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Avaliação 1 - Curso_ Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados EPT

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Instituto Federal Sul-rio-grandense
Curso:Licenciatura - Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados EPT
Disciplina: Teorias da Educação Profissional e Tecnológica
Professor: Dr. Marcos Eduardo Maciel Ribeiro
Acadêmicos: Bruna Cruz de Anhaia, Eduarda Haas de Mello, Jair Armonico de Oliveira, Janise Ignácio e
Luisa Cristina de Bastiani Camacho.
Educação Profissional e Tecnológica dos Institutos Federais no Brasil
Resumo:
O presente trabalho versa sobre a Educação Profissional e Tecnológica, os seus princípios e as suas
especificidades, sendo entendida como promotora de um ambiente formador do trabalho como princípio
educativo. A EPT é abordada a partir da análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica. A discussão é
sustentada por aportes teóricos que buscam estimular a reflexão crítica do contexto educacional do país,
em especial, o cenário da educação profissional e tecnológica.
INTRODUÇÃO
A vida em sociedade passou por diversas mudanças no decorrer dos séculos e,
hoje, vivemos em meio ao individualismo e à competitividade. A escola, muitas vezes,
reproduz essas condições. Em virtude de seus princípios norteadores ultrapassados ou
devido às condições materiais insuficientes, pode-se dizer que se observa o
sucateamento material e imaterial do espaço escolar. Por conseguinte, cotidianamente,
constata-se que a escola deixou de ser um local de construção do conhecimento crítico e
transformador e passou a ser um nicho assistencialista e auxiliar na reprodução do
modelo social dominante (TADDEI; DIAS; SILVA, 2014).
Para a construção de uma sociedade democrática e socialmente justa, porém, é
preciso que a educação faça parte de um projeto de sociedade inclusiva e que ele seja
levado a cabo pelo poder público. É necessário que a escola retome sua função como
transmissora de conhecimentos historicamente acumulados e que ela vá além disso,
articulando esses mesmos conhecimentos com a realidade cotidiana concreta dos alunos
e com a própria experiência deles (TADDEI; DIAS; SILVA, 2014).
Nesta perspectiva crítica, a escola educa a sociedade e é educada por ela. Deve
buscar, por meio do acesso ao conhecimento, auxiliar na superação da exclusão e
formação de cidadãos atuantes na comunidade a que pertencem. A educação torna-se,
então, um direito social. E, como tal, ela deve estar alicerçada em princípios e ser regida
por diretrizes condizentes com estes objetivos. Este artigo visa discutir estes aspectos,
tendo por base a Educação Profissional e Tecnológica (EPT).
Inicialmente, mencionam-se alguns dos princípios norteadores da EPT. Na
sequência, abordam-se as suas diretrizes a partir de duas legislações vigentes no país: as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT),
com destaque para as aproximações e os distanciamentos entre elas. Posteriormente,
elencam-se as considerações finais sobre os tópicos discutidos e apontam-se outros
desafios postos à EPT no país.
1 Princípios da Educação Profissional e Tecnológica
A EPT, no âmbito da Educação técnica e/ou tecnológica, está alicerçada em
diversos princípios que constituem as bases conceituais da educação profissional, dentre
o quais: o trabalho como princípio educativo e a pesquisa como princípio pedagógico.
Esses princípios devem nortear a prática educativa, a fim de desenvolver nos discentes
trabalhadores habilidades cognitivas e tecnológicas (FELIPPE, 2019).
Cabe, portanto, compreender melhor tais princípios.
1.1 O trabalho como princípio educativo
De acordo com Taddei, Dias e Silva (2014), o capitalismo depende do avanço da
ciência e tecnologia e é com base nas suas necessidades produtivas que ele constrói os
projetos político-pedagógicos na sociedade. A partir desta perspectiva capitalista, o
trabalho é mercadoria e a escola deve ser aliada na manutenção do status quo, formando
profissionais para o atendimento das suas necessidades, adotando práticas sociais
naturalizadas e reproduzindo o pensamento hegemônico. Resulta daí que as escolas
mais alienam do que emancipam.
Alternativamente, Frigotto (2005) afirma que as forças progressistas devem
caminhar no sentido da escola unitária, onde o mercado seja compreendido apenas como
uma das dimensões da realidade social. O trabalhador deve produzir para si e o que ele
produz deve ser possuído por ele, já o produto do trabalho coletivo deve ser distribuído
igualmente. Logo, a educação deve almejar a superação dos processos excludentes e a
emancipação dos indivíduos.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) afirmam que a atuação da escola não deve ser
pensada de forma a-histórica e abstrata, mas, pensada e gestada organicamente na
perspectiva da contra-hegemonia, vinculada às lutas sociais mais amplas na direção da
emancipação. É preciso educar para uma leitura crítica e reflexiva da realidade, mas, para
isso, é necessário um processo educativo que proporcione aos sujeitos experiências
significativas, desde as suas singularidades individuais, até àquelas que envolvam
questões coletivas, com o objetivo de ir além da compreensão de suas condições de vida,
para poder intervir de forma autônoma e crítica na sociedade.
Tendo em vista que o trabalho é condição básica e fundamental da vida humana, ele
também pode constituir um princípio educativo. Porém, essa possibilidade não reside no
trabalho valorizado pelo modo de produção capitalista (entendido como simples
mercadoria, produtora de mais mercadorias). Apenas o trabalho no sentido ontológico
liberta: como princípio educativo, ele é visto como elemento fundante do ser social,
processo que transforma a natureza e o próprio homem (TADDEI; DIAS; SILVA, 2014).
Deste modo, a interlocução entre este tipo de trabalho e a educação intelectual pode
contribuir para a construção de uma educação de resistência e emancipação. Através de
um novo projeto político-pedagógico, que contemple a educação intelectual, a educação
tecnológica e a educação corporal ou física, abre-se caminho para a educação omnilateral
- reunindo todas as todas as perspectivas positivas da pessoa humana (MANACORDA,
1991).
1.2 A pesquisa como princípio pedagógico
Os conhecimentos dos indivíduos pertencentes à espécie humana são frutos de
suas capacidades reflexivas e constituem representações do mundo. De acordo com a
forma pela qual se chega a tais representações, os conhecimentos podem ser
classificados como: popular (senso comum), teológico, mítico, filosófico e científico
(DOMINGUES, 2009; FONSECA; OLIVEIRA, 2015). Neste leque, o conhecimento
científico se destaca pelo volume de benefícios gerados e pela forma com que eles
permeiam o cotidiano das pessoas ao redor do globo.
É necessário reconhecer que os conhecimentos de ciência e tecnologia geraram
aplicações que foram de grande benefício para a humanidade – dentre os quais, pode-se
mencionar: o aumento da expectativa de vida ao longo dos anos, a cura de doenças e o
desenvolvimento de tecnologias de informação. Participar do processo de sua construção
ou acessá-los, portanto, é crucial para os processos de autonomização e emancipação
dos indivíduos.
A pesquisa se converte, assim, em princípio e em meio essencial. De maneira
geral, torna-se relevante o estímulo ao espírito investigativo e a promoção de atividades
dedicadas a conhecer e incidir sobre as realidades, que possam acarretar benefícios
compartilhados pelas sociedades.
No âmbito educativo, a pesquisa como princípio pedagógico propicia o
desenvolvimento das atividades cognitivas dos educandos e viabiliza o deslocamento dos
conceitos espontâneos (nativos ou relativos ao senso comum) para os conceitos
científicos (VIGOSTSKI, 2001). Tendo em vista o caráter racional e complexo da
pesquisa, manifesto em diversas operações (elaboração de uma questão a ser
investigada, a seleção de variáveis,a elaboração de respostas prévias, etc.), ganham
ainda mais importância o papel da instituição escolar e do professor como mediadores
neste processo de aprendizagem.
Resultam daí o desenvolvimento de atividades cognitivas e do espírito investigativo
e crítico, bem como o fomento de processos de construção do conhecimento alicerçados
nos interesses e nas realidades dos estudantes, podendo culminar na transformação do
contexto que os cerca. Quando aplicada à EPT, esta mesma lógica pode ainda viabilizar a
incorporação da dimensão intelectual do trabalho ao trabalho produtivo e vice-versa.
2 Diretrizes da Educação Profissional e Tecnológica
Após diversas mudanças na legislação referente à estrutura e fundamentos do
Ensino Médio, temos hoje as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e as
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, as
quais possuem muitas aproximações em suas intencionalidades, bem como alguns
distanciamentos quanto a suas propostas de atuação na educação brasileira.
A função do Ensino Médio é a formação profissional em conjunto com a construção
da cidadania. Numa visão sistêmica: formação humana, científica, cultural e
profissionalização. Para isso, de acordo com as DCNEM, deve buscar a formação
humana integral, devendo observar e atender às diversidades e podendo utilizar
diferentes formas de organização curricular (BRASIL, 2012).
O Ensino Médio de qualidade social é fundamentado, conforme essas Diretrizes, nos
pressupostos do trabalho, ciência, tecnologia e cultura, para a formação humana. Nessa
perspectiva, a escola é o lugar de acesso ao conhecimento sistematizado, devendo ser de
acesso para toda população e meio de transformação social.
A Educação Profissional e Tecnológica é uma modalidade educacional que perpassa
todos os níveis da educação nacional, estando às demais modalidades de educação,
podendo ser desenvolvida em três vertentes. Uma delas está articulada através da
Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Nessa modalidade, a formação abrange a
habilitação, qualificação e especialização profissional, sendo ofertada nos termos do
DCNEM. Os cursos técnicos de Ensino Médio podem ocorrer de forma integrada,
concomitante ou subsequente (BRASIL, 2021).
2.1 Aproximações entre as Diretrizes
Entre as aproximações das propostas e perspectivas presentes nas DCNEM e
DCNEPT, pode-se mencionar os dois princípios abordados anteriormente e outros.
a) Trabalho como princípio ativo
Considera-se o trabalho como princípio educativo aquele em que o ser humano é
produtor da sua realidade, pela qual dela se apropria e pode transformá-la, sendo a
primeira mediação entre o homem e a realidade material e social. Também podemos
considerar o trabalho como princípio educativo à medida que proporciona a compreensão
do processo histórico de produção científica e tecnológica, como conhecimentos
desenvolvidos e apropriados socialmente para a transformação das condições naturais da
vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos. Para
chegar-se à definição do Trabalho como Princípio Educativo, faz-se necessário uma
definição clara do termo Trabalho em seus dois sentidos, ontológico (permanente e
imutável) e histórico (apresenta diferentes formas, isto é, muda de acordo com o tipo de
organização social nos diferentes períodos da história ).
Sentido ontológico: considerada como parte inerente ao ser dos homens, como condição
necessária para sua sobrevivência e subsistência, também é uma condição permanente,
existirá enquanto o homem existir. Destaca-se também, a “intencionalidade e
consciência” do trabalho humano, ou seja, ao contrário dos animais que agem por instinto,
o homem o faz com vistas a um fim específico: a satisfação de suas necessidades.
Sentido histórico: Enquanto o primeiro sentido recebe sua definição pelo fato de ser
impossível a existência e sobrevivência do homem sem a mediação do trabalho entre si e
a natureza, o segundo sentido vem explicar a forma como acontece essa mediação, e
essas formas, esses modos, mudam de acordo com a organização social nos diferentes
períodos da história. Saviani (1994) mostra algumas formas do Sentido Histórico do
trabalho em diferentes momentos dentro da História.
b) Pesquisa como princípio pedagógico
A prática da pesquisa favorece a atitude científica, auxiliando no desenvolvimento
das habilidades de interpretação, análise, crítica, reflexão, aprendizagem, busca de
soluções e alternativas,especialmente se associada a projetos contextualizados e
interdisciplinares. Quando objetivarem também conhecimentos para atuação na
comunidade, maior será a relevância e o sentido ético-social. “A pesquisa, como princípio
pedagógico propicia a participação do estudante tanto na prática pedagógica quanto na
colaboração para o relacionamento entre a escola e a comunidade” (BRASIL, 2012, s.p.).
c) Direitos humanos como princípio norteador
O respeito e garantia dos direitos humanos está presente na nossa Constituição
Federal, nas leis nacionais e internacionais. Educar para os direitos humanos está
entrelaçado nos conceitos de cidadania e democracia.
Os direitos humanos, como princípio que norteia o desenvolvimento de
competências, com conhecimentos e atitudes de afirmação dos sujeitos de
direitos e de respeito aos demais, desenvolvem a capacidade de ações e
reflexões próprias para a promoção e proteção da universalidade, da
indivisibilidade e da interdependência dos direitos e da reparação de todas
as suas violações (MEC, 2012, s.p.).
d) Observância da igualdade e da equidade
É possível perceber a preocupação com essas questões no decorrer dos
documentos de diretrizes. Nas DCNEM, se propõe tratar diferente os desiguais, para que
possam ser iguais em seus direitos. Já nas DCNEPT, em seus princípios, há a
preocupação com alunos de inclusão, em situação de acolhimento ou privação de
liberdade, bem como das minorias excluídas.
e) Sustentabilidade ambiental como meta universal
A ONU instituiu o período de 2005 a 2014 como a Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável, indicando uma nova identidade para a Educação, como
condição indispensável para a sustentabilidade, promovendo o cuidado com a
comunidade de vida, a integridade dos ecossistemas, a justiça econômica, a equidade
social e de gênero, o diálogo para a convivência e a paz.
No contexto nacional, a Educação Ambiental está amparada pela Constituição
Federal e pela Lei nº 9.795/99, que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui a
Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), bem como pela legislação dos demais
entes federativos. A PNEA entende por esta educação os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes
e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Entre os objetivos fundamentais da Educação Ambiental, estão o desenvolvimento
de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas
relações, e o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na
preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade
ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania.
f) Busca da interdisciplinaridade
A Interdisciplinaridade é assegurada no planejamento curricular e na prática
pedagógica, visando à superação da fragmentação de conhecimentos e da segmentação
e descontextualização curricular.
Segundo Yared (2008 apud SUERO, 1986, p. 18), a interdisciplinaridade retoma a
palavra disciplina:
[...] a interdisciplinaridade sugere um conjunto de relações entre disciplinas
abertas sempre a novas relações que se vai descobrindo. Interdisciplinar é toda
interação existente entre duas ou mais disciplinas no âmbito do conhecimento, dos
métodos e da aprendizagem das mesmas. Interdisciplinaridade éo conjunto das
interações existentes e possíveis entre as disciplinas nos âmbitos indicados.
2.2 Distanciamentos entre as Diretrizes
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu
artigo 1º, a educação é um processo complexo, pois “abrange os processos formativos
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições
de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais” (BRASIL, 1996, s.p.).
Para Morin (2006), o ser humano é uma unidade complexa e multidimensional,
sendo ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. Logo, é preciso
indagar sobre o lugar do corpo na educação, sobre o modo pelo qual o mesmo é
compreendido nos currículos escolares, sobretudo, na relação com a construção e
apropriação dos saberes na cultura escolar. E o que se observa é que a educação
tradicional não tem o perfil de promover ou incentivar a criticidade no indivíduo,
proporcionando que se desenvolva e utilize sua capacidade comunicativa, cognitiva.
Preocupa-se, sim, com a preparação e capacitação do indivíduo para ocupar uma vaga
no mercado de trabalho.
Nesse sentido, a proposta de integração do ensino médio e educação profissional
implica num compromisso de construir uma articulação e integração orgânica entre
trabalho como princípio educativo, a ciência e tecnologia como síntese de toda produção
humana com seu meio, e a cultura como síntese da formação geral específica. Conforme
Ramos (2008), essa integração possui um significado e um desafio para além da prática
disciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar, por meio de diferentes formas de criação
existentes na sociedade, com seus símbolos, representações e significados.
Por outro lado, a limitação de carga horária da BNCC (máximo de 1800 horas) e sua
natureza conceitual e epistemológica empobrece e corrói a educação geral - antes
prevista como conjunto de conhecimentos do ensino médio, impedindo que seu conteúdo
ofereça a compreensão dos fundamentos científicos da produção moderna. Este é um
dos problemas extremamente graves, pois limita diretamente o acesso dos estudantes
aos conhecimentos ao adotar como referência não um mínimo, mas um máximo de carga
horária. Assim, a racionalidade que emana na norma é de que há um máximo de
conhecimentos a serem adquiridos e que o cidadão não pode ir além daquele teto, o que,
evidentemente, somente se aplicará, na prática, aos estudantes provenientes dos
fragmentos da classe trabalhadora. É evidente que os filhos dos estratos mais bem
aquinhoados não estão abrangidos por essa restrição (ANPED, 2021).
Ao estabelecer que esses cursos profissionalizantes tenham um mínimo de 3.000
(três mil) horas e que desse total seja garantida a carga-horária máxima de 1.800 (mil e
oitocentas) horas para a BNCC,— nos termos das Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio, em atenção ao disposto no §5º do Art. 35-A da LDB – a nova resolução
estabelece uma separação simbólica entre formação científica (BNCC) e formação
profissional. Combinada com a concepção de escolha de percurso formativo nele
apresentada, resulta numa trajetória de estudos fragmentária e possivelmente abreviada,
pois, sob o apelo à livre escolha do estudante, esconde-se uma espécie de deturpação da
própria concepção de itinerário formativo (ANPED, 2021).
Esse modelo formativo contraria a ideia de formação integrada que visa superar a
visão de ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação
de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Reduz a formação à função de
preparação para o trabalho, em seu aspecto operacional, simplificado conhecimentos que
estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apreciação histórico-social. O que
contraria a concepção expressa por Amaral e Oliveira (2007), de que é preciso construir
um projeto de nação na qual os trabalhadores não sejam reduzidos a “cidadãos
produtivos”, cujas competências se limitam a fazer bem o que for ordenado e programado.
É necessário garantir ao indivíduo o direito de uma formação completa para a leitura do
mundo e para a atuação como cidadão, integrado à sua sociedade política.
Apesar de garantir no plano textual que os cursos técnicos poderão ser
desenvolvidos na formação integrada, gera, na prática, uma divisão entre formação geral
e formação técnica, mais assemelhada a uma oferta concomitante do que à integrada.
Outra questão bastante preocupante diz respeito ao itinerário formativo presente
nas DCNEPT, que traz a seguinte normativa:
Art. 5º § 5º Entende-se por itinerário formativo na Educação Profissional e
Tecnológica o conjunto de unidades curriculares, etapas ou módulos que
compõem a sua organização em eixos tecnológicos e respectiva área tecnológica,
podendo ser:
I - propiciado internamente em um mesmo curso, mediante sucessão de unidades
curriculares, etapas ou módulos com terminalidade ocupacional;
II- propiciado pela instituição educacional, mas construído horizontalmente pelo
estudante, mediante unidades curriculares, etapas ou módulos de cursos
diferentes de um mesmo eixo tecnológico e respectiva área tecnológica; e
III - construído verticalmente pelo estudante, propiciado ou não por instituição
educacional, mediante sucessão progressiva de cursos ou certificações obtidas
por avaliação e por reconhecimento de competências, desde a formação inicial até
a pós-graduação tecnológica (BRASIL, 2021,sp).
A proposta de itinerário formativo se apresenta como objeto de decisão do
estudante, seja horizontalmente ou verticalmente, sendo descritos no artigo 7º como
“flexíveis, diversificados e atualizados, segundo os interesses dos sujeitos”. Em resumo,
embora pese a importância do poder de escolha juvenil, não contextualiza as
condicionantes destas escolhas. Primeiro, porque já diante da conversão da educação
profissional tecnológica em um itinerário específico, a resolução retrocede ao modelo de
separação entre formação para o trabalho e formação geral, princípio inalienável na oferta
do Ensino Médio Integrado. Em segundo lugar, considerando as grandes desigualdades
sociais brasileiras e a constatação de que o trabalho infanto-juvenil é fator de abreviação
do tempo escolar, estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica que sofrem
com a pressão prematura pelo início da vida laboral, acabam desistindo de avançar para
além da escolaridade média. Em terceiro lugar, porque essa questão representa uma
enganosa ideia de livre escolha e de “protagonismo juvenil prematuro” (ZITZKE; PINTO,
2020).
Além disso, o que se percebe também é uma lógica da exclusão. Em razão da
oferta restrita, criou-se um sistema de seleção (prova) que tende a favorecer os alunos de
maior renda e melhor nível de escolarização, afastando a grande maioria dos jovens
(financeiramente desfavorecidos) deste processo de formação. São muitos desafios a
superar para promover a tão discutida inclusão educacional, como o de oferecer vagas
para estudantes oriundos das diversas classes sociais e estabelecer conexões reais entre
discurso e prática.
Considerações finais
O trabalho é condição básica e fundamental de toda vida humana, já a educação é
fator essencial para a socialização dos indivíduos e para a preparação à vida em
sociedade. Aliados, trabalho e educação detém um potencial de conservação ou de
transformação das sociedades, conforme os projetos a que se alinham.
O trabalho pode constituir princípio educativo transformador. Em seu sentido
ontológico, entendido como condição permanente para a sobrevivência e subsistência dos
homens, é ação intencional e consciente. Apropriá-lo como tal, nos processos educativos
viabiliza a formação de cidadãos e futuros profissionais capazes de compreenderem o
processo histórico de produção científica e tecnológica, assim como capazes de se
apropriarem e de desenvolverem conhecimentos válidos para a transformação das
condiçõesnaturais da vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos
sentidos humanos.
Trabalho e educação podem, ainda, aliar-se à pesquisa de modo a ampliarem seus
potenciais de transformação nas sociedades. Em especial, a pesquisa como princípio
pedagógico traz com ela a potencialidade de desenvolver atividades cognitivas e espírito
investigativo e crítico, culminando numa postura ativa frente ao processo de construção
do conhecimento. A incorporação da dimensão intelectual do trabalho ao trabalho
produtivo pode se dar a partir daí.
Depreende-se, então, que a educação omnilateral precisa mesclar trabalho, ciência,
tecnologia e cultura. É indispensável articular os diferentes saberes à prática social e ao
desenvolvimento de competências e habilidades também para o mundo do trabalho, mas
não se destinando apenas a ele, rompendo também com o formato de conhecimento
fragmentado.
Neste contexto, é necessário que a formação do trabalhador seja pautada por um
currículo integrado e que vise o pleno exercício de sua cidadania na construção de uma
sociedade igualitária. A interdisciplinaridade representa um passo nesta direção, sem
deixar de lado: os direitos humanos como princípios norteadores, o respeito à igualdade e
equidade e a meta da sustentabilidade ambiental.
É perceptível, porém, que a educação e a EPT enfrentam diversos desafios em
nosso país. Podemos destacar três macrodesafios da educação profissional: a relação do
ensino médio com o trabalho e a formação profissional, a imagem assistencialista da
educação profissional e tecnológica e a relação entre instituições de ensino e setor
produtivo. Eles se expressam de distintas maneiras.
As escolas profissionalizantes conservam currículos excessivamente teóricos e
desconectados dos desafios atuais do mundo do trabalho. Enquanto isso, o contexto de
transformação tecnológica requer cada vez mais ações estruturantes que ajudem a
eliminar ou reduzir obstáculos presentes no processo educacional. A falta de reflexão
crítica dos docentes quanto ao papel da educação profissional para os jovens, por sua
vez, não contribui para a abordagem do trabalho como um princípio educativo. Além
disso, a maioria dos currículos não inclui ações de preparação para o trabalho, orientação
profissional, articulação com instituições de educação profissional ou com instituições do
setor produtivo. Isso dificulta a participação em estágios e programas de aprendizagem.
Estes desafios se somam a outros. A própria formação dos docentes não incorpora
nos currículos das licenciaturas a dimensão do trabalho como parte da formação docente.
A ausência de programas de capacitação e atualização profissional dos docentes
contribui fortemente para uma atuação pedagógica obsoleta. Como resultado deste
quadro geral, contemplando das instituições aos docentes, a educação perde seu
potencial como instrumento de resistência e emancipação humana. Ao fim, o
fortalecimento de instituições e de propostas político-pedagógicas como as representadas
pelos institutos federais emerge como possibilidade e esperança.
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