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CANDOMBLE_Agora_e_Angola

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IVETE MIRANDA PREVITALLI 
 
 
CANDOMBLÉ: Agora é Angola 
 
1
 Foto: Syntia Alves – Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda 
 
 
 
 
Dissertação apresentada à Banca 
Examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como requisito 
parcial para obtenção do título de Mestre 
em Ciências Sociais, sob orientação da 
Profa. Teresinha Bernardo. 
 
 
 
 
 
POTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
2006 
 
1 Nos candomblé de nação angola, há um toque de atabaque que se chama muzenza e a coreografia que os 
filhos de santo desenvolvem ao som deste ritmo é muito peculiar. Os braços formando um ângulo de 90 
graus se agitam fazendo subir e descer os cotovelos, enquanto os pés, um de cada vez, sem se levantarem 
do chão se arrastam em movimentos rápidos e repetitivos para os lados. Essa dança sugere uma galinha 
de angola ciscando no chão ao mesmo tempo em que abre e fecha suas asas, reproduzindo um gracioso 
balé. 
 
 
 
 
 
 
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 Banca Examinadora 
 
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Este trabalho teve apoio financeiro de CNPq 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Heitor Barbosa Previtalli. 
 
 
 
 
 
 
 
Agradecimentos 
 
 
 
Agradeço a Professora Dra. Teresinha Bernardo, orientadora e amiga que com 
paciência e dedicação, ensinou-me a pesquisar nestes anos que estivemos juntas desde 
minha iniciação científica até o mestrado. 
Aos professores Eliane Hojaij Gouveia e Acácio Sidinei A. Santos que 
compuseram a mesa de qualificação e que competentemente contribuíram de maneira 
positiva para o aperfeiçoamento deste trabalho. 
 À minha filha Luciana que esteve sempre presente me estimulando e acreditando 
no meu trabalho, além de dar consultoria nos escritos em língua inglesa. 
 Ao meu filho Amílcar pela colaboração com as questões das leis em tempo de 
escravidão. 
 Ao meu filho Daniel pelo suporte em informática que em muitas horas fez-me 
perder a razão. 
Ao Walter pela paciente leitura preliminar, pelos achados nas bibliotecas e por 
suas opiniões precisas. 
À filha-de-santo, amiga e colega de academia Syntia Alves, que nunca me 
deixou esquecer prazos, e esteve presente em todos os momentos, sempre estimulando e 
oferecendo todos os seus préstimos. 
À Lajara Correa amiga que sempre solícita acudiu-me com as mais diversas 
informações sobre a comunidade do candomblé e a comunidade negra de Campinas. 
À Letícia Reis Vidor, doutora, antropóloga, filha de santo e amiga, que nos 
intervalos dos ritos me auxiliou a pensar e organizar o trabalho. 
À Maria José Sanches makota de minha casa de candomblé que ajudou-me com 
os textos em francês. 
À Melissa Barreti que muitas vezes acolheu-me em sua casa. 
Aos meus filhos-de-santo que tiveram paciência com a diminuição da minha 
disponibilidade como sacerdotisa e que continuaram assumindo as atividades relativas 
aos inquices e às entidades espirituais, além da administração da casa. 
Aos meus pais em especial à minha mãe que nunca deixou de me estimular 
mostrando o caminho que eu já havia percorrido. 
Ao tateto dia inquice Ubiacylê, à maeto dia inquice Corajacy, ao tateto dia 
inquice Gitalanguange, à mameto dia inquice Dangoroméia, ao tata Tawá, ao baba 
Tologi, e a todo povo do santo que em entrevistas ou conversas informais ofereceram 
dados preciosos para a realização deste trabalho. 
Aos meus professores na graduação e na pós das Ciências Sociais da PUCsp, 
que sempre me incentivaram a ir em frente na carreira acadêmica elogiando e lapidando 
meus trabalhos. 
Ao CNPq órgão que financiou este trabalho durante dois anos. 
Em especial agradeço a Inkossi o grande guerreiro que me ensina a vencer as 
lutas da vida e o carinho de pai Congo que nunca deixou de me acolher. 
A todos aqueles que comigo tem caminhado e que de alguma forma ajudaram-
me a escrever este trabalho, meus sinceros agradecimentos. 
. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Resumo 
 
 
 
 
Esta pesquisa trata dos candomblés de nação angola de Campinas, e analisa-os sob a 
perspectiva do sincretismo religioso e do ideal de pureza. Entre os aspectos analisados 
encontram-se: a observação do espaço que revela a passagem da umbanda para o 
candomblé além da acomodação de novos ritos que foram absorvidos por um dos 
terreiros pesquisados; a formação do parentesco que se estrutura conforme a proibição 
do incesto e também como as características da família moderna são encontradas 
atualmente na família de santo inclusive o transito de seu filhos; a Lavagem do adro da 
Catedral Metropolitana de Campinas que se constitui em uma festa de rua, apesar de se 
revelar como uma manifestação de uma linhagem, não deixa de proporcionar 
visibilidade para o candomblé campineiro independente da nação a que pertence. Além 
disso, torna o negro visível numa sociedade racista, pois atrai para a praça ativistas e as 
mais diversas manifestações culturais afro-brasileiras. 
 
 
 
 
Abstract 
 
 
 
 
 
This research is about candomblés of the Angola Nation from Campinas, and analyze 
them under the perspective of religious syncretism and the ideal of purity. Among the 
analyzed aspects are: the observation of space that reveals the transition from umbanda 
to candomblé besides the accommodation of new rites that were absorbed by one of the 
studied terreiros; the constitution of relashionships that are structured according to the 
forbiddance of incest and also how the characteristics of the modern family are 
currently found in the família de santo including the transit of its followers; the 
Lavagem of Campinas Metropolitan Cathedral´s steps, which is a street festivity and 
even though it reveals itself as a lineage´s manisfestation, it still provides visibility for 
the candomblé of Campinas independent of the nation to which it belongs. Besides, it 
makes the black people stand out in a racist society, because it atracts to the public eye 
activists and the most diverse afro-brazilian cultural manifestations. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
INTRODUÇÃO 1 
 
CAPÍTULO I: 
Nascimento e estabelecimento dos terreiros 20 
Campinas 21 
 
CAPÍTULO II: 
Da umbanda para o candomblé: o espaço conta a história 34 
As casas de angola 41 
Três Oguns: uma só terra 42 
 
Outros usos do espaço 64 
As Casas de Santo e a Casa de Egungum. 66 
O Recanto da Umbanda. 73 
O Arranjo Entre As Diversas Nações. 75 
 
CAPÍTULO III: 
Elaboração do Parentesco – Formação e Organização das Famílias-de-santo 81 
A aliança 105CAPÍTULO IV: 
A Festa 112 
Vencendo A Intolerância: Murmúrio de uma festa afro-brasileira 118 
Lavagem: festa na praça - Uma etnografia 123 
A Lavagem e o Ideal de pureza 129 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 135 
 
 
ÍNDICE E CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES 145 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
Esta dissertação trata do candomblé angola circunscrito na cidade de Campinas. 
Neste trabalho, proponho analisar alguns aspectos do candomblé angola de 
Campinas, mostrando a sua formação, a elaboração do espaço, a constituição das 
principais famílias de santo, o trânsito de filhos de santo, as rivalidades e alianças e a 
lavagem do adro da Catedral Metropolitana, sob a perspectiva do sincretismo religioso e 
do ideal de pureza. 
Embora não existam dados quantitativos a respeito de quantos terreiros de 
candomblé há na região de Campinas nem a que nações pertencem, pude perceber que 
são os terreiros de nação angola os que têm mais visibilidade, os que são mais 
numerosos e os mais influentes nessa cidade. 
O candomblé de nação angola é valorizado em Campinas por seus adeptos, não 
só por pessoas anônimas, mas também por ativistas do movimento negro e por políticos 
que participam dos congressos sobre religiões de matrizes africanas1, dos encontros de 
valorização da cultura banta e de atos públicos, como o que ocorre nos sábados de 
aleluia, desde 1985, isto é, a lavagem das escadarias da igreja Nossa Senhora da 
Conceição, catedral Metropolitana de Campinas. Nota-se, assim, que este tipo de 
candomblé goza de prestígio na cidade. 
 
1 Entre as religiões de matrizes africanas encontram-se as diversas nações de candomblé, os batuques, os 
tambores de mina, os xangôs, a umbanda, o candomblé de caboclo, e todas as manifestações religiosas 
que têm em sua composição teológica elementos advindos de religiões que os diversos grupos africanos 
trouxeram para o Brasil. 
 1
O meu interesse por essa expressão religiosa data de algum tempo, mais 
precisamente, sobrevém do meu envolvimento com o candomblé angola e também do 
meu estudo sobre as religiões afro-brasileiras. Ao pesquisar sobre o candomblé, 
observei que a maior parte da literatura se referia, diretamente, ao candomblé queto, 
enquanto quase não havia informações sobre o “angola”. 
 O candomblé se organizou em torno de “nações” que se originaram 
principalmente dos grupos de negros bantos e dos sudaneses que chegaram ao Brasil, 
através da diáspora africana. Edson Carneiro escreve que os escravos que vieram para o 
Brasil provinham de muitas tribos e que cada uma delas tinha sua religião em particular. 
A diversidade era tanta que, segundo Carneiro, “O conde dos Arcos achava prudente 
manter as diferenças tribais entre os negros, permitindo os seus batuques, porque 
“proibir o único ato de desunião entre os negros vem a ser o mesmo que promover o 
governo, indiretamente, a união entre eles””. (1991, p.16,17) 
Porém, parece que o Conde se equivocou, uma vez que da união de todas essas 
religiões surgiram diversas expressões religiosas afro-brasileiras de norte a sul do 
Brasil, que se assemelham “ao menos pelas suas características essenciais.” (Carneiro; 
1991) 
 O Tráfico trouxe escravos de Guiné, Angola e da Costa da Mina e o 
denominador comum nesse tipo de escravidão foi a preocupação em “anular as 
peculiaridades nacionais das tribos africanas.” Assim, um número considerável de 
culturas africanas foram trazidas para o Brasil e ressignificadas. Além disso, vale 
lembrar o tráfico interno, após 1850, que trouxe escravos de todas as regiões do país 
que, por sua vez, pertenciam às várias etnias.2
 
2 Edson Carneiro escreveu que “a mineração absorveu, indistintamente, todo braço escravo ocioso nas 
antigas plantações de açúcar do litoral; muitos negros da Costa da Mina, quando a corrida do ouro 
arrefeceu, ficaram na Bahia, outros foram vendidos para Pernambuco e para o Maranhão; a maioria dos 
 2
Do intercâmbio cultural dos escravos e ex-escravos surgiram as diversas 
modalidades de religiões afro-brasileiras, dentre elas, o candomblé, o batuque, o 
tambor de mina, o xangô, entre outras. 
As nações de candomblé surgiram dos antigos terreiros baianos, fundados por 
sacerdotes africanos – angolas, congos, jejes, nagôs, - iniciados em suas religiões 
tradicionais, que ensinaram a norma dos ritos e o corpo doutrinário para as comunidades 
que se formavam em torno da religiosidade que conservava “certos traços da cultura, 
particularidades de dança, música, de canto, de organização de festas, que os 
identificavam com a região de origem) .” (Carneiro, Antologia do Negro Brasileiro; p. 
263). Conforme Vivaldo da Costa Lima, as nações foram “aos poucos perdendo sua 
conotação política para se transformar num conceito quase exclusivamente teológico. 
Nação passou a ser, desse modo, o padrão ideológico e ritual...” ( 2003; p. 29) dos 
antigos terreiros de candomblé da Bahia fundados por africanos. 
As primeiras obras referentes a um estudo mais criterioso sobre a cultura dos 
africanos no Brasil surgem na primeira metade do século XX. Em 1906, Nina Rodrigues 
escreveu “Os Africanos no Brasil”, publicado em 1933. Mais tarde, Artur Ramos e 
Edson Carneiro também se voltaram para os estudos das manifestações culturais afro-
brasileiras, dentre elas as diversas nações de candomblé, gerando obras que até hoje são 
indicadas para quem se interessa pelo tema. 
Nota-se, porém, que, quando havia alguma referência sobre o angola, era sempre 
alguma observação pejorativa e, ainda hoje, essa expressão religiosa, quando comparada 
ao queto, se situa em uma categoria inferior. 
 
escravos antes empregados na minas serviu às culturas de café e do algodão ou aos novos 
empreendimentos pecuários do Sul; as cidades reuniram elementos de todas as tribos, quer agregados à 
camuflagem do senhor, quer alugados a particulares, quer trabalhando por conta própria, quer engajados 
em explorações de tipo industrial.” (1991, p.18) 
 3
Tais estudos posicionavam as manifestações religiosas oriundas dos bantos 
como as mais pobres de todas as nações de candomblé. Concebiam-se os negros de 
angola como ignorantes adoradores de lascas de pedra, imitadores da estrutura religiosa 
nagô, além de serem sincréticos, pois misturavam às suas crenças qualquer elemento 
religioso que conhecessem. 3
Posteriormente, Roger Bastide, nos anos 50, escreveu sobre o candomblé, 
contudo, sem dar maior atenção ao de origem banta, prestigiando mais os candomblés 
queto. 
Desta forma, os autores pioneiros que se ocuparam dos estudos sobre o 
candomblé, fizeram apenas algumas observações sobre os de nação banta e, por causa 
 
3 Falando sobre os cambindas, Luciano Gallet escreve que: “considerados pelos outros, inferiores, 
imitadores e ignorantes. Desconhecem até o próprio idioma, complicado e difícil, e o misturam com 
termos portugueses. Adoram as pedras, os paralelepípedos e as lascas de pedra.” (Gallet, Luciano. 
Estudos de Folclore. Edt. Carlos Wehrs & Ltda. Rio de Janeiro, R.J. 1934. p.58). Ainda sobre os 
negros bantos, Nina Rodrigues afirma que: “decorrido meio século após a total extinção do tráfico, o 
fetichismo africano constituídoem culto apenas se reduz ao da mitologia jeje-iorubana. Angolas, 
guruncis, minas, haussás, etc., que conservam suas divindades africanas, da mesma sorte que os negros 
crioulos, mulatos e caboclos fetichistas, possuem todos, à moda dos nagôs, terreiros e candomblés em 
que as suas divindades ou fetiches particulares recebem, ao lado dos orixás iorubanos e dos santos 
católicos, um culto externo mais ou menos copiado das práticas nagôs.”( Rodrigues, Nina. Os africanos 
no Brasil. Edita. UnB ,Brasília, D.F. 7a edição, 1988, p. 216). 
Por outro lado, Arthur Ramos embora considerasse também que as “sobrevivências religiosas e 
mágicas de origens bantu existiam deturpadas e transformadas” (1961: p. 361), escreveu um capítulo 
intitulado:“sobre as culturas bantu”, no 1o volume da coleção de sua obra chamada “Introdução à 
antropologia brasileira”. Nesse capítulo faz uma ressalva à afirmação de Nina Rodrigues quanto à 
quantidade de negros bantos existentes na Bahia, que para Nina não passavam de “uns três Congos e 
alguns angolas”. Já para Ramos os bantos eram encontrados em grande número, mesmo na Bahia (1961: 
p. 357). 
Outro autor, Edson Carneiro, refere-se aos candomblés angola e congo tanto no livro 
Candomblés da Bahia, quanto no Religiões Negras. Carneiro escreveu que: “Pode-se dizer que, na Bahia, 
os negros bantos esqueceram os seus próprios orixás.” (1991, p,134). E quando escreve sobre a 
formação dos candomblés de caboclo, diz que : “foi a mítica pobríssima dos negros bantos que, 
fusionando-se com a mítica igualmente pobre do selvagem ameríndio, produziu os chamados candomblés 
de caboclo na Bahia.” ( 1991, p. 62). 
Carneiro, Edson. Religiões Negras. Negros Bantos. Edita . Civilização Brasileira , 3a edição. 
Rio de Janeiro, R.J. 1991. Candomblés da Bahia. Edita. Civilização Brasileira, 8a edição. Rio de 
Janeiro, R.J. 1991. 
Ver ainda: Carneiro Édison. Cartas de Édson Carneiro a Artur Ramos. Edita . Corrupio, São 
Paulo. S.P. 1987. 
 Querino, Manoel. Costumes Africanos no Brasil.Edita Massangana, 2a edição. 
Recife. Pernambuco. 1988. 
 
 4
da baixa qualificação dada a esta cultura, os trabalhos posteriores trataram dos 
candomblés queto, deixando de lado os de nação angola. 
Prandi, em 1992, escreveu que “o candomblé nagô4 pode contar, além do 
prestígio, com muitas fontes escritas brasileiras, além de uma etnografia produzida 
sobre o culto dos orixás da Nigéria e do Benin. Nada semelhante existe para o 
candomblé angola, a não ser o ensino do quicongo oferecido pela Universidade 
Federal da Bahia”. (Prandi, 1991; p. 20). O mesmo autor comenta o discurso feito por 
Esmeraldo Emérito de Santana, representante da nação angola no Encontro de Nações 
de Candomblé, promovido em Salvador pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos da 
Universidade Federal da Bahia em 1981...: “Aqui faço um apelo, já que existe um 
centro de estudos, para que pesquisem o angola. Não há livros sobre o angola. E tem 
mais terreiros de angola na Bahia do que de queto, de jeje, de qualquer nação” (Lima 
et al., 1984:41, In Prandi, 1991; p.20). 
Portanto, o principal argumento que pode justificar esta dissertação é a falta de 
pesquisa sistemática sobre o candomblé angola. É importante ressaltar, ainda, que, 
mesmo havendo preconceito sobre o candomblé de origem banta, o candomblé angola 
de Campinas é majoritário e vem se fortificando perante seus adeptos, o movimento 
negro e outras instituições. 
 A produção etnográfica sobre o candomblé elegeu para seus estudos antigas 
casas de candomblé queto da Bahia, que foram preferidas por preencherem os critérios 
necessários de pureza que as tornavam melhores que as outras ditas mais miscigenadas 
e, portanto, impuras. Segundo Beatriz Góis Dantas “a ideologia da pureza pressupõe a 
existência de um estado original, uma espécie de reduto cultural preservado das 
influências perturbadoras de elementos estranhos”... (Dantas, 1988; p. 145) 
 
4 Prandi quando fala de candomblé nagô se refere à nação queto. 
 5
A pureza, nesse sentido, presume que haja um estoque original de bens 
simbólicos, uma continuidade da tradição e fidelidade à África, requisitos para a “marca 
dos puros”. É lógico que as origens existem, porém numa África distante no tempo e, 
portanto mítica. O candomblé foi composto por diversos povos, por isso, não tem uma 
origem única, embora preserve mais traços de uma ou outra cultura originária. 
Desta forma, mesmo que esses terreiros baianos tenham nascido de mães 
africanas ou de seus descendentes, não foi somente este fator que os caracterizou como 
os mais puros e que os colocou em evidência. 
Embora a pureza fosse uma categoria nativa utilizada para expressar as 
rivalidades entre as diversas nações, na disputa pelo mercado de bens simbólicos, a 
influência nos meios religiosos afro-brasileiros dos antropólogos apegados aos 
africanismos, segundo Dantas, “transformou esta categoria nativa em categoria 
analítica, prática” que cristalizou traços culturais que passaram a ser representações 
da “expressão máxima da africanidade” (Dantas, 1998; p.148) 
Prandi, estudando os candomblés de São Paulo, entende que: “A produção 
etnográfica sobre estes candomblés prestigiados por sua publicidade passou também, 
em anos recentes, a oferecer modelos legitimamente puros da religião dos orixás para 
aquelas casas de criação mais recente, ou de origem de memória perdida”. (Prandi, 
1991,17) 
O candomblé de São Paulo somente se torna expressivo a partir dos anos 60 
(Prandi; 1991. Wagner; 1995) e, por isso, muitas casas se servem dos modelos baianos 
para se espelharem. 
Ao participar do projeto “Religião da diáspora negra: Continuidades e rupturas” 
de autoria da Dra Teresinha Bernardo, para o qual realizei a coleta de histórias de vida 
 6
das mães-de-santo mais velhas de São Paulo, percebi, ainda em uma observação 
preliminar, que o candomblé paulista procura uma legitimidade que vai ser encontrada 
por meio da descendência a uma destas casas antigas de queto ou pela proximidade 
com a África, obtida através da viagem à Nigéria. 
Por outro lado, em Campinas, os terreiros angolas são fortes representantes das 
religiões afro-brasileiras, mesmo conhecendo a existência de um preconceito banto, que 
ainda hoje tem muito peso entre os adeptos do candomblé; ao contrário do que se 
poderia esperar ao observar o candomblé paulistano, o candomblé campineiro de nação 
angola elaborou uma reação à soberania nagô, que começou com a delimitação das 
fronteiras da nação angola. 5
À primeira instância, o que parece é que a mesma categoria analítica utilizada 
para definir a pureza nagô, definida por Beatriz Góis Dantas, é a que o candomblé 
angola de Campinas está utilizando, a fim de marcar suas diferenças e de firmar sua 
identidade. 
No entanto, com um olhar mais cauteloso, percebi que, num primeiro 
movimento, as casas paulistas procuravam uma tendência homogeneizante em direção à 
nação queto, em decorrência do ideal de pureza que se lhe atribuía. Atualmente em 
Campinas, e numa observação preliminar, pude averiguar que, também em São Paulo, 
 
5 Isso pode ser percebido em algumas casas de candomblé angola de Campinas pela preocupação em, 
por exemplo, repercutir os atabaques apenas em toques que são reconhecidos da nação angola, em 
somente cantar nas festas em alguma língua banta, em separar os inquices (divindades bantas) dos orixás 
(divindades queto)., mediante também dos vocabulários em banto colados nos murais dos terreiros e que 
servem para o aprendizado dos filhos-de-santo, os nomes das casas que foram transformados de nomes 
em língua ioruba para nomes bantos, entre outras evidências que têm o sentido de delimitar as fronteiras e 
o fortalecimento da identidade. 
 
 7
surge um segundo movimento que se caracteriza, utilizando as palavras de Hall, como 
uma” proliferaçãosubalterna da diferença”. (Hall; 2003) 
O candomblé paulista, tanto em Prandi quanto na pesquisa que realizei para o 
trabalho de Bernardo com as mães-de-santo mais antigas de São Paulo, parecia 
“quetetizar-se”, porém, paradoxalmente, notei, por intermédio da presença em 
congressos de cultura banta e reuniões com a comunidade de candomblé campineira, 
que a nação angola está interessada em firmar as diferenças. Porém não se trata de uma 
diferença binária em que existe o absolutamente eu e o absolutamente outro, seria 
conforme o pensamento de Hall “uma ‘onda’ de similaridades e diferenças, que recusa a 
divisão em oposições binárias fixas.” (2003; p. 60) 
Neste caso, o candomblé de nação angola procura retornar ao particular, ao 
específico, que o torna diferente, mas não pode deixar intactas as formas antigas 
tradicionais. Então, ao mesmo tempo em que se torna um sítio de resistência também 
traduz e se ressignifica, tornando evidente que a tradição não precisa necessariamente 
ser algo fixo, mas que busca um diálogo com o passado e a comunidade e este diálogo 
conduz à afirmação da identidade. Contudo, isto não se dará sem conflitos e acordos, 
sem disputas e consensos. 
Para designar este tipo de diferença, Hall utiliza o termo Derrida “ différance 
que tanto pode ser “marcar diferença” [to differ], quanto “diferir” [ to defer]. O 
conceito se funda em estratégias de protelação, suspensão, referência, elisão, desvio, 
adiamento e reserva.” ( 2003; p.92) 
Conforme observei, há nos quatro terreiros que fizeram parte de minha pesquisa 
uma preocupação em valorizar a nação angola para si e perante a sociedade religiosa 
afro-brasileira. Para que isso ocorra, os pais e mães-de-santo têm se empenhado em 
 8
recuperar as marcas autênticas do angola e, em alguns casos, retirar elementos estranhos 
à nação. 
 Para que seja possível a "recuperação" do angola, acreditam os adeptos que 
existe um estoque original de bens simbólicos, que hoje está numa África mítica, uma 
vez que a diáspora transformou os elementos africanos constitutivos desta nação. Desta 
forma, dicionários de língua banta são muito comuns a estas comunidades, sugerindo 
conforme as palavras de Hall, “que a cultura não é apenas uma viagem de 
redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma ‘arqueologia’. A cultura é uma 
produção.” (2003; p.44). 
Neste contexto, a procura da valorização da cultura banta surge como 
instrumento que mobiliza e justifica a nação angola, podendo ainda agregar, no sentido 
da afirmação identitária da população afro-descendente campineira, outros movimentos 
culturais e políticos afro-brasileiros. Neste caso estão inseridos os grupos de capoeira, 
de jongo, de tambor de crioula, que acompanham, no sábado de aleluia, a lavagem das 
escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas, realizada pelo candomblé angola. 
Para a realização da pesquisa, acho relevante expor as dificuldades e facilidades 
que minha condição de iniciada gerou para a de pesquisadora. Ao mesmo tempo em que 
a minha posição de adepta possibilitou ao trabalho uma perspectiva interna do 
candomblé, causou-me algumas dificuldades, quando tive que olhar de fora para essa 
expressão religiosa da qual faço parte. A questão foi tornar estranho aquilo que já há 
muito tempo me era familiar. 
Vagner Gonçalves, no livro “O antropólogo e sua magia”, diz que: 
“Para alguns antropólogos que têm experiências de 
aproximação e familiaridade com as religiões afro-brasileiras 
 9
(como simpatizantes, freqüentadores ocasionais ou adeptos) em 
períodos anteriores à realização da pesquisa etnográfica, a 
observação participante pode assumir outros significados, pois 
para eles, a imersão no campo não tem a função, propriamente, 
de proporcionar a familiaridade com o universo dos seus 
observados, mas tornar aquilo que aparentemente lhes é 
“familiar” em “estranho”. Se por um lado o antropólogo pode 
contar com maior segurança em estabelecer contato e conviver 
no ambiente da pesquisa, pois parte do código de comportamento 
do grupo ele conhece, por outro, seu esforço será redobrado para 
não restringir a pesquisa a relações e posições mais 
contingenciais à sua própria experiência de vida na religião". 
(2000; p. 69)6 
Desta forma, o fato de eu ser iniciada, por um lado, facilitou a realização da 
observação etnográfica, posto que eu conheço a expressão religiosa e, por conseguinte 
suas regras, por outro lado, dificultou a observação mais atenta de detalhes que 
pudessem ser importantes para uma descrição minuciosa e interpretativa. Além disso, 
tive que tomar cuidado com o “jeito de olhar”, já que o olhar curioso de observador 
etnográfico poderia ser tomado por bisbilhotice a fim de conhecer os “segredos da 
casa”. Destarte, procurei voltar diversas vezes em cada casa, para que pudesse observar 
com os olhos da curiosidade de pesquisadora aquilo que me era familiar, ao mesmo 
tempo em que o ato de repisar me permitia olhar sem ser inconveniente. 
Na verdade, eu estava ali desempenhando outro papel, ou seja, eu era a aprendiz 
de antropóloga e procurava mostrar isso indo às visitas com roupas ocidentais e sem 
 
6 Silva, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia. Edusp, São Paulo, SP. 2000, 
 10
utilizar símbolos que pudessem me associar ao candomblé. Deixei claro para os pais e 
mães-de-santo que, no momento das entrevistas, eu estava realizando uma pesquisa 
sobre o candomblé de Campinas, proposta aceita por todos. Apesar disso, jamais 
deixaram de me tratar como uma “de dentro”, ora chamando-me pela “dijina" 7, ora 
expondo-me segredos, pedindo sigilo, dizendo que confiavam em mim, em virtude de 
minha posição religiosa. 
O distanciamento entre a adepta e a pesquisadora que, nas entrevistas, se deu 
tão-somente pelo abandono dos símbolos religiosos afro-brasileiros, não foi assim tão 
simples, quando das idas às festas. Em tais ocasiões, não foi possível participar sem a 
vestimenta típica de baiana, o que me causou alguns constrangimentos para tirar fotos, 
porque eu era vista ali, antes de tudo, como sacerdotisa vestida com roupas incômodas 
que tolhiam meus movimentos; ao mesmo tempo, era estranho estar paramentada com a 
máquina fotográfica à mão. 
Para a realização do trabalho de campo, programei uma observação sistemática, 
durante um ano, que começou no sábado de aleluia de 2004 com a “lavagem” da 
Catedral e terminou com o mesmo evento, em 2005. Durante esse período, fui às 
principais festas, saídas de muzenza8, de makotas9, de tatas10, festa de caboclo, 
confirmação de kota11, kudiá mutue12 e, como já disse, à lavagem da Catedral. Além 
disso, participei de encontros com a comunidade de candomblé de Campinas que 
promoveu discussões sobre legalização e visualização dos terreiros, sobre os problemas 
com a polícia e com outras religiões, principalmente, com as neopentecostais. 
 
7 Nome religioso recebido por aquele que é iniciado no candomblé angola 
8 No candomblé de rito angola-congo, filha-de-santo. 
9 Cargo feminino correspondente ao cargo de equeji no candomblé queto. Acolita dos orixás, quando 
descem nas filhas-de-santo. 
10 Cargo masculino no candomblé de rito angola correspondente ao ogã no candomblé queto. 
11 Irmã mais velha, com mais de sete anos de feita. 
12 Cerimônia de dar de comer à cabeça. 
 11
 A minha pesquisa se concentrou em quatro terreiros que foram selecionados, 
levando-se em conta os seguintes critérios: pertencer à nação angola, antiguidade, ter 
expressividade para o povo de santo e ter reconhecimento na cidade. 
Terreiro 1 
Nome do terreiro: Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda 
Data de fundação: dezembro de 1981 
Pai-de-santo: Antonio Carlos Rodrigues da Silva 
Dijina: Tateto dia Nkisi Ubiacyle 
Data da iniciação: ano - 1971 
 
Terreiro 2 
Nome do terreiro: Inzo Musambo dia HongoloData de fundação: abril de 1974 
Mãe-de-santo: Eunice de Souza 
Dijina: Mameto dya Nkisi Edangoroméia 
Data de iniciação: 18 de janeiro 1984 
 
Terreiro 3 
Nome do terreiro: Inzo dia Musambu Kaiango n’boti Ofulá 
Data de fundação: 20 de Janeiro de 1983 
Mãe-de-santo: Antônia Lima Duarte 
Dijina: Mameto dya Nkisi Corajacy 
Data da iniciação: 15 de fevereiro de 1981 
 
 12
Terreiro 4 
Nome do terreiro: Ile Axé Arolê 
Data de fundação: 8 de dezembro de1986 
Pai-de-santo: José Estrivo 
Dijina: Tateto dya Nkisi Odé Gitalanguangi 
Data de iniciação: 13 de maio de 1980 
 
A teoria escolhida para interpretar os dados selecionados das histórias de vida dos 
pais e mães-de-santo foi a da memória. De acordo com Pierre Nora, diferentemente da 
história que é uma representação do passado, “a memória é um fenômeno sempre atual, 
um elo vivido no eterno presente... Porque é afetiva e mágica...” (Nora, 1993, p. 9) 
Para a memória é fundamental o envolvimento com o grupo afetivo, pois segundo 
Halbwachs: 
“Outros homens tiveram essas lembranças comigo. Muito 
mais, eles me ajudaram a lembrá-las: para melhor me recordar, 
eu me volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de 
vista, entro em seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois 
sofro ainda seu impulso e encontro em mim muito das idéias e 
modos de pensar a que não teria chegado sozinho, e através dos 
quais permaneço em contato com eles.” (1990, p.27) 
Seguramente, ao trabalhar com a memória, se tem a lembrança que é, ainda 
segundo Halbwachs, 
“em larga medida uma reconstrução do passado com ajuda 
de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por 
 13
outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a 
imagem de outrora manifestou-se já bem alterada. Certamente, 
que se através da memória éramos colocados em contato 
diretamente com algumas de nossas antigas impressões, a 
lembrança se distinguiria, por definição, dessas idéias mais ou 
menos precisas que nossa reflexão, ajudada pelos relatos, os 
depoimentos e as confidências dos outros, permite-nos fazer uma 
idéia do que foi nosso passado.” (Halbwachs.1990; p.71) 
Neste sentido, a memória é viva, uma vez que o ato de lembrar dispõe de um 
movimento que sai do presente, vai para o passado, retornando novamente para o 
presente. Deste modo, trabalhar com a memória é trabalhar com reconstrução que se 
efetiva mediante este movimento de ir e vir tal qual uma lançadeira, isto é, tem-se 
elementos do presente incorporados aos do passado. 
Embora lembrar seja o ato mais importante no estudo da memória, quando 
lidamos com grupos discriminados, como é o caso do candomblé, o esquecimento 
também tem que ser considerado, visto que por meio dele podemos identificar a 
presença de conflitos. Tais conflitos são muitas vezes revelados por intermédio de 
lacunas nas histórias de vida que surgem como esquecimentos de algumas situações ou 
de épocas da vida. 
A memória das minorias tem tanto continuidades quanto rupturas. A estas últimas, 
Pollak vai chamá-las de memórias subterrâneas, porque é uma memória que não pode 
ser revelada, por causa do preconceito e das perseguições; fica, pois, restrita à 
comunidade afetiva. 
 14
Uma característica da memória subterrânea é que ela somente vem à tona 
quando surge uma brecha nas relações sociais, especialmente as políticas, e por ela ser 
assim, podemos outorgar-lhe um caráter de resistência. 
Segundo Pollak, 
“o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao 
esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente 
opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo ela 
transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes 
familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da 
redistribuição das cartas políticas e ideológicas.” (Pollak,1989, 
p.5). 
No caso do candomblé, é muito comum a presença deste tipo de memória, já que 
a origem dessa manifestação religiosa está vinculada à população afro-descendente, e o 
racismo que se impinge contra esta população também se estende aos elementos de sua 
cultura. 
Uma das formas de localizar a memória subterrânea é por meio da história oral. 
Michael Pollak, ao se ocupar da memória de grupos “segregados, excluídos e 
minorias” diz que “para poder relatar seus sofrimentos, uma pessoa precisa antes de 
mais nada encontrar uma escuta.” (Pollak, 1989; p. 6). Desta forma, a história oral 
revela-se uma importante técnica de pesquisa com minorias sociais. 
Na história de vida há um núcleo forte que vai dar consistência ao discurso e ao 
qual o sujeito vai sempre retornar. Nas de longa duração, conforme Pollak: 
 “a despeito de variações importantes, encontra-se um núcleo 
resistente, um fio condutor, uma espécie de leitmotiv em cada 
 15
história de vida. Essas características de todas as histórias de 
vida sugerem que estas últimas devem ser consideradas como 
instrumentos de reconstruções da identidade, e não apenas como 
relatos factuais.” (Pollak, 1989; p. 12). 
Esta reconstrução da identidade do grupo é um ponto bastante importante para o 
candomblé angola campineiro que hoje luta contra o preconceito que o próprio povo do 
santo, aliado a alguns intelectuais, possui em relação a este tipo de expressão religiosa. 
Neste sentido, a história de vida transforma-se numa técnica excelente para realização 
deste trabalho. 
O critério assumido para determinar quantas histórias de vida deveriam ser 
coletadas foi aquele conhecido como “bola de neve”, isto é, foram os entrevistados do 
primeiro grupo que indicaram os outros que os sucederam até que se repetiram as 
indicações, terminando assim as entrevistas. Além disso, muitos dados foram frutos da 
convivência com os sacerdotes, por causa de minha condição de iniciada do candomblé. 
Coletei histórias de vida das quatro mães e pais-de-santo escolhidos e de outros 
pais-de-santo, inclusive de outras nações, que se revelaram essenciais na formação do 
candomblé campineiro, por intermédio da citação de seus nomes nas histórias orais já 
ouvidas. Também fizeram parte da pesquisa filhos-de-santo das diversas casas. 
Para registrar as histórias de vida, optei pelo uso do gravador que foi bem aceito 
por uns e considerado constrangedor para outros. Muitas vezes, as revelações 
interessantes aconteciam depois que eu desligava o aparelho. 
Foram gravadas 40 horas de entrevistas, mas muitas revelações importantes 
foram obtidas em conversas informais, nos fins das festas, nos dias de sacrifícios, nas 
reuniões políticas da comunidade religiosa afro-brasileira de Campinas, em que o 
 16
gravador não estava presente. Estas revelações feitas pelos pais, mães-de-santo e filhos-
de-santo eram anotadas discretamente em cadernetas ou escritas assim que fosse 
possível, porém em momento e local adequados. 
É importante mencionar uma outra questão relevante para quem pesquisa esta 
expressão religiosa: aquela relacionada aos conflitos e rivalidades. Como nem sempre 
fosse possível ficar neutra, no momento da pesquisa, era importante saber a que 
distância eu deveria me manter para não me envolver na “indaka de mavula" 13 e poder 
realizar o meu trabalho. 
Quando comuniquei aos pais e mães-de-santo selecionados para este meu estudo 
que estaria nos próximos anos fazendo uma pesquisa e escrevendo sobre o candomblé 
de Campinas, a notícia se espalhou como rastro de pólvora. Numa reunião com aquela 
comunidade, na qual se discutiam as diversas dificuldades que os terreiros encontravam 
na legalização da construção de suas casas, percebi uma conversa paralela, que não era 
comigo, mas que se fazia bem ao meu lado para que eu pudesse ouvi-la. O assunto desta 
conversa era: Qual era a casa mais antiga de candomblé de Campinas? 
Havia diversos nomes de pais e mães-de-santo envolvidos na questão, e eu não 
havia percebido o quanto era importante para a comunidade ser notada, isto é, ser 
tomada comoobjeto de um trabalho acadêmico. Certamente, na perspectiva do 
candomblé de Campinas, ser objeto de estudo lhe dava maior importância. 
Na realidade, para esta expressão religiosa, seja queto, seja angola, ser o 
primeiro significa ter prestígio, pois quer dizer que, no mínimo, os que vêm depois 
descendem dele. Daí a relevância da questão da casa mais antiga, do primeiro 
candomblé, do primeiro pai-de-santo. 
 
13 Discussão, litígio. Confusão, barulho, tumulto. Fofoca. 
 17
Ouvi estas conversas paralelas sem me intrometer durante vários encontros, até 
que um dia, a discussão entre alguns dos envolvidos veio à tona. Embora o recado fosse 
para mim, a conversa se passou como se eu não estivesse ali. Por fim, depois de alguns 
acertos, ficou resolvido, com muita habilidade, que a casa de candomblé mais antiga, 
“registrada” era a de pai Toloji; a primeira mãe-de-santo com casa aberta de candomblé 
angola em Campinas, porém sem registro, fora mãe Nanjerecy; o barracão mais antigo, 
isto é, o primeiro que tinha sido construído, era o que pertence hoje ao pai Ubiacyle, 
considerado como o pai-de-santo mais velho. Assim, a comunidade resolveu seus 
problemas muito diplomaticamente, sem deixar ninguém de fora, ao mesmo tempo em 
que me “passava o recado”. 
Portanto, ficou evidente para mim que o que eu fosse escrever deveria estar de 
acordo com o que a liderança desta expressão religiosa havia determinado. 
O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, farei uma 
contextualização da cidade de Campinas, relacionada ao tipo de escravidão que foi 
instituído na região, que deve ser levado em conta para se entenderem as características 
do candomblé angola hoje estabelecido na cidade. 
O segundo capítulo trata da etnografia do espaço mais antigo, além de mostrar 
como uma das casas de candomblé pesquisada se diferencia das demais, na ocupação e 
distribuição do espaço com a introdução de novos ritos. 
 O terceiro capítulo destina-se a mapear as famílias de santo e mostrar como se 
formam os parentescos e o que resulta do trânsito de filhos-de-santo entre as famílias, 
levando-se em conta as alianças e os conflitos. 
Os nomes dos componentes das famílias de santo que participaram deste 
trabalho foram obtidos através dos depoimentos dos entrevistados. 
 18
 No quarto capítulo, será analisada a lavagem das escadarias da Catedral 
Metropolitana de Campinas, atentando para a ausência do deslocamento de filhos entre 
duas importantes casas de angola, que possivelmente tenham nessa prerrogativa a 
possibilidade de realizarem juntas a única festa pública do candomblé campineiro e que 
hoje está inscrita no calendário oficial deste Município e no calendário turístico e 
cultural do Estado de São Paulo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 19
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
Nascimento e estabelecimento dos terreiros. 
 
 
1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 20
Campinas 
 
 
 
Por volta de 1767, em decorrência do caminho de Goiases, formou-se no oeste 
do Estado de São Paulo o bairro de "Campinas do Mato Grosso de Jundiaí". Um 
pequeno comércio se desenvolveu naquele local para suprir as necessidades das tropas 
que transitavam entre Santos, Minas Gerais, Goiás e Cuiabá e atendiam à economia 
mineira. (Baeninger, 1992) 
Em 1774, o bairro tornou-se "Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das 
Campinas do Mato Grosso de Jundiaí"14, e, em 1797, de Freguesia passou para a 
categoria de vila, "Vila de São Carlos". A cultura de cana de açúcar fora introduzida na 
região e, entre 1790 e 1795, a indústria açucareira fundou a prosperidade econômica e 
populacional da região. 15
O ciclo do açúcar arregimentou significativa quantidade de mão-de-obra escrava 
cuja maioria era formada de negros provenientes do grupo lingüístico banto, filhos das 
diversas etnias que o compõem. Conforme Slenes, 
“vários grupos de bakongo, mbundu e ovimbundo (localizados 
respectivamente no baixo rio Zaire, no interior de Luanda, e no 
hinterland de Benguela), forneceram grandes contingentes de cativos 
 
14 No dia 14 de julho de 1774, em uma capela de sapê e paus roliços, foi celebrada a primeira missa por 
Frei Antônio de Pádua, primeiro vigário da paróquia. Essa ficou sendo a data oficial da fundação da 
cidade, na época Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí. 
Nessa fase, o Governador da Capitania cumpria expressas ordens do Rei de Portugal para povoar e 
implantar agricultura sólida no território paulista, pois a mineração estava em queda e os preços do açúcar 
anunciavam alta 
15. Em 1797, a freguesia foi elevada à condição de vila, mantendo até 1842 o nome de Vila São Carlos. O 
período do açúcar marcou a fase de construção da cidade, havendo ainda ruas com pouquíssimas casas. 
Site www.campinas.sp.gov.br 
 
 21
para o sudeste e (estou convencido) boa parte da matriz cultural da 
senzala”. (Slenes, 1999; p.50). 
Com a sangrenta revolução de Saint Dominique em 179116, que dizimou a 
colônia francesa, a exportação de açúcar para o mercado europeu ficou bastante 
prejudicada. O preço do produto subiu vertiginosamente e deu um impulso às 
"plantation" da região de Campinas, onde a escravidão passou a caminhar junto com o 
açúcar. A expansão da cultura da cana gerou uma expansão econômica que, por sua 
vez, estimulou, também, o crescimento da população cativa. 
Conforme Baeninger, 
"o ciclo do açúcar marcou a fase de construção da cidade. A dinâmica 
expressa por esse ciclo econômico contribuiu para o surgimento de 
pequenos núcleos urbanos ligados ao setor agrícola e à comercialização 
de escravos, introduzindo a diversificação, embora incipiente e 
apontando para o surgimento de uma importante rede urbana no 
Estado”.(1992; p. 23) 
Com a queda do preço do açúcar no mercado internacional, a cultura da cana 
entrou em decadência. Porém, o ciclo econômico do açúcar gerou capital suficiente para 
a introdução da cultura cafeeira que veio como alternativa econômica para a queda do 
mercado açucareiro. Embora a cultura do café tivesse surgido concomitantemente à 
 
16 O domínio colonial (no Haiti) foi seriamente abalado pelos acontecimentos que culminaram com a 
Revolução Francesa. Os antigos escravos da ilha rebelaram-se contra o jugo francês em 1791 e o grande 
líder abolicionista Pierre-Dominique Toussaint L'Ouverture tomou o poder. Em 1794, Napoleão 
Bonaparte enviou uma expedição para combater os rebeldes. Após meses de resistência, Toussaint aceitou 
os termos de paz e foi enviado para a França onde, contra os termos da paz negociada, morreu na prisão 
em 1803. www.ufrs.br/cdron. 
 22
prosperidade da cultura açucareira, foi somente em 1835 que houve a substituição de 
uma cultura pela outra. (Beaninger, 1992). 17 
Prometendo consideráveis ganhos para os fazendeiros, a cultura do café se 
estendeu por toda a região, o que aumentou a necessidade de mais trabalhadores, 
arregimentando, desta forma, grande quantidade de mão-de-obra escrava, que com a 
proibição do tráfico negreiro em 1850, foi suprida através do tráfico inter-regional.18 Os 
escravos do Norte e Nordeste deixaram as regiões que manifestavam decadência 
econômica e se dirigiam para as regiões que apresentavam maior desenvolvimento, 
como o Sudeste.19
O primeiro registro nacional de escravos, datado de 1872, segundo Slenes, 
mostrou que “Campinas tinha 14.000 cativos, ou a maior população escrava de todos 
os municípios paulistas". (Slenes, 1999; p. 71). Em virtude da proibição do tráfico 
externo20 a mão-de-obra escrava foi suprida pelo tráfico inter-regional. Embora a mão-
de-obra escrava, naquela ocasião, fosse proveniente principalmente do Nordeste 
 
17Em 1867, com capital derivado essencialmente de cafeicultores, fundou-se a Ferrovia Paulista que entra 
em operação em 1872. www.campinas.sp.gov.br 
18 Período e economia fortemente escravagistas, entre 1854 e 1886, a população cativa estava em 50%. 
www.campinas.sp.gov.br 
19Conforme Baeninger: A migração de escravos provenientes de regiões onde as lavouras canavieiras 
entravam em decadência, como as do Nordeste, contribuiu para o crescimento populacional das 
províncias do Sul (Prado, 1983). De fato, nos jornais da época, encontravam-se anúncios como este: 
"vende-se(sic) 12 bonitos escravos de 12 a 20 anos, todos do Ceará" ( gazeta de Campinas, 22-6-1878; 
apud Lapa, 1991) - (Baeninger. 1992; p. 21) 
20 Leis Abolicionistas : 
* 1815 - Tratado anglo-português, na qual Portugal concorda em restringir o tráfico ao sul do Equador; 
* 1826 - Brasil compromete em acabar com o tráfico dentro de 3 anos 
* 1831 - Tentativa de proibição do tráfico no Brasil, sob pressão da Inglaterra. 
* 1838 - Abolição da escravidão nas colônias inglesas 
* 1843 - Os ingleses são proibidos de comprar e vender escravos em qualquer parte do mundo 
* 1845 - A Inglaterra aprova o Bill Abeerden, que dá à Inglaterra o poder de apreender os navios 
negreiros com destino ao Brasil. 
* 1850 - É aprovada sob pressão inglesa a lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico negreiro no Brasil. 
* 1865 - A escravidão é abolida nos Estados Unidos (13a. Emenda Constitucional) 1869 - Manifesto 
Liberal propõe a emancipação gradual dos escravos no Brasil. 
* 1871 - Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco 1885 - Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe 
* 1888 - Lei Áurea. 
 23
brasileiro, esses escravos poderiam não ser mais africanos, mas já terem nascido em 
terras brasileiras, contudo observa-se que "a população cativa de Campinas na primeira 
metade do século XIX era predominantemente africana.” (Slenes, 1999; p. 72). 
Cabe notar que a proibição do tráfico negreiro limitava a aquisição de mão-de-
obra escrava, numa época em que o complexo cafeeiro se estruturava, se consolidava e 
isso demandava uma grande quantidade de mão-de-obra.21 Ademais, a partir da metade 
do século XIX, o Movimento abolicionista tomou força e incitava levantes e fugas de 
escravos que desorganizavam a produção nas fazendas. Nesta mesma época, idéias 
racistas importadas da Europa formavam opiniões entre alguns intelectuais que, 
baseados nestas fontes, se preocupavam com um Brasil que se formava moreno e 
miscigenado. A solução encontrada nesse caso, tanto para o déficit de mão-de-obra, 
quanto para o branqueamento da população, foi uma política de imigração européia. 
Desta forma, acreditavam, estaria “salvo” o Brasil não só economicamente, mas 
também na constituição da sua identidade nacional, uma vez que com o branqueamento 
poderia se configurar uma nação aos moldes europeus. 
A lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de Maio de 1888, além de ter 
libertado um décimo da população negra da época no Brasil, significou, principalmente, 
a retirada de um entrave para o trabalho assalariado no país, visto que muitos dos 
setores da economia já não mais utilizavam a mão-de-obra escrava. 
Porém o que deveria terminar com um programa de ajustamento social 
gradativo, tornou-se um desajustamento estrutural, porquanto os negros foram fadados 
ao desemprego e à marginalidade. Esse contexto somente agravou o preconceito racial 
 
21 A hipótese de que a proibição do tráfico negreiro gerara um déficit de mão-de-obra disponível para 
trabalhar na agricultura do café, é refutada no livro de Petrônio Domingues, Uma História Não Contada – 
negro racismo e branqueamento em São Paulo na pós-abolição (Editora Senac, SP) que foi resultado da 
dissertação de mestrado desenvolvida pelo autor na USP. Segundo Petrônio, não havia falta de mão-de-
obra em São Paulo, mas uma concreta intenção da elite, do governo e dos intelectuais paulistas em 
branquear a cidade. 
 24
que justificava a degradação do liberto na nova realidade social pela superioridade do 
branco sobre o negro. Além disso, os libertos tiveram que disputar no mercado de 
trabalho com os imigrantes brancos europeus, mais bem aceitos. 
Reafirmando essa questão, Bernardo chama a atenção para a concorrência no 
mercado de trabalhadores livres, entre os ex-escravos e o imigrante europeu, afirmando 
que este último era o preferido. Com isso, o ex-escravo alforriado ou aquele que mais 
tarde obteria a liberdade, eram colocados inteiramente à margem da nova ordem social, 
que se instaurou com o mercado de trabalho livre. (Bernardo, 1998; p. 24). 
A primeira experiência com mão-de-obra formada por imigrantes europeus no 
Estado de São Paulo data de 1847 e foi realizada na fazenda Ibicaba, na região de 
Campinas, e atual município de Limeira (Beaninger). Esse foi um empreendimento 
importante, por empregar, simultaneamente, mão-de-obra livre e escrava. 
No entanto, essa primeira tentativa de imigração européia não foi bem sucedida. 
Os imigrantes que chegaram ao sudeste vinham para trabalhar como meeiros, parceria 
que não deu certo, por um lado, porque as condições de trabalho eram péssimas e nesse 
sistema os imigrantes eram obrigados a pagar para o fazendeiro as despesas realizadas 
com a imigração, ficando vinculados a ele até saudarem a dívida. Por outro lado, o 
regime escravista ainda vigente também se tornou um entrave para a imigração, uma 
vez que esse sistema não era bem aceito pelos governos europeus da época. 
Em 1886, uma nova experiência imigratória se iniciou, mas, desta vez, com 
outro sistema de trabalho que não era mais o de "parceria" como fora nas décadas 
 25
anteriores, mas o de "colonato". Inaugurou-se, então, o sistema de trabalho livre, em 
contrapartida com a escravatura. 22 
O desenvolvimento da cultura do café no sudeste do Brasil trouxe consigo o 
desenvolvimento dos meios de transportes, da construção civil e uma industrialização 
rude, que geraram um processo de urbanização. A região se modificou, as cidades 
cresceram, as indústrias precisaram de mão-de-obra, e o comércio, de consumidores. 
Conforme Baeninger, 
"Com a implantação da cultura do café, que passou a ser o 
principal produto cultivado, Campinas acentuou seu dinamismo 
com um intenso desenvolvimento urbano e rural. O efeito 
urbanizador já se fazia sentir através da expansão das vias de 
comunicação para o transporte do café, como as Estradas de 
Ferro Mogiana e Companhia Paulista (1872), originando núcleos 
urbanos e ampliando as atividades ligadas a esse setor". (1992; 
p. 29) 
Em 1889, uma epidemia de febre amarela causou muitas mortes em Campinas e 
provocou intensa fuga de moradores para outros municípios, além de diminuir a 
imigração européia para a região. 23
Em São Paulo, a febre amarela adentrou por Santos, que era a porta de entrada 
dos imigrantes que vinham trabalhar nas lavouras de café. A doença alastrou-se 
 
22 Segundo os registros da hospedaria dos imigrantes do Estado de São Paulo, " foram enviados para as 
lavouras de café do Município, de 1882 a 1900, 140631 imigrantes estrangeiros, dos quais 75% eram 
italianos; 11,3% portugueses; 7,9% espanhóis; 3,9% alemães e 1,8% de outras nacionalidades." 
(Baeninger. 1992: 31, 32) 
23 Segundo Baeninger,: Os historiadores locais afirmam que durante a epidemia quase 75% da população 
emigrou do Município (Brito, 1969; Pupo, 1969). "A cidade é abandonada; a população reduziu-se de 20 
mil para 5 mil moradores; a morte rondava a cidade." (Figueira de Mello, 1991:23). Estabelecimentos 
comerciais, escritórios de indústrias e até algumas indústrias transferiram-se para São Paulo e Jundiaí. 
(Semeghini, 1988). (1992: 35) 
 26
primeiramente pela região portuária e, como não havia casos no interior paulista, a 
medicina acreditava que era uma doença típica das regiões litorâneas. Porém, em1889, 
houve uma forte epidemia em Santos que subiu a serra através da ferrovia e chegou a 
Campinas. Foram vários surtos que assolaram a região nos anos de 1889, 1890, 1892, 
1896 e 1897, dizimando grande parte da população. 24
Como era desconhecido o meio de propagação da enfermidade, acreditava-se 
que a febre amarela era contagiosa e, num consenso geral, originária de eflúvios 
miasmáticos ou emanações pútridas. Sendo assim, os médicos higienistas, pensando na 
erradicação da enfermidade, voltaram-se para os aspectos urbanísticos, já que 
associavam a doença ao ar confinado, portanto a habitações coletivas, a ruas estreitas, 
matadouros, cemitérios, valas, águas de fontes duvidosas e à falta de esgotos. Desta 
forma, o combate da doença ficou centrado na reorganização urbana e na normatização 
da vida cotidiana. Nesse sentido, foi a população mais pobre, constituída de imigrantes 
e negros libertos, que arcou com a responsabilidade da disseminação da enfermidade, 
acentuando desta forma o preconceito contra aqueles que se amontoavam em cortiços na 
cidade. Segundo Figueira Mello “libertos e imigrantes em 1888 e1889, afluíram para a 
cidade. Entupiram os cortiços” (1991; p. 23)25 
Nessa perspectiva, o preconceito racial contra o negro se intensificou e gerou 
fortes demandas contra suas manifestações religiosas, pois do mesmo modo que a raça 
negra foi considerada inferior, sua religiosidade também foi encarada como mais 
primitiva e, ao mesmo tempo, associada a bruxaria e malefícios. 
Embora Slenes afirme que "a maioria dos escravos de Campinas, mesmo em 
1888, estava próxima no tempo às fontes africanas de sua cultura" (Slenes, 1999; p. 
 
24Dados obtidos na Biblioteca Virtual Adolph Lutz. 
http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/home.html 
25 FIGUEIRA MELLO, F. Formação histórica de Campinas: Breve Panaroma. Subsídios para a 
Discussão do Plano Diretor. Prefeitura Municipal de Campinas, 1991. 
 27
72), seus cultos foram escondidos, parecendo desta forma não terem se estruturado ou 
mesmo desaparecido, mas, pode ser que tenham se tornado subterrâneos por causa das 
perseguições sofridas, segundo a concepção de Pollak. (Pollak, 1989). 26 
Apesar de Campinas ter passado por muitos surtos de febre amarela, a cidade 
aos poucos foi se recuperando e, em 1891, deu-se continuidade ao processo imigratório, 
com o registro do maior "volume anual de imigrantes com destino a Campinas". 
(Baeninger, 1992). Na virada do século, tanto São Paulo quanto os principais 
municípios do interior apresentaram dinamismo econômico e populacional. 
No entanto, com a queda do preço do café e a conseqüente crise neste setor, a 
imigração subsidiada para São Paulo e a economia cafeicultora encerraram-se, 
respectivamente em 1927 e 1930. 
Contudo, na região houve também a vinda de imigrantes norte-americanos que 
introduziram o cultivo do algodão, que trouxe consigo novas técnicas de plantio, além 
de um novo pólo industrial. 
Conforme Baeninger: 
"O movimento migratório internacional desempenhou 
urbanização, alternando em muitos casos, o comportamento 
 
26 Um estudo realizado por Rita Amaral sobre a coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira 
do MAE , curiosamente revela a Coleção Registro Sertanejo que apresenta um candomblé banto datado 
do começo do século XX. De acordo com o artigo, Rita divulga que: “Foram encontradas 187 das 252 
peças listadas, datadas do princípio do século, de cultos afro-brasileiros sediados principalmente no 
interior de São Paulo. 
Segundo informações contidas nesta listagem, algumas peças foram levadas ao Museu Paulista, em 1914. 
Outras, em 1938 e outras ainda, em 1943. São originárias de cultos do interior de São Paulo (Tietê, 
Pirapora, Araraquara, Jundiaí) e foram doadas ao Museu Paulista pela Secretaria de Segurança Pública, o 
que indica que devam ter sido apreendidas durante o período de repressão policial ao culto. Essa coleção 
é extremamente valiosa, não apenas por representar aspectos múltiplos do culto, como por seu caráter 
artesanal, constituindo peças únicas.”, 26 Amaral, Rita. A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-
brasileira do museu de arqueologia e etnologia da universidade de São Paulo, In Revista do Museu de 
Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, no. 10, 2000, p266. Isso significa que houve um 
candomblé anterior a este que hoje existe em Campinas e que, possivelmente, desapareceu em virtude da 
perseguição policial. 
 
 
 28
demográfico, o perfil populacional econômico e as formas de 
inserção dos municípios na divisão social do trabalho no 
Estado". (1992; p.48) 
Campinas, no ciclo do açúcar, fora denominada a Capital da escravatura, no 
período cafeeiro, recebera a alcunha de "Princesa do oeste" e, com o avanço da 
industrialização, tornara-se uma "Cidade Modelo". 
Na primeira metade do século XX o processo de urbanização e industrialização, 
conforme Baeninger, 
"representou a formação de uma nova ordem social permeando 
todas as instâncias da sociedade. A mistura de raças, 
nacionalidades, culturas e ideologias, dispersas no espaço 
urbano, começou a caracterizar certos grupos sociais. A 
constituição da classe operária, formada primeiramente pelos 
trabalhadores estrangeiros foi expressão desse processo". (1992; 
p.50) 
Com o crescimento do número de indústrias aumentava também a migração 
originária não só de outros Estados, como também do êxodo rural. (Baeninger, 1992) 
Campinas era uma cidade que reforçava o papel da migração, uma vez que isto era 
sinônimo de dinamismo econômico e prosperidade. 
A partir dos anos 60, o fluxo migratório para a região de Campinas aumentou 
consideravelmente e continuou na década de 70, ocasião em a cidade recebeu 
 "um total de 230.464 migrantes, dos quais, aproximadamente, 
20% apresentavam como local de última residência o Estado do 
Paraná, 15% vinham da região Metropolitana de São Paulo, 10% 
 29
do Estado de Minas Gerais e 5% da própria região de governo 
da Campinas". 27 (Baeninger. 1992; p. 76) 
Em Campinas, é o Estado do Paraná que nesta época aparece como a principal 
área de procedência dos migrantes, porém de uma maneira geral é de Minas Gerais que 
tradicionalmente vem a maioria. Ademais, se para São Paulo a migração de nordestinos 
foi intensa, em Campinas ficou em torno de 12,5%, ocupando a quarta posição em 
relação a outras regiões do Brasil. (Baeninger, 1992) 
Além dos fluxos migratórios interestaduais, também foi significativo o 
movimento migratório proveniente do oeste paulista que se direcionou para Campinas. 
Na década de 70, coincidindo com o processo de urbanização, com a afluência 
de indústrias que formaram o maior parque industrial regional e com a expansão 
rodoviária, fatos que estimularam a vinda de um número significativo de migrantes, é 
que se deu a chegada dos pais e mães-de-santo que fazem parte desta pesquisa e, por 
meio deles, o surgimento dos primeiros terreiros de Umbanda em Campinas. 
Por sua vez, o candomblé que já havia se estabilizado em São Paulo nos anos 60, 
chega a Campinas na década de 80, confirmando o que nos afirma Boaventura de Souza 
Santos ( 1996), a saber, que só permanecem ou florescem elementos da cultura que 
possuem raiz. Por isso, me ative à explicação de como chegaram os escravos em 
Campinas, na verdade, a raiz das expressões religiosas afro-brasileiras. . 
Fundamentando-nos em Bernardo (1986) e Prandi (1991) que explicam que a Umbanda 
abriu caminho para o candomblé em São Paulo, podemos assegurar que o mesmo 
processo ocorreu em Campinas. 
 Mais reintegrada à sociedade a umbanda, como expõe Ortiz, 
 
27 Beaninger considera como migrante o indivíduo residente há menos de dez anos no município de 
residência atual. 
 30
 
”aparece, pois como um solução original;ela vem 
tecer um liame de continuidade entre as práticas 
mágicas populares à dominância negra e à ideologia 
espírita. Sua originalidade consiste em reinterpretar 
os valores tradicionais, segundo o novo código 
fornecido pela sociedade urbana e industrial” .(1999; 
p.48)28
 
Sem a necessidade de processos iniciáticos mais drásticos, tais 
como são exigidos pelo candomblé, na umbanda é por meio do transe 
que há a manifestação do caboclo, do preto-velho, que são espíritos 
ancestrais, que vão direcionar o inicio do caminho religioso a esses 
sacerdotes pesquisados. Todos os entrevistados vieram de famílias de 
religiões cristãs, sejam católicas ou neopentecostais, e para se chegar ao 
universo mágico do candomblé, no qual os ritos de passagem e 
purificação são realizados mediante o sacrifício de animais, ri to que foi 
e ainda é amplamente questionado e combatido pelas diversas 
modalidades de religiões cristãs no Brasil e pela sociedade mais 
abrangente, a umbanda surge, então, como uma interessante solução para 
a entrada ao universo afro-brasileiro. Por um lado, citando Ortiz, 
 
“O problema das despesas encontra, pois, na religião 
umbandista uma solução original; um primeiro 
 
28 Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda e sociedade brasileira. Editora 
Brasiliense, São Paulo. 1a reimpressão, 1999. 
 31
resultado é a ausência de gastos no sacrifício de 
animal, uma vez que estes tendem a ser abolidos.” 
(1999; p.154). 
 
 Por outro lado, ainda referindo-se à obra de Ortiz, “o problema 
longe de ser uma equação funcional, parece-nos ser de cunho 
ideológico. Por detrás do jogo de funcionalidades se esconde um conflito 
muito mais amplo que se trava contra os valores da sociedade global”.29 
(1999; p.155) 
Este conflito já se mostrava desde o início da caminhada desses 
sacerdotes, quando iam à procura das benzedeiras e revelavam a má 
impressão deixada pelos objetos religiosos afro-brasileiros, expostos nos 
altares. Neste caso, o elemento básico determinante da ação dramática é 
a oposição entre os valores da população branca, cristã e de classe média 
e os padrões afro-brasileiros expressos na estatuária e, muitas vezes, na 
incorporação dos espíritos de pretos-velhos e caboclos. 
A entrada do candomblé em São Paulo se dá, segundo Prandi: 
 "... por diferentes maneiras: através de pais-de-santo que vêm do 
Rio e da Bahia para iniciarem filhos aqui; quando umbandistas 
vão ao Rio e à Bahia para lá se iniciarem no candomblé; nos 
casos em que um pai ou mãe-de-santo migra para São Paulo já 
iniciado em seu Estado de origem e abre aqui terreiros de 
candomblé; na situação em que o migrante já vem “feito” no 
 
29 Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda e sociedade brasileira. Editora 
brasiliense, São Paulo.1a reimpressão, 1999. 
 
 32
candomblé, mas começa sua carreira religiosa em São Paulo 
abrindo casa de umbanda, para mais tarde vir a tocar candomblé 
e abandonar a umbanda; e, finalmente, através de filhos que já 
são iniciados em São Paulo por mães e pais-de-santo, também 
iniciados em São Paulo... Já na etapa de expansão, é claro, esta 
última forma é a mais freqüente e é também a que reforça a idéia 
de estar esta religião se enraizando na metrópole.” (1991; p.93) 
 
Em Campinas, a umbanda data da década de 70 e o candomblé se estabelece na 
década de 80 do século XX, edificado por dois pais-de-santo brancos e duas mães-de-
santo negras, todos provenientes de outras cidades do Estado de São Paulo e de outros 
Estados, e coincide com o fluxo migratório direcionado para este Município. 30
A iniciação destes sacerdotes no candomblé foi realizada por mães-de-santo 
oriundas de São Paulo e da baixada santista31, a propósito, da mesma forma de expansão 
relatada por Prandi. 
Convém ainda acrescentar que o candomblé que primeiro e mais largamente se 
estabeleceu em Campinas foi o de nação angola, ainda hoje o mais numeroso. 
 
30 Pai Ubiacylê é proveniente de Limeira, pai Gitalangunage de Catanduva, mãe Corajacy da Bahia, mas 
já morava em Minas Gerais quando migrou para Campinas e Mãe Dangoroméia é oriunda de Minas 
Gerais. A expansão do pólo industrial de Campinas atraiu grande quantidade de migrantes originários do 
interior de São Paulo assim como de outros Estados. Estes pais e mães-de-santo vieram com esse 
movimento migratório que muito se intensificou depois de 1960. 
31 Vagner Gonçalves nota que: A importância do candomblé litorâneo em São Paulo também pode ser 
atestada na relação dos mais antigos pais-de-santo em São Paulo, elaborada pela Comissão de Candomblé 
formada por algumas lideranças religiosas paulistas, a partir da Assessoria para Assuntos Afro-brasileiros 
da Secretaria do Estado da Cultura do Governo Franco Montoro, em 1983. Dos vinte e sete babalorixás e 
ialorixás citados, quinze se localizam na capital e doze em Santos; deste total, onze pertencem à nação 
angola e três à sua variável ameríndia – o xambá; do queto são seis, o mesmo número para sua variável 
efon. ( obs.: um dos terreiros não tem definida a nação) (Vagner, 1995: p.82) 
 33
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO II 
 
Da umbanda para o candomblé: o espaço conta a história. 
 
2 
 
 
 
 
 34
É no espaço que encontramos todas as marcas das épocas em que um 
determinado grupo viveu.. 
Maurice Halbwachs afirma que as religiões 
“estão solidamente afixadas sobre o solo, não somente porque se 
trata de uma condição que se impõe a todos os homens e a todos 
os grupos; mas uma sociedade de fiéis é conduzida a distribuir 
entre diversos pontos do espaço o maior número de idéias e 
imagens que são por ela defendidas.” (1990; p. 143). 32 
 
Nos terreiros pesquisados, isso é visível nas novas edificações, nas imagens dos 
inquices pintadas nas paredes, nas imagens de gesso dos santos católicos colocados em 
suportes, nos assentamentos distribuídos pelos canteiros, nos odus assentados nos 
cantos da casa, nos símbolos da umbanda que se encontram distribuídos pela casa ou 
reunidos num só recanto, nos centros dos salões, enfim, todo espaço é provido de 
símbolos cujos significados estão ali mostrando as relações com os deuses e como o 
fiel deve se comportar. 
Os terreiros aqui estudados, assim como a maioria dos terreiros paulistas,33 se 
tornaram de candomblé num movimento posterior à umbanda. 
Ao observarmos as permanências e modificações no espaço, podemos tentar 
desvendar a história da comunidade e o conjunto de símbolos e atributos pertinentes 
àquele grupo. 
 
32 Halbwachs, Maurice. A Memória Coletiva. Vértice, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. 1990 
33 Sobre o trânsito dos terreiros paulistas da umbanda para o candomblé existe vasta bibliografia a 
respeito. Ver: Bernardo, S. Teresinha. A mulher no candomblé e na umbanda. Dissertação de mestrado 
apresentada ao programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais – PUCSP, 1986. Prandi, 
Reginaldo.Os candomblés de São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo,1991. Silva, 
Wagner Gonçalves da. Orixás da Metrópole. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, R.J. 1995. 
 35
Situados em bairros periféricos de Campinas, os terreiros de candomblé podem 
ser identificados, externamente, pela presença de alguns elementos simbólicos que são 
comuns às religiões afro-brasileiras, os quais geralmente ficam dispostos sobre os 
portões e muros frontais. Sempre circundados por muros altos que não permitem a visão 
interior do pátio das casas, a fachada revela, por seu recato, a inquietação perante o 
preconceito que ainda hoje persiste contra as religiões de matrizes africanas. Desta 
forma a busca da segurança avança em direção a uma comunidade de interesses e 
identidade comuns, e os muros altos a protegemdos “olhos” dos diferentes. 
Das quatro casas escolhidas, apenas a de mameto Dangoroméia que está 
localizada num bairro de Hortolândia34, cidade próxima a Campinas, apresenta uma 
indicação mais contundente sobre a razão daquela construção. Num muro lateral que dá 
para a rua de maior movimento pode-se ler o nome “Inzo Muzambo dia 
Hongolomenha,” escrito em grandes letras azuis sobre a parede branca, que significa 
“Casa do Dono do Arco-Íris”. 
A localização dos terreiros nas periferias da cidade denota a capacidade 
aquisitiva do grupo, uma vez que os terrenos nessas regiões possuem um valor mais 
baixo do que outros em localidades nobres. Além disso, encontrar-se num bairro 
retirado significa estar num nicho da sociedade onde as regras da vida social são mais 
maleáveis, possibilitando o toque de atabaques, a criação e sacrifício de animais e os 
despachos de ebós, já que as encruzilhadas e matas na época da fundação dessas casas 
 
34 Até 1953, com o nome de Jacuba, a atual Hortolândia pertencia ao município de Campinas. A partir 
desta data, o povoado de Jacuba foi elevado a Distrito de Jacuba do município de Sumaré emancipado 
nesta mesma época . Em 1958, Jacuba passa a ser conhecida como Hortolândia, distrito de Sumaré. Trinta 
e três anos depois, em 19 de maio de 1991, Hortolândia se emancipa de Sumaré, passando a ter uma 
identidade própria no processo de desenvolvimento da região. www.hortolandia.sp.gv.br
 
 
 36
estavam mais presentes. Vale notar, ainda, que ali estão os mais pobres e a maioria dos 
afrodescendentes. 
A justificativa para os estudos dos terreiros que estão localizados, 
respectivamente em Hortolândia e em Monte Mor, é que o crescimento da Região de 
Governo de Campinas (ver fonte IBGE, censo demográfico de 1980) teve como eixo 
dois processos, segundo Beaninger: 
“A expulsão da população de baixa renda para áreas 
cada vez mais distantes - com menor valor de solo urbano em 
relação às áreas mais centrais e precários sistemas de infra-
estrutura e equipamentos sociais - a industrialização de grande 
parte dos municípios da Região, além de Campinas, com 
importante peso no emprego industrial do Estado (FUNDAÇÃO 
SEADE, 1990b) (1992; p 134)35. 
 
Fonte IBGE, Censo Demográfico de 1980 3 
 
35 Fonte IBGE, Censo Demográfico de 1980 
 
 37
O terreiro de mameto Corajacy é o que fica num bairro mais afastado e de mais 
difícil acesso. Anteriormente, esta mãe-de-santo havia construído um barracão nos 
fundos de sua casa que ficava num bairro de casas populares em Campinas. Hoje, o 
terreiro está localizado num bairro periférico de Monte Mor, com ruas sem 
pavimentação, constituído de pequenas chácaras. 
Por ocasião da entrevista, tive dificuldade para encontrá-lo, uma vez que as 
informações que haviam me passado para chegar ao terreiro eram um emaranhado de 
direitas e esquerdas, e apesar de terem me dado algumas referências, a dificuldade 
persistiu uma vez que a rua não tinha placa sinalizadora. 
Depois de errar diversas vezes e vagar por muitas ruas do bairro, eu pude chegar 
ao terreiro, ainda assim mameto Corajacy precisou me enviar um de seus filhos para 
que me guiasse até lá. Essa procura me fez recordar as histórias míticas contadas nos 
candomblés, em que os caminhos eram indicados aos que saiam em jornada na terra, 
por transeuntes ou moradores encontrados pelos caminhos. Foi exatamente assim que 
consegui chegar até o terreiro de mameto Corajacy, pedindo informação para 
transeuntes. Somente depois de tantos erros, de diversos ir e vir que atinei ao mito de 
como os caminhos podem ser facilmente encontrados, ou seja, quando anteriormente à 
partida faziam-se ofertas votivas a Exu, o orixá dos caminhos e das encruzilhadas, que 
ajudava os viajantes a chegarem a seus destinos; eu não as havia feito. 
Nas minhas voltas pelo bairro à procura do terreiro da mameto Corajacy, olhava 
para os portais das chácaras na esperança de ver uma quartinha, um alguidar e por 
intermédio destes objetos tão comuns nas entradas dos terreiros, encontrar a chácara 
certa. Se minha busca tivesse dependido destes símbolos para identificar o terreiro, eu 
não o teria achado, uma vez que seus assentamentos de portão estavam cuidadosamente 
camuflados entre as folhagens que eram abundantes sobre o portal. Apenas ao longe, a 
 38
bandeira branca do Tempo, atada a um alto mastro, surgia por sobre a vegetação e a 
cerca viva. 
Os demais terreiros aqui pesquisados ficam em bairros residenciais de ruas 
asfaltadas e com uma disponibilidade de espaço muito menor que a chácara onde está 
localizado o terreiro da mameto Corajacy, além de estarem cercados de vizinhos muito 
próximos as suas instalações. 
Todos esses terreiros foram construídos na formação desses bairros, e por isso, 
esses pais e mães-de-santo foram os primeiros moradores a se estabilizarem nessas 
localidades. Essa referência tem sido constantemente utilizada como atributo legalizador 
das atividades do candomblé nos dias de hoje, pois que, com o crescimento da cidade, 
acabaram ficando cercados de casas. A constante presença de animais, como cabritos e 
galinhas, ou ainda o barulho dos atabaques nos dias de festa, além da convivência com 
as diferenças religiosas, fazem com que os terreiros sejam muitas vezes espezinhados 
pela vizinhança. Embora esses candomblés possam declarar que estão ali há mais tempo 
que os seus vizinhos, acabam alterando os costumes, a fim de se adaptarem à nova 
realidade. As festas passaram a começar e a terminar mais cedo, os ebós são 
despachados cada vez mais longe, e as criações de animais destinados ao sacrifício estão 
cada vez menos presentes. Na nova realidade espacial, decorrente do crescimento da 
cidade, esses terreiros acabaram ficando circundados de residências, exigindo por isso 
uma nova organização das atividades, a fim de facilitar a convivência com o outro. 
Esses candomblés mudaram seus horários e maneiras de fazer as oferendas, 
porque esperam ser aceitos na vizinhança. Embora o intuito das mudanças seja obter a 
reciprocidade e a generosidade daqueles com que essas comunidades são obrigadas a 
interagir socialmente, nem sempre é isso que acontece. É bastante comum os terreiros 
terem que lidar com atos de rejeição, como apedrejamentos, realizados por 
 39
fundamentalistas de outras religiões, principalmente neopentecostais, ou por crianças e 
adolescentes que certamente têm alguma referência de discriminação em relação às 
religiões afro-brasileiras. 
Campinas tem uma história em que a ação repressora sempre esteve presente na 
vida dos negros. Desta forma, o preconceito contra o candomblé, que é uma religião 
afro-brasileira, também é muito forte. A dificuldade de o candomblé conviver com suas 
indumentárias ritualísticas e a sociedade mais abrangente campineira, é expresso no 
depoimento de mameto Dangoroméia: 
“Aqui em Campinas não tinha... com todo o respeito aos meu 
irmão que são mais velhos na religião, mas tudo era muito 
escondido, porque o preconceito era muito grande. Então eu não 
via as pessoas de cabeça raspada, porque punham peruca. Era 
muito difícil ver uma pessoa com “tobosso”36. (mameto 
Dangoroméia) 
 A opressão sobre as atividades culturais do negro, mesmo depois 
da abolição da escravatura, continuou muito forte. Se a escravidão 
legitimava a opressão, com a abolição, esta relação passou a ser um caso 
de polícia que freqüentemente invadia bailes e proibiam as capoeiras. 
Além disso, a idéia do branqueamento, a partir do período da República 
Velha, reforçou ainda mais o racismo que já era instituído. 
Essas são marcas que a história das relações raciais em Campinas 
também deixou como herança para o candomblé, tanto que os terreiros de 
hoje são datados dos anos 70, do século XX, foram fundados por pais e 
mães-de-santo

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