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1 O FENÔMENO DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO E SUA EFICÁCIA NA PACIFICAÇÃO SOCIAL THE FENOMMEN OF EXTRAJUDICIALIZATION AND ITS EFFECTIVENESS IN SOCIAL PACIFICATION Estela Luisa Carmona Teixeira Pós-Graduanda no curso de Direito Notarial e Registral da rede de ensino LFG/Anhanguera. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabeliã de Notas de Meridiano/SP Contato: estela_luisa@hotmail.com RESUMO O presente estudo tem como finalidade tratar da extrajudicialização, fenômeno que busca atender cada vez mais demandas da sociedade de forma eficaz e facilitada, e aliviar o já desgastado Poder Judiciário, recolhendo algumas de suas funções típicas e transferindo-as às serventias extrajudiciais, que as efetivam de forma administrativa. Assim, pretende-se demonstrar a importância que os cartórios têm obtido nas últimas décadas, trabalhando em conjunto com o Poder Judiciário – sem mitigar sua autoridade – para garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos e negócios jurídicos, assim como os princípios do acesso à justiça e da dignidade humana. Palavras-chave: extrajudicialização; pacificação social; dignidade da pessoa humana; acesso à justiça ABSTRACT The purpose of this study is to deal with the extrajudicialization, a phenomenon that seeks to meet more and more demands of society in an effective and facilitated way, and to alleviate the already worn-out Judiciary system, gathering some of its typical functions and transferring them to extrajudicial services, which carry them out in an administrative manner. Thus, it is intended to demonstrate the importance that the notaries have obtained in the last decades, working together with the Judiciary - without mitigating its authority - to guarantee publicity, authenticity, security and effectiveness of legal acts and businesses, as well as the principles of access to justice and human dignity. Key-words: extrajudicialization; social pacification; dignity of human person; access to justice INTRODUÇÃO A chamada desjudicialização, ferramenta de descentralização da justiça, torna-se instrumento imprescindível à sociedade contemporânea, em razão do costume da sociedade resolver seus conflitos de forma litigiosa, abarrotando as vias jurisdicionais com demandas e ferramentas processuais que delongam demasiadamente a solução de conflitos. Essa necessidade se verifica não apenas na prática, mas também na tendência legislativa: O Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) é um excelente exemplo, trazendo vários dispositivos descentralizadores do judiciário. O presente trabalho, portanto, tem como propósito compreender um pouco mais acerca do fenômeno da desjudicialização, focada no dispositivo elogiável que se tornaram as 2 serventias extrajudiciais, importantíssimo para contribuir na busca de melhores formas de solucionar os litígios a que todos os cidadãos estão sujeitos durante a vida, bem como para garantir os princípios constitucionais do acesso à justiça e da razoável duração do processo, imprescindíveis à manutenção da dignidade da pessoa humana. Desta forma, o presente artigo será dividido em três capítulos, sendo o primeiro para tratar de linhas gerais acerca da extrajudicialização; no segundo, tratar-se-á dos mecanismos de resolução de conflitos e, no terceiro, tecer-se-ão considerações acerca da utilização dos instrumentos extrajudiciais na prevenção de lides e no alívio ao já desgastado Poder Judiciário pátrio. Por fim, este estudo será realizado por meio do método indutivo, no que concerne à metodologia de pesquisa bibliográfica e análise doutrinária. 1 DEFINIÇÃO DE EXTRAJUDICIALIZAÇÃO E SUAS ORIGENS A chamada extrajudicialização dos processos e procedimentos judiciais se trata de uma vertente da conhecida “desjudicialização”, tendência cada vez mais forte no sistema jurídico brasileiro, que busca desafogar as vias judiciais, na mesma medida em que tem como finalidade garantir o acesso à justiça indiscriminadamente. A crise judiciária não é fenômeno recente, mas é marco do século XX, pois se trata de um extremo decorrente da crescente busca pela justiça para a solução de conflitos, como oposto à falta de direitos e repressão experimentada pelo ser humano em épocas anteriores. Conforme explicita o constitucionalista e hoje Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2001, p. 19): O Direito é urna invenção humana, um fenômeno histórico e cultural, concebido como técnica de solução de conflitos e instrumento de pacificação social. A família jurídica romano-germânica surge e desenvolve-se em torno das relações privadas, com o direito civil no centro do sistema. Seus institutos, conceitos e ideias fizeram a historia de povos diversos e atravessaram os tempos. O Estado moderno surge no sáculo XVI, ao final da Idade Media, sobre as ruinas do feudalismo e fundado no direito divino dos reis. Na passagem do Estado absolutista para o Estado liberal, o Direito incorpora o jusnaturalismo racionalista dos séculos XVII e XVIII, matéria prima das revoluções francesa e americana. O Direito moderno, em suas categorias principais, consolida-se no século XIX, já arrebatado pela onda positivista, com status e ambição de ciência. No Brasil, essa tendência pela busca das vias jurisdicionais para a resolução de lides fortificou-se especialmente a partir da Constituição Federal de 1988, batizada de “Constituição Cidadã”, que trouxe inúmeras medidas progressistas em reação às 3 arbitrariedades contidas na Constituição anterior, de 1967, nascida em pleno regime militar – em especial a garantia do acesso à justiça, atualmente considerada como corolário da dignidade humana (artigo 5º, inciso XXXV, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”). Tal direito tem sido paulatinamente legitimado como de suma importância entre os direitos individuais e sociais trazidos pela Carta de 1988, tendo em vista que “a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação” (CAPPELLETTI, GARTH, 1998, p. 11). Desta forma, em busca da efetivação de suas prerrogativas, o indivíduo passa a utilizar cada vez mais dos mecanismos garantidos constitucionalmente, havendo a crescente conscientização dos direitos pelo cidadão comum, hipossuficiente, que encontra também na Carta Magna instrumentos para a concretização do acesso à justiça, como a assistência judiciária, a defensoria pública etc. Assim, como consequência desta procura cada vez maior e facilitada, o Poder Judiciário, expressão do Estado, se tornou o maior responsável pela pacificação social – o que levou a uma sobrecarga dos magistrados brasileiros, inclusive por haver, a partir da Emenda Constitucional número 45, de 30 de dezembro de 2004, uma profunda mudança estrutural no Poder Judiciário pátrio. Tal emenda trouxe, além de diversas alterações sistemáticas, a garantia da razoável duração do processo (inciso LXXVIII acrescido ao artigo 5º da Constituição). Interessante ressaltar que existem estudos, como o Relatório número 32.789-BR, do Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 2004, p. 141), que concluíram que o número de demandas analisadas pelo Judiciário pátrio está muito além dos parâmetros internacionais, como se pode observar do seguinte excerto: A demanda por serviços do Judiciário cresceu dramaticamente, em especial desde 1991, da mesma forma que a produtividade do setor, ainda que não o suficiente para compensar a maior carga de trabalho. Por todo o país, o número médio de processos e o de processos decididos alcança as mais altas taxas latino-americanas e mundiais. É claro que existem variações consideráveis entre regiões e jurisdições,além de números surrealistas nas duas extremidades do espectro – juizados e tribunais que parecem solucionar números impossíveis de processos, e outros, cujo desempenho se parece mais como alguns dos piores da América Latina em termos de produção. O mencionado estudo, publicado em 2004, ainda é extremamente atual, além de ser bastante extenso e esmiuçar o desempenho do Poder Judiciário brasileiro, com base 4 especialmente em processos em curso na justiça paulista; traz, ainda, diversas conclusões e propõe várias soluções, que englobam não somente a produtividade judicial, mas a criação de leis e mecanismos para atingir o objetivo da diminuição dos processos, mediante cooperação de todos os poderes, inclusive Legislativo e Executivo. Conclui-se, pois, que, apesar de a produtividade dos magistrados brasileiros também ter crescido em conjunto com as demandas, o aumento destas foi exponencial, o que levou inevitavelmente à chamada “crise judiciária”, que assola o País até os dias atuais. Ademais, é importante asseverar, nesse momento, que, apesar da existência de instrumentos que têm por finalidade disponibilizar o acesso à justiça para toda a população, tal garantia ainda não atingiu seu ápice, sendo que um alarmante número de indivíduos ainda “passa ao largo da proteção jurídica, em função da situação particular em que vive, causada notadamente pela gritante diferença na distribuição da renda, criando camadas e subcamadas populacionais que vivem à margem da sociedade” (BARBOSA, DA SILVA, 2015, p. 03). Em vista de tal fato, coube ao legislador buscar novas formas de contornar o abarrotamento da Justiça e propiciar cada vez mais abertura para que todos os indivíduos possam fazer valer seu direito, constitucionalmente aclamado, de acesso à justiça, mediante instrumentos alternativos de solução de conflitos. Tal fenômeno é conhecido como desjudicialização, ou seja, a tendência em encontrar maneiras de retirar da esfera judicial algumas atribuições que lhe são típicas, conferindo-as a outros órgãos ou entes, vinculados ou não ao Estado, que possam contribuir para acelerar a resolução de conflitos, de forma tão segura quanto as vias jurisdicionais típicas. 2 SÍNTESE DOS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE PACIFICAÇÃO SOCIAL UTILIZADOS NO PAÍS Em primeiro lugar, cumpre asseverar que existem três formas genéricas de resolução de conflitos, que se subdividem em várias categorias. São elas: a autotutela, a autocomposição e a heterocomposição. Hodiernamente, a primeira (autotutela) é rejeitada pelos ordenamentos jurídicos em geral, com algumas exceções e desde que seja realizada de forma moderada – um exemplo é o do possuidor esbulhado ou turbado, na forma do artigo 1.210 e seguintes do Código Civil –, uma vez que consiste no “exercício de coerção por um particular, em defesa de seus interesses” (SENA, 2007, p. 94). Já na segunda, a autocomposição, a disputa encontra solução 5 pelas próprias partes, que realizam acordo sem interferência de terceiros, sendo que uma delas abre mão, no todo ou em parte, do seu interesse em favor do outro. A terceira categoria, heterocomposição, é aquela na qual estão inseridos os métodos mais conhecidos de solução de conflitos fora da jurisdição, que são a mediação, a conciliação e a arbitragem. A palavra heterocomposição denota a existência de uma terceira pessoa além das partes envolvidas na disputa, que favorecerá a solução (no caso da mediação e da conciliação) ou efetivamente dará decisão (no caso da arbitragem). 2.1 MEDIAÇÃO A mediação pode ser descrita como uma espécie de heterocomposição marcada pela presença de um terceiro como facilitador de uma transação entre as partes em disputa; a diferença desta para a conciliação é que naquela há uma intervenção mais ativa, enquanto nesta o mediador se distancia mais da solução, apenas atuando como agente catalizador. Este método propicia a criatividade das partes envolvidas e conduz a análise da melhor opção face à relação existente, que gerou o conflito. [...] A Mediação não tem como objetivo primordial o acordo, e sim a satisfação dos interesses e dos valores e necessidades das pessoas envolvidas na controvérsia. Na Mediação as pessoas passam, de forma emancipada e criativa, a resolver um conflito pelo diálogo cooperativo, na construção da solução. (BARBOSA, DA SILVA, 2015, p. 16-17). Não obstante, existem doutrinadores que classificam a mediação como “um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição” (CNJ, 2016, p. 20), sugerindo um enquadramento nos métodos autocompositivos, ao contrário de heterocompositivo, posição esta minoritária. 2.2 CONCILIAÇÃO Talvez o mecanismo mais conhecido e antigo de composição para resolução de disputas alternativo à jurisdição seja a conciliação. Esta consiste na atuação de um terceiro, imparcial e alheio ao conflito, que tentará atingir um acordo entre as partes, evitando que a demanda precise ser enviada às vias jurisdicionais ordinárias. Ressalte-se que, em comparação com a mediação, a conciliação é marcada por ser um procedimento um pouco mais ativo por parte do agente, mas sempre imparcial. Apesar de em outros países haver a chamada conciliação extrajudicial, atualmente no Brasil ela é desenvolvida apenas dentro da esfera judicial, seja antes de instaurado o 6 procedimento propriamente dito – como ocorre com os conciliadores judiciais –, seja pelo próprio juiz no curso do processo. Trata-se de instrumento que remonta à Constituição de 1824 e se encontra infiltrado em vários sistemas processuais, como o civil e o trabalhista: Da conciliação já falava a Constituição Imperial brasileira, exigindo que fosse tentada antes de todo processo, como requisito para sua realização e julgamento da causa. O procedimento das reclamações trabalhistas incluir duas tentativas de conciliação (CLT, arts. 847 e 850). O Código de Processo Civil atribui ao juiz o dever de “tentar a qualquer tempo conciliar as partes” (art. 125, inc. IV) e em seu procedimento ordinário incluiu-se uma audiência preliminar (ou audiência de conciliação), na qual o juiz, tratando-se de causas versando direitos disponíveis, tentará a solução conciliatória antes de definir os pontos controvertidos a serem provados. Tentará a conciliação, ainda, ao início da audiência de instrução e julgamento (arts. 447-448). A qualquer tempo poderá fazer comparecer as partes, inclusive para tentar conciliá-las (art. 342). A Lei dos Juizados Especiais (lei n. 9.099, de 26.9,95) é particularmente voltada à conciliação como meio de solução de conflitos, dando a ela especial destaque ao instituir verdadeira fase conciliatória no procedimento que disciplina: só se passa à instrução e julgamento da causa se, após toda a tentativa, não tiver sido obtida a conciliação dos litigantes nem a instituição do juízo arbitral [...]. (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2012, p. 35). Ademais, também o Novo Código de Processo Civil estabeleceu, em seu artigo 334, a mediação e conciliação obrigatórias, in verbis: “Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação [...]”, instituindo, inclusive, penalidade para o não comparecimento injustificado, no § 8º do mesmo artigo. Trata-se de tentativa de aliviar o Poder Judiciário, que, em 2015, atingiu a marca de 102 milhões de processos (baixados e pendentes) e finalizou o ano com 74 milhões de processos em tramitação, conforme levantamento realizado pelo “Relatório Justiça em Números 2016”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, p. 42, 2016). Evidentemente, é um experimento louvável; porém,ainda assim, implica na utilização do aparelhamento judiciário para a resolução dos conflitos, sendo que há outros meios, como as serventias extrajudiciais, disponíveis para contribuir com a retirada de diversos casos das vias judiciais típicas, sem prejuízo da efetividade e da segurança jurídica. 2.3 ARBITRAGEM No Brasil, a arbitragem é técnica de heterocomposição aplicável apenas a conflitos patrimoniais disponíveis, tendo sua regulamentação específica prevista na Lei n. 9.307/96. Nesta espécie, também há um terceiro envolvido (chamado árbitro), especialista, geralmente 7 advogado, que decidirá o caso entre as partes, atuando como uma espécie de magistrado, porém fora da jurisdição – note-se que juízes de carreira não podem atuar como árbitros, enquanto estiverem exercendo a função judicante (SENA, 2007, p. 96). A arbitragem pode ser definida como um processo eminentemente privado – isto porque existem arbitragens internacionais publicas –, nas qual as partes ou interessados buscam o auxilio de um terceiro, neutro ao conflito, ou de um painel de pessoas sem interesse na causa, para, apos um devido procedimento, prolatar uma decisão (sentença arbitral) visando encerrar a disputa. Trata-se de um processo, em regra, vinculante, em que ambas as partes são colocadas diante de um arbitro ou um grupo de árbitros. Como regra, ouvem-se testemunhas e analisam- se documentos. Os árbitros estudam os argumentos dos advogados antes de tomarem uma decisão. Usualmente, em razão dos custos, apenas causas de maior valor em controvérsia são submetidas a arbitragem e os procedimentos podem durar diversos meses. Apesar de as regras quanto as provas poderem ser flexibilizadas, por se tratar de uma heterocomposição privada, o procedimento se assemelha, ao menos em parte, por se examinarem fatos e direitos, com o processo judicial (CNJ, 2016, p. 23-24). Contudo, a arbitragem ainda encontra vários entraves na prática jurídica, sendo um dos principais o fato de que a sentença arbitral não possui coercibilidade – isto é, o árbitro não possui o poder de determinar o cumprimento de sua decisão, cabendo às partes buscarem a Justiça para tanto. Desta forma, a eficácia da arbitragem resta subordinada à conduta das partes envolvidas, já que, no Brasil, é notória a cultura procrastinatória, que prolonga excessivamente a solução da disputa e que desgasta cada vez mais o já vetusto Poder Judiciário. 3 DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO ESSENCIAL À RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 3.1 NOÇÕES BÁSICAS ACERCA DAS UNIDADES EXTRAJUDICIAIS Nas últimas décadas, as serventias extrajudiciais têm sido examinadas sob uma nova perspectiva, além daquela a que são comumente vinculadas – a burocrática, dos selos e carimbos. Em primeiro lugar, note-se que o Brasil não é, como muitos afirmam, o único País em que há procedimentos notariais e registrais: Não é por acaso que a profissão de tabelião de notas e o ato de reconhecimento pessoal das pessoas que assinam documentos existem praticamente em todos os países, até na China. Aliás, o Brasil adotou o reconhecimento de firmas porque, diferentemente da maioria dos países, aceita como válidos documentos particulares. Na Espanha, por exemplo, nenhum documento particular tem acesso ao Registro de Imóveis, mas tão somente aqueles formalizados em escrituras públicas, de modo que o notário 8 sempre verifica a identidade daqueles que assinam os instrumentos que lavram, garantindo a autenticidade e a segurança dos negócios. Se assim não é, ou seja, se não se impõe a obrigatoriedade da adoção da escritura pública, o reconhecimento de firma assume a posição de facilitador dos negócios e garantidor da autenticidade e segurança dos contratos (SHIRTS, 2013). Além disso, outro raciocínio muito comum que deve ser refutado é de que a necessidade de elementos de segurança (como o reconhecimento de firma e as autenticações) decorre por conta da existência dos cartórios; muito pelo contrário, as serventias extrajudiciais é que nasceram da necessidade de se dar mais segurança aos atos e negócios jurídicos – são os próprios entes e pessoas negociantes que, muitas vezes, exigem a forma pública, quando esta já não está prevista na lei. Importantíssimo ressaltar que as serventias notariais e de registros públicos têm a finalidade precípua de dar segurança aos atos jurídicos e aos fatos da vida dos cidadãos, especialmente nos dias de hoje em que a tecnologia contribui cada vez mais para facilitar fraudes e falsificações – apesar de muitos, especialmente aqueles que desconhecem a atividade, considerarem que se trata de burocracia supérflua. Essa cultura decorre do estereótipo a que os “cartórios” estavam vinculados até muito recentemente, de que as chamadas nomeações para as unidades extrajudiciais se davam como premiação, barganha política, pelo governador do estado a seus favorecidos, que poderiam passar, indefinidamente, a titularidade para seus herdeiros, para pessoas por eles indicadas ou, até mesmo, “comprar um cartório”. Com o advento da Constituição Federal de 1988, há quase 30 anos, esse regime jurídico foi alterado, passando a ser obrigatório concurso público para ingresso na atividade, na forma do artigo 236, § 3º: “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”. Isso não significou que aqueles que já estavam em exercício quando da promulgação da Carta Magna perderiam, automaticamente, a titularidade, mas que, a partir de sua vacância, a unidade extrajudicial somente poderia ser preenchida por um concursado, ressalvados os casos de interinidade precária. Desta forma, com o passar dos anos, gradativamente os cartórios têm vagado e sido preenchidos por titulares concursados, em sua grande maioria, bacharéis em direito (mas também ex-advogados, ex-magistrados, ex-promotores de justiça etc.), dotados de substancial saber jurídico e selecionados em rigorosos concursos públicos. 9 Em virtude disso, cada vez mais os registros públicos e tabelionatos se afastam de simples “batedores de carimbo” e se aproximam da função de assessores jurídicos das partes que lhes procuram, buscando executar seus atos de forma célere, segura e competente, orientados “pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento” (NSCGJ/SP, p. 32). 3.2 DESJUDICIALIZAÇÃO E EXTRAJUDICIALIZAÇÃO Como se pode observar nos tópicos anteriores, os instrumentos de solução de conflitos chamados “alternativos” à jurisdição, por meio da heterocomposição, abrangem, de uma forma ou de outra, a máquina judiciária – seja por se darem intra-processualmente, como no caso da conciliação, seja por demandarem execução judicial posterior, na arbitragem. Em outras palavras, não se tratam propriamente de uma desjudicialização, no sentido estrito, uma vez que o Poder Judiciário ainda estará envolvido. É notório que o sistema jurisdicional brasileiro é primordialmente contencioso, ou seja, tem como ponto nevrálgico a busca pela solução de disputas vivenciadas pelos cidadãos e pelo Estado. Sua aparelhagem processual foi construída a partir da noção de lide – que, pela percepção clássica, é definida como “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida” (MARQUES, 2000, p 02). Assim, constata-se facilmente que o conflito corresponde à principal demanda judiciária. Contudo, não se pode olvidar que existem situações, cada vez mais frequentes, em que não há pretensão resistida, mas apenas a necessidade que o Estado, na pessoa do juiz, fiscalize a existência dos requisitos legais e sua adequação ao caso concreto, para que sejaefetivado o direito material – esta é a chamada jurisdição voluntária. É que, vale enfatizar, a “jurisdição voluntária” caracteriza-se, não obstante ser prestada pelo Estado-juiz, pela ausência de conflitos entre os envolvidos na situação de direito material. Tanto que é costume não se referir, em se tratando de jurisdição voluntária, a “partes” mas a “interessados”; evita-se, a todo custo, falar em “lide” no sentido de “conflito” falando-se em “controvérsia”, e assim por diante (BUENO, 2014, p. 44) Por opção do legislador, vários dos procedimentos classificados como “de jurisdição voluntária” já podem ser realizados administrativamente nas serventias extrajudiciais, sem intervenção do Estado-juiz: separação e divórcio consensuais, inventário extrajudicial, usucapião administrativa, entre outros – ressalte-se que a lei foi clara em seu desejo de desonerar o Poder Judiciário, ao deixar explícito que não haverá necessidade de homologação 10 judicial nessas situações. A esse fenômeno, de transferência do monopólio jurisdicional à esfera extrajudicial, dá-se o nome de extrajudicialização. Trata-se de uma ferramenta, como bem explicita Leonardo Brandelli (BRANDELLI, 2016, p. 13-14), [...] que precisa ser discutida séria e tecnicamente, qual seja, a da extrajudicialização de uma série de matérias que permanecem na seara judicial mais por um costume arraigado do que propriamente por uma necessidade técnica, atrapalhando, assim, Juízes – que carregam uma sobrecarga desumana de trabalho, imensa e desnecessária – e partes – que padecem das mazelas acarretadas pela sobrecarga de trabalho dos Magistrados –, quando há profissionais do Direto selecionados em dificílimos certames públicos, dotados de adequadas características para atender a tal demanda: os Registradores e Notários. Ora, na medida em que há um acúmulo cada vez maior de processos judiciais perante os órgãos jurisdicionais, seja pela complexidade dos casos, seja pelo intuito protelatório de algumas partes (que se utilizam de mecanismos processuais para delongar a resolução da lide), sendo necessário buscar formas de solucionar as demandas em curso, nada mais justo que utilizar do instrumento benéfico que são as serventias extrajudiciais – que possuem, ainda, mais uma característica interessantíssima: a capilaridade. Isso significa que os cartórios estão presentes em todos os municípios brasileiros, por mais afastados que estes possam ser, sempre havendo pelo menos um na localidade, prestando serviços à população. Segundo a Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo, há mais unidades extrajudiciais do que agências lotéricas e dos Correios (ANOREGSP, 2016, p. 25), distribuídas pelo País. Vê-se, pois, o enorme potencial ainda não completamente explorado que possuem os cartórios, que poderiam contribuir ainda mais com a descentralização de vários atos que hoje ainda dependem de atuação judicial, com segurança jurídica, rapidez e diminuição de custos, atuando em conjunto com o Poder Judiciário na pacificação social. Desde a promulgação da Lei 11.441/07, que permite a cartórios formalizar divórcios, partilhas e inventários, mais de 1,3 milhão de atos foram oficializados em tabelionatos de todo o Brasil. Desse total, 500 mil foram feitos apenas em São Paulo. Os dados são da central de dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB). Segundo o CNB, o fato de os cartórios terem assumido essas responsabilidades evitou um custo de R$ 3 bilhões à Justiça de todo o Brasil e de R$ 1,2 bilhão ao governo paulista. Os valores foram calculados pela entidade com base em estudo de 2013 do Centro de Pesquisas sobre o Sistema de Justiça brasileiro (CPJus) (CONJUR, 2016). 11 Não se pretende, com o presente estudo, afirmar que a extrajudicialização é a solução para todos os problemas que o Poder Judiciário enfrenta na atualidade. Existem várias questões sérias que precisam ser levadas em consideração e investigadas a fundo, como, por exemplo, o fato de que “o Estado é, de longe, o maior litigante judicial, abarcando em suas três esferas cerca de 70% dos processos em tramitação” (RODRIGUES, 2014). Porém, não se pode negar que a transmissão de mais responsabilidades, inclusive mediante alterações legislativas, em conjunto com mais investimento para as serventias extrajudiciais, tem a capacidade de contribuir consideravelmente para desafogar a malha judiciária brasileira e contemplar os direitos constitucionais de acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana. 3.3 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO EXTRAJUDICIAIS 3.3.1 Legislação e Decisões Existentes na Atualidade sobre a Matéria O Conselho Nacional de Justiça, com a Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010, cuja finalidade era tratar acerca da chamada Política Judiciária Nacional, inovou a ordem jurídica pátria, com foco na resolução de contendas de interesses sob a égide do Poder Judiciário, dentre outras providências. Em tal normativa, foram criados diversos órgãos, dentre eles os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), entes vinculados ao Tribunal de Justiça, caracterizados por serem desconcentrados do Poder Judiciário – ou seja, os agentes vinculados a tais centros, atuantes como conciliadores e mediadores, continuam remunerados pelos cofres públicos. Dessa forma, em consonância com a intenção do Conselho Nacional de Justiça em reduzir os litígios levados ao crivo do judiciário, o então Corregedor Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, editou o Provimento n. 17, de 05 de junho de 2013, que autorizava notários e registradores a realizarem mediação e conciliação nas Serventias em que são titulares. Entretanto, a Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de São Paulo, entrou com pedido de providências perante o Conselho Nacional de Justiça, solicitando a suspensão dos efeitos de tal normativa estadual, que foi concedida, sob a alegação de que a Corregedoria Geral de Justiça (ente administrativo) não teria competência para agregar tais funções aos cartórios, mas apenas a lei estadual. Após grande celeuma, o referido provimento da Corregedoria paulista foi revogado, pelo Provimento n. 31/2016. 12 Nesse ínterim, foi editada a Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015, autorizando expressamente a mediação extrajudicial. Na mesma toada, o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015), que entrou em vigor no ano de 2016, também recepcionou essa possibilidade, estimulando ainda mais os procedimentos que visem à pacificação social extraprocessualmente. O Conselho Nacional de Justiça já havia, um pouco antes, em 08 de março de 2016, expedido a Emenda 02 ao texto da Resolução n. 125, ampliando e aprimorando as diretrizes trazidas em tal regramento, autorizando expressamente a conciliação e mediação realizadas por entes privados. Alguns Estados da Federação, inclusive, já editaram normas permitindo e regulamentando a mediação e a conciliação pelas serventias extrajudiciais, como é o caso do Tribunal de Justiça do Maranhão e do Rio Grande do Norte. Em São Paulo, ainda está em elaboração a normativa que autorizará que as unidades realizem esse serviço. Ressalte-se que, apesar da contestação da classe advocatícia, sobretudo a Ordem dos Advogados do Brasil, a Lei de Mediação acima referida não trouxe obrigatoriedade da participação de causídico nas mediações e conciliações ali regidas. Não obstante, por motivo dessa regulamentação esparsa, cada Estado criando normas de acordo com sua conveniência e possibilidade, o Conselho Nacional de Justiça foi instado a se pronunciar sobre o tema, de forma nacional.3.3.2 Consulta n. 0003416-44.2016.2.00.0000 ao Egrégio Conselho Nacional de Justiça Recentemente, no mês de julho do corrente ano, o Conselho Nacional de Justiça foi provocado a se manifestar acerca de duas questões envolvendo a atividade de mediação e conciliação por notários e registradores: primeiro, com relação à possibilidade destes atuarem como conciliadores e mediadores judiciais voluntários e não remunerados; e, segundo, no tocante à possibilidade de atuação nas próprias serventias extrajudiciais. Na mencionada consulta, de número 0003416-44.2016.2.00.0000, ficou decidido que, quanto à primeira questão, não haveria vedação para que notários e registradores atuem como conciliadores e mediadores no âmbito dos processos judicias, sempre em caráter voluntário. Isso porque a Lei n. 8.935/94 prevê expressamente a incompatibilidade da atividade notarial e registral com certas funções – como a da advocacia e/ou outros cargos, empregos ou funções públicas, ocupações estas em que há vínculo jurídico e remuneração próprias. Porém, no que tange à atividade de conciliação e mediação judiciais voluntárias, estas não possuem tais características geradoras de incompatibilidade. 13 Ademais, como ressaltado na consulta, não seria razoável impedir notários e registradores, especialmente quando bacharéis em direito, possuidores de apreciável saber jurídico, de contribuírem substancialmente para a resolução dos conflitos judiciais – e, ainda, de forma não remunerada, sem pesar nos cofres públicos. Importante ressaltar que a autorização foi dada apenas no âmbito dos chamados Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou CEJUSCs), e desde que haja supervisão direta de um magistrado. Contudo, no que tange à segunda questão, acerca da possibilidade de prestação de serviço de conciliação e mediação remuneradas pelos notários e registradores no âmbito dos cartórios extrajudiciais, a consulta foi desfavorável, enquanto não houver uma normativa nacional sobre o tema, a ser editada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, que abranja certas exigências mínimas, quais sejam: [...] a) obrigatoriedade da existência prévia de centro judiciário de solução consensual de conflitos na comarca ou subseção em que o cartório extrajudicial pretender atuar; b) sujeição das atividades referentes aos meios consensuais prestadas pelo cartório à fiscalização por parte do juiz coordenador do centro judiciário de solução consensual de conflitos respectivo; c) sujeição dos cartórios extrajudiciais, bem como de seus conciliadores e/ou mediadores, à legislação pertinente, especialmente no tocante à capacitação, ao cadastramento, ao regime de avaliação, aos impedimentos, às suspeições e às sanções; d) estabelecimento de contrapartida de sessões de conciliação e mediação não remuneradas a serem suportadas pelos cartórios extrajudiciais, em percentual superior ao estabelecido para as Câmaras Privadas; e) prestação de serviços relativos aos meios consensuais pelos cartórios extrajudiciais limitadas ao âmbito das respectivas competências [...] (ARPENSP, 2017). Tal premissa foi imposta pelo Conselho Nacional de Justiça com fins de uniformizar tanto a abordagem do tema pelos Estados da Federação, quanto a fiscalização pelo Poder Judiciário, evitando-se, assim, que haja diferença no tratamento da conciliação e mediação extrajudiciais entre os estados. Portanto, é possível se concluir que a tendência nacional é, sim, pela extrajudicialização dos procedimentos judiciais, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça, pelos seus representantes na Corregedoria Nacional, conceberem uma norma federal que acolha as peculiaridades de cada porção do Brasil, possibilitando que notários e registradores de todos os Estados possam trabalhar cada vez mais pela solução rápida e eficiente dos conflitos fora do âmbito judicial. 14 3.4 ATUAÇÃO PREVENTIVA Interessante realçar uma característica primordial que possuem os notários e registradores à frente das serventias extrajudiciais pátrias: a imparcialidade, diferenciando-os dos demais profissionais liberais do direito – característica essa essencial também aos magistrados, consagrando-se, inclusive, como princípio constitucional. O notário e o registrador são profissionais imparciais que têm o dever de defender igualmente os interesses de ambas as partes, sem privilegiar qualquer delas, independentemente de pressões ou influências de qualquer natureza. Por tal motivo, o art. 28 da Lei n. 8.935/94, garante a independência destes agentes, bem como os direitos de percepção dos emolumentos integrais e de somente perder a delegação nas hipóteses previstas em lei e mediante o devido processo legal. A imparcialidade protege não apenas os intervenientes ou interessados no ato notarial e registra!, como também os terceiros e está em sintonia com as exigências do moderno direito contratual que se caracteriza pela busca do equilíbrio entre as partes e pela proteção daquela considerada hipossuficiente. É justamente esta característica que diferencia o tabelião e o oficial de registro de outros profissionais liberais do direito e os converte no operador jurídico ideal para intervir na prevenção e resolução extrajudicial das controvérsias, como é o caso das atividades de conselho e mediação (LOUREIRO, 2017, p. 62-63). Outrossim, a utilização do aparato dos cartórios, que, em sua maioria, não onera o Estado (à exceção daqueles ainda não privatizados), para a execução desse tipo de tarefa, não se mostra apenas viável, mas também uma consequência lógica da atividade semelhante que já está sendo realizada vocacionalmente nos cartórios desde a edição da Lei n. 11.441/2007. O Brasil é um País quase único, com dimensões continentais. Nós temos essa rede de cartórios bem estruturada, mas nós ainda a utilizamos pouco. As iniciativas que nós tivemos, de levarmos para os cartórios algo que era do Poder Judiciário e que não precisava estar lá, como nos casos de divórcio, separação que não haja inventário e que não haja litígio, foram fundamentais, porque mostraram que é possível sim utilizarmos os cartórios. Isto foi a quebra de um paradigma. Antes tudo tinha que ir para a Justiça, mas foi provado que não, que é possível sim que alguns conflitos, algumas situações, pudessem ser desjudiciadas. Esse foi o primeiro passo. Agora, o segundo passo nos parece ser o da mediação, que veio de forma definitiva para cada vez mais consagrar os cartórios como órgãos que também fazem parte do acesso à Justiça no nosso País (CAETANO, 2014). Muitos municípios, importante asseverar, não possuem órgãos do Poder Judiciário (ou mesmo defensorias públicas e/ou Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, para os casos de advocacia dativa) instalados em seu território, sendo necessário, nessas situações, que os cidadãos se dirijam à Comarca para buscar a solução de suas demandas judicialmente. Em contrapartida, os cartórios extrajudiciais, como já mencionado anteriormente, estão presentes 15 em todos os municípios do País, e até mesmo em alguns distritos, a depender da localidade e da necessidade. Ainda, interessante destacar que a atuação desses profissionais do direito, dotados de fé pública, de forma diversa da que ocorre com o Poder Judiciário, se dá preventivamente: isto é, evitando que o conflito se instaure e bata às portas da jurisdição, oportunizando “a conclusão de acordos claros e equilibrados, assegurando-se às partes a manifestação de seu consentimento esclarecido e, em nosso país, a assistência de advogados em vários casos” (LOUREIRO, 2017, p. 1029). CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo teve como finalidade tratar do extraordinário potencial – ainda pouquíssimoexplorado – que possuem as serventias extrajudiciais (mais conhecidas como “cartórios”) para contribuírem com a garantia constitucional do acesso à Justiça, mediante auxílio ao Poder Judiciário, trabalhando em conjunto com os agentes jurisdicionais para obter a pacificação social e evitar o estabelecimento de lides, mediante atuação preventiva. Além de os notários e registradores brasileiros serem profissionais do direito de notório saber jurídico, aprovados, em sua maioria, em concursos públicos de provas e títulos após a edição da Constituição Federal de 1988, plenamente qualificados para assessorarem juridicamente as partes na resolução de conflitos, tem-se, também, como atributo marcante a capilaridade dos cartórios, que se encontram instalados na maioria dos municípios do Brasil, evitando, assim, que os cidadãos, especialmente aqueles de baixa renda, tenham que se deslocar à comarca mais próxima para realizarem os principais atos da vida civil. Desta forma, cientes da aptidão que as serventias extrajudiciais possuem para ter um papel cada vez mais relevante na vida dos cidadãos, faz-se necessário não apenas conscientizar a população acerca da importância que possuem os cartórios, afim de garantir a autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos fatos, atos e negócios jurídicos, mas também buscar formas de se ampliar as atribuições a eles delegadas, notadamente em procedimentos que podem ser realizados de forma bem mais célere – e com a mesma segurança e validade – do que no Poder Judiciário, para que este possa se debruçar de forma mais prolongada e pormenorizada sobre demandas que necessitem de maior estudo e consideração. Já são vários os exemplos bem-sucedidos dessa parceria entre a Justiça e os Cartórios – notadamente a realização de escrituras públicas de separação, divórcio e inventários 16 extrajudiciais; e o mais discutido projeto relativamente ao tema na atualidade se trata da realização da mediação e conciliação de forma extrajudicial – cuja possibilidade já foi sinalizada pelo Conselho Nacional de Justiça, carecendo apenas de regulamentação nacional para serem implantadas. Ainda assim, há um vasto território ainda não explorado, que pode contribuir imensamente para garantir, de forma mais efetiva, as prerrogativas constitucionais de acesso à justiça e dignidade da pessoa humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO; SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO. Revista Cartórios com Você, São Paulo, ed. 4, ano 1, jul./ago. 2016. ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO. Processo CG nº 2017/24508 - Decisão proferida em consulta ao CNJ acerca de mediação e conciliação no âmbito extrajudicial. São Paulo, 04 jul. 2017. Disponível em: <http://www.arpensp.org.br/index.php? pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NTQ5MTQ=&filtro=&Data=&dia=>. Acesso em: 18 set. 2017. ATOS EM cartórios retiraram 1,3 milhão de processos da Justiça. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 25 jul. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jul-25/atos-cartorios-retiraram-13-milhao-processos- justica>. Acesso em: 13 nov. 2016. BANCO MUNDIAL. Fazendo com que a Justiça Conte: Medindo e Aprimorando o Desempenho do Judiciário no Brasil. Unidade de Redução de Pobreza e Gestão Econômica. América Latina e Caribe, 2004. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/bancomundial.pdf>. Acesso em: 09 set. 2016. BARBOSA, Oriana Piske de Azevêdo; DA SILVA, Cristiano Alves. Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Âmbito do Novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei Nº 13.105/15). 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