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Hoc facit, ut longos durent bene gesta per annos. Et possint sera posteritate frui. R. , Rio de Janeiro, a. 1 , n. 4 , pp. - 4, IHGB 82 85 11 45 jan./abr. 2021. ISSN 0101 - 4366 R IHGB a. 182 n. 485 jan./abr. 2021 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO Hoc facit, ut longos durent bene gesta per annos. Et possint sera posteritate frui. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182, n. 485, pp. 11-454, jan./abr. 2021. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 182, n. 485, 2021. Indexada por/Indexed by Ulrich’s International Periodicals Directory – Handbook of Latin American Studies (HLAS) – Sumários Correntes Brasileiros – Google Acadêmico - EBSCO Correspondência: Rev. IHGB – Av. Augusto Severo, 8-10º andar – Glória – CEP: 20021-040 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Fone/fax. (21) 2509-5107 / 2252-4430 / 2224-7338 e-mail: revista@ihgb.org.br home page: www.ihgb.org.br © Copyright by IHGB Impresso no Brasil – Printed in Brazil Revisora: Carolina Pereira Vicente Silva Secretária da Revista: Tupiara Machareth Ficha catalográfica preparada pela bibliotecária Maura Macedo Corrêa e Castro – CRB7-1142 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. - Tomo 1, n. 1 (1839) - Rio de Janeiro: O Instituto, 1839- v. : il. ; 23 cm Quadrimestral ISSN 0101-4366 Ind.: T. 1 (1839) – n. 399 (1998) em ano 159, n. 400. – Ind.: n. 401 (1998) – 449 (2010) em n. 450 (2011) 1. Brasil – História. 2. História. 3. Geografia. I. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. REGISTRO NACIONAL DO BRASIL DO PROGRAMA MEMÓRIA DO MUNDO – MOW DA UNESCO Pensar O Brasil: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1839-2011 CONSELHO EDITORIAL António Manuel Dias Farinha – Universidade de Lisboa – Lisboa – Portugal Arno Wehling – Universidade Veiga de Almeida – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Carlos Wehrs – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil José Murilo de Carvalho – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Manuela Mendonça – Universidade de Lisboa – Lisboa – Portugal Maria Beatriz Nizza da Silva – Universidade de São Paulo – São Paulo-SP – Brasil COMISSÃO DA REVISTA: EDITORES Eduardo Silva – Fundação Casa de Rui Barbosa – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Esther Caldas Bertoletti – Ministério da Cultura – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Lucia Maria Bastos Pereira das Neves – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ-Brasil Maria de Lourdes Viana Lyra – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Mary del Priore – Universidade Salgado de Oliveira – Niterói-RJ – Brasil CONSELHO CONSULTIVO Fernando Camargo – Universidade Federal de Pelotas – Pelotas-RS – Brasil Geraldo Mártires Coelho – Universidade Federal do Pará – Belém-PA – Brasil Guilherme Pereira das Neves – Universidade Federal Fluminense – Niterói-RJ – Brasil José Marques – Universidade do Porto – Porto – Portugal Junia Ferreira Furtado – Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte-MG – Brasil Leslie Bethell – Universidade de Oxford – Oxford – Inglaterra Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos – Ministério das Relações Exteriores – Brasília-DF – Brasília Marcus Joaquim Maciel de Carvalho – Universidade Federal de Pernambuco – Recife-PE – Brasil Maria de Fátima Sá e Mello Ferreira – ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa – Lisboa – Portugal Mariano Cuesta Domingo – Universidad Complutense de Madrid – Madrid – Espanha Miridan Britto Falci – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Nestor Goulart Reis Filho – Universidade de São Paulo – São Paulo-SP – Brasil Renato Pinto Venâncio – Universidade Federal de Ouro Preto – Ouro Preto-MG – Brasil Stuart Schwartz – Universidade de Yale-Connecticut – EUA Ulpiano Bezerra de Meneses – Universidade de São Paulo – São Paulo-SP – Brasil Victor Tau Anzoategui – Universidade de Buenos Aires – Buenos Aires – Argentina Um olhar sobre a materialidade e os significados dos textos 433R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182 (485):433-438, jan./abr. 2021. VI – RESENHAS REVIEW ESSAYS MCKENZIE, Donald F. Bibliografia e Sociologia dos Textos. Tradução de Fernanda Veríssimo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. UM OLHAR SOBRE A MATERIALIDADE E OS SIGNIFICADOS DOS TEXTOS Gabriel de Abreu Machado Gaspar1 Ao folhear as páginas de uma gazeta setecentista, o leitor deparava- -se com anúncios de vendas e subscrições de livros dos mais variados assuntos. Não raro, tais avisos continham informações relativas aos as- pectos físicos das obras anunciadas, algo incomum para nós, leitores contemporâneos. Os livreiros e editores dos tempos modernos destaca- vam informações sobre o papel, a notação tipográfica e encadernação pois estavam conscientes da importância atribuídas pelos leitores e po- tenciais compradores a esses elementos. Contudo, em sentido inverso ao dos agentes da cultura impressa, os linguistas, historiadores e críti- cos textuais constantemente ignoraram tais aspectos e encerravam suas análises em torno do “texto”. Em oposição à esta tendência se inserem as reflexões de Donald Francis McKenzie. Nascido na Nova Zelândia em 1931, onde começou sua carreira acadêmica, tornou-se Professor de Bibliografia e Crítica Textual na Universidade de Oxford. Ao longo de sua vida, se dedicou à história do livro e desenvolveu estudos relevantes sobre a Cambridge University Press nos séculos XVII e XVIII, o comér- cio livreiro em Londres, a Stationers’ Company, a obra do dramaturgo inglês William Congreve (1670-1729), dentre outros temas. 1 – Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: machado. ga18@gmail.com . 433 Gabriel de Abreu Machado Gaspar 434 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182 (485):433-438, jan./abr. 2021. Em Bibliografia e Sociologia dos Textos, obra publicada original- mente em 1986, McKenzie apresenta os principais aspectos da renovação proposta por ele para os estudos bibliográficos e para a crítica textual. A obra encontra-se dividida em duas partes. A primeira, “Bibliografia e Sociologia dos Textos”, reúne as três conferências proferidas por McKenzie na inauguração das Panizzi Lectures, na British Library, em 1985. A segunda, “A sociologia de um texto: cultura oral, alfabetização e impressão na Nova Zelândia”, é fruto de outra conferência realizada na The Bibliographical Society em fevereiro de 1983. Como bem ressaltou Roger Chartier no prefácio à edição espanhola, esta organização permi- te ao um duplo movimento. De um lado, as conferências de 1985 estão repletas de exemplos clássicos da literatura inglesa da Época Moderna, como Shakespeare, Locke e Congreve, estudados sob a nova ótica pro- posta pelo autor. De outro, a conferência de 1983, ao analisar o Tratado de Waitangi de 1840, desnuda as implicações políticas e sociais da socio- logia dos textos defendida por McKenzie. Na primeira conferência, intitulada “O Livro como uma Forma Expressiva”, McKenzie dialoga com as posturas tradicionais da biblio- grafia presente em autores como Walter Greg e Fredson Bowers, que buscavam uma “bibliografia pura” que desconsiderava os aspectos sim- bólicos e os significados dos signos impressos. Em contraposição, o que importa para McKenzie é justamente esse significado simbólico e suas relações com a função e forma dos textos. Em suas palavras, “bibliografia é a disciplina que estuda textos enquanto formas registradas e os proces- sos de sua transmissão, incluindo sua produção e recepção”2. O autor res- salta ainda que compreende todas as formas de textos e não apenas livros e signos impressos ou escritos em papel. Além disso, por considerar os processos históricos e sociais da transmissão desses textos, seria também apropriado para McKenzie caracterizar sua noção de bibliografia como uma sociologia dos textos. Por isso, sua “sociologia dos textos” se choca com uma “visão ortodoxa da bibliografia”, como foi qualificada pelo au- 2 – MCKENZIE, Donald F.Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 25. Um olhar sobre a materialidade e os significados dos textos 435R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182 (485):433-438, jan./abr. 2021. tor aquela que excluía aspectos linguísticos e históricos em busca de um status científico. No caso dos livros impressos, especialmente, McKenzie argumenta que informações importantes podem ser apreendidas a partir dos “signos tipográficos” e das decisões editoriais tomadas no momento da impres- são. Assim, “a forma material dos livros, os elementos não-verbais da notação tipográfica dentro deles e a própria disposição do espaço têm uma função expressiva na transmissão do significado”3. A partir disso, a bibliografia concebida por McKenzie oferece importante contributo à história do livro e da leitura. Afinal, tais campos precisam considerar as “leituras errôneas”, isto é, a reescrita dos textos pelos leitores e pelos im- pressores através das mudanças tipográficas e materiais empreendidas em uma determinada obra. Por tudo isso, essa definição de bibliografia que incorpora a história permite a localização dos autores e de seus leitores no tempo. Em “O Frasco Quebrado: Textos Fora dos Livros”, título da segunda conferência, amplia o conceito de texto e questiona o caráter hermético dos livros. Afastando-se das concepções de texto enquanto algo determi- nado e estável, McKenzie afirma que “a integridade do texto do autor, sua transparência e a unidade formal do livro que o incorpora sugerida na imagem do fraco de Milton têm sido consistentemente destruídas”4. A partir dessa concepção, o autor diverge da crítica textual, frequentemente preocupada com a criação de um “texto mestre” ou cópia ideal do texto do autor. Esta busca acaba por desconsiderar aspectos próprios da histó- ria do livro e da leitura, que já demonstrou que versões diferentes de um mesmo texto são criadas por outros agentes, como editores, leitores e até novos escritores. Dessa forma, para McKenzie, considerar os textos “fora dos livros” trata-se de “quebrar” o frasco, isto é, o livro em sua concepção unitária e tradicional enquanto objeto da bibliografia e da crítica textual. 3 – MCKENZIE, Donald F. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 30. 4 – MCKENZIE, Donald F. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 54. Gabriel de Abreu Machado Gaspar 436 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182 (485):433-438, jan./abr. 2021. Na última das Panizzi Lectures, intitulada “A Dialética da Bibliografia Atual”, McKenzie retoma a divisão entre as concepções de texto expostas anteriormente: em uma, o texto é sancionado pelo autor e definido histori- camente, e na outra, o texto é incompleto, aberto e alterado constantemen- te pelos leitores. A partir dessas concepções, especialmente a primeira, histórica, o autor aprofunda suas reflexões acerca da relação entre a forma e o significado em livros impressos a partir de exemplos de John Locke e James Joyce. Este último, demonstra McKenzie, mostrou-se preocupado para que a primeira edição de seu Ulisses trouxesse um significado textu- al na forma do livro. Joyce se ocupou da interação do texto com a página e com as marcações e limites que deram forma ao livro, inclusive o núme- ro de páginas da obra. Por tudo isso, o autor argumenta que tal significado é perdido nas sucessivas edições que não trazem a mesma preocupação devido às mudanças no formato da obra. Assim, retorna à concepção de texto aberto e flexível uma vez que nenhum texto permite um significado definitivo. Nas palavras de McKenzie, “A unidade ostensiva de qualquer texto ‘contido’ (...) é uma ilusão”5. Por isso, na bibliografia proposta pelo autor, essa contradição ou dicotomia se dissolve. A partir dessa concepção de texto, McKenzie delineia as principais características de sua bibliografia ou sociologia de textos, que abarca to- dos os tipos de textos e possui uma função interpretativa significativa que ultrapassa uma análise estritamente verbal. Ao contrário, considera importantes os modos pelos quais os textos são transmitidos. Além disso, parte do pressuposto de que novos textos são construídos a partir de novas formas, incluindo a formação de coleções e arquivos. Trata-se, então, de uma “sociologia dos textos” pois os considera enquanto produtos sociais, envolvidos em dinâmicas de consumo e produção. Por fim, McKenzie destaca os desafios para os bibliófilos e profissionais da disciplina e a im- portância dessa definição de texto. Em suas palavras, “o que precisamos é nada menos do que um novo conceito de texto na história”6. 5 – MCKENZIE, Donald F. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 83. 6 – MCKENZIE, Donald F. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 103. Um olhar sobre a materialidade e os significados dos textos 437R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182 (485):433-438, jan./abr. 2021. A conferência “A Sociologia de um Texto: cultura oral, alfabetização e impressão na Nova Zelândia” compõe a segunda parte da obra e apre- senta, em certa medida, a aplicação sobre um objeto de alguns pressupos- tos elencados nos textos anteriores. McKenzie estuda a Nova Zelândia, país de seu nascimento, entre as décadas de 1840 e 1860, período em que ali se processou a passagem do oral ao escrito e da chegada a impressão. Para o autor, tal transformação é semelhante àquela pela qual a Europa passou após a invenção dos tipos móveis por Gutenberg no século XV, bem como descreveu Elizabeth Eisenstein, citada na obra7. A ênfase de sua reflexão recai sobre o Tratado de Waitangi, celebrado entre a Coroa inglesa, representante da cultura escrita europeia, e os chefes da tribo maori, membros de uma cultura indígena completamente oral. Segundo os termos do Tratado, os chefes cediam os direitos e poderes de soberania sobre seus territórios aos britânicos. A partir da assinatura desse pacto, McKenzie empreende uma série de considerações relevantes acerca do impacto da alfabetização entre os maoris, a influência e introdução da impressão, das traduções e diferentes versões impressas do Tratado de Waitangi. Finalmente, as reflexões de McKenzie presentes neste livro foram fundamentais para renovações no âmbito da bibliografia, da crítica tex- tual e da história do livro e da leitura. A insistência em uma nova con- cepção de texto e na ideia de que os aspectos materiais contribuem para o significado dos livros permite que os estudiosos ultrapassem o texto verbal e passem a considerar outras características. Por tudo isso, a obra, que já havia sido traduzida para o francês, inglês e espanhol, chega com certo atraso à língua portuguesa. São inúmeras suas possíveis contribui- ções para a historiografia brasileira que tem se dedicado ao estudo da história do livro e da leitura no Brasil. As interpretações clássicas sobre o pensamento social brasileiro e suas obras podem ser revistas à luz de suas reflexões. Os estudos sobre o letramento e as diferentes leituras de 7 – Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. The Printing Press as an Agent of Change: Com- munications and Cultural Transformations in Early-Modern Europe. 2 v. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. EISENSTEIN, Elizabeth L. The Printing Revolution in Early Modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. Gabriel de Abreu Machado Gaspar 438 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 182 (485):433-438, jan./abr. 2021. um texto podem ser ampliados a partir da análise material de suas dife- rentes edições. Além disso, ao destacar o papel significativo na reescrita dos printers of mind, expressão que utilizou em outra ocasião, a nova bibliografia proposta por McKenzie destaca a importância das trajetórias de livreiros, tipógrafos, compositores e revisores envolvidos na impres- são dos livros8.Em virtude dessas contribuições, o livro se torna leitura fundamental para os interessados nesses e outros assuntos. Afinal, o que o autor traz à tona, fundamental, é a sensibilidade de “escutar com os olhos”, na arguta percepção de Roger Chartier lembrando um verso do espanhol Francisco de Quevedo9. Texto apresentado em novembro de 2020. Aprovado para publicação em janeiro de 2021. 8 – MCKENZIE, Donald. Making Meaning: "Printers of the Mind" and Other Essays. Amherst: University of Massachusetts Press, 2002 9 – CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 24, nº. 69, p. 7-30, mai.-ago. 2010.
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