FACILITADOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL EM AULAS BREVES

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Aula 7

4.3.2.1 A ordem material e aberta de Konrad Hesse (cont.)

Análise do texto \u201c A força normativa da constituição \u201d de Konrad Hesse

Quais seriam os fatores condicionantes da vigência e força de uma Constituição?

1. A perspectiva de Lassale

No século XVIII, o autor Ferdinand Lassale definiu a Constituição como sendo a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação.

Fatores reais de poder: aquilo que realmente acontece em uma sociedade, independente de estar escrito em alguma norma, lei ou Constituição. Tem a ver com os fatores políticos vigentes em uma sociedade.

Para ele as questões constitucionais não são jurídicas e sim politicas. Dessa forma, o principal determinante para a regulação de uma sociedade seria a \u201c Vontade de Poder \u201d.

Nesse sentido, seria a força política que estabeleceria a Constituição e a Constituição de papel (jurídica) estaria submetida aos fatores reais de poder.

Para ele, portanto, há duas \u201cconstituições\u201d:

a) Constituição material (ou real): o conjunto de fatores reais do poder;

b) Constituição formal (ou jurídica): a expressão escrita do conjunto de fatores reais de poder vigentes a determinado tempo, mas que poderia mudar sempre que contrariasse tais fatores reais de poder, que estão sempre mudando.

Para Lassale, a Constituição real é bem mais forte que a Constituição jurídica, que poderia ser rasgada sempre que contrariasse as forças políticas do momento. A capacidade de regular da Constituição jurídica está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real. A visão de Lassale, portanto, é materialista.

2. A discordância de Hesse

No século XIX, outro autor, Konrad Hesse, abordou o assunto e, diferentemente de Lassalle, afirmou que a essência de uma constituição encontra-se em sua força normativa , ou seja, em seus aspectos jurídicos relacionados com a realidade sócio-política de um Estado.

Ele diz que \u201c a radical separação, no plano constitucional, entre realidade e norma, entre ser e dever ser não leva a qualquer avanço \u201d (HESSE, 1991, p. 14). Ele entende que a constituição jurídica e constituição real estão em uma relação de coordenação.

2.1 A Pretensão de Eficácia

Hesse aponta que \u201c a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade \u201d. Esta é a pretensão de eficácia, ou seja, a norma constitucional somente tem força se houver um desejo (ou pretensão) da sociedade de fazer a norma se concretizar na vida diária.

Acerca da relação entre a pretensão de eficácia e as condições de realização dessa pretensão, Hesse ainda adiciona:

\u201cMas, \u2014 esse aspecto afigura-se decisivo \u2014 a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo . A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência , particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social . Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas.\u201d (HESSE, 2003, p. 15, destaque nosso)

Nesta passagem, Hesse afirma que a Constituição deve ter uma perspectiva material (deve ser influenciada pelas condições sociopolíticas de seu tempo), mas deve ser autônoma em relação a estas condições, não agindo como simples reflexo, mas como força ativa, capaz de \u201c imprimir ordem e conformação à realidade política e socia l\u201d. A pretensão de eficácia é, de certa forma, portanto, um instrumento para que se atinja um meio-caminho entre a perspectiva material (a Constituição real de Lassale, baseada nos fatores reais de poder) e a perspectiva jurídica (Constituição jurídica de Lassale).

2.2 A \u201cVontade de Constituição\u201d

Em uma tentativa de meio-caminho entre a perspectiva material e a perspectiva formal (mas, no entanto, sem desprezar o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição), Hesse coloca que:

\u201cA constituição converte-se à em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucionais, não só a vontade de poder, mas também a vontade de constituição .\u201d (HESSE, 2003, p. 19, destaque nosso)

Nessa passagem, Hesse aborda o conceito de \u201cVontade de Constituição\u201d, que seria uma responsabilidade (ou um compromisso de respeitar o ordenamento jurídico) que daria força aos princípios constitucionais, não permitindo que flutuações políticas quaisquer alterassem a Constituição em razão de meros interesses momentâneos de poder.

2.2.1 Vertentes de origem da \u201cVontade de Constituição\u201d

a) A compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme;

b) A compreensão de que a ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação;

c) Consciência de que essa ordem não consegue ser eficaz se a vontade humana não desejar que ela o seja.

2.3 A força normativa da constituição

Para Hesse, a constituição não deve ser considerada a parte mais fraca, e que não significa apenas um \u201cpedaço de papel\u201d , como definida por Lassalle. Assim, se respeitada a vontade de constituição pelos indivíduos e, principalmente, pelos governantes, a constituição teria \u201c força normativa \u201d.

2.3.1 Requisitos para se assegurar a força normativa da constituição

a) Natureza singular do presente: correspondência do conteúdo da Constituição aos anseios, elementos econômicos, sociais e políticos da sociedade. A Constituição deve, portanto, \u201cincorporar o estado espiritual de seu tempo\u201d para obter essa consciência geral;

b) Práxis constitucional: o desejo daqueles envolvidos na vida constitucional, de partilhar essa concepção denominada vontade de constituição, como mostrado na passagem:

\u201cQuem se mostra disposto a sacrificar interesse em favor da preservação de um principio constitucional, fortalece o respeito à constituição e garante um bem da vida indispensável a essência do estado, mormente ao estado democrático.\u201d (HESSE, 1991, p. 22)

2.4 A correspondência da análise de Hesse com a realidade da Alemanha de sua época

2.4.1 A situação política da Alemanha em 1959

Esclarecida a teoria, Hesse prossegue na tentativa de demonstrar sua relevância com base na análise da ordem constitucional vigente na Alemanha de seu tempo. Em 1959, quando a obra foi escrita, a Alemanha ainda sofria os efeitos da derrota na 2ª Guerra (estava sob o julgo do Estatuto de Ocupação ) e tentava se reconstruir econômica e democraticamente.

Ele afirma que, nesta época, o status dominante repudia, de forma clara, todo e qualquer questionamento da Constituição jurídica. Até mesmo as forças que imprimem movimento e direção à vida política \u2014 os partidos políticos \u2014 estão submetidas à ordem constitucional. Os princípios basilares da Lei Fundamental não podem ser alterados mediante revisão constitucional, conferindo preeminência ao princípio da Constituição jurídica sobre o postulado da soberania popular.

2.4.2 A situação da Alemanha em relação à vigência e força de sua constituição

Sabendo-se que a força normativa da Constituição depende da satisfação de determinados pressupostos (natureza singular do presente e práxis constitucional), Hesse afirma que esses pressupostos não foram ainda totalmente satisfeitos, àquele tempo, em especial o da práxis constitucional. Ele coloca que:

\u201cnem sempre predomina, nos dias atuais, a tendência de sacrificar interesses particulares com vistas à preservação de um postulado constitucional; a tendência parece encaminhar-se para o malbaratamento no varejo do capital que existe no fortalecimento do respeito à Constituição\u201d (HESSE, 1991, pág. 29)

Por essa razão, muitos alemães põem em dúvida a força normativa de várias disposições constantes da Lei Fundamental. Esses questionamentos evidenciam as tensões existentes entre o Direito Constitucional e a realidade constitucional alemã.

Um exemplo disso seria o artigo 38º, inciso I da Lei Fundamental (Constituição), no qual \u201cse estabelece que os deputados do Parlamento alemão são representantes de todo o povo, não estando vinculados a ordens ou instruções.\u201d Na realidade, todos os parlamentares são vinculados a partidos, portanto este artigo não está em concordância com a realidade, criando dificuldades para o alemão se identificar com a Constituição.

Outro exemplo significativo é a regulação do \u201c Estado de necessidade \u201d (ou de exceção). Em virtude da experiência colhida com o art. 48 da Constituição de Weimar, que permitiu a ascensão constitucional e legal do Nazismo, a Lei Fundamental não adotou qualquer cláusula especial para o estado de necessidade. Para Hesse, no entanto,

\u201c esse perigo [necessidade do estado de exceção] existe. Maiores riscos poderão advir, todavia, da falta de coragem de enfrentar o problema. Trata-se de um terrível engano imaginar que, por não ser esperada, uma ameaça não se deverá concretizar. Caso se verifique essa situação, faltará uma disciplina normativa, ficando a solução do problema entregue ao poder dos fatos. As medidas eventualmente empreendidas poderiam ser justificadas com base num estado de necessida suprapositivo. Ressalte-se que o conteúdo dessa regra jurídica suprapositiva somente poderia expressar a idéia de que a necessidade não conhece limites (Not kennt kein Gebot). Tal proposição não conteria, portanto, regulação normativa, não podendo, por isso, desenvolver força normativa \u201d (HESSE, 1991, págs. 31 e 32)

Este, por sua vez, já é um erro de caráter formal: o fato de o estado de exceção não estar formalmente disciplinado na Constituição faz com que qualquer decisão tomada em tal estado (por que isso era um perigo real na época, segundo o autor) não tenha força normativa.

Estes dois exemplos mostram como uma constituição pode deixar de apresentar força normativa (e, portanto, vigência e força) caso não leve em consideração tanto os aspectos materiais, quanto os aspectos formais, reforçando a perspectiva central do autor de que a constituição jurídica e constituição real estão em uma relação de coordenação.

\ufeff

Leitura base indicada : http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1516539/a-constituicao-e-seus-sentidos-sociologico-politico-e-juridico-qual-o-sentido-que-melhor-reflete-o-conceito-de-constituicao-luiz-lopes-de-souza-junior

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