”.1 Melhor 
deixar os quilombolas ao seu destino na espera de o Legislativo 
aprovar uma lei aplicativa do artigo 68 do Ato das Disposições 
Constitutivas Transitórias da Constituição de 1988 que diz: “Aos 
remanescentes das comunidades de quilombos que estejam 
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, 
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Sabemos que os efeitos da lei foram, por muito tempo, inviabilizados 
por falta de decretos aplicativos, mas também pela oposição e 
entraves colocados por várias forças politicas ligadas aos interesses 
dos grandes latifundiários, grileiros, mineradoras, entre outros.
Na década de 1990, houve um avanço na compreensão da questão 
quilombola, graças às novas teorizações da Associação Brasileira 
de Antropologia (ABA), 
O termo ‘quilombo’ deixa de ser considerado unicamente como 
uma categoria histórica ou uma definição jurídico-formal, para 
se transformar nas mãos de centenas de comunidades rurais 
e urbanas, em instrumento de luta pelo reconhecimento de 
direitos territoriais (TRECCANI, 2006 pag. 14). 
Vale refletir sobre afirmações do professor e advogado Dimas 
Salustiano da Silva:
Sendo os quilombos não apenas resquícios do passado, em 
relação aos quais deve ser prestada homenagem à memória 
1 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=205330, acesso em 23 
de junho de 2012)
21
dos heróis e mortos na luta contra a escravidão, é precípuo que 
sejam encarados como um desafio do presente, em respeito 
ás centenas de comunidades negras espalhadas pelo Brasil 
privadas do legítimo acesso à terra e para as quais a liberdade 
ainda não chegou. Mas também como compromisso com o 
futuro, uma vez que representam a mais importante parcela 
formadora do processo civilizatório nacional, e suas futuras 
gerações não sobreviverão em suas terras, mesmo porque 
nunca conheceram outro chão. Negar-lhes esse direito é 
crime de lesa pátria. (NUER, 1997, p.57).
Neste contexto, para favorecer a aplicação do artigo 68 da 
Constituição, se tornou fundamental o decreto do governo Lula n° 
4.887 de 20 de novembro de 2003. No artigo 2° se afirma: 
Consideram-se remanescentes das comunidades de 
quilombo os grupos étnico-raciais segundo critérios de 
auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados 
de relações territoriais específicas, com presunção de 
ancestralidadenegra relacionada a opressão histórica sofrida.
E mais:
Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes 
das comunidades dos quilombos será atestada mediante 
autodefinição da própria comunidade (2.1).
São terras ocupadas por remanescentes das comunidades 
dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua 
reprodução física, social, econômica e cultural (2.2).
 
O Decreto, além de garantir o direito à autodefinição como 
único critério para identificação das comunidades quilombolas, 
determinou a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento 
Agrário - MDA/INCRA em fazer cumprir as determinações 
constitucionais no que diz respeito às áreas de quilombos no Brasil: 
Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por 
meio do Instituo Nacional de Colonização e Reforma 
Agrária – INCRA, a identificação, reconhecimento, 
22
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas 
pelos remanescentes das comunidades de quilombos (2.3). 
O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de 
desapropriação... (13.2)
Em aplicação do Decreto o INCRA emana a Instrução Normativa nº 
16/2004 para regulamentar o processo de titulação das terras de 
quilombo. A exigência mais importante é a redação de um relatório 
conciso de identificação do território baseado num levantamento 
geral de informações históricas, agronômicas, geográficas 
e cartográficas e contendo um cadastramento das famílias 
quilombolas, além de um levantamento da cadeia dominial.
A reação para impedir a aplicação do decreto não se fez esperar. 
Alegando a inconstitucionalidade do decreto, o PFL (atual 
Democratas), no final de junho de 2004, ingressou no STF com a 
ADI nº 3239, com o objetivo de sustar seus efeitos jurídicos. 
Em sua ação, o partido alega que ele não tem uma base 
legal que o sustente e questiona as principais disposições do 
decreto, dentre elas o critério para a identificação de uma 
comunidade quilombola, o critério para a delimitação do 
território a ser titulado e a necessidade de desapropriação 
de terras particulares, de titularidade de não-quilombolas, 
que estiverem dentro dos territórios a serem titulados 
(TELLES 2004).
Não tem duvidas sobre as consequências no caso a ADIN fosse 
julgada procedente: qualquer tutela dos direitos dos quilombolas 
seria impossibilitada, pondo em risco a sua sobrevivência. 
O processo está ainda em andamento no STF, no entanto 
foram muitos os juristas que se pronunciaram contra o pedido 
dos Democratas. Entre eles o procurador da República Daniel 
Sarmento: o qual, entre outras considerações afirma: 
É constitucional a definição de terras ocupadas por 
remanescentes de quilombo constante no Decreto 4.887/03. 
A definição estabelecida pelo Decreto leva em consideração 
a finalidade essencial do art. 68 do ADCT – permitir que as 
comunidades quilombolas continuem existindo e vivendo 
23
de acordo com seus costumes e tradições – e o sistema 
constitucional brasileiro, que impõe uma leitura do referido 
dispositivo constitucional que se harmonize com o art. 215 
da Lei Maior, que trata da tutela de direitos culturais. Tal 
conceito, ademais, está em perfeita consonância com a 
Convenção 169 da OIT (SARMENTO, 2008 pag. 40).
Frente a ADIN 3239, o INCRA se apressa a elaborar uma nova 
normativa, n° 20/2005, baseada em critérios mais rígidos e impondo 
a obrigatoriedade de um antropólogo para a elaboração do Relatório 
Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) com a consequência 
que o processo de identificação e delimitação se tornou muito mais 
complicado. Não é por nada que entre 19 de setembro de 2005 e 
30 de setembro de 2008 foram concluídos e publicados no Diário 
Oficial da União somente 50 RTIDs (CHASIN, 2009).
No entanto se multiplicaram as ações dos contrários à questão 
quilombola. Ao longo de 2007 a mídia – televisão, revistas e jornais 
em nível nacional – publicou inúmeras matérias acusando o 
Governo federal de reconhecer falsos quilombos agindo contra os 
direitos constitucionais no que diz respeito à propriedade privada. 
Tratou-se de um poderoso coral polifônico a sustentação do projeto 
de Decreto Legislativo (nº 44/2007) apresentado pelo deputado 
federal Valdir Colatto (PMDB-SC) contra o decreto 4.887/2003. 
Em seguida a rejeição da proposta considerada inconstitucional, o 
mesmo deputado se apressou a apresentar um novo projeto de Lei 
(nº 3.654/2008) visando dar uma interpretação restritiva do artigo 
68 da ADCT.
A pressão da mídia e das forças contrárias à questão quilombola 
teve efeito sobre a ação do Governo Federal que, em julho de 
2007, constituiu um grupo interministerial com o intuito de 
estudar e modificar o Decreto 4.887 e a IN n° 20/2005 do INCRA 
no que diz respeito à demarcação das terras quilombolas. Com 
o texto já pronto e definido a Advocacia Geral da União (AGU) 
decidiu para uma consulta pública com os representantes das 
comunidades quilombolas. O evento aconteceu entre os dias 15 e 
17 de abril de 2008 em Luziânia (GO) e contou com a presença de 
250 quilombolas. Difícil afirmar que foi uma verdadeira consulta 
pública porque não foi dada nenhuma possibilidade de negociar 
24
e propor modificações. Com efeito, o Governo ficou surdo às 
sugestões dos quilombolas e manteve quase na íntegra as suas 
propostas de alteração em sentido restritivo das normas do INCRA. 
Por consequência o próprio INCRA passou a emitir novas normas que 
levaram a um verdadeiro retrocesso à regulamentação então vigente.2 
A IN n° 49/2008 do INCRA 
estabeleceu uma série de novos empecilhos à elaboração e 
conclusão dos relatórios... De acordo com a nova norma, o 
relatório deverá conter, dentre outras coisas, uma introdução 
apontando o referencial teórico e metodologia utilizados e 
uma lista de itens obrigatórios, como um levantamento de 
dados sobre as taxas de natalidade e mortalidade do grupo; 
uma identificação e caracterização dos sinais diacríticos da 
identidade étnica da comunidade; um mapeamento das redes 
de reciprocidade intra e extra-territoriais, além da descrição 
das formas de representação política da comunidade; só 
para citar alguns poucos exemplos. Tais informações podem 
ser de grande relevância para uma pesquisa científica, de 
longo prazo, sobre o grupo em questão, mas não devem 
estar atreladas ao processo de titulação do território. As 
consequências dessa mudança serão maiores gastos de 
dinheiro público e uma demora incalculável na conclusão 
dos processos. Ou, o que é ainda mais provável, a paralisação 
no andamento dos poucos procedimentos que já tiveram 
seu RTID iniciado (CHASIN – PERUTTI, 2009, p. 10-11).
De acordo com Chasin e Perutti, 
apesar da alegação, por parte do governo federal, de que 
a nova norma garantiu a sustentabilidade do Decreto n.º 
4.887/2003, o fato é que ela impôs uma série de restrições e 
entraves ao andamento dos processos de titulação que, na 
prática, significam retrocessos e dificultam ainda mais a (já 
lenta) efetivação do direito das comunidades quilombolas 
à titulação de suas terras (CHASIN – PERUTTI, 2009, p. 16).
2 A participação dos representantes do Governo na elaboração é documentada e criticada 
pelos funcionários do INCRA: “Esta IN contou com a participação efetiva de setores do 
Governo que demonstraram publicamente ser contra o processo de regularização, o que 
culminou com uma norma que burocratiza e mesmo obstrui a celeridade dos processos 
de regularização” (MOÇÃO DE REPÚDIO, 2009 em http://www.sintsefba.org.br/admin/
Uploads/wwwsint_web-rel_plenaria_condsef_24-10-2009.pdf, acesso em 23 de março de 
2012)
25
No entanto a mesma Fundação Cultural Palmares tinha emitido em 
novembro de 2007 a Portaria n° 98 que dificultava ulteriormente 
o processo para a elaboração dos documentos para obter a 
certificação das novas comunidades no cadastro da entidade. 
Para entender o que significa a pressão das forças contrárias à 
questão quilombola vale a pena ver o que aconteceu no INCRA 
em 2009. Pressionadopelas sugestões dos antropólogos do setor 
quilombola o INCRA publicou uma nova normativa – a IN n° 
56/2009 – com o intuito de remover os maiores entraves da IN 
49/2008. A nova IN nem chegou a ser publicada porque, no prazo 
de 13 dias foi revogada e substituída com a republicação integral 
da antiga norma 49/2008 que passou a se chamar IN nº 57/2009.3
Assim podemos afirmar que o quadro atual é bastante desconfortável 
e pouco propicio com às comunidades quilombolas. Na tentativa 
de limitar contestações e ações jurídicas, criou-se um conjunto 
de disposições e regras que na pratica dificultam a aplicação do 
Decreto 3.887/03 e que são contrárias aos direitos dos quilombolas 
assegurados pelo próprio decreto.
Entre outros se manifestou com preocupação também a 6° Câmara 
de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal a qual 
abriu um Inquérito Civil Público pedindo ao INCRA a mudança de 
alguns procedimentos: 
... Considerando que o quadro geral relativo às políticas 
públicas voltadas ao atendimento da população 
quilombola, em especial da sua garantia do direito a terra, é 
alarmante, e denota grave e sistemática violação a direitos 
fundamentais positivados na Constituição federal e em 
tratados internacionais de que o Brasil é parte...(pag. 2).4 
3 A reação negativa dos funcionários do INCRA se manifestou através da “Carta moção de 
repúdio ao governo pelo descaso apresentado em relação à luta pela regularização de 
territórios quilombolas”, 23 de outubro de 2009. Nela se afirma: “O Presidente do INCRA... 
devido à pressão de setores que são favoráveis a manutenção dos entraves na política de 
regularização, revogou a IN 56 e republicou a IN N.º 49 com um novo número, agora IN N.º 
57. Assim sendo, nós funcionários da regularização quilombola do INCRA, viemos protestar 
e pedir um basta à situação que enfrentamos”. http://www.sintsefba.org.br/admin/Uploads/
wwwsint_web-rel_plenaria_condsef_24-10-2009.pdf, acesso em 23 março 2012.
4 Ministério Público Federal, 6° CCR – Portaria de Instauração de Instauração de Inquérito 
Civil Público, Brasília, 18 de novembro de 2009, disponível emhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/
destaques-do-site/ICP_Quilombos.pdf, acesso em 23 de março de 2012. 
26
Mais fácil falar que fazer
O caminho para a titulação das terras é incrivelmente cheio de 
dificuldades e armadilhas jurídicas (quadro 1).
Quadro 1: as inúmeras fase do auto-reconhecimento a titulação da terra 
das comunidades quilombolas
Solicitação de Certidão de Auto-
Reconhecimento para a FCP
Solicitação de Certidão de Auto-
Reconhecimento para a FCP
 Elaboração do RTID contendo as seguintes peças:
 a) relatório antropológico; b) relatório agronômico e ambiental; c) levantamento fundiário 
 do território delimitado;; d) planta e memorial descritivo;
 e) cadastro das famílias da comunidade; f) verificação de sobreposição de interesses; 
 g) parecer conclusivo da área técnica e jurídica
 Publicação do RTID por dois dias consecutivos no DOE edois dias consecutivos no DOU
Consulta aos seguintes órgãos: I - Instituto do Patrimônio 
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN; II - Instituto Brasileiro do 
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, 
e seu correspondente na Administração Estadual; III - 
Secretaria do Patrimônio da União - SPU, do Ministério do 
Planejamento, Orçamento e Gestão; IV - Fundação Nacional 
do Índio - FUNAI; V - Secretaria Executiva do Conselho de 
Defesa Nacional - CDN; VI - Fundação Cultural Palmares; VII - 
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - 
ICMBio, e seu correspondente na Administração Estadual; e 
VIII - Serviço Florestal Brasileiro - SFB.
notificação dos proprietários dos imóveis e 
ocupantes não quilombolas incidentes no 
território delimitado e dos confinantes do mesmo
não há incidência de imóvel 
particular no território
 prazo de 90 dias para interposição de contestação
 por parte de qualquer interessado
não há 
contestação
contestação
deferida indeferida
prazo de 30 dias 
para interposicão 
de recurso 
deferidaindeferido
portaria da presidência do Incra reconhecendo 
os limites do território quilombola
concorda com RTIDdiscorda do RTID
câmara de conciliação
há incidência de imóvel 
particular no território
decreto desapropriação 
por interesse social
instauração de procedimento 
desapropriatório
 expedição de título de propriedade 
em favor da comunidade quilombola
prazo de 30 dias para que os órgão opinem sobre o RTID
27
A demonstração disso está nos dados contidos no “QUADRO 
ATUAL DA POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO DE TERRITÓRIOS 
QUILOMBOLAS NO INCRA” (Atualizado em 11/06/2013). 
De acordo com este quadro, frente a uma realidade de 2.278 
comunidades certificadas pela FCP5, os processos abertos, atuados, 
protocolados e numerados são 1.264 (todas as Superintendências 
Regionais, à exceção de Roraima, Marabá-PA e Acre).
A prossecução do processo prevê a produção de um Relatório 
Técnico de Identificação e Delimitação – RTID. Até hoje, 11 de 
junho de 2013, foram publicados 157 Editais de RTIDs, totalizando 
1.972.354.0965 hectares em benefício de 23.624 famílias (12,42% 
de sucesso).
A fase sucessiva, que consiste na publicação no Diário Oficial da 
União (DOU) da Portaria de Reconhecimento do Território, produziu 
73 Portarias, totalizando 302.885.1252 hectares reconhecidos em 
benefício de 6.552 famílias.
No caso da área quilombola estar localizada em terras de domínio 
particular é necessário que o Presidente da República edite um 
Decreto de Desapropriação por Interesse Social de todo o território. 
Na atualidade existem 53 Decretos publicados, desapropriando 
515.456,0822 ha em benefício de 6.080 famílias.
A última fase consiste na emissão da titulação. 
Na regularização fundiária de quilombo, esta é a última 
etapa do processo e ocorre após os procedimentos de 
desintrusão do território. O título é coletivo, pró-indiviso 
e em nome das associações que legalmente representam 
as comunidades quilombolas. Não há ônus financeiro para 
as comunidades e obriga-se a inserção de cláusula de 
inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade 
no título, o qual deverá ser registrado no Serviço Registral da 
Comarca de localização do território. Devido às diferenças 
de normatização, alguns títulos emitidos antes de 2004, 
5 Site da FCP, atualizado em 26/08/2013. 
28
pela Fundação Cultural Palmares, ainda se encontram na 
fase de desintrusão (INCRA, 2013).
De acordo com os últimos dados atualizados em 29/01/2013foram 
emitidos 139 títulos, regularizando 995.009,0875 hectares em 
benefício de 124 territórios, 207 comunidades e 12.906 famílias 
quilombolas, assim distribuídos:
- De 1995 a 2002 foram expedidos 45 títulos regularizando 
775.321,1193 hectares em benefício de 42 territórios, 90 
comunidades e 6.771 famílias quilombolas. Estes títulos foram 
expedidos por: FCP (13), FCP/INTERBA/CDA-BA (2), INCRA (6), 
ITERPA (16), ITERMA (4), ITESP (3) e SEHAF-RJ (1). Destes, 2 títulos 
do ITERPA foram expedidos a partir de parceria (técnica e/ou 
financeira) com o INCRA/MDA.
- De 2003 a 2010 foram expedidos 75 títulos regularizando 
212.614,8680 hectares em benefício de 66 territórios, 99 
comunidades e 5.147 famílias quilombolas. Estes títulos foram 
expedidos por: INCRA (15), INTERPI/INCRA (5), SPU (2), ITERPA 
(30), ITERMA (19), ITESP (3) e IDATERRA-MS (1). Destes, 16 títulos 
do ITERPA e 14 do ITERMA foram expedidos a partir de parceria 
(técnica e/ou financeira) com o INCRA/MDA.
– De 2011 a 2012 foram expedidos 19 títulos regularizando 
7.073,1002 hectares em benefício de 17 territórios, 18 comunidades 
e 988 famílias quilombolas. Estes títulos foram expedidos por: 
INCRA (5), ITERJ (1), ITERMA (12) E ITERPA (1).
(Fonte: INCRA-DFQ – março 2013)
Se analisarmos estes dados oficiais devemos concluir que a 
“produtividade” do INCRA, no tocante à questão quilombola, 
é bem abaixo do esperado. Cabe dizer que muitos dos 
processos abertos, além de terem sido protocolados hávários anos, nunca foram trabalhados. Assim frente a 1.229 
processos somente 139 (11,31%) chegaram a ser concluídos 
com a titulação num período de 10 anos. Calculando que as 
comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares 
são 2.278, significa que somente 6,1% alcançou o título da terra. 
Além disso, precisa salientar que os títulos emitidos pelo INCRA são 
29
26 (18,7%), no entanto os restantes foram emitidos por instituições 
diferentes.6
 
É evidente que a baixa produtividade não depende, pelo menos na 
maioria dos casos, da má vontade ou falta de organização. Uma delas 
é com certeza devida à falta de pessoal: no seu quadro funcional o 
INCRA tinha até o ano de 2011 somente 20 antropólogos em todas 
as Superintendências regionais.7 Mas a causa maior é com certeza 
a complexidade das Instruções Normativas emitidas pelo próprio 
INCRA ao longo dos anos e as lacunas legislativas que facilitam as 
apelações judiciárias adversas.
Um exemplo significativo disso se encontra se analisarmos os 
andamentos dos decretos das desapropriações. O Governo federal, 
sob a presidência de Lula, fez duas desapropriações em 2006, 30 
em 2009 e 10 em 2010. Em 2011 o Governo Dilma publicou um 
decreto de desapropriação e 10 em 2012. Assim o Governo federal 
atualmente totaliza 53 decretos publicados que deveriam garantir 
a regularização da terra para 6.010 famílias com 502.158 hectares.
Outro problema é a respeito do que acontece depois do decreto de 
desapropriação. Até dezembro de 2012, somente 10 das 53 áreas 
decretadas para desapropriação haviam sido tituladas (18,86%). 
Isto depende com certeza dos limites operacionais do Incra frente 
à magnitude da demanda envolvida mas, também, das estratégias 
prudenciais assumidas pela própria instituição e pelo Governo Federal 
na espera de um pronunciamento definitivo do STF sobre a ADI nº 3239.
Quais as possíveis consequências?
O maior problema na demora está no risco dos decretos 
caducarem já que a Lei nº 4.132 de 1962, que disciplina a 
modalidade de desapropriação por interesse social, dispõe 
no seu artigo 3º que o prazo para efetivar a desapropriação 
é de dois anos, que começa a correr a partir do decreto 
6 Outras instituições que deram títulos às comunidades quilombolas: ITERPA: 29, ITERPA/
INCRA: 18, ITERMA/INCRA: 14, FCP: 13, ITERMA: 21, ITESP: 6, INTERPI/INCRA: 5, SPU: 2, 
FCP/INTERBA/CDA-BA: 2, IDATERRA-MS: 1, SEHAF-RJ: 1, ITERJ: 1.
7 Comissão Pro-Índio de São Paulo. Terras quilombolas – Balanço 2011. Disponível em: http://
www.cpisp.org.br/email/balanco11/img/BalançoTerrasQuilombolas2011.pdf, acesso em 14 
mar. 2012.
30
da desapropriação. A desapropriação é considerada 
“efetivada” quando há acordo entre o Incra e o proprietário 
ou quando a respectiva ação de desapropriação é ajuizada. 
Já o Decreto-Lei nº 3.365 de 1941 dispõe que o decreto 
caduca se a desapropriação não for efetivada. Isso significa 
que o decreto de desapropriação não pode mais ser 
utilizado para efetivar a negociação com os proprietários 
cujos imóveis incidem nas terras ou para ajuizar as ações de 
desapropriação contra eles (CPISP, 2011, p. 11).
Consciente da situação dramática com o encaminhamento dos 
processos, o INCRA decide em agosto de 2011 recorrer a um 
novo expediente para a realização dos laudos antropológicos 
utilizando o instrumento da licitação com pregão eletrônico. No 
final foram selecionadas dez empresas para elaborarem relatórios 
referentes a 158 terras quilombolas em 16 estados do Brasil com 
um investimento de 8,46 milhões. Como estas empresas que, em 
muitos casos, parecem não ter um perfil adequado e correspondente 
às exigências, podem confeccionar relatórios de qualidade, é 
a pergunta que muitos se fizeram a começar do Presidente da 
Associação Brasileira de Antropologia (ABA). A própria associação, 
“manifestou expressa preocupação com a qualidade dos laudos 
de identificação de territórios quilombolas a serem realizados ou 
entregues ao INCRA” e em seguida “atendendo a uma solicitação 
da 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República, feita no âmbito 
de um Termo de Cooperação Técnica firmado entre a ABA e o 
Ministério Público Federal”, assinou com o INCRA 
Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o objetivo 
de fortalecer os trabalhos de regularização fundiária dos 
territórios quilombolas, desenvolvidos pelo INCRA. A atuação 
conjunta entre o INCRA e a ABA visa aumentar a efetividade 
dos trabalhos de regularização fundiária de territórios 
quilombolas de forma a contribuir para o alcance do 
disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais 
Transitórias da Constituição Federal (ABA, 2011)8
De acordo com o cronograma dos contratos os relatórios 
antropológicos devem ser concluídos no prazo de seis meses. 
8 http://www.abant.org.br/news/show/id/162, acesso em 23 de março de 2012).
31
Vale a pena lembrar que os antropólogos do INCRA têm um 
prazo de 20 dias para avaliar o relatório parcial e 30 dias para a 
avaliação conclusiva. É razoável pensar que seja muito difícil 
os prazos estabelecidos serem respeitados, se pensarmos 
que o número dos antropólogos do INCRA soma a 20. 
No entanto alguns fatos significativos aconteceram. O Ministério 
Público Federal de Minas Gerais, em agosto de 2011, obriga o 
INCRA a contratar antropólogos para identificar comunidades 
quilombolas alegando que 
O Incra tem como uma de suas atividades-fins identificar, 
reconhecer, delimitar, demarcar, titular e registrar as terras 
ocupadas por remanescentes de quilombos, que seriam 
apenas em Minas Gerais, mais de 400 comunidades. A 
etapa inicial desse processo é a elaboração de laudo 
antropológico. O problema é que o órgão possui apenas 
um único antropólogo para realizar esse trabalho, com uma 
carga de serviço exagerada em todos os sentidos”. Sendo 
assim “o correto seria que o Incra dispusesse de profissionais 
habilitados e em número suficiente para realização da tarefa 
de elaboração do relatório antropológico em cada uma das 
comunidades existentes”, mas “a realidade fática é outra”. 
Portanto, “nada impede que, mantendo a lisura que se espera 
em uma licitação, haja a contratação direta de profissionais 
para a elaboração do relatório, como pretendia o próprio 
Incra, sem que isso vá causar ao erário dano, pois o fato dar-
se-á junto a instituições privadas sem fins lucrativos e públicas9
Na decisão, o juiz dá o prazo máximo de cinco dias ao Incra para 
que dê início aos procedimentos de contratação temporária dos 
profissionais que irão elaborar os laudos antropológicos das 
15 comunidades citadas como prioritárias. A União também foi 
impedida de exigir o retorno, ao Tesouro Nacional, das reservas 
financeiras destinadas ao pagamento desses contratos. 
No entanto era efetuado o concurso (Edital INCRA/DA/no 01, de 
08 de abril de 2010) para o provimento de vários cargos do quadro 
9 MPF/MG: Justiça obriga Incra a contratar antropólogos para identificar comunidades 
quilombolas, em http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_indios-
e-minorias/justica-obriga-incra-a-contratar-antropologos-para-identificar-comunidades-
quilombolas-em-mg, acesso em 23 de março de 2012.
32
funcional do INCRA, entre eles 46 vagas de Analista em Reforma 
e Desenvolvimento Agrário com habilitação em antropologia. 
Em 09 de janeiro de 2012 uma portaria publicada no DOU confirma 
a nomeação de 16 antropólogos.10
Outra portaria de 26 de fevereiro de 2013 nomeia 24 novos 
antropólogos destinados a várias sedes do INCRA.11
É difícil propor uma conclusão unívoca frente à análise feita nas 
páginas precedentes. De um lado o quadro parece bastante negativo e 
desconfortante se pensarmos no número bem pequeno dos processos 
concluídos positivamente com a titulação de terras quilombolas. 
Do outro lado, sempre mais atuante é a ação da poderosa Bancada 
ruralista no Congresso. O sucesso mais recente aconteceu na 
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara que, no dia 
21 demarço 2012, aprovouo parecer do deputado Osmar Serraglio 
(PMDB-PR), favorável à admissibilidade da proposta de emenda à 
Constituição (PEC) que transfere da União para o Congresso Nacional 
a prerrogativa de aprovar e ratificar a demarcação de terras indígenas. 
A PEC 215, de autoria do deputado Almir Sá (PPB-RR), estava em 
tramitação no Congresso há 12 anos e “por acaso”foi aprovada num 
momento de grande tensão na espera da definição do novo Código 
Florestal. O texto foi aprovado por 38 votos a dois com o apoio de 
vários partidos aliados do Governo a demonstração de quanto ampla 
seja a influencia da Bancada ruralista. A PEC prevê que a demarcação 
de terras indígenas será atribuição exclusiva do Congresso e que os 
parlamentares poderão ratificar ou não também as terras demarcadas 
anteriormente. Em palavras pobres isso significa que os congressistas 
poderiam simplesmente acabar com as terras indígenas e quilombolas. 
Em nome do Governo a ministra-chefe da Secretaria de Políticas de 
Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República,- 
demonstrou preocupação com a aprovação da Proposta de Emenda 
à Constituição (PEC) 215. De acordo com Luiza Bairros, atualmente, 
essa competência é do Poder Executivo, mas a bancada ruralista 
pressiona para promover mudanças, por intermédio da PEC, 
assegurando que os empresários rurais tenham “mais influência 
10 http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/11743-incra-
antecipa-nomeacao-de-candidatos-aprovados-em-concurso-publico acesso em 23 de 
março de 2012.
11 http://conexaoto.com.br/2013/02/26/incra-nomeia-candidatos-aprovados-no-ultimo-
concurso-publico-para-o-orgaoacesso em 18 de março de 2013
33
sobre as homologações”.12São muitos os que afirmam que o Governo 
não seja isento de responsabilidades nesta história. O deputado Luiz 
Couto (PT-PB), criticando duramente os setores que se mobilizaram 
para aprovar a PEC, lembrou também que ele havia sido o relator 
original da matéria, mas quando apresentou o seu parecer contrário 
à constitucionalidade da proposição foi substituído pelo Governo.13 
Ainda mais critico com o Governo foi o secretário-executivo do 
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, que declarou: 
o governo não fez nada para evitar a votação da proposta, 
pois o líder do governo não apareceu durante a sessão 
para tentar uma interlocução. Nem no momento em 
que a situação ficou tensa ele apareceu para demonstrar 
solidariedade. Estamos entendendo que, pelo contrário, ao 
não agir diretamente, o governo optou pela base vinculada 
ao agronegócio e à bancada evangélica.14
O sentimento do povo indígena e quilombola bem se resume nas 
palavras do deputado Edson Santos (PT-RJ): 
É para lamentar que, no dia 21 de março, data em que se 
comemora o Dia Internacional de Luta contra a Discriminação 
Racial, a Comissão de Constituição e Justiça tenha dado 
provimento à PEC que visa exatamente dificultar o processo 
de regularização fundiária das comunidades quilombolas em 
nosso País. A República já negou à população negra, quando 
da Abolição da Escravatura, o acesso à terra. Mais uma vez, 
parece que o Congresso Nacional caminha para reafirmar a 
não concessão desse direito às comunidades remanescentes 
de quilombo no Brasil.15
12 http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-03-22/ministra-demonstra-preocupacao-
com-aprovacao-de-pec-sobre-demarcacao-de-terras-indigenas-e-quilombolaacesso em 
27 de março de 2012
13 http://www.informes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10767:petis
tas-irao-recorrer-de-aprovacao-pec-que-ameaca-direitos-indigenas&catid=42:rokstories
&Itemid=108acesso em 27 de março de 2012
14 http://www.informes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10767:petis
tas-irao-recorrer-de-aprovacao-pec-que-ameaca-direitos-indigenas&catid=42:rokstories
&Itemid=108 acesso em 27 de março de 2012
15 http://www.informes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10767:petis
tas-irao-recorrer-de-aprovacao-pec-que-ameaca-direitos-indigenas&catid=42:rokstories
&Itemid=108 acesso em 27 de março de 2012
34
No entanto continua a grande incógnita ligada à ADI 3239, proposta 
pelo partido DEM (Democratas), que está tramitando no STF desde 
2004 constituindo, caso seja acolhida, uma grande ameaça para 
o futuro das comunidades quilombolas. Depois de oito anos de 
espera, o relator do caso, o não saudoso ministro Cesar Peluso, 
decide dedicar o seu ultimo dia como presidente do STF a discussão 
da tão discutida e controversa ADI. No dia 18 de abril de 2012, a 
conclusão de uma longa, confusa e contraditória analise, com utilizo 
improprio e incorreto de muitos dados da Comissão Pro-Índio de 
São Paulo, Peluso declara inconstitucional o decreto nº 4.887/2003 
que regulamenta a regularização fundiária dos territórios 
quilombolas. Frente à abnormidade da decisão que contrária 
manifestações anteriores do mesmo ministro Peluso, o julgamento 
foi suspenso, após pedido de vista da ministra Rosa Weber.16 
Depois do afastamento compulsório por limites de idade do 
ministro Peluso no dia 3 de setembro 2012, quem está envolvido 
com a causa dos quilombolas, espera num clima mais propício e 
aberto para os pareceres dos outros membros do STF.
Esta é a situação no final de 2013. O futuro das comunidades 
quilombolas é sempre mais obscuro, haja vista a ação poderosa 
das forças contrárias e a indecisão estratégica do Governo. 
Parece-me também ambígua a implementação sempre mais 
atuante das políticas sociais do Governo com as Comunidades 
quilombolas. É inegável que neste campo a atuação legislativa e 
concreta teve avanços significativos. Sendo assim o risco é que 
as comunidades quilombolas se tornem objeto de temporárias 
políticas assistenciais que, poderão sim ajudar nos problemas 
emergenciais atuais, mas que não podem representar a solução 
para o futuro. Sem a solução do problema da terra as comunidades 
quilombolas são condenadas a uma rápida dissolução. 
Será esta a vontade do Governo e da sociedade brasileira? 
 
A situação na Paraíba 
O Estado da Paraíba chegou tarde ao cenário das lutas quilombolas 
pelos direitos. Mas, graças à intervenção de várias entidades, 
16 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=205330acesso em 27 
de junho de 2012
35
em primeiro lugar a Associação de Apoio as Comunidades Afro 
Descendentes - AACADE e a Coordenação das Comunidades Negras 
Quilombolas – CECNEQ, o quadro mudou bastante na última década. 
Quando, em 2003, AACADE começou oficialmente o trabalho com 
as comunidades afrodescendentes, na Paraíba ninguém podia 
imaginar a existência de um número significativo delas espalhadas 
por todo o território da Paraíba, do litoral ao sertão. Serra do 
Talhado e Caiana dos Crioulos eram as mais conhecidas, a primeira 
por causa do documentário Aruanda (diretor Linduarte Noronha, 
1960), a segunda por causa do seu grupo tradicional de ciranda. 
O primeiro encontro das comunidades negras da Paraíba, 
organizado em 2004 pela AACADE e outras entidades envolvidas, viu 
a participação de 28 representantes de 14 quilombos. Na ocasião foi 
criada a Comissão Estadual das comunidades negras e quilombolas, 
em seguida registrada oficialmente como Coordenação Estadual das 
comunidades negras e quilombolas. Somente duas comunidades até 
o momento tinham alcançado o certificado de Autorreconhecimento 
emitido pela Fundação Cultural Palmares Serra do Talhado (04 de 
junho de 2004) e Matão (17 de novembro de 2004).
A partir deste momento o panorama das comunidades quilombolas 
da Paraíba mudou radicalmente em pouco tempo (Grafico 1).
Grafico 1: Comunidades quilombolas da Paraíba certificadas pela 
Fundação Cultural Palmares
 
Fonte: AACADE-CECNEQ – Elaboração Alberto Banal 2013 
36
Até hoje, outubro de 2013, foram identificadas 39 comunidades. 
Na quase totalidade trata-se de quilombos rurais, contando apenas 
com três quilombos urbanos, Paratibe em João Pessoa, Os Danielem Pombal e Talhado Urbano em Santa Luzia. A estimativa é de 2.693 
famílias com aproximadamente 12.000 pessoas. Na atualidade, 36 
são as comunidades certificadas pela Fundação Palmares e três 
estão em processo de autorreconhecimento, representando um 
fenômeno que abrange toda a realidade do estado (Quadro 2).
Quadro 2: Mapa dos quilombos da Paraíba
 
Fonte: AACADE-CECNEQ – Elaboração Alberto Banal 2013
 
Vinte sete (27) comunidades têm processos abertos no Instituto 
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a 
regularização dos seus territórios (Quadro 3 e 4). 
O primeiro passo deste processo consiste na realização 
do relatório técnico de identificação (RTID) elaborado por 
antropólogos. Até o fim de agosto de 2013, foram concluídos 
e publicados nos Diários Oficiais do Estado e da União, 
37
os RTIDs de Senhor do Bonfim (Areia); Matão (Gurinhém); 
Comunidade Urbana do Talhado (Santa Luzia), Grilo (Riachão 
de Bacamarte), Pedra D’Água (Ingá) e Paratibe (João Pessoa). 
Sucessivamente o INCRA encomendou nove RTIDs nas 
comunidades de Pitombeira (Várzea), Vaca Morta e Barra de Oitis 
(Diamante), Ipiranga e Gurugi (Conde), Fonseca (Manaíra), Mundo 
Novo (Areia), Negros das Barreiras (Coremas) e Contendas (São 
Bento). A maioria deles já foram concluídos e estão na espera dos 
passos sucessivos.
Quadro 3: Processos em andamento (Superintendência Regional do 
INCRA na Paraíba)
Fonte: INCRA-DFQ
38
Quadro 4: Demais processos abertos (Superintendência regional do IN-
CRA na Paraíba)
Fonte: INCRA-DFQ
O quilombo Senhor do Bonfim, no município de Areia, é a primeira 
e única comunidade da Paraíba que, em 2009, conseguiu alcançar 
a posse da terra depois de ter percorrido o longo e difícil caminho 
do processo de identificação, auto definição, reconhecimento, 
delimitação, demarcação do território, desapropriação e desintrusão, 
faltando somente a titulação coletiva, devido aimprevistos 
problemas na indenização de alguns antigos proprietários. Em 2011 
foi publicada a portaria do Quilombo Urbano Serra do Talhado, em 
2012 foi a volta da portaria de Pedra d’Água e, no começo de 2013, 
foram oficializadas as portarias de Matão e Grilo.
Frente estes dados, podemos concluir que a ação do INCRA na 
Paraíba tem índices de realização mais altos da média nacional. 
39
Uma vez completados os novos RTIDs será alcançada uma meta 
de 15 RTIDs em relação aos processos abertos (55,5% frente a 
12,7% da média nacional) e do 41,6% (6,1% média nacional) em 
relação ao número das comunidades certificadas. Isto não significa 
ter resolvido o problema da titulação das terras quilombolas na 
Paraíba, mas com certeza representa um passo importante para 
alcançar o objetivo.
Infelizmente nos últimos tempos, de acordo com a denúncia 
da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do 
Incra (Cnasi), a ação do setor quilombola do INCRA vem sendo 
inviabilizada e obstaculizada por uma opção política do próprio 
Governo. A nota denuncia que alguns processos ficam esquecidos 
na sede do Incra, em Brasília, e em suas 30 superintendências 
regionais, dependendo apenas de uma assinatura para ser publicada 
a portaria de reconhecimento. Ao todo, 36 dos 164 processos que 
tramitam no Incra estão paralisados ou com o andamento atrasado 
na sede da autarquia. 
“O que nos preocupa, enquanto servidores públicos responsáveis 
diretos pela execução da política de regularização dessas áreas, é a 
protelação ainda maior desse processo, que ocorre, aí sim, por uma 
opção política do governo federal, que cria uma série de rotinas 
administrativas injustificadas – algumas inclusive desrespeitam as 
próprias normas vigentes”, aponta Ramon Chaves, diretor da Cnasi17.
No que diz respeito a situação dos processos mais avançados na 
Paraíba é evidente a protelação dos mesmos: entre o edital no 
DOU do RTID e a portaria no DOU do quilombo Matão passaram 
3 anos e 2 meses, no caso do quilombo Pedra d’Água 2 anos e 4 
meses e no caso do quilombo Grilo 1 ano e 11 meses.
A Comunidade Urbana de Serra do Talhado Santa Luzia teve o 
Edital do RTID publicado no DOU no dia 04/12/09 e conseguiu 
a assinatura da portaria no dia 12/04/11: há 2 anos e 5 meses a 
comunidade está na espera da titulação (não precisa a portaria no 
DOU tratando-se de terra pública).
17 http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/09/servidores-do-incra-criticam-
lentidao-no-reconhecimento-de-areas-quilombolas-7691.html, acesso em 9 de setembro 
de 2013.
40
No entanto, nos últimos meses teve uma aceleração nas políticas 
públicas em prol das comunidades quilombolas da Paraíba, 
sobretudo graças a dois projetos inovativos, sendo o primeiro uma 
parceria entre o Cooperar e a AACADE e, o segundo, um projeto 
piloto lançado pelo Governo Federal.
O Censo está sendo realizado pela Associação de Apoio às 
Comunidades Afrodescendentes (AACADE), em parceria com o 
Projeto Estadual Cooperar, por meio do financiamento do Banco 
Mundial. A iniciativa irá beneficiar aproximadamente 12 mil pessoas 
de 39 comunidades quilombolas existentes no estado, com o 
objetivo de identificar os indicadores sociais dessas regiões e 
traçar programas governamentais de acordo com as necessidades 
específicas de cada área.
A coleta de dados é baseada no modelo do IBGE, mas é 
enriquecida por muitas informações suplementares como o 
georreferenciamento das casas, dos bens comunitários (centros 
comunitários, casa de farinha, cisternas coletivas...), dos pontos 
de água (cisternas, açudes, cacimbas, poços, nascentes, olhos de 
água...), pontos de coleta de lixo... Já foram coletadas e analisadas 
190 amostras da água usada nas comunidades.
“Algumas ações de coleta de dados já haviam sido realizadas 
anteriormente em determinadas localidades, mas sempre foram 
feitas através de informações básicas e de relatos das próprias 
lideranças quilombolas. A partir de agora, essas variáveis sociais 
e econômicas irão dar o suporte necessário para os programas 
governamentais traçarem diversos formatos de atuação, em 
benefício concreto dos moradores locais.” (Francimar Fernandes 
de Sousa, secretária executiva da AACADE e coordenadora do 
Censo Quilombola).18
O projeto piloto do Governo Federal foi anunciado no dia 19 de 
março e prevê os 23 municípios paraibanos que têm quilombos 
fazerem no mês de março de 2013 um grande mutirão dos órgãos 
competentes para cadastrar todas as famílias quilombolas no 
18 http://www.paraiba.pb.gov.br/60193/governo-capacita-recenseadores-para-censo-
quilombola-da-paraiba.htmlacesso em 19 de março de 2013
41
Cadastro Único do Governo Federal para que elas possam ter 
acesso as políticas públicas às quais têm direito.19
Não há dúvida sobre a importância destes dois projetos que com 
certeza levarão vários benefícios as comunidades quilombolas, 
mas, como já foi dito, a sua sobrevivência e desenvolvimento estão 
diretamente ligados ao conseguimento da posse da terra: sem 
território não pode existir quilombo nenhum.
 
 
Referências bibliográficas
Carta Moção de Repúdio ao Governo pelo descaso apresentado 
em relação à luta pela regularização de territórios quilombolas. 
http://www.sintsefba.org.br/admin/Uploads/wwwsint_web-rel_
plenaria_condsef_24-10-2009.pdf, acesso em 23 março 2012.
CHASIN, Ana Carolina da Matta. 20 Anos de Regularização Fundiária 
de Territórios Quilombolas: um balanço da implementação do 
direito à terra estabelecido pela Constituição Federal de 1988. 
Revista Política Hoje, Vol. 158 18, n. 2, 2009. Disponível em: 
http://www.politicahoje.ufpe.br/index.php/politica/article/
download/20/17 , acesso em 10 de out. de 2012.
CHASIN, Ana Carolinada Matta;PERUTTI, Daniela Carolina.
Os retrocessos trazidos pela Instrução Normativado Incran.
o49/2008 na garantia dos direitos das Comunidade Quilombolas.
Comissão Pró Índio. SãoPaulo,N/D.Disponívelem:http://www.
cpisp.org.br/acoes/upload/arquivos/ARTIGO%20IN%2049.
pdf,acessoem14mar.2012.
Comissão pro-Índio de São Paulo. Terras quilombolas – Balanço 
2011.Disponível em: http://www.cpisp.org.br/email/balanco11/
19 http://www.paraiba.pb.gov.br/64937/comeca-em-marco-mutirao-para-inscrever-
familias-quilombolas-no-cadastro-unico.htmlacesso em 19 de março de 2013
42
img/BalançoTerrasQuilombolas2011.pdf, acesso em 14 mar. 
2012.
GODOY, Renato. Servidores do Incra criticam lentidão no 
reconhecimento de áreas quilombolas. Disponível em: http://
www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/09/servidores-
do-incra-criticam-lentidao-no-reconhecimento-de-areas-
quilombolas-7691.html, acesso em 9 de setembro de 2013
MPF/MG: Justiça obriga Incra a contratar antropólogos para identificar 
comunidades quilombolas, em http://noticias.pgr.mpf.gov.br/
noticias/noticias-do-site/copy_of_indios-e-minorias/justica-obriga-
incra-a-contratar-antropologos-para-identificar-comunidades-
quilombolas-em-mg, acesso em 23 de março de 2012.
NOTA PÚBLICA SOBRE ACT ABA-INCRA, 2011. Disponível em: 
http://www.cpisp.org.br/email/balanco11/img/Balanço Terras 
Quilombolas 2011.pdf, acesso em 14 mar. 2012.
SARMENTO, Daniel. Territórios Quilombolas e Constituição: 
A ADI 3.239 e a Constitucionalidade do Decreto 4.887/03. 
Rio de Janeiro, 2008. Disponível em:http://ccr6.pgr.mpf.
gov.br/documentosepublicacoes/docs_artigos/Territorios_
Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdf, acesso 
em 15 mar. 2012.
VALLE, Raul Silva Telles do. PFL tenta derrubar decreto que 
regulamenta titulação de quilombos. Em Socioambiental, 
20/07/2004. Disponível em http://www.socioambiental.org/nsa/
detalhe?id=1788, acesso em 21 de março de 2012). 
TRECCANI, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: Caminhos e 
Entraves do Processo de Titulação. Secretaria Executiva de Justiça. 
Programa Raízes, Belém 2006. Disponível em: http://www.direito.caop.
mp.pr.gov.br/arquivos/File/Girolamo.pdf, acesso em 15 mar. 2012.
IV Encontro - Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas/PB 
Assembléia no quilombo Cruz da Menina
Comunidades 
quilombolas na 
Paraíba
Quilombo Caina dos Crioulos
Município de Alagoa Grande
Maria Ester Pereira Fortes
Fernanda Lucchesi
45
46
Segundo dados publicados pela Fundação Cultural Palmares em setembro de 2012, existem no Brasil 1.826 comunidades remanescentes de quilombos auto-reconhecidas e certificadas 
pela instituição. Na Paraíba, elas são 38; sabemos, no entanto, que 
este número não abrange todo o universo das comunidades negras 
no estado. Diante de tais números poderíamos nos perguntar: que 
realidade é esta de que estamos tratando, afinal? Quem são as 
chamadas ‘comunidades remanescentes de quilombos’? Como 
podemos compreender sua presença nesta parte do Nordeste 
Brasileiro e no estado da Paraíba particularmente, onde, até há alguns 
anos, a presença de uma população negra era considerada pouco 
significativa? Para refletirmos sobre esta questão, sigamos brevemente 
o percurso do que Arruti (2002) denomina de “fenômeno de etnização 
da política, como ele se apresenta no Nordeste brasileiro”.1 
Da invisibilidade histórica à visibilidade política
‘Reservatório da nacionalidade’, ‘guardião da unidade brasileira’, 
de tradições associadas ao campo e a terra em oposição ao Sul 
contaminado pela industrialização nascente e pela ameaça 
potencial de uma população imigrante, o Nordeste passou a 
ocupar, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras 
décadas do século XX, um lugar estratégico dentro da ideologia 
nacionalista que percebia na heterogeneidade do povo brasileiro 
um impedimento à constituição de uma identidade única:
Para os pensadores autoritários da década de 30 ou 
anteriores, isso inviabilizava a própria nação, enquanto 
que para os socialistas isso inviabilizava aspirações de 
organização de classe. (Idem, p. 05)
Naquele momento, as representações sobre o Nordeste produzidas 
pela literatura ou por intelectuais como Câmara Cascudo e 
Gilberto Freyre (em seu Nordeste, 1937) sublinhavam a oposição 
de matrizes culturais que dividiam a região entre uma “civilização 
agrária” vinculada à cana e ao escravismo e uma “civilização do 
 1A certidão de auto-reconhecimento como remanescente de quilombo é um documento 
expedido pela Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, a partir da 
solicitação da comunidade com base no seu auto-reconhecimento como tal. Este documento 
permite que a comunidade tenha acesso a um conjunto de políticas públicas destinadas 
especificamente a este segmento, dentre as quais a regularização do seu território.
47
couro”, pastoril nômade e não-escravocrata. Esta dualidade não 
chegava, entretanto, a romper com a imagem de um Nordeste 
unitário, antes “domestica a diversidade sob a forma de um novo 
dualismo instituidor de novas homogeneizações”; dualidade 
resolvida ao se estabelecer entre ambas uma hierarquia dentro da 
qual a civilização da cana detinha “os valores políticos, intelectuais, 
estéticos e culturais que teriam configurado a nação brasileira e 
seu sentimento de nacionalidade” (Arruti, 2002).
Mais tarde, no contexto das rupturas políticas resultantes do golpe 
de 1964, o Conselho Federal de Cultura recuperou a ideologia 
da “mestiçagem”, transpondo-a para o campo cultural. Desta 
formulação, o Nordeste ressurgiu como a imagem da unidade 
nacional, resultante da “aculturação de etnias e pelo sincretismo 
de manifestações provenientes de diversas origens em uma síntese 
única, ainda que marcada por particularidades regionais.” (Idem) 
Dentro deste cenário e ao longo desse mesmo período, o estado da 
Paraíba, através de seus intelectuais, produziu também os discursos de 
sua identidade. Igualmente dividida entre uma economia canavieira 
desenvolvida ao longo da costa e, em menor escala, na região do Brejo 
e uma cultura pastoril predominante no interior em associação com 
a cultura do algodão, a Província da Paraíba não chegou a usufruir 
da prosperidade econômica de que gozou a vizinha Pernambuco 
durante o período colonial e o binômio ‘Casa Grande & Senzala’ não 
alcançou aqui as mesmas dimensões explicativas. A observação de 
Albuquerque Júnior (2008), com relação a uma diversificação nos 
discursos sobre o Nordeste parece, portanto, pertinente:
Chamou-nos a atenção como, em muitos de seus textos, 
Cascudo vai fazer esta aproximação entre a história do 
Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte e como vai 
procurar diferenciá-las da história de Pernambuco. [...] Na 
base desta definição poderia estar a vinculação de Cascudo 
a um lugar de fala distinto daquele de onde foi enunciado 
inicialmente o discurso regionalista nordestino e de onde 
foi inventado o Nordeste. [...] Se o Nordeste, elaborado 
pelas elites pernambucanas, teve São Paulo como o espaço 
outro, o espaço do qual se diferenciar, o Nordeste das elites 
cearenses, das elites norte-rio-grandenses e das elites 
48
paraibanas, talvez em menor grau, deveria se diferenciar 
do Nordeste elaborado pelas elites pernambucanas [...] 
(Albuquerque Jr. 2008, p. 190). 
No intuito de adentrar o mundo dos homens e mulheres negras na 
Paraíba dos séculos XVIII e XIX e compreender como estas pessoas 
reorganizavam suas relações familiares dentro do contexto da 
escravidão, Rocha (2007) chama a atenção dos leitores para a 
produção discursiva sobre a história da Paraíba que dominou o 
cenário local entre finais do século XIX e meados do século XX. 
Preocupada em identificar a presença de uma população negra, 
escrava ou livre, em terras da Paraíba colonial, Rocha nota que esta 
produção minimizou a importância do negro na constituição da 
população local. Mais do que isto, a autora afirma que tal postura 
analítica marcou por muito tempo a produção histórica sobre o 
tema, reforçando, deste modo, a imagem de uma Paraíba mestiça 
e culturalmente homogênea. Rocha concentra-se sobretudo na 
obra de três consagrados historiadores paraibanos do período: 
Maximiano Lopes Machado (1821-95), Irineu Joffily (1843-1901) e 
Horácio de Almeida (1896-1983), sobre os quais dirá: 
Apesardos três primeiros autores diferirem quanto à época de 
elaboração de seus livros, quando confrontados apresentam 
semelhanças, pois elaboraram um conhecimento histórico 
no qual apenas as elites se fizeram presentes. Os estudos 
dos dois primeiros, respectivamente História da Província da 
Paraíba e Notas sobre a Paraíba, foram escritos e publicados 
entre os anos de 1880 e 1912, enquanto o último publicou 
o primeiro de seus dois volumes da História da Paraíba em 
1966 e o segundo em 1978 (p. 52)
A análise da obra destes historiadores oferece, segundo Rocha, 
pouquíssimas referências quanto à presença e ao trabalho dos 
negros na província durante o período colonial. Maximiano Lopes 
Machado não faz praticamente nenhuma menção a esta presença. 
Irineu Joffily por seu turno: 
(...) ao invés de privilegiar a colonização iniciada no litoral, 
valorizou o processo de (re)ocupação do sertão pelos 
portugueses e a cultura sertaneja. (...) Além disso, minimizou 
49
a existência de escravos negros nos períodos colonial e 
imperial. Segundo ele, o indígena (denominado, por ele, de 
americano) “era quase o único a auxiliar o colono português 
nos serviços do campo”, no processo de expansão e 
apropriação da “nascente capitania”. (Idem, pp. 54/55)
Além destes autores também José Américo de Almeida (1877-
1980) em A Paraíba e seus Problemas (1923) teria considerado 
como insignificante a presença de negros, principalmente no 
Sertão. Apareceriam em número maior no Litoral e no Brejo, mas 
já mesclados ao branco e ao índio, compondo a população pobre 
e mestiça dos “cabras do engenho”. No entanto, a historiadora 
Diana Galliza (1979) desfez alguns dos mitos sobre a escravidão na 
Paraíba consolidados pelos discursos de seus antecessores, dentre 
eles o de que não havia trabalho escravo na pecuária no sertão. 
Assim, ao lado dos discursos nacionalistas que atribuíam ao Nordeste 
uma população homogeneizada e mais ‘genuinamente’ brasileira, 
os discursos da intelectualidade paraibana até meados da década 
de 1970 reforçavam esta representação apagando da formação 
econômica e social do estado a presença tanto do escravo quanto 
de mulheres e homens negros e livres. No entanto, Rocha reitera: 
Esse grupo, os pretos livres, vinha aumentando 
numericamente na Paraíba desde o final do século XVIII. 
Nele estavam a maioria dos trabalhadores rurais, os 
agregados, os camaradas, os moradores. (p. 25)
O povoamento da Paraíba se deu em duas frentes: uma delas partindo 
do interior em direção ao litoral, realizada por colonizadores 
vindos da Bahia ou Pernambuco que, estabelecendo-se no sertão, 
formaram fazendas de criação de gado; e outra que, partindo 
do litoral seguiu para o interior. Aos que escolhiam se fixar eram 
concedidas terras em sesmarias, que podiam variar entre 1 a 4 
léguas em quadro, dando origem, também no sertão, a um sistema 
fundiário baseado no predomínio das grandes propriedades que 
perdurou, em grande medida, até os dias atuais.
No final do século XVIII, o desenvolvimento têxtil na Inglaterra e a 
retração dos Estados Unidos, seu principal fornecedor, repercutiu 
50
em todo Agreste paraibano e o algodão realizou aí uma verdadeira 
revolução, com o incremento do fluxo de migrantes, a reorganização 
do espaço agrário e a estruturação dos primeiros núcleos com 
características urbanas. Em 1817, o algodão era a base da economia 
de toda essa região, estendendo-se também para as terras do sertão. 
Assim, em meados do século XIX praticamente todo o território 
paraibano estava ocupado por grandes e médias propriedades rurais, 
produtoras de cana, algodão ou ocupadas com a criação de gado. 
As economias açucareira e algodoeira se apoiavam na mão-de-
obra escrava, embora o número de escravos nas propriedades 
rurais paraibanas não fosse muito alto quando comparado a outros 
estados. Tomando como exemplo o ano de 1823, os registros 
apontam que a Paraíba tinha 16,33% de escravos dentro do total 
de sua população, enquanto Pernambuco possuía 31,25% de 
escravos (Medeiros & Sá, 1999). As razões para um menor número 
de escravos na então província da Paraíba eram diversas. As secas 
– a de 1877 foi causa da fome que dizimou parte da população 
tanto livre quanto cativa - a pobreza dos seus moradores, além de 
epidemias como a cólera, acentuaram o declínio da sua população 
escrava. Contribuíram ainda para a redução da população cativa as 
manumissões, as pressões criadas pelo movimento abolicionista, a 
proibição do tráfico negreiro em 1850 e a expansão das lavouras 
de café no sul do país, que provocaram não só a elevação do 
preço do escravo, mas também o deslocamento de escravos da 
Província para os cafezais do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas 
Gerais (Galliza, 1979; Medeiros & Sá, 1999).
A menor proporção de escravos em relação à população como um 
todo, no entanto, não significou a ausência de uma população negra 
vivendo na Paraíba. Muitos filhos de escravos foram alforriados, 
passando à condição de trabalhadores agregados às fazendas 
canavieiras (Medeiros & Sá, 1999). O historiador José Otávio de 
Arruda Mello chama a atenção para o grande contingente de 
negros na composição da população paraibana da primeira metade 
do século XIX. Entre os anos de 1811 e 1841, a população escrava 
se mantinha em torno dos 14%, no entanto, a soma da população 
negra, incluídos aí escravos, negros livres e mulatos, ficava em 
torno de 60% do total da população da capitania. (Mello, 1997).
A figura do morador, como elemento da estrutura produtiva 
51
paraibana, surgiu nos canaviais e engenhos já em finais do século 
XVII, como resposta ao empobrecimento da província. Com as 
crises no comércio açucareiro, os senhores de engenho retraíram 
a produção e permitiram que agricultores sem terra tivessem um 
sítio no interior de suas propriedades. Dentro de cada engenho, 
a força de trabalho agrícola era representada, sobretudo, por 
estes trabalhadores-moradores. Tinham eles o direito de explorar 
pequenos sítios com lavouras de subsistência e eram obrigados a 
trabalhar a serviço do proprietário um certo número de dias por 
semana. Aos proprietários, desobrigados da manutenção de seus 
trabalhadores, tornou-se conveniente situar seus ex-escravos 
como agregados e cabras do eito. Era o chamado trabalho sob 
sujeição. 
Escravos e moradores conviveram no engenho até a abolição, 
após o que as senzalas foram desaparecendo e a paisagem passou 
a ser dominada pelo habitat disperso dos moradores, aos quais 
se somaram muitos ex-escravos que continuaram a trabalhar na 
propriedade do senhor, na condição também de morador (Mariano 
Neto, 2007).
Nas plantações de algodão, o uso da mão-de-obra escrava 
ocorreu com mais intensidade até o ano de 1850, quando o tráfico 
foi extinto. O fim do tráfico, no entanto, causou pouco impacto na 
economia algodoeira, uma vez que sua produção não exigia um 
número muito grande de braços e estava ao alcance de pequenos 
sitiantes, moradores e mesmo de escravos. Além disso, à sua lavoura 
podia-se juntar o cultivo do milho, do feijão ou da mandioca, o que 
atraia o interesse dos homens livres para o trabalho nos roçados 
de algodão, pela alimentação variada que podia ser aí encontrada. 
Por outro lado, sendo curto o ciclo do algodão, não valia a pena 
aos produtores manterem escravos para ocupá-los somente de 
maio a dezembro, o que fazia com que nestas culturas, o trabalho 
livre fosse preferível ao escravo. Assim, também aqui se instituiu o 
sistema morador (Galliza, 1979). 
A situação que Medeiros e Sá identificam como características 
das relações de trabalho na Paraíba ainda durante o período 
escravocrata, se estendeu para além deste período e marcou a 
52
relação entre o proprietário e seus subordinados ou sujeitos. Nesta 
relação, a condição de homem livre e de escravo podia se confundir, 
amenizando às vezes as relações senhor-escravo ou transferindo 
“ao trabalhador ‘assalariado’ situações típicas do trabalho escravo, 
fazendo com que

Outros materiais