Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 1 Nome: _________________________________________________ N.º: ___________ Série: 3.ª Turma: _________ Turno: _________ Unidade: BJ ___________________ MORTE E VIDA SEVERINA JOÃO CABRAL DE MELO NETO O AUTOR FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto>. Acesso em: 11/09/18, às 15h15min. João Cabral de Melo Neto nasceu na cidade do Recife, a 6 de janeiro de 1920, filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmen Carneiro Leão Cabral de Melo. Era primo, pelo lado paterno, do poeta Manuel Bandeira e, pelo lado materno, do sociólogo Gilberto Freyre. Parte da infância de João Cabral foi vivida em engenhos da família, nos municípios de São Lourenço da Mata e de Moreno, em Pernambuco. Aos dez anos, com a família de regresso ao Recife, Cabral ingressou no Colégio de Ponte d’Uchoa, onde permaneceu até concluir o curso secundário. Aficionado de futebol, foi jogador pelo time juvenil do Santa Cruz Futebol Clube, do Recife, conseguindo o título de campeão em 1935. Em 1938 passou a frequentar o Café Lafayette, ponto de encontro de intelectuais que residiam na cidade. Dois anos mais tarde, a família se transferiu para o Rio de Janeiro. A mudança definitiva, porém, só foi realizada em fins de 1942, ano em que o autor publicou o seu primeiro livro de poemas, Pedra do Sono. Em solo carioca, conheceu Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima e outros intelectuais da época. Inscreveu ‑se, em 1945, no concurso para a carreira diplomática. Daí por diante, já como funcionário do Itamarati, iniciou uma larga peregrinação por diversos países. A Espanha foi o primeiro deles. E também a primeira viagem internacional do poeta, aos 27 anos. Viveu ainda na França, em Portugal, na Suíça, OBRAS LITERÁRIAS 2 MORTE E VIDA SEVERINA no Senegal e em Honduras. As viagens e as mudanças constantes eram uma obrigação profissional e o deixavam tenso, pois ele tinha medo de avião. Em 1984 foi designado para o posto de cônsul ‑geral na cidade do Porto (Portugal) e em 1987 voltou a residir no Rio de Janeiro, com a família. Foi aposentado da carreira diplomática em 1990 e logo depois começou a sofrer de uma cegueira que o teria levado à depressão. Faleceu de um ataque cardíaco, em outubro de 1999, aos 79 anos. A atividade literária foi uma presença viva durante todos os anos no exterior e no Brasil, o que lhe rendeu numerosos prêmios, entre os quais Prêmio José de Anchieta, de poesia, do IV Centenário de São Paulo (1954); Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (1955); Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; Prêmio Bienal Nestlé, pelo conjunto da Obra e Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro Crime na Calle Relator (1988). Cabral foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 15 de agosto de 1968, tomando posse em 6 de maio de 1969. Em 1990, o poeta escreveu um importante trabalho de pesquisa histórico ‑documental, editado pelo Ministério das Relações Exteriores, O Brasil no arquivo das Índias de Sevilha. Com as comemorações programadas para o final do século XX – relacionadas aos feitos dos navegadores espanhóis e portugueses nos anos que antecederam ou se seguiram ao descobrimento da América, e, em particular ao do Brasil –, a pesquisa de João Cabral assumiu valor inestimável para os historiadores dos feitos marítimos, praticados naquela época. Da obra poética de João Cabral pode ‑se mencionar os seguintes títulos: Pedra do sono, 1942; O engenheiro, 1945; Morte e vida severina, (1945); O cão sem plumas, 1950; O rio, 1954; Quaderna, 1960; Poemas escolhidos, 1963; A educação pela pedra, 1966; Morte e vida severina e outros poemas em voz alta, 1966; Museu de tudo, 1975; A escola das facas, 1980; Agreste, 1985; Auto do frade, 1986; Crime na Calle Relator, 1987; Sevilla andando, 1989. A Editora Nova Aguilar publicou, em 1994, sua Obra completa. Em prosa, além do livro de pesquisa histórica já citado, João Cabral publicou Juan Miró, 1952 e Considerações sobre o poeta dormindo, 1941. Segundo Daniele Martins, em reportagem para a Revista da Cultura – Edição 31, de fevereiro de 2010 –, Cabral considerava o clássico Morte e vida severina, uma obra menor, que não chegava a ser poesia. Era “apenas” um monólogo ‑diálogo. De acordo com o escritor e crítico literário, membro da Academia Brasileira de Letras e quem melhor analisou a obra de João Cabral, Antonio Carlos Secchin , “ele propositalmente desvalorizava Morte e vida severina, talvez para chamar a atenção para outros títulos da sua obra. Um poeta de sua estatura não pode mesmo se ver reduzido a um só livro, ainda que seja magistral e de merecido sucesso, como esse título inesquecível”. Entretanto, a despeito do que dizia Cabral, Morte e vida severina foi, sem dúvida, a obra que o consagrou. O poeta teve seus livros traduzidos para diversas línguas (alemão, espanhol, inglês, italiano, francês e holandês), sendo sua obra conhecida em diversos países. Ainda segundo Secchin, Cabral é “o último grande clássico da nossa poesia, na sequência de Bandeira e Drummond”. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/joao ‑cabral ‑de ‑melo ‑neto/biografia>. Acesso em: 13/08/2018, às 17h53min (adaptado). OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 3 João Cabral era conhecido como “poeta engenheiro”, em razão da racionalidade e do equilíbrio que permeiam o rigor estético de sua obra. Engenheiro de formação, sua literatura se assemelha à construção de um muro, com as “palavras/tijolos” encaixados à perfeição, “cimentadas” por uma sintaxe seca expressa em versos curtos. O poeta dizia que “escrever é estar no extremo de si mesmo”. Convém lembrar que outros escritores da época – Cabral pertence à Geração de 45 do Modernismo brasileiro –, mostravam preocupação com a palavra e a forma, sem deixar de lado a sensibilidade poética. Nessa geração, em especial na poesia, não é muito simples encaixar os autores dentro de correntes literárias, mas é possível afirmar que a poesia deixou de ser intimista e passou a ser mais formalista. A palavra ganhou importância, e passa a ser o centro da expressão estética. Com o fim da Era Vargas, houve uma abertura social e alguns autores da Geração de 45 passaram a produzir textos que denotam efetivo engajamento social e político. Para saber mais sobre a vida e a obra do escritor, consulte as páginas 79 a 83 de seu livro didático e faça os exercícios 1 e 2, da página 101. A OBRA Capa da 1.ª edição FONTE: <https://www.infoescola.com/livros/morte ‑e ‑vida ‑severina/>. Acesso em: 05/09/18, às 17h06min. OBRAS LITERÁRIAS 4 MORTE E VIDA SEVERINA Morte e vida severina ou Auto de Natal pernambucano é um poema dramático. O auto é um subgênero dramático que têm suas raízes vinculadas ao teatro popular medieval, em sua vertente religiosa, e era muito aceito e divulgado na Península Ibérica, tendo surgido na Espanha – um dos lugares que mais marcou a vida de Cabral – e amplamente divulgado por Gil Vicente, em Portugal, no período conhecido por Humanismo. No Brasil, o Padre José de Anchieta, no século XVI e Ariano Suassuna, no século XX, produziram autos importantes. O poema de João Cabral está dividido em 18 partes, antecedidas por uma pequena apresentação do que cada uma delas trará, reproduzindo o que encontramos nos autos medievais. Essas partes podem ser divididas em dois aspectos, a busca e a desilusão. • Parte 1 a 9 – a busca – trata da caminhada de Severino, que sai da Serra da Costela, nos limites com a Paraíba, cruza a Caatinga, passa pelo Agreste pernambucano, pela Zona da Mata e chega ao Recife. Observe no mapa a seguir a localização desses espaços geográficos. • Parte 10 a 18 – a decepção – Severino, ao chegar a Recife, percebe que a realidade local em nada difere daquela da qual ele fugira, pois a morte permanece sendo uma presença constante na vida dos severinos. Vamos agora empreender uma breve análise de cada umadas 18 partes que compõem a obra, escrita, em boa parte, por versos redondilhos maiores e com a presença de rimas alternadas. Importante destacar a constante repetição de versos, que é uma ferramenta muito usada pelo autor e que, além de servir como reforço semântico para o tema, promove a homofonia e a repetição de sons, que conferem maior musicalidade aos versos. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 5 Observe também o mapa a seguir, que estabelece o caminho que Severino traça, saindo de sua terra até chegar a Recife, em sua longa trajetória em busca da vida. Volte ao mapa, à medida em que avançar na leitura, para melhor localizar a viagem de Severino. FONTE: <https://www.uol/noticias/especiais/vida ‑e ‑morte ‑peregrina.htm#morte ‑e ‑vida ‑peregrina>. Acesso em: 06/09/18, às 11h11min. PARTE 1 – O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI FONTE: <http://notaterapia.com.br/2017/09/11/incrivel ‑animacao ‑baseada ‑em ‑morte ‑e ‑vida‑ ‑severina ‑de ‑joao ‑cabral ‑de ‑melo ‑neto/>. Acesso em: 10/09/18, às 15h52min. Severino inicia sua fala apresentando ‑se ao leitor/expectador. Nessa primeira parte, ele situa ‑nos quanto ao espaço geográfico de onde parte – Serra da Costela, limites da Paraíba. Busca, insistentemente, se individualizar, mas ao pronunciar essa tentativa, percebe que em nada se diferencia de outros tantos iguais a si. É como se a enunciação em voz alta o conscientizasse, aos poucos, de que ele é muitos, e seu drama é o mesmo vivido por tantos outros iguais a ele. Desistindo de ser visto como indivíduo – como observamos na pluralização da voz “Somos muito Severinos / iguais em tudo na vida:” – Severino expõe o drama que atinge a todos os que lhe são iguais: “E se somos Severinos / iguais em tudo na vida, / morremos de morte igual, mesma morte severina: / que é a morte de que se morre / de velhice antes dos trinta, / de emboscada antes dos vinte, / de fome um pouco por dia.” Aqui é perceptível que os Severinos trazem a marca da miséria e da morte entranhadas, o que nos amplia a perspectiva a respeito do termo severina, que serve como adjetivo para as palavras morte e vida do título. Severinos migram para fugir da morte (severina) em busca de vida, que se revelará também severina – cáustica, severa, dolorosa, miserável. A ressignificação do termo é aspecto imprescindível à compreensão da obra. OBRAS LITERÁRIAS 6 MORTE E VIDA SEVERINA PARTE 2 – ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE AOS GRITOS DE: “Ó IRMÃO DAS ALMAS! IRMÃO DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO!” FONTE: <https://tvescola.org.br/tve/video/>. Acesso em: 10/09/2018, às 15h53min. Nessa segunda parte, Severino vai se deparar, logo no início, com o fantasma da morte, que o acompanhará na trajetória. É o enterro de um Severino lavrador, que morreu de morte matada, à bala. Aqui encontramos um jogo de perguntas e respostas, entre Severino retirante e os homens que carregavam a rede com o defunto. Esse diálogo estabelece ‑se como uma tentativa de entender o que acontecera com o homem, ao mesmo tempo em que os versos expressos na primeira parte a respeito da morte severina são retomados: trata ‑se de um Severino que morreu de morte matada, como se observa em “E o que havia ele feito, / irmão das almas, e o que havia ele feito / contra a tal pássara? / – Ter uns hectares de terra, / irmão das almas, / de pedra e areia lavada / que cultivava.” O “crime” desse Severino lavrador foi ter um pequeno pedaço de terra “avara”, onde plantava palha. A metáfora “espingarda” é utiliza para designar aqueles que não admitem que haja pequenos produtores rurais, ou seja, os poderosos da região que, segundo um dos carregadores, “queria mais espalhar ‑se”. Severino quer saber para onde levam o defunto e, ao saber que é em seu caminho – “cemitério de Torres, / irmão das almas, / que hoje se diz Toritama” –, oferece ‑se para ajudar a carregar o infeliz assassinado, livrando, assim, um dos carregadores a voltar para casa. Observe no mapa anterior a localização de Toritama, no Agreste pernambucano. Os carregadores do defunto exprimem grande cansaço físico e existencial, como se depreende dos versos “Mais sorte tem o defunto, / irmão das almas, / pois já não fará na volta / a caminhada.” OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 7 PARTE 3 – O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE O SEU GUIA, O RIO CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO FONTE: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/12/13/morte ‑e ‑vida ‑severina‑ ‑na ‑atualidade ‑2/>. Acesso em: 10/09/18, às 17h09min. Essa parte apresenta referências à religião católica, como podemos observar em algumas palavras do vocabulário, que vão ganhando força por alegorizarem a busca de Severino: “– Antes de sair de casa / aprendi a ladainha / das vilas que vou passar / na minha longa descida.” Ladainha constitui ‑se em uma prece litúrgica estruturada em curtas invocações – a Deus, à Virgem, aos Santos – recitadas pelo celebrante e que se alternam com as respostas da congregação. Nesses versos, ladainha refere ‑se à caminhada dolorosa de Severino. Outra referência ao universo católico está no termo rosário – fileira de 165 pequenas contas dispostas de maneira sucessiva, sendo que cada uma delas representa uma oração –, que configura um caráter religioso e sagrado à busca de vida que Severino empreende: “Sei que há muitas vilas grande, / cidades que elas são ditas; / sei que há simples arruados, / sei que há vilas pequeninas, / todas formando um rosário / cujas contas fossem vilas, / todas formando um rosário / de que a estrada fosse a linha. / Devo rezar tal rosário / até o mar onde termina, / saltando de conta em conta, /passando de vila em vila.” Entretanto, em meio a ladainha que configura sua busca, Severino se perde, pois seu guia, o rio Capibaribe, secou, deixando ‑o sem saber que rumo tomar: “Pensei que seguindo o rio / eu jamais me perderia: / ele é o caminho mais certo, / de todos o melhor guia. / Mas como segui ‑lo agora / que interrompeu a descida?” Ele pensa em procurar informações, mas não vê ninguém que possa ajudá ‑lo. Ele apenas ouve, ao longe, uma cantoria. OBRAS LITERÁRIAS 8 MORTE E VIDA SEVERINA PARTE 4 – NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO LADO DE FORA, VAI PARODIANDO AS PALAVRAS DOS CANTADORES FONTE: <http://www.alagoas24horas.com.br/404982/morte ‑e ‑vida ‑severina ‑em‑ ‑desenho ‑animado/>. Acesso em: 10/09/18, às 17h13min. Nessa parte identificamos que o ritmo se altera, pois a métrica dos versos também se alterna, conferindo ao texto uma musicalidade distinta das partes anteriores. Trata ‑se da segunda morte com que Severino se depara. Os versos iniciais trazem a cantilena das excelências (ou incelências), que fazem a encomenda do corpo de mais um Severino. Esses versos referem‑se à passagem pelo Jordão, que pode ser entendido de duas maneiras: de acordo com a Bíblia Hebraica, o povo de Israel atravessou o rio Jordão a seco (Livro de Josué, cap. 3, v. 17). O mesmo rio também foi atravessado a seco pelos profetas Elias e Eliseu. Já segundo os Evangelhos, João Batista desenvolveu a sua pregação nas proximidades do Jordão, onde Jesus foi batizado e não terá sido longe daí que decorreu o período das suas tentações. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Jord%C3%A3o>. Acesso em: 10/09/18, às 16h48min (adaptado). Ocorre que o rio Jordão é também o nome de um rio que corta Pernambuco e que teria recebido esse nome em homenagem ao rio hebraico. Assim, mais uma vez o caráter mítico ‑religioso se faz presente nesse auto regional. A quarta parte mostra a encomenda do corpo de um Severino que é parodiada por um homem que se encontra do lado de fora da casa, um contraponto lúcido e contundente quanto à vida e morte dos Severinos. Observe: “ ‑ Finado Severino, /quando passares em Jordão / e os demônios te atalharem / perguntando o que é que levas.../ – Dize que levas cera, / capuz e cordão / mais a Virgem da Conceição.– Dize que levas somente / coisas de não: / fome, sede, privação.” As excelências parodiadas encerram uma crítica à questão da terra e ao abandono dos miseráveis severinos, o que os condena, fatalmente, à morte. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 9 PARTE 5 – CANSADO DA VIAGEM, O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ ‑LA POR UNS INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA FONTE: <http://frequenciainn.blogspot.com/2011/04/o ‑mais ‑celebre ‑poema ‑de‑ ‑joao ‑cabral ‑de.html>. Acesso em: 10/09/18, às 17h15min. Severino migra fugindo da morte, em busca de vida, mas só encontra mais morte: das árvores, das plantações e mesmo do rio Capibaribe, que secou. “– Desde que estou retirando / só a morte vejo ativa, / só a morte deparei / e às vezes até festiva; / só a morte tem encontrado / quem pensava encontrar vida, / e o pouco que não foi morte / foi de vida severina.” Aqui, pela primeira vez, encontramos referência à vida severina. Também nesta parte, Severino, já cansado de caminhar e de ver tantas mortes vai se deparar com uma dúvida: deveria ficar pela região, até esperar o inverno e o rio voltar a encher para poder segui ‑lo até Recife? “Penso agora: mas por que / parar aqui eu não podia / e como o Capibaribe / interromper minha linha? / Ao menos até que as águas / de uma próxima invernia / me levem direto ao mar / ao refazer sua rotina?” Mas e se ele ficar, será que conseguirá continuar seu caminho, quando o rio encher? “Ou será que aqui cortando / agora a minha descida / já não poderei seguir / nunca mais em minha vida?” No entanto, antes de se decidir, Severino precisa de recursos para se demorar naquele lugar: “Mas isso depois verei: / tempo há para que decida / primeiro é preciso achar / um trabalho de que viva.” Ao se deparar com uma mulher que parece viver bem, resolve se dirigir a ela em busca de um emprego. OBRAS LITERÁRIAS 10 MORTE E VIDA SEVERINA PARTE 6 – DIRIGE ‑SE À MULHER NA JANELA, QUE DEPOIS DESCOBRE TRATAR ‑SE DE QUEM SABERÁ FONTE: <http://literaturaeciadhr3b.blogspot.com/2012/10/reconto ‑morte ‑e ‑vida ‑severina.html>. Acesso em: 10/09/18, às 17h55min. Mais uma vez vamos nos deparar com uma estrutura dialógica: “– Muito bom dia, senhora, / que nessa janela está; / sabe dizer se é possível / algum trabalho encontrar?” Ao que a mulher responde: “– Trabalho nunca falta / a quem sabe trabalhar; / o que fazia o compadre / na sua terra de lá?” Severino responde que havia sido lavrador de terra má e, por isso, era apto para trabalhar em qualquer tipo de solo. A mulher responde que lá há pouco para lavrar. E inquire Severino continuamente. Para cada ofício que ele dizia saber – a maioria deles ligados à terra – ela dizia que não era de serventia naquele lugar. Nesse jogo dialógico, o caráter metafórico vai ganhando força, com o desnudamento da cruel realidade enfrentada por Severino: suportar o sol abrasador e trabalhar, independentemente se havia ou não matado a fome, como podemos observar nos versos a seguir: “– Com a vinda das usinas / há poucos engenhos já; / nada mais o retirante / aprendeu a fazer lá? / – Ali ninguém aprendeu / outro ofício, ou aprenderá: / mas o sol, de sol a sol, / bem se aprende a suportar. – Mas isso então será tudo / em que sabe trabalhar? / vamos, diga, retirante, / outra coisa saberá. / – Deseja mesmo saber / o que eu fazia por lá? / comer quando havia o quê/ e, havendo ou não, trabalhar./” A mulher então diz que nada do que Severino sabia fazer teria uso, pois o melhor negócio ali era a morte. Ela, que agora se sabe era rezadeira, propõe trabalhar a meias com ele, mas o pobre homem não sabe as rezas para encomendar os defuntos. Ele fica curioso com a busca da mulher, que esclarece: “– [...] como aqui a morte é tanta, / vivo de a morte ajudar.” E complementa, à pergunta seguinte de Severino, se era profissão o que a rezadeira fazia: “– É, sim, uma profissão, / e a melhor de quantas há: / sou de toda região / rezadeira titular.” O retirante insiste e pergunta “ – [...] não existe outro trabalho / para mim neste lugar?” A mulher encerra a questão: “– Como aqui a morte é tanta, / só é possível trabalhar / nessas profissões que fazem / da morte ofício ou bazar.” Assim, a morte configura ‑se como a melhor empregadora naquela terra, ou seja, só vive quem se encarrega da morte – para matar ou enterrar quem morreu. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 11 PARTE 7 – O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM INTERROMPER A VIAGEM FONTE: <http://sarauxyz.blogspot.com/2015/11/reprise ‑morte ‑e ‑vida ‑severina‑ ‑em.html#.W5bfAehKjIU>. Acesso em 10/09/18, às 18h22min. Severino, ao chegar à Zona da Mata pernambucana, mostra ‑se impressionado com a qualidade e a fertilidade do solo e com a fartura de água: “– Bem me diziam que a terra / se faz mais branda e macia / quanto mais do litoral / a viagem se aproxima.” (Vale a pena dar uma olhada nos mapas anteriores, para localizar a mudança do espaço físico). O retirante, após o encontro com tantas mortes anteriores, se ilude, pensando ter chegado a uma espécie de paraíso e estabelece um paralelo com os versos da primeira parte: “Decerto a gente daqui /jamais envelhece aos trinta / nem sabe da morte em vida, vida em morte, severina; e aquele cemitério ali, / branco na verde colina, / decerto pouco funciona / e poucas covas aninha.” PARTE 8 – ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO FONTE: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/especiais/morte ‑e ‑vida‑ ‑severina.htm>. Acesso em: 10/09/2018, às 18h35min (fins pedagógicos). OBRAS LITERÁRIAS 12 MORTE E VIDA SEVERINA No entanto, naquele cemitério que Severino julgava haver poucos enterros, ele tem a oportunidade de se deparar com mais uma morte, a terceira desde que começara sua viagem. Nessa parte, a crítica contundente à má distribuição de terras no país e a necessidade de uma reforma agrária ganham força ao conhecermos um pouco a história do defunto, pela voz de seus amigos: “– Esta cova em que estás, / com palmos medida, / é a conta menor / que tiraste em vida. / – É de bom tamanho, / nem largo nem fundo, / é a parte que te cabe / deste latifúndio. / – Não é cova grande, / é cova medida, / é a terra que querias / ver dividida. /” Observe a antítese contida nos versos a seguir, que denunciam a ironia da situação, pois na morte o homem encontra o que não teve na vida. “– É uma cova grande / para teu parco defunto, / mas estarás mais ancho / que estavas no mundo.” O cemitério só era pequeno porque as covas eram rasas e estreitas... Na tão sonhada distribuição de terra, os severinos só recebem seu quinhão quando morrem. Vale a pena ouvir a versão musicada de Chico Buarque, no dueto de Rolando Boldrin e Renato Teixeira, disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=0VWbHb8QCyo>. Acesso em: 10/09/2018, às 18h45min. PARTE 9 – O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE FONTE: <http://arteculturamoda.blogspot.com/2011/07/morte ‑e ‑vida ‑severina ‑no‑ ‑anima ‑mundi.html>. Acesso em: 10/09/2018, às 19h05min. Severino volta a se dirigir ao leitor / expectador, revelando suas intenções, ao sair em migração. Revela sua idade – tinha vinte anos e ainda, nestes versos, mostra a percepção de que, embora tenha cruzado espaços geográficos distintos, socialmente deparou com pouca ou nenhuma mudança, uma vez que sua jornada em busca da vida o levou, sequencialmente, ao encontro com a morte, de quem, paradoxalmente fugira ao iniciar sua andança por terras pernambucanas. Vamos aos versos, que denotam a fragilidade da vida do nordestino (mas antes, dê mais uma olhada nos mapas para lembrar a longa trajetória de Severino!): OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 13 “– Nunca esperei muita coisa, / digo a Vossas Senhorias. / O que me fez retirar / não foi a grande cobiça: / o que apenas busquei foi defender minha vida / da tal velhice que chega / antes de se inteirar trinta;/ se na serra vivi vinte, / se alcancei tal medida, / o que pensei retirando, / foi estendê ‑la um pouco ainda. Mas não senti diferença / entre o Agreste e a Caatinga, / e entre a Caatinga e aqui a Mata / a diferença é mais mínima. / Está apenas em que a terra / é por aqui mais macia. / [...] e que nesta terra gorda, / quer na serra, de caliça, / a vida arde sempre com / a mesma chama mortiça.” Retomando a associação feita entre a retirada e as contas de um rosário, Severino afirma que Recife é a última conta, a derradeira ave ‑maria. É também aqui que se chega ao fim a divisão a que nomeamos “a busca”. PARTE 10 – CHEGANDO AO RECIFE, O RETIRANTE SENTA ‑SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIROS FONTE: <https://www.pensarcontemporaneo.com/morte ‑e ‑vida ‑severina/>. Acesso em: 10/09/2018, às 19h03min. Mais uma vez a estrutura dialógica é retomada. Dois coveiros – um do cemitério de Santo Amaro e outro do cemitério da Casa Amarela – conversam a respeito de suas funções. O coveiro da Casa Amarela fora pedir remoção para o de Santo Amaro, pois considerava que trabalhava demais em razão do grande volume de mortos que chegavam diariamente, que equivalia a “parada de ônibus, / com filas de mais de cem.” Embora não tenha conseguido seu intento, o coveiro conseguiu mudança de setor, no cemitério em que trabalhava. Agora, em vez de enterrar os severinos, fará os enterros de defuntos de outros “bairros”, o grupo de operários: “– Passo para os industriários, / que também é o dos ferroviários, / de todos os rodoviários / e praças de pré dos comerciários.” O colega, de Santo Amaro, acha que foi um bom negócio: “– [...] não são tão contagiosos / e são muito menos numerosos.” Os coveiros falam francamente sobre “– [...] a gente dos enterros gratuitos / e dos defuntos ininterruptos.”, os retirantes, que atravessam todo o sertão para vir morrer no Recife. Ambos chegam à conclusão que “– Na verdade, seria mais rápido / e também muito mais barato / que os sacudissem de qualquer ponte / dentro do rio e da morte. / – O rio daria a mortalha / e até um macio colchão de água; [...] – E não precisava dinheiro, / e não precisava coveiro, / e não precisava oração, / e não precisava inscrição.” Os pobres, sob essa concepção não precisam de nada, nem do respeito daqueles que lhes são tão semelhantes, afinal, “morre gente que nem vivia”, e os severinos retirantes, que partem “lá de riba”, “vem é seguindo seu próprio enterro.” OBRAS LITERÁRIAS 14 MORTE E VIDA SEVERINA PARTE 11 – O RETIRANTE APROXIMA ‑SE DE UM DOS CAIS DO CAPIBARIBE Severino, decepcionado com tudo o que vira ao longo de sua viagem e com a conversa que ouvira, desabafa. Ele sabia que seria difícil, mas sua intenção ao migrar não era na expectativa de uma mudança total de vida, e sim de que conseguisse o mínimo para sua sobrevivência: “esperei, devo dizer, / que ao menos aumentaria / na quartinha, a água pouca, / dentro da cuia, a farinha, / o algodãozinho da camisa,”. Ao chegar a seu destino, entretanto, percebe que a morte de quem fugira fora sua companheira constante, em todos os lados em que passara e em todas as situações que vivenciara, o que o faz concluir que, nessa viagem, ele seguia mesmo era o próprio enterro. A solução seria, pois, apressar a morte, atirando ‑se ao rio, como o coveiro na parte anterior sugerira. PARTE 12 – APROXIMA ‑SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO FONTE: <http://equilibrio.ipub.ufrj.br/portal/ensino ‑e ‑pesquisa/ensino/residencia ‑medica/ blog/itemlist/date/2016/10/26>. Acesso em: 11/09/2018, às 17h27min. Mais uma vez o diálogo se estabelece, agora entre Severino e mestre José Carpina, um morador de uma das habitações miseráveis à beiro do Capibaribe. O retirante pergunta a profundidade do rio, para saber se, ao se atirar, conseguiria seu intento. Aqui, novamente, o jogo de perguntas e respostas apresenta caráter metafórico: “– Seu José, Mestre Carpina, / para cobrir o corpo de homem / não é preciso muita água: basta que chegue ao abdome, / basta que tenha fundura / igual à de sua fome.” Neste ponto, o desespero de Severino encontra a esperança e a serenidade de Mestre Carpina: “– Severino, retirante, /o meu amigo é bem moço; / sei que a miséria é mar largo, / não é como qualquer poço: / mas sei que para cruzá ‑la / vale bem qualquer esforço.” Severino pergunta a mestre José “por que ao puxão das águas /não é melhor se entregar?” A seu modo, ele pede ao carpina convencê ‑lo a não se atirar. O jogo de perguntas e respostas continua e José conta de sua origem – Nazaré da Mata (observe que temos um José, carpinteiro, nascido em Nazaré, claras referências à história do nascimento de Jesus, que vão configurar o Auto de Natal pernambucano começam a se delinear) – e fala de que nada em sua vida foi fácil “jamais me fiaram nada: / a vida de cada dia / cada dia hei de comprá ‑la”, ou seja, a esperança se renova a cada dia. Mas o retirante ainda está em dúvida sobre se OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 15 atirar ou não da ponte e pergunta: “– Seu José, Mestre Carpina, / que diferença faria / se em vez de continuar / tomasse a melhor saída: / a de saltar, numa noite, / fora da ponte e da vida?” PARTE 13 – UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O HOMEM, ANUNCIA ‑LHE O QUE SE VERÁ No momento em que Severino formula a pergunta a mestre José, uma mulher anuncia o nascimento do filho do carpina: “Estais aí conversando / em vossa prosa entretida: / não sabeis que vosso filho / saltou para dentro da vida?” Essa fala é a antítese da pergunta anterior de Severino, que queria saltar para fora da vida, enquanto que o menino de José salta para dentro da vida. PARTE 14 – APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS CIGANAS ETC. “Todo o céu e a terra / lhe cantam louvor / e cada casa se torna / num mocambo sedutor.” Os moradores celebram o nascimento do filho do Mestre Carpina e falam que, por causa da chegada do menino, o mundo de todos eles se tornou um lugar melhor: a maré não baixou e a lama não exalou o mau cheiro, o vento levou embora a umidade, os mocambos se transformaram em refúgios, os maruins (mosquitos) não apareceram e enfim, o rio, baço, se tornou um espelho do céu estrelado. PARTE 15 – COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM ‑NASCIDO Nesta parte, pessoas vão surgindo pessoas de diversas partes, trazendo presentes para a mãe e para o recém ‑nascido, numa alusão aos presentes trazidos pelos reis magos ao menino Jesus. Só que não havia incenso, ouro ou mirra, mas dentro da pobreza de cada um, havia a oferenda de algo que lhes era importante, como caranguejos para a mãe, para fortalecer o leite (e também para vincular a criança a uma espécie de determinismo do meio – a lama). Outros presentes foram trazidos: papel de jornal para cobrir o menino (que assim, cobrindo ‑se de letras, vai se tornar doutor), água da bica do Rosário, de Olinda, um canário da terra, uma bolacha d’água, um boneco de barro, uma cachaça, um abacaxi, um pedaço de cana, tamarindos e jaca, mangabas, cajus, peixe, carne de boi, siris, mangas e goiamuns (tipo de caranguejo). São dezesseis presentes, a maior parte deles introduzidos pela expressão “minha pobreza é tal...”. Além desses, uma mãe que amamenta compartilha seu leite com o bebê recém ‑nascido, igualando‑ ‑os a todos na pobreza e na miséria que os irmanava: “– Minha pobreza tal é / que coisa não posso ofertar: / somente o leite que tenho / para meu filho amamentar; / aqui são todos irmãos, / de leite, de lama, de ar.” OBRAS LITERÁRIAS 16 MORTE E VIDA SEVERINA PARTE 16 – FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM APARECIDO COM OS VIZINHOS FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=NbcyUHv6Nbk>. Acesso em: 11/09/2018, às 17h08min. As duas ciganas que acompanhavam os vizinhos pedem a palavra para ler o futuro do menino. A primeira afirma que o recém ‑nascido será mais um catador de siri, repetindoa sina dos moradores dos mocambos: “aprenderá a engatinhar / por aí, com aratus, / aprenderá a caminhar/ na lama, com goiamuns, / e a correr o ensinarão / os anfíbios caranguejos, / pelo que será anfíbio / como a gente daqui mesmo.” A outra cigana, no entanto, prevê um futuro diferente para a criança: ele será operário. A sujeira que ela vê é de graxa de fábrica, não de lama dos mangues: “Não o vejo dentro dos mangues, / vejo ‑o dentro de uma fábrica: se está negro não é de lama, / é graxa de sua máquina, / coisa mais limpa que a lama / do pescador da maré / que vemos aqui, vestido /de lama da cara ao pé.” O destino do recém ‑nascido é, portanto, uma incógnita... PARTE 17 – FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM OS PRESENTES ETC. FONTE: <http://literaturaeciadhr3b.blogspot.com/2012/10/reconto ‑morte ‑e ‑vida ‑severina.html>. Acesso em 11/09/2018, às 18h. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 17 Agora, cada visitante profere sua fala, uma espécie de benção sobre o recém ‑nascido, acentuando os aspectos positivos – a“ formosura” – daquela criança: “De sua formosura / deixai ‑me que diga: / é tão belo como um sim / numa sala negativa. / É tão belo como a soca (muda da cana) / que o canavial multiplica. / Belo porque é uma porta / abrindo ‑se em muitas saídas. / Belo como a última onda / que o fim do mar sempre adia. / É tão belo quanto as ondas em sua adição infinita. / Belo porque tem do novo / a surpresa e a alegria. / Belo como a coisa nova / na prateleira até então vazia. / Como qualquer coisa nova / inaugurando o seu dia. / Ou como um caderno novo / quando a gente o principia. / E belo porque com o novo / todo o velho contagia.” Observe que todas as falas encontram ‑se plenas de esperança. Nasceu uma criança, a vida ganha novos significados! PARTE 18 – O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR PARTE EM NADA Após a euforia do nascimento do filho, Mestre Carpina volta ‑se para Severino, que a todos os eventos anteriores assistira. José retoma a pergunta de Severino, antes de serem interrompidos com a notícia da chegada do pequeno. O homem experiente confessa que ele mesmo não tem como convencer o retirante a não saltar fora da ponte e da vida, mas ela, a vida, havia trazido a resposta, com o nascimento do filho. É um momento de epifania. O Auto de Natal se completa com o nascimento do menino e, com ele, o ressurgir das esperanças. A vida prevalece, afinal, em meio a tanta morte. Vale a pena a leitura dessa parte na íntegra. “– Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta se quer mesmo que lhe diga; é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que se vê, Severina; mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê ‑la desfiar seu fio, que também se chama vida, FONTE: <http://valiteratura.blogspot.com/2010/10/morte ‑e ‑vida‑ ‑severina ‑1956.html>. Acesso em: 10/09/2018, às 18h32min. OBRAS LITERÁRIAS 18 MORTE E VIDA SEVERINA ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê ‑la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida Severina.” A OBRA ATUALIZADA O site de notícias UOL fez uma série de reportagens refazendo a viagem de Severino, de João Cabral, mostrando as histórias das secas e a busca por emprego dos Severinos de hoje. Nesse trabalho, vamos saber que a Serra da Costela, de onde parte Severino, na verdade, não existe. Ela faz referência às serras que ficam no município de Poção, em Pernambuco, onde está a nascente do rio Capibaribe. E Severino segue o rio até o encontro com o mar, no Recife. Atualmente, os Severinos ainda fogem e buscam empregos na Zona da Mata e no litoral, onde chegam normalmente a plantações para o corte da cana de açúcar. Mas também encontram abrigo no meio do caminho, no agreste pernambucano, onde existe um polo de confecções que oferece trabalho a muitos fugitivos da seca. No final do caminho, às margens do rio Capibaribe, no Recife, há o abrigo final – e persistente – às pessoas que ainda lutam contra a miséria e a fome. São todos severinos nessa história... e o mar ainda funciona como elemento catalisador de esperanças. Observamos ainda que a amplitude dessa obra de João Cabral extrapola os nossos limites geográficos, uma vez que os Severinos também se espalham mundo afora. Vemos reportagens sobre os refugiados haitianos, sírios e venezuelanos, só para citar três grupos de indivíduos que, impedidos de permanecer em seu espaço natural por questões diversas – clima, instabilidade econômica, situação política, catástrofes naturais –, são impelidos à busca por uma vida melhor, fugindo da fome, da miséria, da angústia, da violência. E, assim como o Severino de Cabral, nessa “retirada” em busca da vida, muitos vão ter, como companhia constante, a morte. Para conhecer um pouco mais sobre esse assunto, acesse: • <https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/08/16/o ‑dramatico ‑vai ‑e ‑vem ‑dos ‑haitianos>. Acesso em: 06/09/2018, às 14h44min. • <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/16/politica/1518736071_492585.html>. Acesso em: 06/09/2018, às 14h51min. • <https://nacoesunidas.org/guerra ‑na ‑siria ‑aumentou ‑numero ‑de ‑solicitacoes ‑de ‑refugio ‑no ‑brasil‑ ‑diz ‑estudo ‑do ‑ipea/>. Acesso em: 06/09/2018, às 14h53min. • <https://tab.uol.com.br/refugiados/>. Acesso em: 06/09/2018, às 14h51min. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 19 REFERÊNCIAS MELO NETO, J. C. de. Morte e vida severina; e, Outros poemas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p.91 ‑133. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=391>. Acesso em: 05/09/2018, às 17h21min. <https://www.uol/noticias/especiais/vida ‑e ‑morte ‑peregrina.htm#tematico ‑1?cmpid>. Acesso em: 06/09/2018, às 13h46min. <https://www.culturagenial.com/vida ‑e ‑morte ‑severina ‑de ‑joao ‑cabral ‑de ‑melo ‑neto/>. Acesso em: 06/09/2018, às 14h18min. QUESTÕES DE VESTIBULAR 1. (UFPR) Anatol Rosenfeld, um importante estudioso da cena teatral brasileira, faz no trecho abaixo uma síntese que explica as motivações para o emprego de recursos narrativos na dramaturgia que, segundo ele, começa a ser realizada no Brasil ao fim da década de 50 do século XX. “O uso de recursos épicos por parte de dramaturgos e diretores teatrais não é arbitrário, correspondendo, ao contrário, a transformações históricas que suscitam o surgir de novas temáticas, novos problemas, novas valorações e novas concepções de mundo.” ROSENFELD, A. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985. p. 12. Considerando o trecho citado e a leitura integral de Morte e vida severina, Auto de Natal Pernambucano, de João Cabral de Melo Neto, e Eles não usam black tie, de Gianfrancesco Guarnieri, assinale a alternativa correta. a) O auto de João Cabral de Melo Neto utiliza o verso e recursos da tradição oral popular do Nordeste para reforçar o caráter religioso da peça, excluindo indícios de crítica social aos problemas regionais. b) O conflito entre pai e filho em Eles não usam black tie transpõe para o ambiente cotidiano de uma família os conflitos e impasses da classe operária diante dos desmandos dos patrões. c) A peça de Guarnieri faz referências à cultura e ao ambiente da favela, incluindo até letras de sambas antigos, o que reforça a imagem idealizada do morro e da figura do malandro. d) Morte e vida severina utiliza versos de metrificação idêntica em todo o texto, o que prejudica o ritmo musical e melódico, ao contrário do que se observa na peça de Guarnieri. e) Os personagens da peça de Guarnieri são considerados alegóricos,porque não apresentam conflitos psicológicos, enquanto os de João Cabral são personagens individualizados e diversos entre si. OBRAS LITERÁRIAS 20 MORTE E VIDA SEVERINA 2. (UPE) João Cabral de Melo Neto, autor pernambucano, celebrizou ‑se com um Auto de Natal, que trata de uma das questões mais sérias da sociedade brasileira, a qual está bem representada na charge a seguir. Relacione a imagem com o fragmento do texto de Morte e vida severina. – Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. – É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe neste latifúndio. – Não é cova grande. é cova medida, é a terra que querias ver dividida. – É uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no mundo. – É uma cova grande para teu defunto parco, porém mais que no mundo te sentirás largo. – É uma cova grande para tua carne pouca, mas a terra dada não se abre a boca. João Cabral de Melo Neto Analise as afirmativas a seguir e coloque V nas verdadeiras e F nas falsas. ( ) O poema não tem nenhuma relação com a charge, pois não se pode relacionar dois tipos de linguagem completamente diferentes: verbal e visual. Além disso, na charge, a mensagem imagética e linguística apresenta uma crítica ferrenha à desigualdade social, enquanto o poema nega o valor da Reforma Agrária, uma vez que defende o monopólio da terra. ( ) O poema de João Cabral de Melo Neto desenvolve a temática da desigualdade social à semelhança da charge, que também aborda a mesma questão. Ambos tomam como ponto de partida a posse da terra. Há, entre as duas mensagens, uma única preocupação que é a aquisição de bens materiais. ( ) A charge apresenta, tanto quanto o fragmento do texto de João Cabral, uma crítica à condição do lavrador, que, durante toda vida, trabalha a terra, mas só tem direito a ela quando morre. Na imagem, o lavrador vivo traz a placa SEM TERRA, enquanto no poema, tal qual na charge, só adquire o direito à terra após a morte, que representa “a terra que queria ver dividida.” ( ) Diferentemente do texto escrito, a imagem revela um novo tipo de transmissão de mensagem em que se encontra eliminada a linguagem verbal, ocorrendo exclusivamente um discurso imagético. Nele o homem e a terra se confundem por ocasião da morte, que iguala todos os seres humanos, e isso fica explícito na antítese sem terra/com terra. ( ) As duas mensagens tematizam a questão da posse da terra, apresentando um discurso crítico, que enfatiza o fato de o lavrador não ter direito à terra, razão pela qual é designado como “sem terra”. Essa expressão atualmente identifica os participantes do movimento social, que lutam pelo reconhecimento do camponês que continua sem obter o tão desejado torrão. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 21 Assinale a alternativa que contém a sequência correta. a) F – F – V – F – V b) F – F – F – F – V c) V – V – V – V – V d) F – F – F – V – V e) V – V – V – F – F 3. (UPE – adaptada) Em relação à Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, coloque V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas. ( ) Trata ‑se do relato da história de um retirante que, tomando como modelo Vidas secas, deixa seu torrão natal e vai para a metrópole em busca de melhor qualidade de vida. Assim, Severino, protagonista do Auto de Natal pernambucano, chega ao Recife e consegue ascender socialmente, pois é contratado para trabalhar em uma fábrica, atingindo seus objetivos. ( ) Integra o texto cabralino uma cena intitulada Funeral do lavrador, composta por redondilhas, a qual foi musicada por Chico Buarque de Holanda, na década de 1970, momento de plena ditadura. Contudo, o texto não sofreu nenhuma censura do sistema constituído, por não apresentar ideologia, na época, considerada subversiva. ( ) Morte e vida severina segue a estrutura de um auto. Como romance que é, em treze capítulos, a personagem central desloca ‑se da Serra da Costela, situada no interior de Alagoas, vem margeando o Rio Capibaribe, chega ao Recife, onde se encontra com Mestre Carpina. ( ) O texto de João Cabral é composto por versos metrificados, redondilhas, numa perfeita harmonia entre a personagem e a linguagem, peculiar à literatura popular desde os autos do teatrólogo português Gil Vicente até a atualidade. ( ) Nos versos: “E se somos Severinos / iguais em tudo na vida, / morremos de morte igual, / mesma morte severina: / que é a morte de que se morre / de velhice antes dos trinta”, encontramos o uso de aliterações que trazem musicalidade ao texto. Além disso, a palavra severina exerce uma função adjetiva, pois qualifica o substantivo morte de modo criativo e inusitado. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta. a) F – F – F – V – V b) V – V – V – F – V c) V – V – F – F – V d) V – F – V – F – V e) V – V – V – F – F OBRAS LITERÁRIAS 22 MORTE E VIDA SEVERINA Leia o trecho a seguir, de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, para resolver a questão 4. — Severino retirante, deixa agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; (…) E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê ‑la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica [...] 4. (EsPCEx/Aman) Em relação a esse mesmo fragmento, pode ‑se ainda afirmar que a) trata da impotência do homem diante dos problemas do sertão e da cidade. b) Severino representa todos os homens que são latifundiários. c) reflete sobre as dificuldades que o homem encontra para trabalhar. d) trata da temática que descarta a morte como solução para os problemas. e) é um texto bem simples e poético sobre o significado do amor da época. 5. (Enem) Texto I O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria, do finado Zacarias, mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 23 por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? MELO NETO, J. C. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994 (fragmento). Texto II João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfere ‑a, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe, também segue no caminho do Recife. A autoapresentação do personagem, na fala inicial do texto, nos mostra um Severino que, quanto mais se define, menos se individualiza, pois seus traços biográficos são sempre partilhados por outros homens. SECCHIN, A. C. João Cabral: a poesia do menos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999 (fragmento). Com base no trecho de Morte e vida severina (Texto I) e na análise crítica (Texto II), observa ‑se que a relação entre o texto poético e o contexto social a que ele faz referência aponta para um problema social expresso literariamente pela pergunta “Como então dizer quem fala/ ora a Vossas Senhorias?”. A resposta à pergunta expressa no poema é dada por meio da a) descrição minuciosa dos traços biográficos do personagem ‑narrador. b) construção da figura do retirante nordestino como um homem resignado com a sua situação. c) representação, na figura do personagem ‑narrador, de outros Severinos que compartilham sua condição. d) apresentação do personagem ‑narrador como uma projeção do próprio poeta em sua crise existencial. e) descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha ‑se de ser descendente do coronel Zacarias. 6. (Fuvest) Só os roçados da morte compensam aqui cultivar, e cultivá ‑los é fácil: simples questão de plantar; não se precisa de limpa, de adubar nem de regar; as estiagens e as pragas fazem ‑nos mais prosperar; e dão lucro imediato; nem é preciso esperar pela colheita:recebe ‑se na hora mesma de semear. MELO NETO, J. C. de. Morte e vida severina; e Outros poemas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. OBRAS LITERÁRIAS 24 MORTE E VIDA SEVERINA Nos versos anteriores, a personagem da “rezadora” fala das vantagens de sua profissão e de outras semelhantes. A sequência de imagens neles presente tem como pressuposto imediato a ideia de a) sepultamento dos mortos. b) dificuldade de plantio na seca. c) escassez de mão de obra no sertão. d) necessidade de melhores contratos de trabalho. e) técnicas agrícolas adequadas ao sertão. Texto para a questão 6. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte Severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia. MELO NETO, J. C. Obra completa. Rio Janeiro: Nova Aguilar, 1994 (fragmento). 7. Nesse fragmento, o eu lírico retrata uma situação marcada pela a) presença da morte, que universaliza os sofrimentos dos nordestinos. b) figura do homem agreste, que encara ternamente sua condição de pobreza. c) descrição sentimentalista de Severino, que divaga sobre questões existenciais. d) miséria, à qual muitos nordestinos estão expostos, simbolizada na figura de Severino. e) opressão socioeconômica a que todo ser humano se encontra submetido. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 25 8. (UFRGS – adaptada) A 12.ª parte da obra de João Cabral de Melo Neto mostra a conversa entre Severino, desiludido com o que encontrara durante e ao fim de sua jornada, e o Mestre José, como se observa nos seguintes versos — Seu José, Mestre Carpina, que diferença faria se em vez de continuar tomasse a melhor saída: a de saltar, numa noite, fora da ponte e da vida? MELO NETO, J. C. de. Morte e vida severina; e Outros poemas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 123. Analise o que se afirma a respeito do diálogo citado e assinale V para o que for verdadeiro e F para o que for falso. ( ) Severino, retirante chegado ao Recife, questiona a vida miserável de Mestre Carpina. ( ) Mestre Carpina defende a necessidade de viver mesmo que em condição precária. ( ) Mestre Carpina nega ‑se a ouvir os infundados questionamentos de Severino. ( ) Severino, em sua última interrogação, aponta uma hesitação entre viver e morrer. A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é a) V – V – F – V. b) V – F – F – F. c) V – F – V – V. d) F – V – F – V. e) F – V – V – F. 9. (Cefet – adaptada) Leia as seguintes afirmações sobre Morte e vida severina: I. O nascimento do filho do mestre José é antagônico aos outros fatos apresentados na obra, já que esses são marcados pela morte. II. Podemos dizer que o conteúdo é completamente pessimista, considerando ‑se que a jornada é marcada pela tragédia da seca, o que leva Severino à tentativa de suicídio. III. Mais do que a seca, as desigualdades sociais do Nordeste são o tema da obra. É correto o que se afirma em a) I, apenas. b) I e II, apenas. c) I e III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III, apenas. OBRAS LITERÁRIAS 26 MORTE E VIDA SEVERINA 10. (UEL – adaptada) Os rios que correm aqui têm a água vitalícia. Cacimbas por todo lado; Cavando o chão, água mina. Vejo agora que é verdade O que pensei ser mentira Quem sabe se nesta terra Não plantarei minha sina? Não tenho medo de terra (cavei pedra toda a vida), e para quem buscou a braço contra a piçarra da Caatinga será fácil amansar esta aqui, tão feminina MELO NETO, J. C. de. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 41. piçarra: material semidecomposto da mistura de fragmentos de rocha, areia e concreções ferruginosas. Em relação ao trecho anterior, de Morte e vida severina, considere as afirmativas. I. Esses versos referem ‑se ao momento em que Severino chega à zona da mata e encontra a terra mais macia. Isso nos é revelado num estilo suave e melodioso, em que a sonoridade das palavras expressa o entusiasmo do retirante. II. “Rios”, “cacimbas”, “água vitalícia” e “água mina” são expressões que remetem a uma imagem positiva sobre a região por onde passa o retirante Severino. Isso mostra a sua alegria por ter encon‑ trado um lugar onde ele viverá com toda a sua família até a morte. III. Nesse trecho, Severino encontra o que procura: água e, consequentemente, vida. Isso está retratado nos versos “Não tenho medo de terra/ (cavei pedra toda a vida)”. IV. A expressão “tão feminina” do último verso é uma metáfora de terra macia, fácil de trabalhar, e se opõe à expressão “piçarra da Caatinga”, que significa terra dura, pedregosa. V. Os versos “Os rios que correm aqui/ têm a água vitalícia” significam que os rios nunca morrem. Essa constatação refere ‑se à região da Caatinga, onde Severino vive sua saga. É correto o que se afirma em a) IV e V, apenas. b) I, III e V, apenas. c) I, II e V, apenas. d) I, II e IV, apenas. e) I, II, III, IV e V. OBRAS LITERÁRIAS MORTE E VIDA SEVERINA 27 11. (UFPR – adaptada) Leia o trecho e, a seguir, assinale as alternativas corretas a respeito de “Morte e vida severina”, de João Cabral de Melo Neto. O carpina fala com o retirante que esteve fora, sem tomar parte em nada ‑ Severino retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga; é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que se vê, severina; mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta Que o espetáculo da vida, Ver a fábrica que ela mesma, Teimosamente, se fabrica, Vê‑la brotar como há pouco Em nova vida explodida; Mesmo quando é assim pequena A explosão, como a ocorrida; Mesmo quando é uma explosão Como a de há pouco, franzina; Mesmo quando é a explosão De uma vida severina. (MELO NETO. João Cabral de. Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. SP: Record, 1998) OBRAS LITERÁRIAS 28 MORTE E VIDA SEVERINA I. No início do texto, Severino fracassa ao tentar individualizar‑se em relação a outros Severinos; dessa maneira, estabelece‑se o sentido da palavra “severina”, adjetivo criado a partir do nome próprio que designa a dificuldade da vida no Nordeste, partilhada por todos os pobres. II. Uma das cenas finais é a das ciganas, que visitam o recém‑nascido e, embora uma delas preveja para a criança uma vida igual à que seus pais tiveram, e a outra enxergue uma mudança de destino, ambas anunciam um futuro cheio de dificuldades para o menino. III. Os momentos de alegria do retirante estão relacionados à sua esperança de que existam lugares onde a luta pela sobrevivência seja menos árdua do que no lugar de onde ele emigrou. IV. A conversa final entre Severino e seu José, o mestre carpina, revela o otimismo ingênuo do segundo, uma vez que busca convencer o retirante de que a felicidade é um bem natural, independentemente das dificuldades, bastando estar vivo para ser feliz. Estão corretos os itens a) I e II, apenas. b) III e IV, apenas. c) II, III e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) I, II, III e IV. GABARITO 1. B 2. A 3. A 4. D 5. C 6. A 7. D 8. D 9. C 10. A 11. D
Compartilhar