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Nathalia de Tarso Avaliação Multidimensional do Idoso: Funcionalidade e Síndromes Geriátricas Avaliação Multidimensional ↣ A realização da avaliação multidimensional do idoso é um processo diagnóstico utilizado para avaliar globalmente a saúde da pessoa idosa. ↣ O Relatório Mundial sobre Envelhecimento e Saúde (OMS, 2015), define o envelhecimento saudável como “o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional que permite o bem-estar na idade avançada”. ↣ Já a capacidade funcional é definida como a interação entre os recursos físicos e mentais do próprio indivíduo (a capacidade intrínseca da pessoa) e os ambientes (físicos e sociais) em que este indivíduo está inserido, para a realização de atividades consideradas importantes para si e para sua sobrevivência (MORAES, 2012). Segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), os componentes da saúde são a funcionalidade e a incapacidade. Funcionalidade: abrange todas as funções do corpo, atividades e participação social; Incapacidade: abrange as deficiências, limitação das atividades ou restrição da participação social. ↣ As funções do corpo são as funções dos sistemas fisiológicos e representam a perspectiva corporal da funcionalidade. A perda dessa função provoca um nível de incapacidade denominado deficiência (perspectiva corporal da incapacidade) (MORAES, 2012). ↣ Restrições da participação social são problemas que um indivíduo pode enfrentar quando está envolvido em situações reais da vida (perspectiva social da incapacidade) (FARIAS; BUCHALLA, 2005). ↣ Dessa forma, a revisão dos sistemas fisiológicos corresponde à avaliação da funcionalidade das estruturas e funções do corpo (deficiências), enquanto que a revisão das funções corresponde à avaliação das atividades (limitação) e da participação social (restrição) ↣ O envelhecimento normal (senescência) está associado com alterações estruturais e funcionais nos sistemas fisiológicos principais como sistema nervoso, cardiovascular, respiratório, digestivo, gênito-urinário, locomotor, entre outros. As alterações normais do envelhecimento são: Sarcopenia: redução da massa muscular; Osteopenia: redução da massa óssea; Redução do conteúdo de água corporal; Redução da capacidade aeróbica, dentre outros. ↣ Normalmente, o indivíduo apresenta uma lentificação global no desempenho das tarefas do cotidiano (limitação das atividades). Esse declínio funcional fisiológico tende a afetar somente aquelas funções que não são essenciais para a manutenção da homeostasia do organismo na velhice. ↣ Desse modo, a proposta da avaliação multidimensional do idoso é distinguir problemas que até então eram Nathalia de Tarso atribuídos ao processo de envelhecimento (problemas “da idade”) e, portanto, não abordados de forma adequada. Trata-se de um processo global e amplo que envolve o idoso e a família, e visa definir o diagnóstico multidimensional e estabelecer o plano de cuidados individualizado. Figura: Papel/oportunidades de ação de saúde pública durante o curso da vida Figura: Plano de cuidados para pessoa idosa a partir do Diagnóstico multidimensional Funcionalidade Global ↣ Toda a abordagem geriátrica tem como ponto de partida a avaliação da funcionalidade global, através das atividades de vida diária básicas (AVDB), instrumentais (AVDI) e avançadas. ↣ O principal sintoma a ser investigado é a presença de declínio funcional. ↣ A perda funcional nunca será “normal da idade”. Se o idoso deixou de fazer algo que ele fazia antes, é preciso investigar qual ou quais dimensões foram responsáveis por essa perda funcional a fim de intervir, na tentativa de melhorar sua funcionalidade ou, pelo menos, evitar sua piora, evitando as incapacidades (MORAES, 2012). Figura: Instrumentos e Dimensões da Avaliação Multidimensional Sistemas Funcionais Principais ↣ A avaliação desses sistemas deve incluir testes ou escalas apropriadas para a análise da cognição, humor, mobilidade e comunicação. ↣ Esses instrumentos utilizados apresentam vantagens e desvantagens e, por isso, não devem ser utilizados como critérios diagnósticos ou para definição etiológica, mas sim como indicadores da presença de incapacidades (MORAES, 2012). 1. Cognição É um conjunto de capacidades mentais que permitem ao indivíduo compreender e resolver os problemas do cotidiano. É responsável pela nossa capacidade de decidir. Juntamente com o humor (motivação), é fundamental para a manutenção da autonomia. É composta por: Memória: capacidade de armazenamento de informações; Função executiva: capacidade de planejamento, antecipação, sequenciamento e monitoramento de tarefas complexas; Linguagem: capacidade de compreensão e expressão da linguagem oral e escrita, Praxia: capacidade de executar um ato motor; Nathalia de Tarso Gnosia/percepção: capacidade de reconhecimento de estímulos visuais, auditivos e táteis; e Função visuoespacial: capacidade de localização no espaço e percepção das relações dos objetos entre si (MORAES, 2012). 2. Humor ↣ É uma função indispensável para a preservação da autonomia do indivíduo, sendo essencial para a realização das AVD. ↣ A presença de sintomas depressivos é frequente entre os idosos e tende a ser negligenciada. E não se trata de uma consequência natural do envelhecimento. Existe a depressão-sintoma e a depressão-doença. ↣ A depressão refere-se a uma síndrome psiquiátrica caracterizada por humor deprimido, perda do interesse ou prazer, alterações do funcionamento biológico, com repercussões importantes na vida do indivíduo e com uma duração de meses a anos. ↣ Está entre as três principais causas de incapacidade no mundo moderno e constitui-se em verdadeira “epidemia silenciosa”, cuja importância na morbimortalidade geral se aproxima à observada nas doenças crônico-degenerativas (MORAES, 2012). 3. Mobilidade ↣ Fundamental para a execução das decisões tomadas (independência funcional), responsável pelo deslocamento do indivíduo e manipulação do meio. A capacidade de deslocamento é avaliada através da postura, marcha e transferência. A capacidade de manipulação do meio depende dos membros superiores, responsáveis pelo alcance, preensão e pinça. A capacidade aeróbica fornece a energia necessária para o gasto energético inerente a toda atividade muscular. A continência esfincteriana é decisiva para a independência do indivíduo. A perda do controle esfincteriano é causa importante de restrição da participação social, limitando a mobilidade e levando ao isolamento social do indivíduo (MORAES,2012). 4. Comunicação ↣ É uma atividade primordial do ser humano. ↣ A possibilidade de estabelecer um relacionamento produtivo com o meio, trocar informações, manifestar desejos, ideias e sentimentos está intimamente relacionada à habilidade de se comunicar. ↣ É através dela que o indivíduo compreende e expressa seu mundo. Problemas de comunicação podem resultar em perda de independência e sentimento de desconexão com o mundo, sendo um dos mais frustrantes aspectos dos problemas causados pela idade. A incapacidade comunicativa pode ser considerada importante causa de perda ou restrição da participação social (funcionalidade), comprometendo a capacidade de execução das decisões tomadas, afetando diretamente a independência do indivíduo. Sinais de Alerta que podem comprometer a Capacidade Funcional ↣ Considerando a redução da reserva homeostática no processo de envelhecimento e a maior chance de irreversibilidade quando se instalam perdas funcionais, é muito importante que na avaliação multidimensional realizada na AB as equipes de saúde identifiquem e fiquem atentas a alguns sinais de alerta ou condições crônicas de saúde que podem provocar ou agravaro declínio da capacidade funcional da pessoa idosa, comprometendo a sua autonomia e/ou independência para a realização das AVD e, por conseguinte, sua qualidade de vida. ↣ A identificação de determinadas situações deve fazer com que as equipes da AB considerem a necessidade de avaliar mais detalhadamente os aspectos comprometidos. Importante: Portanto, faz-se necessário que os profissionais de saúde tenham familiaridade e expertise para o reconhecimento dos transtornos depressivos no idoso, utilizando-se instrumentos estruturados ou escalas de depressão. Nathalia de Tarso Entre os sinais de alerta destacam-se: Multimorbidades (≥ 5 diagnósticos); Polifarmácia (≥ 5 medicamentos/dia); Internações recentes (mais de duas internações nos últimos seis meses); Incontinência esfincteriana (urinária e/ou fecal); Quedas recorrentes (duas ou mais nos últimos 12 meses); Alteração de marcha e equilíbrio. Comprometimento cognitivo (perda de memória, desorientação espacial e temporal...); Comprometimento sensorial (visão, audição); Dificuldades de comunicação; Isolamento social; Insuficiência familiar; Sinais e sintomas de transtorno de humor (depressão, ansiedade); Perda de peso não intencional (mínimo 4,5 kg ou 5% do seu peso corporal) no último ano; Suspeitas de violência; Dificuldade de mastigação e/ou deglutição, engasgos e/ou tosses recorrentes. As respostas do sistema de saúde precisam manejar essas condições, com intervenções mais eficientes, eficazes e efetivas para melhorar a saúde da pessoa idosa. Essas intervenções implicam (MORAES, s/d): 1. Suspensão de intervenções diagnósticas e/ou terapêuticas inadequadas (desprescrição) – prevenção quaternária; 2. Definição de metas terapêuticas individualizadas de acordo com o nível de funcionalidade do indivíduo; 3. Tratamento adequado de condições subdiagnosticadas e subtratadas (prescrições corretas); 4. Reabilitação (prevenção terciária); 5. Prevenção Secundária; 6. Prevenção Primária (BRASIL, 2018). Estratificação dos Perfis de Funcionalidade A partir da avaliação das dimensões clínica, psicossocial e funcional podemos estratificar a pessoa idosa em 3 perfis distintos, que irão guiar o raciocínio clínico e tomadas de decisão, são eles: 1) PERFIL 1 - Pessoas idosas independentes e autônomas para realizar as AVDs. ↣ Incluem-se neste grupo as pessoas idosas que realizam suas atividades de forma independente e autônoma, sem necessidade de ajuda de terceiros e de nenhum tipo de adaptação ou modificação. 2) PERFIL 2 - Pessoas idosas com necessidade de adaptação ou supervisão de terceiros para realizar AVDs. Incluem-se nesse grupo as pessoas idosas que: a) Realizam as atividades de forma adaptada: as atividades são realizadas com algum tipo de modificação ou de forma diferente da habitual ou mais lentamente. ↣ Para realizar as atividades da vida diária necessitam de algum tipo de modificação/adaptação do ambiente ou do mobiliário ou, ainda, da forma de execução, como por exemplo, passar a fazer sentada uma atividade que antes realizava em pé. ↣ Também são incluídas neste perfil pessoas que necessitam de alguma adaptação que permita a execução das atividades, como o uso de lentes ou de lupas para leitura, de um aparelho auditivo ou de outros tipos de órteses e próteses. ↣ Com as adaptações e modificações, a pessoa idosa não depende de terceiros para realizar as AVDs, isto é, tem uma independência modificada. b) Realizam as atividades com auxílio de terceiros: nesses casos, as pessoas idosas conseguem realizar as AVDs com algum preparo ou alguma supervisão de terceiros. ↣ Há necessidade do auxílio de outra pessoa para a atividade ser realizada, mas a própria pessoa idosa a realiza, isto é, outra pessoa participa em alguma etapa, realiza algum preparo ou supervisiona a atividade. ↣ Na supervisão, há a presença de terceiros sem a necessidade de contato físico, como por exemplo: a pessoa necessita de incentivo, de pistas para completar Nathalia de Tarso uma atividade ou a presença de outra pessoa é necessária como medida de segurança. ↣ Em algumas situações há necessidade de um preparo prévio para a atividade ser realizada, como por exemplo, a colocação de uma adaptação para alimentação, colocar pasta na escova de dentes etc. ↣ Sendo assim, embora apresentem declínio funcional e dificuldades para a realização de AVDs de forma independente, conseguem realizá-las com adaptação ou auxílio/supervisão de terceiros; são consideradas pessoas em risco de se tornarem totalmente dependentes, dada a condição de saúde apresentada e as intervenções realizadas. ↣ Nesse sentido, o cuidado deve ter como foco a manutenção das funções ainda preservadas e a reabilitação dos aspectos comprometidos. 3) PERFIL 3. Pessoas idosas dependentes de terceiros para realizar as atividades da vida diária ↣ Incluem-se neste grupo aquelas pessoas idosas que não realizam as AVDs sozinhas e encontram-se totalmente dependentes de terceiros para realizá-las. ↣ Elas não participam de nenhuma etapa da atividade e há a presença de terceiros com a necessidade de contato físico para realizá-las, como por exemplo, dar banho, vestir, alimentar, mudar de decúbito, fazer a transferência da cama para a cadeira ou vice-versa, entre outras. ↣ Essas pessoas idosas apresentam declínio funcional estabelecido, com necessidade de acompanhamento contínuo para a realização das atividades básicas da vida diária; trata-se de pessoas que têm sua capacidade funcional mais comprometida, que já perderam a capacidade para a realização das atividades mais complexas da vida e apresentam comprometimento também para a realização das atividades mais simples para o próprio cuidado. ↣ Para essas pessoas, o foco do cuidado deve estar na prevenção terciária e quaternária, gerenciando as condições crônicas e oferecendo cuidados prolongados. O acompanhamento domiciliar deve ser planejado, visando à reabilitação possível, os cuidados paliativos e o suporte à família e aos cuidadores. Referências Bibliográficas Moraes, Edgar Nunes Atenção à saúde do Idoso: Aspectos Conceituais. / Edgar Nunes de Moraes. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012. 98 p.: il. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Orientações técnicas para a implementação de Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa no Sistema Único de Saúde – SUS [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2018. 91 p. : il.
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