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Claro enigma Fuvest Henrique Landim (1)

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10/11/2020
1
Claro Enigma
Carlos Drummond de 
Andrade
HENRIQUE LANDIM / FUVEST 2021
www.literaturafuvest.com.br
AUTOR: Carlos Drummond de Andrade
ANO DE PUBLICAÇÃO: 1951
GÊNERO LITERÁRIO: o livro é uma produção do gênero lírico. Na orelha do
obra, encontramos as seguintes informações: “Claro enigma representa um
momento muito especial na longa carreira de Carlos Drummond de Andrade.
Valendo-se de uma dicção mais clássica, o poeta revisita as formas que haviam sido
abandonadas pelo Modernismo (como o soneto, modalidade empoeirada e
passadista), afirma seu amor pela obra de titãs como Dante e Camões, busca a
forma difícil. Mas sem jamais abandonar o lirismo e a agudeza de sua melhor
poesia, representada com intensidade e engenho nesse que é um dos livros mais
importantes da carreira do autor”.
OBRA:CLARO ENIGMA 
MOVIMENTO LITERÁRIO: Em
termos de cronologia, o livro está
inserido ao que nomeamos de 3°
Tempo Modernista (1945-70),
momento caracterizado, ao mesmo
tempo por uma arte experimental
(Fase Instrumentalista e
Concretismo) e de tendência ao
conservadorismo (Geração de 45).
Contudo, Drummond é um dos
maiores representantes do 2ºTempo
Modernista (arte de alto teor
engajado).
LEITURA 1:
De acordo com os dizeres da estudiosa Maria Márcia Matos Pinto (2002, p.
81), não é exagero considerar as seis partes de Claro enigma “uma via crucis
que atravessa diversos planos da existência humana – o amor, a memória, o
tempo, o mundo do sonho e do cotidiano – para chegar à resposta de um
enigma”. Assim sendo, cabe nos perguntar, afinal, qual é o enigma presente
no livro. A estudiosa trata de nos responder, sem muito se estender: “a
própria existência humana, o valor do ser no mundo” (PINTO, 2002, p. 81).
INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO:
LEITURA 2 :
O poema “Oficina irritada”, do livro Claro enigma, é concluído da seguinte
maneira: “Ninguém o lembrará: tiro no muro, / cão mijando no caos,
enquanto Arcturo, / claro enigma, se deixa surpreender”. Neste caso, a noção
expressada pelo título do livro se relaciona a uma poesia evidentemente
difícil/enigmática.
INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO:
www.literaturafuvest.com.br
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE:
Nasce em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 1902.
Em 1925, participa d’A Revista, porta-voz de um grupo de
jovens mineiros e estabelece contato com os modernistas do
Rio e São Paulo, principalmente Manuel Bandeira e Mário de
Andrade.
Sua atividade poética atravessará mais de 60 anos, sendo considerado, quase por
unanimidade, o mais totalizante e o mais significativo poeta do século XX no Brasil.
Em 1930 publica Alguma Poesia, que, com Brejo das Almas, seu segundo livro,
melhor realizou a unidade entre a poesia de 22 e a de 30.
Em 1933, passa a morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou como funcionário
público e escreveu diariamente para jornais, ao longo de 50 anos. Nesta cidade veio a
falecer, em 1987, aos 85 anos.
10/11/2020
2
A ORGANIZAÇÃO DO LIVRO:
 Claro Enigma possui 42 poemas distribuídos em seis seções:
o I – “Entre Lobo e Cão” (18 poemas);
o II – “Notícias amorosas” (7 poemas);
o III – “O menino e os homens” (4 poemas);
o IV – “Selo de Minas” (5 poemas);
o V – “Os lábios cerrados” (6 poemas);
o VI – “A máquina do mundo” (2 poemas).
A EPÍGRAFE:
O livro é aberto por meio de uma epígrafe
retirada de Paul Valéry: “Les événements
m’ennuient”. Traduzindo-a temos os
acontecimentos me enfastiam. Na orelha do
livro, temos a seguinte informação acerca
dela: “Embora eloquente, a citação não
corresponde completamente à realidade,
pois Drummond não vira completamente
as costas para a vida. Ao contrário, a
experiência palpável aparece em cada verso
do livro, ainda que estrategicamente
ocultada por uma lírica que não se entrega
ao fácil graças a uma visão algo desiludida
do tempo e dos homens”
Paul Valéry foi um escritor,
ensaísta, poeta e filósofo
francês.
O PERCURSO LITERÁRIO DO AUTOR: AS FASES DRUMMONDIANAS:
1ª FASE / EU > MUNDO:
• Fase “Gauche”: posicionamento marginal / torto / esquerdista
• Distanciamento social
• Fase do isolamento e incomunicabilidade do eu (“Mundo mundo vasto mundo, mais 
vasto é meu coração”)
• Pessimismo / Incomunicabilidade/ Isolamento
• “Esse primeiro Drummond procurava estabelecer uma ligação entre o interno e o 
externo” (Luís Costa Lima)
• Uso da “Blague”: poema piada que será a tentativa do escritor em estabelecer um elo 
com o mundo externo
• Tom muito próximo à Geração de 1922
• Reflexões metapoéticas: fazer um poema que explica a própria estrutura do poema
Ex. Alguma poesia (1930)
POEMA DE SETE FACES
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
[...]
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
[...]
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, C. D. Poesia até agora. Rio de Janeiro: J. 
Olympio, 1948.
AS FASES DRUMMONDIANAS:
2ª FASE: EU < MUNDO
MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade
O presente é tão grande, não nos afastemos
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes
A vida presente (ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983, p. 132)
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AS FASES DRUMMONDIANAS:
2ª FASE: EU < MUNDO
• “A vida apenas sem mistificação” / mergulho na ação política 
• “O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes / A vida presente” 
/ a arte poética do escritor está intimamente ligada ao mundo concreto (arte 
materialista)
• “Não o meu coração não é maior do que o mundo”/ escritor se opõe ao posicionamento 
da fase anterior
• Poesia engajada: toda produção cultural que procura alterar a ordem histórica de uma 
sociedade
• Predomínio do projeto ideológico sobre o projeto estético
Ex. Sentimento do Mundo (1940) e A rosa do povo (1945)
AS FASES DRUMMONDIANAS:
3ª FASE: EU >= MUNDO
• Em Claro enigma temos “nova fase, pautada por certo “desencanto que sobreveio à fugaz
experiência da poesia política” (BOSI, 2013, p. 471).
• Divórcio entre o povo e a poesia.
• Nessa fase, notamos um Drummond “desenganado com a capacidade de intervir no
mundo, Drummond experimenta o fim da esperança engajada que conhecera em meados
dos anos 40, em A rosa do povo. (SCHNEIDER; MINANI, 2011 apud OLIVEIRA; SOUZA, p.
180, 2016).
• A obra, à medida que avança, recua ao passado por meio dos temas da memória, morte e
da família (diálogo com Manuel Bandeira).
• Os eventos históricos do Brasil e do mundo não aparecem nessa fase. A poesia que foi 
altamente participante, agora volta-se para o mundo interior.
Ex. Claro enigma (1951)
CONTEXTO HISTÓRICO:
Conforme realça Murilo Marcondes de Moura (2012, p. 15), o livro é escrito
“na mesma década em que o Brasil experimentava uma euforia de
renovação (no plano artístico, teríamos o aparecimento da bossa nova e do
concretismo, no político haveria JK e a construção de Brasília no planalto
central)”. Portanto, a escrita de Claro enigma se dá nesse cenário de avanços
tecnológicos e de renovação política, evidenciada pela fundação de Brasília,
que passa a ocupar o posto de capital do país, antes o Rio de Janeiro.
CONTEXTO HISTÓRICO:
É a partir de um olhar para o passado que Drummond elabora o seu enigma, de
modo a tornar possível que se perceba certa desilusão quanto ao destino do
mundo, notado a partir das ameaças proporcionadas pela Guerra Fria, conflito
entre o capitalista Estados Unidos e a extinta URSS, estado socialista encabeçado
pela Rússia. A partir desse conflito,há de se notar certo desencanto por parte de
Drummond, o que justifica a sua mudança de postura depois de A rosa do povo.
Assim sendo, chama a nossa atenção Bosi (2013, p. 471, itálico do autor), que o
mundo passa a estar atrelado “ao neocapitalismo, à tecnocracia, às ditaduras de
toda sorte, ressoou dura e secamente no eu artístico do último Drummond, que
volta, com frequência, à aridez desenganada dos primeiros versos”. A aridez
desenganada a que se refere Bosi (2013) é anunciada em Claro enigma já na
epígrafe escolhida para a obra, como se verá a seguir.
ANÁLISE DE POEMAS I – ENTRE O LOBO E O CÃO
A maior do livro, sendo composta por 18 poemas. Nela, há a reflexão acerca do tempo, da
passagem dos anos, e do papel a ser desempenhado pelo “eu lírico” nesse cenário.
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Dissolução
Escurece, e não me seduz
tatear sequer um lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.
E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.
Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem no vácuo.
Habito alguma?
E nem destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.
E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
Já não oprime. Assim a paz,
destroçada.
Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.
Imaginação, falsa demente,
Já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010, Record, p. 15)
A INGAIA CIÊNCIA
A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,
a madureza vê, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.
A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência
e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência. 
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010, 
Record, p. 18)
PERGUNTAS EM FORMA DE CAVALO-MARINHO
Que metro serve
para medir-nos?
Que forma é nossa
e que conteúdo?
Contemos algo?
Somos contidos?
Dão-nos um nome?
Estamos vivos?
A que aspiramos?
Que possuímos?
Que relembramos?
Onde jazemos?
(Nunca se finda
nem se criara.
Mistério é o tempo
inigualável (ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de 
Janeiro, 2010, Record, p. 21)
MEMÓRIA
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010,
Record, p. 26)
OFICINA IRRITADA
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010,
Record, p. 38).
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II – NOTÍCIAS AMOROSAS
Os poemas estão concentrados no sentimento do amor. A ideia de amor, no
entanto, não se restringe apenas ao amor romântico, mas sim todo aquele capaz
de permear as nossas vidas.
FRAGA E SOMBRA
A sombra azul da tarde nos confrange. 
Baixa, severa, a luz crepuscular. 
Um sino toca, e não saber quem tange 
é como se este som nascesse do ar. 
Música breve, noite longa. O alfanje 
que sono e sonho ceifa devagar 
mal se desenha, fino, ante a falange 
das nuvens esquecidas de passar. 
Os dois apenas, entre céu e terra, 
sentimos o espetáculo do mundo, 
feito de mar ausente e abstrata serra. 
E calcamos em nós, sob o profundo 
instinto de existir, outra mais pura 
vontade de anular a criatura.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010,
Record, p. 47).
III – O MENINO E OS HOMENS
Essa parte é construída dentro de um projeto semelhante ao das odes, isto é,
seção articulada para elogiar algumas pessoas.
O CHAMADO
Na rua escura o velho poeta
(lume de minha mocidade)
já não criava, simples criatura
exposta aos ventos da cidade.
Ao vê-lo curvo e desgarrado
na caótica noite urbana,
o que senti, não alegria,
era, talvez, carência humana.
E pergunto ao poeta, pergunto-lhe
(numa esperança que não digo)
para onde vai — a que angra serena,
a que Pasárgada, a que abrigo?
A palavra oscila no espaço
um momento. Eis que, sibilino,
entre as aparências sem rumo,
responde o poeta: Ao meu destino.
E foi-se para onde a intuição,
o amor, o risco desejado
o chamavam, sem que ninguém
pressentisse, em torno, o Chamado.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010, 
Record, p. 58).
IV – SELO DE MINAS
Em “Selo de Minas”, centrado em evocar questões relacionadas ao estado de Minas
Gerais. Em comum, todos os poemas apresentam a paisagem do estado, associada a uma
procura em realçar “simplicidade e humildade mineira” (FRANCISCO JUNIOR, 2014, p.
86), mas sem perder o olhar ácido sobre alguns aspectos.
SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Senhor, não mereço isto.
Não creio em vós para vos amar.
Trouxestes-me a São Francisco
e me fazeis vosso escravo.
Não entrarei, senhor, no templo,
seu frontispício me basta.
Vossas flores e querubins
são matéria de muito amar.
Dai-me, senhor, a só beleza
destes ornatos. E não a alma.
Pressente-se dor de homem,
paralela à das cinco chagas.
Mas entro e, senhor, me perco
na rósea nave triunfal.
Por que tanto baixar o céu?
por que esta nova cilada?
Senhor, os púlpitos mudos
entretanto me sorriem.
Mais que vossa igreja, esta
sabe a voz de me embalar.
Perdão, senhor, por não amar-vos.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010,
Record, p. 66).
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6
MORTE DAS CASAS DE OURO PRETO
Sobre o tempo, sobre a taipa, 
a chuva escorre. As paredes
que viram morrer os homens, 
que viram fugir o ouro, 
que viram finar-se o reino, 
que viram, reviram, viram, 
já não veem. Também morrem.
[...]
Morrem, severas. É tempo
de fatigar-se a matéria
por muito servir ao homem, 
e de o barro dissolver-se. 
Nem parecia, na serra, 
que as coisas sempre cambiam
de si, em si. Hoje vão-se.
[...]
enquanto se espalham outras
em polvorentas partículas, 
sem as vermos fenecer. 
Ai, como morrem as casas! 
Como se deixam morrer! 
E descascadas e secas, 
ei-las sumindo-se no ar.
Sobre a cidade concentro
o olhar experimentado, 
esse agudo olhar afiado
de quem é douto no assunto. 
(Quantos perdi me ensinaram.) 
Vejo a coisa pegajosa, 
vai circunvoando na calma.
Não basta ver morte de homem
para conhecê-la bem. 
Mil outras brotam em nós, 
à nossa roda, no chão. 
A morte baixou dos ermos, 
gavião molhado. Seu bico
vai lavrando o paredão
e dissolvendo a cidade. 
Sobre a ponte, sobre a pedra, 
sobre a cambraia de Nize, 
uma colcha de neblina
(jã não é a chuva forte) 
me conta por que mistério 
o amor se banha na morte.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010,
Record, p. 69-70).
V – OS LÁBIOS CERRADOS
Nesta parte da obra Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, há um resgate da
“mitologia pessoal” do poeta que, constantemente, se refere a “eles”, familiares que
morreram. O título da seção do livro sugere sofrimento do eu nesse processo de
rememoração.
CONVÍVIO
Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.
Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nosso atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe,
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados…
10/11/2020
7
Há que renunciar a toda procura.
Não os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é nossa condição, enquanto,
sem condição, transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.
Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.
ENCONTRO
Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho. 
Se a noite me atribui poder de fuga, 
sinto logo meu pai e nele ponho 
o olhar, lendo-lhe a face ruga a ruga. 
Está morto, que importa? Inda madruga 
e seu rosto, nem triste nem risonho, 
é o rosto antigo, o mesmo. E não enxuga 
suor algum, na calma de meu sonho. 
Ó meu pai arquiteto e fazendeiro! 
Faz casas de silêncio, e suas roças 
de cinza estão maduras, orvalhadas 
por um rio que corre o tempo inteiro 
e corre além do tempo, enquanto as nossas 
murcham num sopro fontes represadas (ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma, Rio de Janeiro, 2010, Record, p. 92).
VI – A MÁQUINA DO MUNDO
De maneira alegórica, a expressão “máquina do mundo” é usada para ilustrar o funcionamento do
universo. A máquina guarda todos os segredos/enigmas da vida. Drummond, às avessas da máquina
do mundo contida no final do livro Os lusíadas, de Camões, expressa um ceticismo acerca do
conhecimento metaforizado na máquina.

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