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Ela louca ebook1 Cassiano

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Prévia do material em texto

1ELA É LOUCA
2 CACIANO KUFFEL
Agradeço a você que sempre acredita no meu trabalho, que 
entende minhas mensagens e que sente minhas cócegas no 
coração. 
Agradeço a minha mãe por desde pequeno me incentivar o 
hábito da leitura, me comprando gibis mesmo sem muitas 
condições. 
Agradeço meu pai pela luta em me fazer alguém melhor. 
Agradeço meus amigos Léo e Sol que me ajudaram não só 
com ideias, mas com direcionamentos práticos com o livro. 
Por fim, agradeço a Andressa, minha namorada, por me 
aguentar em meio a surtos de amor, e loucuras de trabalho.
Para continuar me acompanhando e descobrir se o livro ga-
nhará continuação se inscreva no meu canal do youtube:
CacianoComC Grupo Whatsapp
http://abre.ai/whatscacihttp://abre.ai/cacianocomc
ELA É LOUCA
Sumário
1. Bom, deixa eu me apresentar pra você..................................... 6
2. Minha melhor amiga.......................................................................9
3. O trabalho..........................................................................................11
4. Olha o que o amor te faz.............................................................. 14
5. Luz dos olhos................................................................................. 20 
6. Reencontro.....................................................................................23
7. Histórias..........................................................................................28
8. Mudanças........................................................................................ 31
9. Difícil................................................................................................ 36
10. Gente babaca............................................................................... 42
11. A vida é bela.................................................................................. 46
12. Mais difícil......................................................................................49
13. Ela é louca.................................................................................... 54
14. Sem forças................................................................................... 57
15. A verdade....................................................................................... 61
16. Mar de decepção......................................................................... 66
17. Sem saída...................................................................................... 69
18. Eu vos declaro adulta................................................................ 75
4 CACIANO KUFFEL
19. Samantha e Amanda................................................................. 78
20. A vida como ela é....................................................................... 85
21. Exposição......................................................................................89
22. A salvação....................................................................................93
23. E agora, tudo melhora?.............................................................98
24. O amor de novo.......................................................................... 102
25. Felicidade....................................................................................105
26. O caminho.....................................................................................110
27. Bem, eu fui....................................................................................112
28. Louca, maluca, pirada, doida e decidida..............................114
29. O fim do mundo............................................................................118
30. O e-mail........................................................................................123
5ELA É LOUCA
 E se eu te contasse que sou louca? Eu gosto de ser 
assim. Todo mundo que já passou pela minha vida, em al-
gum momento, já me chamou de louca, pirada, maluca. É 
verdade. Mas ainda assim acho uma loucura amar; e esse é o 
meu hospício, acreditar nas pessoas e no amor. Hoje eu sou 
inteira, hoje eu me amo, hoje já não choro mais por quem 
não merece. Isto depois de tudo que eu já passei, depois da 
maior história da minha vida, mas nem sempre fui assim. 
 Há alguns anos você não me reconheceria. Eu era tí-
mida, quieta, preocupada, quase invisível, e vivia me colo-
cando em situações constrangedoras. Lembro de uma dia 
em que corria atrás do carro do meu pai, que tinha passado 
por mim e não parado. Eu não tinha entendido o porquê 
de ele simplesmente não desacelerar. Então, enquanto ainda 
corria, ouvi uma buzina e um grito de “filha” atrás de mim. 
Sim, eu havia corrido desesperada, gritando e deixando 
tudo cair pelo chão atrás de um carro que não era do meu 
pai. A partir daí virei alvo de zoação nos jantares de família 
por conta disto. Eu costumava passar por alguns constran-
gimentos desse jeito. Só dessas vergonhas daria um livro, 
juro. Em uma cirurgia de cauterização de uma pinta em 
meu pescoço, resolvi alertar o médico sobre o cheiro que es-
tava sentindo de galinha frita. Sim, todos na sala riram pois 
o único cheiro ali era da minha pinta sendo cauterizada. Já 
conseguiu imaginar uma sala inteira rindo da sua cara? 
6 CACIANO KUFFEL
11Bom, 
pra você
eixa eumeapresentar
d
Eu não sou uma profissão ou um lugar, 
eu não sou um nome
nem uma data, 
não sou de onde vim, 
sou muito mais para onde vou, 
não sou o que disse, 
nem o que visto, 
sou muito mais complexa que tudo isso
“
”“Ela é totalmente pirada, 
vive em seu mundo de fantasias,
Sua energia irradia alegria, 
mesmo nos dias em que não queria
Ela é atrapalhada vive esbarrando no nada
E aí quando viu está de novo toda machucada
Ela tem um olhar doce 
mas mesmo assim é forte
E só quem conhece ela de verdade 
sabe o que é sorte”
7ELA É LOUCA
 
 Eu nasci numa cidade não muito grande. Nunca me 
dei muito bem com as outras pessoas desde a pré escola. 
Acabava brincando sozinha inúmeras vezes, não era a mais 
inteligente da turma, também não era a pior. Sempre fiquei, 
tipo, na média. Na infância ainda não tinha descoberto mi-
nha maior qualidade, essa loucura, que modéstia à parte faz 
as pessoas ficarem a fim de me conhecer. Sofri por muito 
tempo me achando a patinha feia, a excluída, sabia que era 
diferente, mas não sabia como.
 Na adolescência, sofri ainda mais por me achar es-
tranha, desengonçada e nunca achava que estava realmente 
bonita. Eu acreditava que isso distinguia uma pessoa inte-
ressante das demais. 
 Sempre gostei de rir alto. Mesmo às vezes chorando 
totalmente sem motivo, sempre procurei viver coisas ale-
gres, momentos felizes. Me dava ao luxo de não fazer nada 
várias vezes, gostava de ler de tudo, menos o que a escola 
pedia, aquilo sempre foi um saco. Passava tempo ouvindo 
música e me imaginando nas histórias que a música con-
tava, decorava as letras com muito mais facilidade do que 
jamais tinha decorado qualquer fórmula matemática. 
 Desde de criança sempre sonhei muito. Queria ser 
atriz, chef de cozinha, empresária, médica, advogada, mas 
meu maior sonho sempre foi o amor, sei lá porquê, sonhava 
demais em casar. Viver num castelo com um príncipe en-
8 CACIANO KUFFEL
cantado, sonhava em ter filhos, sonhava, claro, com um final 
feliz como no filmes de comédia romântica. 
 Nunca admiti porque sempre achei bobo uma mu-
lher viver achando que a felicidade dependia de outra pes-
soa. Mas, internamente, eu era esse ser bobo que chora com 
as propagandas de final do ano do Boticário. 
 Me considero uma menina doce, mas vou de doce a 
puta da vida em menos de dez segundos. Me acho inteligen-
te para as minhas coisas, mas não gosto de pensar demais. 
Apesar de falarem que sou bonita, nunca me vi assim. Sou 
um poço de contradições. Minha cabeça, assim como meu 
armário, vive uma bagunça, um caos completo. Era comple-
tamente difícil eu me encaixar em algum grupo ou em al-
gum lugar. Estava sempre distante tentando adivinhar qual 
seria o meu futuro, quandoencontraria minha verdadeira 
vocação, e em qual encruzilhada da vida estaria minha ver-
dadeira paixão. Meus pais sempre diziam que eu era teimosa 
demais, atrapalhada demais, e eu sempre dizia que não era 
nenhuma das duas coisas, enquanto batia o dedo na quina 
da mesa. 
 Eles sempre se perguntaram porque eu não tinha 
muitos amigos. Bom, não era fácil para eu me abrir total-
mente com as pessoas; por isso mantinha só uma melhor 
amiga que contava tudo. Sempre fomos totalmente confi-
dentes, só com ela me sentia totalmente à vontade de ser 
louca de verdade. Só ela e meus poemas rabiscados me co-
nheciam naquela época. 
9ELA É LOUCA
22Minmelhorha
amiga
Amizade forte mesmo é aquela que te 
pega pela mão e fala: 
Vamos fazer essa burrada juntas!“ ”
Amizade vem da confiança
Fica forte se nasce ainda criança
Amizade é entender que vocês podem discordar
Mas estar junto quando a outra precisar
Amizade é encobrir o erro
É dar a mão na hora do desespero
Amizade é apontar 
quando o outro não está certo
E mesmo distante ter o outro sempre perto
10 CACIANO KUFFEL
 Ariel era o oposto de mim, totalmente centrada, or-
ganizada, sempre arrumada e com a autoestima elevada. 
Não era muito expansiva, mas se dava bem com as pessoas 
a sua volta, desde criança sabia que seria médica. Acredita 
nisso? Uma vida inteira de certezas, que sonho. Ela tinha 
escolhido a profissão pela paixão que via nos olhos da mãe, 
que também escolhera a área da saúde. Ariel era uma ótima 
aluna, exceto em português. No restante das matérias só ti-
rava notas altas, não tinha problema em falar em público, os 
meninos desde sempre gostavam do seu jeito e ela sempre 
os teve na mão. Ela não era a mais bela, mas se sentia assim 
e isso fazia toda a diferença.
 Quando chegou na escola nova com seus oito anos 
de idade, um menino riu dela por estar com uma gola da 
camisa pra cima e outra pra baixo, e ela começou rir mais 
alto. Quando teve a atenção de todos, explicou o que o me-
nino não sabia, era moda. Lady Gaga tinha um clipe assim, e 
convenceu ele; e algumas meninas no mesmo dia adotaram 
a moda da aluna nova. Acredita nisso? Pois é, essa sempre 
foi Ariel.
 Ficamos amigas quando ela precisou de ajuda com 
português. Ela era nova e ainda escrevia “agente” tudo jun-
to, e isso me fez perguntar a ela se o texto seria sobre algum 
agente secreto, nós duas rimos demais e isso foi o que deu 
início a nossa amizade.
11ELA É LOUCA
33
O trabalho
Se você quer ter dinheiro trabalhe, se 
quer ter sucesso faça o que mais ama“ ”
Você já se sentiu perdida?
Sem saber pra que lado vai andar a sua vida?
Você entra no modo aleatório, no modo abstrato
E se vê correndo em uma roda de ratos
Mas acho que está tudo bem, 
não precisamos pirar
Às vezes, é necessário se perder 
para poder se encontrar
Precisamos aprender e entender 
Que esse é o jeito 
que lá na frente nos fará vencer
12 CACIANO KUFFEL
 Quando chegamos na fase de decidir a faculdade, 
começamos a fazer cursinho pré-vestibular, A Ariel estava 
focada na medicina, e eu estava ainda decidindo o que seria 
da minha vida.
 Meus pais sempre me deram apoio financeiro, mas 
era diferente para Ariel. Para ter dinheiro para comprar 
“brusinha” e maquiagem, eu entrei num emprego de meio 
período em uma loja que vendia coisas para celulares no 
shopping. Capinhas, carregadores, película, enfim você já 
deve ter visto uma assim. Primeiro ela começou lá, depois 
ela convenceu o dono a me colocar no emprego também. 
No primeiro dia, eu cheguei atrasada. A Ariel pediu se corri 
atrás do ônibus errado, piadinha que roubou do meu pai. 
 No trabalho, ficávamos eu, a Ariel e um menino que 
era despretensiosamente engraçado, o Robson. Ele falava 
rápido demais e muitas vezes as palavras não saiam direito 
de sua boca, o que fazia a gente pedir pra ele repetir o tempo 
todo o que ele tinha falado. Ele era o estereótipo do nerd: 
Cabelo liso com um excesso de gel, óculos fundo de garrafa, 
e seu assunto preferido era os filmes de super herói. Ele era 
gentil, nos chamava de mulheres maravilha. Na minha pri-
meira semana, eu vi ele chorando, e fui meio sem jeito pedir 
o que havia acontecido. Fiquei com medo de ser algo com a 
família, mas ele admitiu que estava lembrando do final dos 
Vingadores. 
13ELA É LOUCA
 Nossos dias costumavam ser monótonos na loja, mas 
uma vez uma mulher entrou na loja querendo capinha para 
o seu telefone fixo. Exatamente. Para o seu telefone fixo. Ten-
tamos explicar pra ela que não tinha o porquê, mas ela saiu 
chateada da loja porque Ariel não conteve o riso. Naquele 
dia ainda Robson engasgou com o lanche que tinha pedido, 
e acabou vomitando atrás do caixa. 
14 CACIANO KUFFEL
44
Olh
faz
aoqueoamor te
Te deixa sem saber como agir oh ohhh“ ”
15ELA É LOUCA
Oi, eu sou amor
Não vai embora, 
me ouve por favor 
Você diz que eu te fiz sofrer
Mas deixa eu contar algo 
sobre mim pra você 
Eu, o amor, posso, 
às vezes, te causar 
dor ou algum mal 
Mas eu sou a única coisa
Você só pode me sentir verdadeiramente 
se um dia me perdeu 
É como dormir depois de ficar com sono, 
comer depois de muita fome, assim sou eu
Você realmente sente na minha ausência 
Eu sou o amor, sou puro, sou singelo 
mas também sou intenso, sou a indecência 
Te peço desculpa se te fiz não dormir, 
se causei ansiedade, não era minha intenção 
Era só pra eu ter te feito cócegas no coração 
Se você já teve a honra de me sentir 
Sabe que é diferente o jeito que eu te faço sorrir 
Eu sou o amor 
e não tem sentido o viver sem mim
Eu sou o amor e é assim, 
eu sou o porquê
Sou tudo que importa no fim 
16 CACIANO KUFFEL
 Eu e a Ariel adorávamos ir num parque da cidade aos 
domingos, eu ainda não conseguia ser eu de verdade essa 
época, mas ali com ela, a gente falava de tudo. Dos meninos 
bonitos, das meninas mal arrumadas, dos dogs que passa-
vam, foi nossa diversão por meses. 
 Hoje eu quero contar o dia que a minha vida come-
çou; essa história mudaria tudo.
 De longe, vi um menino rindo e conversando com 
um bocado de gente, ele parecia brilhar. Chamava não só 
minha atenção, mas todo mundo parecia olhar na mesma 
direção. Então a mágica aconteceu, ele me olhou, e me viu 
praticamente babando nele. Que vergonha. Ele riu e passou 
a língua pelos seus lábios, me despertando para a vida, como 
se eu tivesse começado a respirar naquele momento. A res-
piração foi ficando mais ofegante, o coração palpitando. Ele 
estava caminhando e vindo em minha direção.
 - Disfarça! – Ariel tentou me proteger.
 É claro que eu não consegui disfarçar. Sorri, joguei o 
cabelo pro lado, me sentindo na propagando da L’Oréal. Só 
faltou eu falar de um jeito mal dublado “porque você vale 
muito”. Eu ainda finalizava meu efeito semificcional quando 
ele chegou: 
 - Prazer, Flávio Ferreira, você estava me olhando?
 - Não, err, foi impressão sua - falei olhando pra baixo 
meio encabulada.
 - Bom, quando alguém fala o nome, é de bom grado 
17ELA É LOUCA
a pessoa falar o seu. 
 - Ah, é verdade, Alice, me chamo Alice.
 - E, caso alguém não tenha notado, eu também estou 
aqui, Me chamo Ariel, e acho que tem um dog lindo ali pra 
eu olhar enquanto vocês conversam. Inclusive, acho que me 
deu vontade vomitar de tanta melação, com licença. – inter-
feriu tentando fazer graça e sendo absolutamente ignorada.
 Nossos olhares continuavam fixos um no outro.
 - E então você é Alice, eu posso conhecer o País das 
Maravilhas?
 Ouvi piadas parecidas com essa minha vida inteira, 
nunca achei a menor graça, mas naquela hora eu até ri.
 - Hahaha, você quer?
 - Que bonitinho, seu nariz mexe quando você ri, pa-
rece um coelhinho.
 Acredita nessa audácia? Ele me deixou envergonhada 
ao notar isso.
 - Sério? Ai meu deus.
 - Não se preocupe com isso, desde que traga ovos de 
páscoa pra mim, está tudo bem.
 - O que? – perguntei sem entender a piada.
 - Porque você é um coelhinho, entendeu? 
 - Ah é uma piada, desculpa, eu sou meio lerda.
 Ariel voltava e de longe já disparou:
 - Ah, olha só, um show de stand-upsó pra você Alice, 
que legal! 
 - Bom, Alice, eu vou ali com meus amigos que já es-
tão olhando de longe. – Flávio sentenciou - Espero que vo-
cês duas se juntem a nós, logo vamos começar uma partida 
de Imagem e Ação. Com mais pessoas fica mais divertido. 
 - Tudo bem, a gente vai – respondi por nós. 
 - Claro. Depois que fizermos uma reunião, colocar-
18 CACIANO KUFFEL
mos tudo ata, fizermos uma votação e apurarmos os votos. 
– Ariel alfinetou em tom sarcástico. 
 Depois que ele foi embora, fiquei com aquele risinho 
bobo, típico de quem está bobamente apaixonada. Ariel fi-
cou me olhando, enquanto na minha cabeça tocava “Quan-
do a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se 
encontrar” e eu me imaginava num clipe dos anos 90.
 - Ai ai, atenção Houston perdemos uma tripulante! 
Terra chamando Alice, Terra chamando Alice – brincou 
Ariel.
 - A gente vai lá né? - Perguntei ainda boba
 - Claro que vai, senão tu vai acabar sonhando com o 
bonitinho ali pro resto da vida, e vai me culpar por não te 
ajudar, não quero pôr fim na nossa amizade.
 A gente foi lá, alguns minutos depois, segundo a 
Ariel era pra não parecer desesperada. Conhecemos os qua-
tro amigos do Flávio: Soraia, Victoria, Anthony, e Francisco. 
 A Soraia era uma menina mais velha, falava pouco, 
mas ria muito. A Victoria era uma menina linda, loira, e do 
tipo que podia a qualquer momento ser descoberta por uma 
agência e virar a próxima Scarlett Johansson. O Anthony era 
do tipo que se acha, tinha um carro e vivia falando dele. O 
Francisco era amigo do Flávio desde que eles eram crianças 
e os dois vivam com piadas internas e socos toda vez que um 
falava alguma besteira, era bonito de ver os dois juntos. 
 Naquele dia jogamos uma versão de Imagem e Ação 
sem cartinhas, só com filmes famosos e mímica. Não rolou 
nada. Eu estava muito encabulada com toda aquela gente 
me olhando que nem olhei direito para o Flávio. Eu percebi 
como o Flávio vivia puxando a camisa pra baixo, a cada pou-
co ele via se estava tudo certo, e novamente puxava a camisa 
pra baixo. No final do dia, antes de voltarmos pra casa, todo 
19ELA É LOUCA
mundo trocou contatos, nos seguimos nas redes sociais, e 
eu descobri que o Francisco fazia uns vídeos engraçados, 
alguns em que o Flávio aparecia, e ele era praticamente uma 
celebridade. Fiquei até encabulada de não conhecer ele, mas 
ele levou bem na boa. Nos despedimos com a promessa de 
nos encontrarmos de novo pra mais uma partida de Imagem 
e Ação. 
 A Ariel notou que eu continuava em transe com o 
menino, e decidiu me dar um conselho tipo de mãe:
 - Alice, cuidado para não sofrer, o teu bonitinho pa-
rece saber como chegar nas garotas, vai te fazer sofrer.
 - “Meu bonitinho”, tá vendo? Até tu já notou que ele é 
meu, amiga. 
 - Aham, vai forte nessa ideia então. 
20 CACIANO KUFFEL
55
Ela brilha com mais intensidade 
quando nos apaixonamos, 
e iluminam um caminho que jamais vimos“ ”
Luz
olhosdos
A luz dos seus olhos combina com a minha
A luz dos teus olhos ilumina minha escuridão 
e eu não me sinto sozinha
O brilho do teu olhar faz eu me apaixonar 
Como o céu é apaixonado pelo luar
O sol esquenta nossa vida e a imensidão
O brilho dos seus olhos esquenta 
a minha alma e o meu coração
21ELA É LOUCA
 De volta à vida chata da loja, eu não parava de pensar 
no Flávio. Também não tinha como, a gente só falava dele, e 
quando esquecia, ele me mandava algum meme relacionado 
a coelhos, já estava até me chamando de “meu coelhinho”. 
A Ariel e o Robson me viram desatenta, rindo feito boba, e 
decidiram conversar comigo. O Robson começou:
 - Hey Alicinha, larga a mão, tá na cara que esse cara 
vai te fazer sofrer.
 - Não posso discordar, é a função básica de um ho-
mem, te fazer sofrer, eles vêm com essa função pré-progra-
mada. Te fazer sofrer, gostar de cerveja e chorar com fute-
bol. - Ariel completou.
 - Mas e se ele for diferente? E se ele for tipo o príncipe 
encantado?
 - Mais fácil ele ser o cavalo da história. “Alice, País 
das Maravilhas” só existe no teu mundo.
 - Baixa a bola, pequena sereia, como se tu nunca ti-
vesse sido iludida por um homem - retruquei 
 - Não estamos aqui para falar de mim, nem do Rob-
son.
 - Até porque minhas histórias são só sobre amores 
platônicos, como da vez que eu me apaixonei pela Jade.
 - Que Jade, Robson?
 - Você conhece, Ariel, a Jade do desenho do Jackie 
Chan. 
22 CACIANO KUFFEL
 Nós reviramos os olhos.
 - O fato é que se você demonstrar que está caidinha 
assim, ele vai te ter na mão, vai com calma. - falou Ariel ten-
tando ignorar o Robson.
 - Uma vez, eu vi um vídeo no Facebook que dizia que 
quem demonstra menos tem o poder, mas também é menos 
feliz.
 - Você vai acreditar em vídeo de mensagem do Face-
book? 
 - Ela fica olhando vídeos desse tal de Caciano e pen-
sando que o amor é do jeito que ele fala. - falou Robson me 
recriminando.
 - Bom, então faz isso, vai lá, se joga nessa paixão, só 
depois não vem correndo chorar pra mim porque o cara é 
um escroto que dá cantadinha ruim em todo mundo. 
 Naquele dia, eu fiquei dividida. Entre chamar o Flá-
vio para sair, dizer que eu tinha adorado ele, dizer que eu 
estava apaixonada; ou me conter para não sofrer, não ser 
chamada de boba, não ser feita de trouxa. 
 Naquela época, eu achava legal essa proteção que a 
Ariel exercia por mim. Mas, ao mesmo tempo, achava que 
ela não tinha moral nenhuma para falar, já que eu via vários 
caras interessados nela, mas ela não dava muita bola pra ne-
nhum deles, tinha visto ela ficar com, no máximo, dois caras 
mais sério, mas não se deixava envolver, e não tinha visto ela 
realmente apaixonada por ninguém. 
23ELA É LOUCA
66Reencontro
Ansiamos por um reencontro, 
não de corpos, mas de sentimentos“ ”
Te ver de novo pra não te deixar ir
Te ver de novo e te segurar para não fugir
Te ver de novo é tudo que eu preciso
Te ver de novo me faz acreditar no paraíso
Te ver de novo me faz ter 
mais uma dose do que é viver
Te ver de novo me faz acreditar 
que o amor não precisa morrer
24 CACIANO KUFFEL
 A semana foi arrastada. Como dizia Einstein, o tempo 
é relativo. E quando você quer que o fim de semana chegue 
logo, ele não passa, ele caminha como um senhor caminha 
na rua. Mas finalmente chegou, era sábado e íamos para o 
parque. O parque não tinha nada de especial, apenas balan-
ços, famílias, jovens conversando, gente mais velha corren-
do, cachorros babando. Pra nós, era diferente, era cheio de 
vida, corres, gigante, o nosso lugar. 
 Flávio estava lá, seus amigos também estavam, me-
nos a Soraia. Naquele dia, todo mundo decidiu conversar ao 
invés de jogar, e uma hora, como que mágica, estávamos só 
eu e o Flávio andando e conversando.
 - Eu gostei de ti, Alice. Mas parece que você se escon-
de dentro de si, não quer aparecer.
 - Caraca, não sabia que estava saindo com meu tera-
peuta.
 - É sério, Alice, eu vejo que você só tenta não se mos-
trar. Desaparecer no meio dos outros, não chamar atenção, 
não ter opinião.
 Quem sabe você tenha razão.
 - Tu tem um brilho aí dentro pronto pra incendiar, 
deixa ele sair? Eu vejo fagulhas nos teus olhos, como se tu se 
mostrasse de verdade só aos pouquinhos.
 - Na verdade, você tem toda razão, eu preciso me en-
contrar, às vezes, eu não sei se estou vivendo ou só arruman-
25ELA É LOUCA
do a cama. Mas eu também notei algo sobre você, parece 
que você também quer esconder algo, quem sabe a gente 
tenha muito em comum.
 - Eu? Imagina, eu sou um livro aberto.
 - É mesmo? O que você tem embaixo da camisa que 
tanto cuida pra não mostrar?
 - É uma mania de infância, não é nada. 
 Ao mesmo tempo em que ele me dizia que não era 
nada, ele puxava a camisa e aparentava estar realmente in-
comodado por eu ter percebido isso. Não quis prolongar o 
papo sobre isso e tentei mudar de assunto.
 - Você não me disse o que faz da vida.
 - Eu vivo ela, vivo o máximo que eu posso, tento rea-
lizar meus sonhos e deixar as outras pessoas bem. 
 - Não sabia que estava saindo o Cortella, eu estou pe-
dindo sobrea sua profissão, sua faculdade, sua rotina.
 - Ah, achei que tu fosse mais profunda que isso, coe-
lhinho. Essas coisas não são quem sou, ou o que eu faço da 
vida. Isso é só o que a sociedade quer que eu seja, e quer que 
eu faça, eu sou bem mais que isso.
 - Meu Deus, menino, você é filósofo. 
 - Eu não faço nada, não sei o que fazer, estou perdido. 
Meus pais que não aguentam mais esta minha fase, Quando 
eu era criança, eu tinha certeza que ia ser médico, agora eu 
tenho horror a isso, eu estou sem saber o que fazer.
 - Acho que é normal, eu também estou nessa fase. 
 O silêncio contaminou o ambiente, então o Flávio 
voltou a falar.
 - Eu não fui totalmente honesto com você, eu não 
falo muito sobre meus machucados e minhas cicatrizes.
 - Você está falando sobre…
26 CACIANO KUFFEL
 - Sobre o porquê sou tão preocupado com a minha 
camisa. 
 Ao falar isso ele levantou a camisa e deixou eu ver 
então as marcas enormes que ele tinha na região da barriga. 
Enquanto eu olhava, ele ficou encabulado novamente e ra-
pidamente as escondeu.
 - Nossa você brigou com uma baleia? – brinquei, ten-
tando deixar o clima menos tenso.
 - Quando eu era criança, fui abusado por um tio.
 - Seu tio?
 - Sim, por uma semana inteira, enquanto meus pais 
trabalhavam, ele ficou lá em casa. Meus pais desconfiaram e 
voltaram antes. Quando eles chegaram, ele estava em cima 
de mim. Ele usava uma faca para me ameaçar, com o susto, 
me cortou daqui até aqui. - disse enquanto apontava para 
sua enorme cicatriz.
 - Nossa, eu não sei o que falar, Flávio, eu...
 - É por isso que eu prefiro não falar. Esse olhar de 
pena no seu rosto...
 - Não, não é isso, eu só, estou... um pouco chocada, 
mas quero dizer que você é muito forte por ter passado por 
tudo isso ainda pequeno, e você não deve ter vergonha de 
quem você é ou das marcas e cicatrizes que a vida te deixou. 
Você é maior e mais brilhante por isso.
 - Obrigado, eu não sei porque eu te contei isso. Eu 
nunca contei pra ninguém, sabia?
 - Eu fico contente por ter te passado esta segurança, 
obrigado por confiar em mim.
 Caraca, eu fiquei realmente paralisada. Que nojo do 
tio! Nem tive coragem de perguntar o que aconteceu com 
ele, como foi o desenrolar da história, não quis pedir algo 
27ELA É LOUCA
que ele não quisesse contar. A gente mudou de assunto, fa-
lou da escola, falamos de filmes, de séries. Eu descobri que 
ele é a única pessoa no mundo que nunca viu uma, acredita? 
 Nesse dia, a gente não se beijou. Mas os olhares, as 
provocações, as mãos eram intensas, e, ao mesmo tempo 
que nossos lábios insistiam em se procurar, nossos olhos 
não se deixavam. Não nos beijamos, fiquei encabulada por-
que havia muita gente julgando, esperando, nosso beijo. Eu 
não me preocupei com a Ariel, mas quando olhava pra ela, 
ela conversava animada com todo mundo, dava risada, vi-
rou o centro da conversa quando lembrou da minha história 
da galinha frita. 
 Depois disso fiquei sabendo como os cinco eram uni-
dos, eles nunca estavam separados, tinham histórias ótimas 
um do outro também. Só foi estranho quando perguntei 
porque a Soraia não estava, ficou um climão, ninguém falou 
nada, Anthony baixou a cabeça, Victoria riu debochada, e 
Francisco mudou de assunto pedindo se eu já tinha visto o 
último vídeo dele. 
 Achei realmente estranho o clima por conta da So-
raia, mas tinha tanta coisa para processar daquele dia, que 
eu nem pensava tanto nisso, pensava no sorriso encabulado, 
mas ao mesmo tempo seguro do Flávio. Pensava nele me 
abraçando, pensava em como ele me fazia rir, e como era 
fácil o papo com ele. 
28 CACIANO KUFFEL
77
óri
Hist asVer histórias dos outros nos mostra que não estamos sofrendo sozinhos nesse mundo“ ”
Sou feita de histórias tristes e boas
Sou feita de histórias de momentos e pessoas
Sou feita de histórias que me trouxeram até aqui
Sou feita de histórias 
e histórias são feitas do que vivi
Sou feita de histórias de capítulos e linhas
Sou feita de histórias e sinta-se honrado se eu te 
deixo participar da minha
29ELA É LOUCA
 No domingo, eu tinha marcado de comer porcaria e 
ver filme, como nós sempre fazíamos no último domingo 
do mês, era o dia das meninas, uma tradição mantida por 
anos, e falhada apenas três vezes em nove anos de amizade. 
Decidimos assistir mais uma vez Como eu era antes de você, 
a gente já tinha decorado as falas, já sabia cada parte do fil-
me, eu até dei de presente para Ariel uma meia igualzinha 
a que a Lou usava. 
 - Amiga, eu acho ele tão maduro pra idade dele, 
nem parece um menino.
 - Ah Alice, não se impressione, nos primeiros en-
contros as pessoas mostram só o lado bom, só a parte agra-
dável, Tipo, elas mostram só o banheiro e não o que fazem 
no vaso, entende?
 - Mas ele mostrou quem é de verdade, se expôs de 
um jeito que ninguém ousou se expor comigo, mostrou 
verdade.
 - Sei lá Alice, acho que eu preciso de vinho para te 
dizer realmente o que tu precisa fazer, por que tu não pega 
pra gente?
 - Tudo bem, só pausa o filme então.
 - Como se tu fosse perder um pedaço e não fosse 
entender a história.
 - É o mínimo, quando alguém sai da sala, você é 
obrigada a pausar o filme, não vamos entrar nessa discus-
30 CACIANO KUFFEL
são de novo.
 Eu saí pra buscar o vinho, e quando estava voltan-
do, pisei em alguma coisa molhada que me fez escorregar. 
Como estava com as duas mãos ocupadas não teve outra, 
cai com tudo no chão da cozinha da Ariel. 
 Apaguei por uns três segundos, e adivinha quem 
veio me acordar? Sim o Flávio, Me deu um beijo na boche-
cha, me chamou de coelhinho desastrado, deitou ao meu 
lado, sem nem se importar com o chão todo molhado de 
vinho, então começou me lambuzar com o vinho, enquan-
to ria da minha cara, me chamando de desastrada e rin-
do muito. Era uma risada gostosa, existia carinho, e uma 
conexão absurda, os dois ali vivendo aquele momento, sem 
se preocupar com o amanhã, era essa a sensação, dá pra 
acreditar? Quase conseguia ouvir uma música ao fundo.
 Então, eu acordei, e me dei conta que estava sonhan-
do, e a única coisa que tinha perto de mim era o cachorro 
da Ariel, o príncipe, que tinha acabado de chafurdar todo 
o chão, e se não bastasse tinha pisado não só em mim com 
as patinhas sujas de vinho, mas também no tapete lindo da 
sala. Que desastre, Ariel não sabia se ficava braba, ou se ria 
de mim enquanto eu contava meu sonho esquisito. 
 Ficamos o resto do dia tentando procurar na inter-
net como limpar manchas de vinho do tapete, meio em 
vão, não saíram por nada. Quando ouvi ao longe a vinheta 
do Fantástico e soube que o final de semana tinha chegado 
ao fim, voltei pra minha casa, tratei de dormir logo, pois no 
outro dia começava cedo a rotina de novo.
31ELA É LOUCA 88
Mude de casa, mude de trabalho, 
mude de modos, 
a vida é uma estrada e, 
se você parar, é atropelado
Mudança
“
”
Não somos árvores para ficarmos plantados 
Podemos nos mudar, 
nada de ficarmos parados
Se algo tem incomoda ou não te agrada
Você pode se transformar 
não fique chateada
A vida pode nem sempre 
ser como a gente quer
Mas só nós podemos transformar, 
eu sou forte, 
eu sou mulher 
32 CACIANO KUFFEL
 Na segunda, aconteceu algo que eu me orgulhei mui-
to. Entrou uma cliente com seu namorado na loja, ela me 
perguntava algo sobre uma capinha da Frozen enquanto seu 
namorado me olhava com olhos de quem come um pudim. 
Não parava de me olhar, e isso me deixava desconfortável, 
mas eu fingia que não via, foi então que a moça emperiqui-
tada percebeu e deu uma de barraqueira.
 - Olha só mocinha você está aqui para me atender, 
não pra ficar jogando charme pro meu namorado, ponha-se 
no seu lugar, sua coisinha.
 - Mas senhora eu... - tentei ser educada
 - Eu nada, não se faz de sonsa, você acha que meu 
namorado vai querer alguma coisa com uma atendente po-
brezinha de loja, faça-me o favor sua coitada, vamos Afonso, 
vamos embora. - Quando ela estava indo embora, a Ariel 
veio me encontrar, mas antes que ela pudesse falar algo,eu 
não sei o que deu em mim, eu eu comecei falar.
 - Olha só sua patizinha esnobe, saiba primeiramente 
que eu sou solteira, que eu não preciso de namorado de nin-
guém, mas saiba mais, saiba que seu namorado é um escro-
to, que fica olhando outras mulheres, ao invés de olhar pra 
você, mas você é tão egoísta, tão autocentrada, que ao invés 
de olhar que você é uma mimada, ao invés de olhar pro seu 
namorado, olha pra todos de baixo pra cima e não consegue 
enxergar a si mesma, eu tenho pena de você, você só vai se 
33ELA É LOUCA
ver de verdade, quando parar de interpretar esse persona-
gem desprezível de você mesma.
 Eu nunca tinha sido assim, nunca tinha brigado, ou 
levantado a voz pra ninguém, nunca tinha nem dito que não 
para nada. A mulher ficou em choque por alguns segundos 
e então falou
 - Olha aqui sua filósofa de merda, vamos ver o que o 
dono da loja vai achar dessa sua atitude, vou fazer questão 
de entrar em contato com ele. 
 O namorado dela pedia calma enquanto ela saia en-
furecida do lugar.
 Naquele dia, eu ria, eu chorava, eu ficava pensando 
no que deu em mim, nem o Robson nem a Ariel, entendiam 
como eu podia ter falado tudo aquilo, logo eu, que sempre 
aceitei tudo. 
 Então, a Ariel: 
 - Meu, eu não sei o que deu em ti, nunca vi você as-
sim com nada, tá mudando, hein? Por que será? – alfinetou, 
sugerindo Flávio como a razão da mudança.
 - Eu não sei, sabe? Tô cansanda de tentar agradar todo 
mundo, de ser legal o tempo todo, quando os outros pisam 
e sambam em cima de mim, acho que é isso. Mas também 
me assustei, parece que enquanto eu falava eu saía do meu 
corpo, me olhava de fora e falava pra mim mesmo “para sua 
louca”. 
 - Eu senti orgulho de você, Alice. – declarou, Robson.
 Mas as coisas começaram a piorar pra mim, toda 
mudança traz sofrimento. Toda vez que você sai da zona de 
conforto doí, e sempre que você almeja ser melhor, o mun-
do mostra que você precisa ser forte. Na quarta feira, nosso 
então chefe, que nunca está na loja, apareceu. 
34 CACIANO KUFFEL
 - Olha só Alice, você não pode tratar ninguém assim, 
principalmente clientes. Ela é uma importante influencia-
dora aqui da cidade e fez vários stories no Instagram falando 
do péssimo atendimento da nossa loja. Falou do seu nome, 
eu não posso fazer nada a não ser pedir para você se afastar, 
logo você que é sempre tão na sua, o que foi que te deu?
 -Ela foi babaca comigo, me humilhou, eu só respon-
di.
 - Não é assim, aqui nas nossas lojas o cliente sempre 
tem razão. 
 Ariel, que observava de longe, não se conteve e se 
aproximou: 
 - Olha só, ela trata todo mundo super bem, não é por 
conta de um “blogueirinha” que o senhor precisa demitir 
ela, isso não é justo.
 - Calma, Ariel, eu posso me defender – tentei dei-
xá-la de fora - Eu acho que o senhor está cometendo uma 
injustiça, nem sempre o cliente tem razão. Quando ele hu-
milha alguém, fala mentiras, cria coisas, ele não pode ter 
razão, nem sair levando vantagem.
 - Eu não posso manter você aqui, se você continuar, 
ela vai continuar falando mal da gente, vai ser péssimo para 
os negócios, ela pode destruir tudo que eu levei anos pra 
construir.
 - Se ela sair eu saio também – ameaçou, Ariel, tentan-
do dar a cartada final.
 - Ótimo, por mim podem sair vocês duas. – respon-
deu sem remorso e visivelmente irritado.
 E foi assim que eu destruí não só o meu emprego, 
como o da minha melhor amiga, que por um acaso tinha 
conseguido o trabalho pra mim. Robson apareceu após a 
35ELA É LOUCA
saída do dono. Nos abraçou e chorou, pedindo para não dei-
xar ele sozinho lá, todo mundo chorou junto. O choro da 
Ariel era mais forte, ela precisava mais do que eu do empre-
go. Ela não trabalhava lá só pelo dinheiro extra, ela usava 
a grana pra fazer o cursinho e para ajudar em casa, já que 
morava só ela e a mãe. Pra mim, era mais simples, eu usava 
o dinheiro pra futilidades, lanches, cinema, maquiagem. Eu 
não acreditava que tinha feito isso com ela, minhas atitudes 
prejudicando uma das pessoas que mais amava, era algo que 
eu não podia lidar. Eu estava desesperada, quando era ela 
que devia estar.
 - Me desculpa, por favor, eu não queria te causar isso.
 - Tudo bem, eu não aguentava mais trabalhar lá, ago-
ra vai sobrar mais tempo para estudar.
 - Mas Ariel, como tu vai estudar, como tu vai pagar o 
cursinho?
 - Eu não preciso do cursinho para estudar, inclusive 
essa rotina está me fazendo mal, eu emagreci cinco quilos 
do nada, dores na barriga sem fazer nada, sei lá, eu tô estra-
nha demais, quem sabe fora da rotina isso melhore. 
 - Eu não me conformo em fazer mal pra você Ariel, 
eu te amo demais, eu vou achar outro lugar pra gente, eu 
prometo. 
 - Relaxa, vamos curtir o tempo livre um pouco, de-
pois a gente vê. Inclusive, a Victoria, o Flávio, e o Francisco 
vão jogar Imagem e Ação amanhã e convidaram a gente pra 
ir lá.
 - Pois é, o Flávio tinha me comentado, mas achei que 
não ia estar com cabeça.
 - Bobagem, a gente merece isso.
36 CACIANO KUFFEL99
Tá difícil pra caramba 
Parece que a vida não anda
Tá foda demais 
Nada me traz paz 
Tá complicado 
A sorte não está do meu lado 
Eu só quero fugir
parece que não pertenço a isso aqui
Só quero enxergar uma luz 
algo que me faça acreditar 
Que a vida tem muito mais para me dar
A vida não te paga mas te cobra, 
Ou você se curva a ela ou ela te dobra
Difícil
“ ”
37ELA É LOUCA
 Os dias seguintes eu passei enviando currículos para 
todo lugar que eu achava na internet, eu não podia deixar 
minha amiga naquela situação. É verdade que a gente preci-
sava esquecer, mas, ao mesmo tempo, não tínhamos como 
fugir da realidade. 
 A quinta chegou e, com ela, esperanças de um dia 
bom, sem estresse. Ao chegarmos lá, vimos todos alegres 
demais, o Francisco estava em cima da mesa sem camisa, 
enquanto a galera tirava foto dele, como se ele fosse um por-
quinho. Até o Anthony normalmente quieto estava rindo e 
falando alto. Quem nos recebeu foi a Victória. 
 - Oi meninas, fiquem à vontade, Ariel tu pode me aju-
dar com o molho do cachorro quente na cozinha?
 Eu nem prestei atenção porque o Flávio veio em mi-
nha direção com um sorriso estonteante e antes que eu pu-
desse dizer oi, ele simplesmente me beijou. Que beijo sur-
preendente, parece que nossas línguas se conheciam a vida 
inteira, que balé perfeito, eu pude sentir um fogo que nunca 
tinha sentido antes, como se ele me conhecesse inteira, a sua 
mão começou passar pelo meu corpo, me deixando extre-
mamente desconcertada. Sem reação, vi a mão dele passar 
pelos meus peitos, me fazendo sentir as pernas tremerem, 
ignorando o fato de estarmos em público, me deixei ser to-
cada, e sentir como se fossemos somente eu e ele. Nem vi 
quando Francisco apareceu e colocou o dedo nas nossas bo-
38 CACIANO KUFFEL
cas, enquanto gravava essa “pegadinha” e dizia.
 - Bécs que nojo, isso dá sapinho. Vamos respeitar a 
casa de família aqui, ok?
 Rimos e, enquanto eu ainda estava tonta do beijo, ri-
sonha e completamente anestesiada dos problemas, eles me 
ofereceram um copo com bebida. Eu já tinha bebido antes, 
mas sinceramente nunca gostei do gosto. Aceitei. Era gim e 
tônica, não sei o que aconteceu com o mundo, de repente 
está todo mundo gostando disso. 
 A gente decidiu que era melhor jogar verdade ou 
consequência do que Imagem e Ação; a consequência seria 
sempre beber. 
 De início, caiu do Anthony pedir para o Francisco. 
 - Fala Francisco, você é virgem ainda?
 - Estou me guardando pra pessoa certa. - enquanto 
riu meio desconcertado. - Na verdade, não tive oportunida-
de, mal beijei na boca ainda, e é algo que me preocupa, e se 
eu morrer sem ter transado? Não quero que isso aconteça.
 - Calma mano, essas coisas são superestimadas, tu é 
um cara legal, depois que começar acontecer não para mais. 
– ponderou, Flávio, tentando dar apoio ao amigo. 
 Aí eu não me aguentei e disparei:
 - Olha, falou o super experiente. 
 - Se você quer perguntar algo, tem que girar a garrafa, 
mas a vez de girar é do Francisco, então, siga as regras, coe-lhinho. 
 Francisco girou a garrafa, que deu direito a uma per-
gunta pra Victoria.
 - Victoria, tu me daria um beijo?
 - Acho que eu prefiro beber, Chico. 
 Enquanto ria, ela bebeu e girou a garrafa. Que caiu 
39ELA É LOUCA
apontada para Ariel, A Victoria, então, com olhar maldoso, 
pergunta:
 - Tu tem coragem de me beijar? A Ariel, muito por 
conta da bebida, acreditei eu, nem pensou direito e deu um 
beijão na Victoria. 
 Eu não acreditei, fiquei perplexa, hipnotizada olhan-
do para as duas. Não me segurei:
 - Caraca, Ariel, a gente é amiga desde criança tu nun-
ca me falou que beijava meninas.
 - Tu tem preconceito? - perguntou ela rindo.
 - Não é preconceito, mas é como se tu me falasse que 
é chinesa, eu sempre achei que tu fosse brasileira, aí do nada, 
tu é chinesa. 
 - É que eu preferia não falar, vai que tu achasse que eu 
queria te pegar e se afastasse, só não me sentia à vontade.
 - Imagina, você sempre pode contar comigo. 
 Abracei ela. Não acredito que por mais de dez anos 
nunca percebi que ela preferia meninas, eu já a tinha visto 
com alguns meninos, nunca suspeitei. Mesmo desapontada 
por ela nunca ter me contado, fiquei feliz de finalmente ela 
falar, tão abertamente. Nossa amizade ficou mais forte de-
pois disso. E então, chegou a vez de ela girar a garrafa, ela 
girou e parou no Flávio.
 - Flávio, você já namorou antes?
 - Mais ou menos, eu saia há muito tempo com a So-
raia.
 - E por que ela parou de sair com vocês?
 Perguntei sem conter o ciúmes enrustido
 - Ela não parou, ela ainda sai, às vezes.
 - Mas eu nunca mais vi ela.
 - Ela tem ciúmes de você, mas era só uma pergunta, 
40 CACIANO KUFFEL
você não pode roubar no jogo.
 O jogo continuou algumas rodadas, mas já era mui-
ta coisa pra minha cabeça, ciúmes, minha amiga saindo do 
armário, eu não conseguia raciocinar, minha vida estava 
mudando tanto em tão pouco. Paramos de jogar, mas con-
tinuamos as conversas, as bebidas, os olhares. Quando me 
dei conta estava em um quarto, provavelmente um quarto 
de bagunça, porque não tinha camas, sozinha com o Flávio. 
Começamos nos beijar, e o beijo continuava incrível, mas 
ainda mais quente, a boca dele era macia, e a língua suave, 
mas, às vezes, aconteciam pequenas mordiscadas. Não de-
morou muito pra ele me puxar pelo cabelo e beijar a minha 
nuca, fui ao delírio quando ele me encostou contra a parede. 
Suas mãos passeavam pelo meu corpo sem freio algum, en-
tão, quando percebi, estava de costas para ele, com ele bei-
jando minha nuca, falando como eu era linda e, quando ele 
puxou minha saia pra cima, mesmo extasiada, me assustei, 
pedi que ele parasse, ele sem me ouvir direito, tentou mais 
uma vez, e eu o empurrei dizendo:
 - Espera, calma, primeiro me conta da Soraia.
 - Meu Deus, por que falar dela justo agora?
 - É que eu não paro de pensar nisso.
 - Tá certo, e o que você quer saber?
 - O que você tem com ela?
 - Ela era uma grande amiga, aí a gente cometeu o erro 
de ficar, aí continuamos ficando, nos apaixonamos e depois 
decidimos acabar
 - E por que vocês acabaram?
 - Ah ela é louca, sabe? Não sei o que aconteceu, mas 
ela tem problemas.
 - Claro. Será que a gente pode ver como a Ariel está?
41ELA É LOUCA
 Eu achei estranho. Tentei ignorar o que ele havia me 
contado, eu queria ouvir da Soraia o que tinha acontecido de 
fato. Mas ela nunca mais tinha aparecido nas nossas festas, 
então eu fui até a cozinha meio tonta por conta das bebidas 
e vi algo que me deixou mais estranha do que eu já estava. 
A Ariel estava ali sentada no chão olhando para um balde e 
assustada.
 - O que aconteceu? Deu PT?
 - Foi, passei mal e vomitei tudo que bebi e comi. Que 
nojo, mas o que me deixa assustada é esse sangue que saiu 
junto.
 - Poxa amiga, vomitou até o intestino? Vamos pra 
casa, vou te fazer um chá.
 - Acho que sim, que vexame. 
 E fomos embora, mal me despedi do Flávio, a Ariel 
saiu meio de cabeça baixa e não falou direito com ninguém 
também. Eu já não aguentava mais tanta coisa na minha ca-
beça, e mal eu sabia que tudo que ainda estava por vir.
42 CACIANO KUFFEL
1010
A vida é curta demais 
para perder tempo 
com gente babaca
Ge catebaba
n
“
”
O mundo está cheio de esgoto e podridão
O mundo está cheio de vazio no coração
Todo lado eu vejo 
desumanos pregando moralidade
Por todo canto eu vejo 
mais sujeira nas pessoas que na cidade
Enxergo o mundo errado 
e ninguém parece dar bola
Se fosse diferente em algum lugar 
eu juro que ia embora
43ELA É LOUCA
 Eu deixei a Ariel sozinha sendo cuidada pela mãe 
dela e, no outro dia de manhã, eu saí cedo para largar cur-
rículos em lojas do centro. EU precisava consertar a merda 
que eu fiz na vida da Ariel, eu andava pelas ruas e pensava 
em tudo que tinha acontecido, minha cabeça girava pensan-
do na Ariel não conseguindo falar quem ela era de verdade, 
no final ela também tinha uma parte presa dentro dela que-
rendo sair, e finalmente saiu. Eu pensava em qual era a treta 
que tinha entre o Flávio e a Soraia que levou eles termina-
rem, e pensando nisso tudo, escutando música, eu me sentia 
num clipe do Eminem. Até que, largando os currículos, fui 
convidada a entrar por um rapaz simpático.
 - Então, a nossa loja é de roupas masculinas, como 
você pode ter percebido, e estamos realmente buscando 
uma vendedora jovem e bonita como você.
 - Ah muito obrigado pelo bonita, não sou tudo isso 
não.
 Eu estava levemente corada.
 - Você é linda, se você chamar a atenção dos clientes 
como chamou a minha, venderá muito. Você está preparada 
para fazer tudo que esse emprego vai te exigir?
 - Claro estou sim, quais são as condições? 
 Ele me explicou muita coisa, como trabalhar um sá-
bado sim outro não, e o salário era bem mais atraente do 
que o do antigo emprego. Eu também não ia trabalhar só 
44 CACIANO KUFFEL
meio turno, ia trabalhar um turno inteiro, mas ainda assim 
parecia vantajoso demais pra mim. E então começou a ficar 
estranho.
 - Você terá que fazer alguns trabalhos extras pra mim 
também.
 - Que tipo de trabalho? – perguntei imaginando idas 
a bancos ou deixar coisas nos correios.
 - Sabe? Me agradar quando eu estiver precisando de 
algo.
 - Como assim? - pedi levemente assustada.
 Então, ele deu a volta na mesa, puxou uma cadeira 
ao lado da minha e, levemente, foi chegando perto de mim, 
passou a mão no meu pescoço e com a cabeça foi chegando 
perto do meu rosto, e quando seus lábios encontraram os 
meus, eu o empurrei num susto.
 - O senhor está tentando me beijar?
 - Se você for trabalhar pra mim, vai ter que fazer bem 
mais do que me beijar. - disse ele com a calma de quem fazia 
isso sempre. Eu não sabia o que fazer para sair dali, sim-
plesmente estava em choque. Então, simplesmente, depois 
de dez segundos em silêncio, saí correndo dali. Enquanto 
caminhava pelas ruas, eu chorava assustada, sem entender, 
com vergonha de mim, me achando boba, estúpida. 
 Ah, se isso tivesse acontecido hoje, eu saberia exata-
mente o que fazer com aquele ser desprezível. 
45ELA É LOUCA
1111
A beleza da vida está oculta nos 
pequenos detalhes
Eavi
belada
é
“ ”
 E quando a gente menos espera
 Entendemos que a vida 
 no fim é bela
 Um toque um cheiro 
 um lugar visto da janela
 Ela é simples e na simplicidade 
 se encontra a beleza
 Você precisa estar atenta 
 e leve com a cabeça
 A beleza pode estar em 
 um simples
 papo em um gole de 
 cerveja
 Abra os olhos e saiba 
 que a tristeza vai passar
Basta entender, basta perceber, basta acreditar
A beleza não está em conseguir algo ou alcançar
A beleza da vida 
não é sobre conseguir algo desejado
Nem sobre conquistar algo muito esperado
A beleza está aqui, basta olhar para o seu lado
46 CACIANO KUFFELEu estava falando com o Flávio e decidimos marcar 
algo só nós. Ele estava sendo particularmente querido e, 
como eu não fazia nada mais durante as manhãs a não ser 
procurar um emprego, decidi ir me encontrar com ele. Ele 
não morava sozinho, mas afastado da cidade a família dele 
tinha uma chácara, um pequeno pedaço de terra no meio do 
nada para descansar. Ele prometeu que faríamos um pique-
nique romântico. Ele me buscou de Uber em casa e chega-
mos lá. 
 O lugar era lindo, havia um pequeno lago no meio 
da propriedade, as flores nas árvores eram de diversas co-
res, você podia andar pelo meio delas, pois elas faziam um 
caminho que te levava até um parreiral de uvas. A casa era 
grande, mas simples, tinham muitas redes ao redor dela. O 
Flávio sentou perto da varanda, estendeu uma toalha no 
chão, colocou uma cestinha, tirou de lá alguns cachos de 
uvas, um suco de uva, um vinho, pão, geleia de uva, e queijo. 
 - Espero que você goste de uva. - disse ele em tom de 
brincadeira. - Eu não gosto de uva.
 - Adoro, mas estou meio sem fome. – menti.
 - Mas você gostou do lugar? 
 - Amei, tão lindo quanto o dono.
 - O que faz o lugar ficar bonito é a companhia, como 
diz aquela música “Se eu não te amasse tanto assim, talvez 
não visse flores por onde eu vim”. Conhece?
47ELA É LOUCA
 - Acho que é da Ivete Sangalo, né?
 - É o que todo mundo acha, na verdade, é do Herbert 
Vianna dos Paralamas, sabe? Ele escreveu pra mulher dele, 
logo que ele se acidentou de ultraleve, ficou em coma, e aca-
bou perdendo ela.
 - Caramba, eu não sabia, mudou toda a música pra 
mim.
 - Às vezes, uma coisa que você enxerga só um pou-
quinho, se você ver um pouco mais muda completamente o 
sentido ou deixa de fazer sentido.
 - Será que é isso, então? Eu não enxerguei direito o 
que você tinha com a Soraia?
 - Ah não coelinho, de novo sobre ela? Esquece isso, 
deixa eu te mostrar algo.
 Ele mudou de assunto, disse que o pai dele era pin-
tor, mas tinha parado de pintar, o que tinha sobrado dessa 
paixão eram os quadros que ficavam pela casa, me contou a 
história de cada um deles, e ao chegar no quarto principal 
me mostrou um quadro enorme que tinha um rosto de uma 
mulher com uns brincos de pérolas. 
 - Este meu pai pintou antes de conhecer minha mãe, 
uma vez ele me disse que demorou um ano inteiro para 
concluir, eu sempre achei que esse foi o verdadeiro amor do 
meu pai, até porque minha mãe nunca gostou deste quadro, 
e mesmo meu pai sabendo disso, fez questão de deixar aqui. 
 - A moça é linda, parece apaixonante mesmo.
 - Se eu ver o meu amor eu não quero deixar escapar, 
quero pegar ela pelas mãos e segurar para sempre. 
 Ele me disse isso enquanto segurava nas minhas 
mãos e me olhava firme nos olhos, eu naturalmente, fechei 
meus olhos esperando pelo beijo, e foi mágico, senti de novo 
48 CACIANO KUFFEL
seus lábios encontrando os meus, com suavidade e maciez 
como da primeira vez e, dessa vez, bem lentamente, ele foi 
acariciando meu rosto, minha pele, meu pescoço. Sem que-
rer, soltei um gemido de prazer, o que fez ele mudar o ritmo 
lento, para algo um pouco mais forte, sua mão rapidamente 
pegou meu cabelo com força, enquanto ele mordiscava meu 
pescoço, sua mão macia percorria meus seios, enquanto eu 
devolvia o carinho e passava a mão pelo seu peito, a gen-
te fazia parecer um balé, tudo era orquestrado, ele tirou a 
sua blusa, sem perder o ritmo tirou a minha também. Eu 
me sentia flutuar, estava completamente molhada, ficamos 
completamente nus, então ele finalmente me jogou na cama, 
apagou as luzes, e me disse que não ia parar de me chupar 
até que eu não gozasse em sua boca. Eu simplesmente me 
entreguei, ele sabia o que fazia, com suavidade e ritmo em 
poucos minutos minhas pernas tremeram. Me deixei sentir 
cada sensação, cada respiração ofegante, e então ele me pe-
netrou, e foi ainda mais estupendo. Terminei sem ar, fiz de 
tudo para agradar ele também, dei o meu melhor. Eu estava 
completamente apaixonada. Ele era maravilhoso em todos 
os sentidos possíveis. 
 Naquela tarde, ainda repetimos por três vezes e cada 
vez era ainda melhor, mais forte, mais intenso, mais entre-
gue. 
 No final do dia, eu estava no céu, ria e sorria sem mo-
tivo, cantava, dançava, nada podia me tirar daquele estado. 12
49ELA É LOUCA
Quando você acha 
que a vida está boa, 
vem ela e te mostra 
que viver é sobre 
superar dificuldades 
e não sobre respirar as felicidades
Mais
difícil
“
”
Vai piorar muito antes de melhorar
A vida ainda tem muito 
para te ensinar
E você sabe que 
assim que isso passar
Você vai merecer 
o que está prestes a ganhar
Vai piorar muito ainda 
para você aprender
A dar valor a tudo que merece ter1212
50 CACIANO KUFFEL
 Algo me preocupou, era uma mensagem da Ariel pe-
dindo se eu podia encontrá-la no centro no outro dia, era 
urgente. Eu estava com tanta sorte que eu pensei que fos-
se um emprego pra nós duas. Quem dera. Chegando lá, eu 
estava tão animada que nem percebi o quanto Ariel estava 
abatida.
 - Amiga, eu preciso te contar algo, na verdade, tem 
tanta coisa que eu preciso te contar... – eu estava tão excitada 
que quase não percebo que Ariel me interrompia.
 - Eu também, Alice. - disse Ariel, com um envelope 
na mão.
 - Tá tudo bem, conta você. - tentando conter minha 
ansiedade
 - Alice, aquele dia depois da festa, eu fiquei mais mal, 
minha mãe me levou no hospital, e o médico disse que não 
era nada, mas que precisava fazer uma biópsia, eu não con-
tei nada para minha mãe, mas o resultado está aqui.
 - Resultado do quê?
 - Se eu estou com cancêr ou não.
 - Não brinca com isso. Como câncer? Você é jovem. 
 - Lembra como eu vinha me sentindo? Eu falei pro 
médico ele achou que poderia ser algo. Alice, eu estou com 
medo de abrir isso aqui
 - A gente vai abrir juntos e não vai ser nada, você vai 
ver. – disse, morrendo de medo. 
51ELA É LOUCA
 Nós abrimos, o resultado era positivo, eu não sabia 
o que falar, apenas segurei o choro, abracei ela forte, Falei 
que a gente ia dar um jeito como a gente sempre deu. Mas, 
em determinado momento, foi impossível conter o choro. 
Estávamos ela e eu, ali, no meio de muita gente, no meio de 
tanta gente reclamando do seu dia, no meio de tanta gen-
te que nem apreciava mais a vida, chorando, torcendo para 
que tudo não passasse de um pesadelo.
 A gente conversou de tudo naquele dia, sobre as es-
trelas, sobre o infinito, sobre vida após a morte, sobre re-
ligião, sobre amor, eu não tive coragem de contar pra ela 
sobre a minha felicidade do outro dia, não contei também 
sobre o cara escroto da loja de roupas masculinas, só ouvi, 
aproveitei minha amiga, como fazia tempo que não aprovei-
tava. 
 Ela me contou todos os seus sonhos, lugares onde 
ainda queria ir, pessoas que queria conhecer, os shows que 
ela sonhava em ir, disse que estava apaixonada pela Victo-
ria, e não sabia como contar para mãe, porque tudo que ela 
queria era deixar sua mãe orgulhosa, feliz, queria se formar 
em medicina para poder salvar as pessoas, e assim deixar 
sua mãe alegre. Tinha medo de magoar ela, tinha medo de 
deixar sua mãe desgostosa com a vida. 
 A mãe da Ariel tinha sido muito forte desde que o 
pai dela as abandonou, eram só as duas contra o mundo. A 
última coisa que a Ariel queria era ver sua mãe infeliz por 
conta dela. E agora o câncer, como isso podia ser pior?
 Por pior que fosse, uma hora a gente precisava contar 
pra mãe de Ariel, pelo menos sobre o câncer.
 Decidimos contar e, então, no outro dia, eu fui junto 
com ela no horário do almoço do trabalho da dona Lydia 
52 CACIANO KUFFEL
no hospital. A Lydia era uma mulher linda, com ar mega 
jovem, ela teve a Ariel super nova, com 17 anos. Por conta 
da filha, ela teve que parar de estudar pro cursinho, mas não 
desistiu da área da saúde, conseguiu cursar tecnólogo em 
enfermagem, profissão que exercia com orgulho e amor até 
então. 
 O hospital que ela trabalhava era um desses de planos 
de saúde que, no fim das contas, não estão nem um pouco 
ligados nos seres humanos.As ordens que vêm de cima são 
puramente financeiras, a instituição vivia dizendo que esta-
va quase fechando as portas, a fim de assustar seus funcio-
nários, que viviam em uma guerra entre médicos, enfermei-
ras, e, por fim, pacientes. O clima era péssimo, mas, mesmo 
assim, Lydia tentava fazer sua parte, ouvir os pacientes, e 
entender suas dores, não só físicas, mas também mentais. 
 Fora do hospital ela sempre foi uma segunda mãe pra 
mim, fazendo eu me sentir bem, dando dicas de saúde pra 
minha mãe cuidar de mim, eu confiava muito nela. Então, 
quando a gente contou, pensamos que ela teria a solução em 
suas mãos, alguma saída, mas a Lydia, sempre forte, caiu aos 
prantos, e meio aos soluços ela dizia:
 - É culpa minha, eu tenho certeza, por ter fumado 
demais, eu tenho certeza que você herdou de mim, eu não 
acredito, filha.
 - Mãe, a gente vai dar um jeito.
 - A gente vai sim, tia, você sempre deu um jeito.
 - Eu vou tentar falar com meu chefe, quem sabe o 
tratamento eu consiga de graça.
 Os dias se passaram e Lydia sequer conseguia falar 
com o chefe dela. A gente pensava em possibilidades, mas 
no final não tínhamos ideia de como conseguir pagar o tra-
53ELA É LOUCA
tamento, o médico. Nós podíamos esperar um tratamento 
de graça, quem sabe pudesse rolar, mas não estávamos com 
vontade de ficar de braços cruzados esperando o destino 
agir, de jeito nenhum. Em paralelo a toda essa dor, eu en-
contrava conforto trocando mensagens com o Flávio, que 
estava cada dia mais distante, e cada vez mais evasivo, nem 
mesmo ele sabendo o quanto eu amava minha amiga, não 
fazia ele ser carinhoso novamente comigo. Na verdade, eu 
sentia que ele não entendia que eu não podia ver ele agora, 
minha cabeça estava em outro lugar. 
 Se você acha que a minha vida está tumultuada, senta 
que lá vem mais mudança. Afinal, eu ainda era uma menina 
boba, ingênua, precisava de muita coisa na vida pra enten-
der minha força, quem eu realmente era, e ser essa louca 
destemida, que conta sua história, e vive a vida como eu es-
tou vivendo hoje. Mas antes de melhorar, piora muito ainda.
54 CACIANO KUFFEL
1313
Ela é loucaSer louca não é xingamento é elogio, pois os loucos são aqueles que veem a vida 
de um ângulo que jamais seria compreendido 
pelos ditos normais
“
”Você diz que ela ficou louca 
quando perde a razão 
Fala que ela tá imaginando 
e criando coisas, 
pensando com a emoção 
Você diz que ela ficou 
louca, maluca, pirada 
E que você não fez absolutamente nada 
Faz ela acreditar que você nunca errou, 
que nunca mentiu, que você é diferente 
E que tudo é culpa dela, 
ela é doida e você inocente
E você quer saber?
 Talvez ela seja louca mesmo louca 
de ficar com você
Louca de estar presa, talvez ela seja 
louca pela vida, louca por te amar
E no fim você deve estar ficando louco se acha 
que ela vai de novo te perdoar
55ELA É LOUCA
 Eu saí para caminhar na praça que eu costumava ir 
apenas nos domingos, para ver vida, para ver as flores, pra 
pensar nos dias felizes que eu vivi ali com Ariel, quem sabe 
ali eu encontraria a resposta para como ajudar de fato. 
 Eu não sou muito de me ater aos detalhes, mas eu 
me lembro muito bem de como estava abafada aquela terça, 
sabe esses dias que estão tão quentes que, do nada, chove? 
Estava assim. Passeando, eu, momentaneamente, fiquei feliz 
ao ver o Francisco ao longe, e notei um olhar estranho em 
seu rosto, ao me aproximar, mas ainda sem ser notada, vejo 
o restante do grupo. Vejo a Victoria, o Anthony, uma garota 
desconhecida e, claro, o Flávio. O Flávio estava junto da me-
nina desconhecida, deu um beijo nela.
 Decidi me aproximar e cumprimenta-los. 
 - Fala Galera, fala Francisco, Anthony, Victoria, Oi 
Flávio, prazer…
 - Samantha - disse a menina me estendendo a mão 
simpaticamente. 
 - Que legal todo mundo reunido. Victoria, você tem 
falado com a Ariel?
 - Ela deu uma sumida né, estou preocupada com ela. 
 - Pois é, acho que no momento certo ela fala o por-
quê. Eu vi você beijando a... Samantha? - falei olhando para 
o Flávio.
 - Foi um selinho só, é nosso primeiro beijo né passa-
56 CACIANO KUFFEL
rinho?
 Ela riu envergonhada e eu fiquei tonta e enjoada ao 
mesmo tempo. Ele estava fazendo de conta que eu não era 
nada, como se eu nem estivesse ali, e já tinha dado até um 
apelido carinhoso para a menina nova. Engoli a seco e tentei 
entrar na onda dele:
 - Ah, “passarinho” que bonitinho, como você ganhou 
o apelido, Samantha?
 - Ah, ele me acha livre, feito um passarinho, eu adorei 
o apelido, mas fico encabulada quando ele fala.
 - Ah que querida, se diverte com o brinquedinho 
novo, Flávio. – lancei feito vômito e fui embora enfurecida.
 De longe, eu ouvi um “Não dá bola, ela é louca”. Foi 
a primeira vez de muitas que eu ouvi isso, nunca vou esque-
cer. Às vezes, quando um homem perde a razão, não tem 
mais argumentos ele usa um “ela é louca” pra tentar te des-
merecer, te menosprezar, te jogar para baixo. Nesse tempo, 
eu ainda não entendia como essa palavra é, na verdade, forte 
e libertadora. 
 Vocês imaginam como estava minha cabeça nessa 
hora? Eu não enxergava mais nada na minha frente. Vontade 
de vomitar, vontade de correr para qualquer lugar, vontade 
de me esconder dentro de mim. Eu gritei. Gritei alto, gritei 
no meio no parque, gritei no meio das pessoas passeando. E 
continuei andando como se nada tivesse acontecido. 
 Eu não acredito que ele estava fazendo a mesma coi-
sa que tinha feito comigo com uma outra menina, me senti 
usada, me senti nada, me senti vazia. 
 Eu não tinha nem contando a parte boa para Ariel, 
nem a parte ruim do que eu tinha vivido com o Flávio, meus 
problemas pareciam tão pequenos perto dos dela.
57ELA É LOUCA
1414
Somos como a mola, 
quando nos encolhem 
voltamos com ainda mais força“ ”
Sem
força
Sem forças para continuar
Com vontade de parar
Sem saber o que fazer
Só com vontade de não ser
Não ser quem me tornei
Não amar quem eu eu amei
Sem forças para tentar 
Com vontade de parar
58 CACIANO KUFFEL
 Eu fui até a casa da Ariel, ela estava sem aquele brilho 
de sempre no rosto, sem aquela força natural, ela estava só 
abatida, mais que o normal. Sua mãe não estava em casa, 
tentei ouvir ela:
 - Fala, Ariel, a gente vai dar um jeito.
 - Eu não sei como, a minha mãe falou com o hospital, 
o tratamento fica quatrocentos mil reais, nossa casa finan-
ciada dá cem mil, e faltam um milhão de parcelas ainda.
 - Mas ela trabalha no hospital, eles não podem dar 
isso pra uma funcionária?
 - O plano de funcionário não cobre isso, não faz sen-
tido, eles deixarem alguém morrer porque não pode pagar, é 
muito injusto. Minha mãe está desesperada.
 - Calma, é só dinheiro, tenho certeza que meu pai 
pode ajudar.
 Meus pais não eram ricos, longe disso, mas ele tra-
balhava de contador, sempre lidamos bem com o dinheiro, 
meu pai sempre tinha soluções incríveis.
 - Eu não sei mais o que fazer, Alice, eu não tenho em-
prego e mesmo se tivesse, não quero fazer minha mãe criar 
dívidas e quem sabe eu nem me… - interrompi antes que ela 
pudesse falar alguma bobagem.
 - Não pensa nisso, a gente vai dar um jeito, vamos 
com calma, o que dá pra gente fazer agora?
 - Eu tenho umas economias, dá para pagar as primei-
59ELA É LOUCA
ras sessões.
 - Isso, vamos indo com calma, eu tenho algum di-
nheiro guardado também e vou usar tudo que eu puder para 
pagarmos e, enquanto isso, pensamos em um jeito.
 Os dias se passaram, se arrastaram, como se fossem 
borrões, nada de novo, nada de excitante, nada de bom acon-
teciam nesses dias nublados. Eu não tinha ideia de como 
eu iria ajudar Ariel, não tinha com quem compartilhar nem 
minha frustração amorosa, nem minha aflição para resol-
ver a doença da Ariel. Resolvi falar com meus pais, a gente 
não conversa muito, meu pai contador não era muito bom 
com as palavras, minha mãe era carinhosa, mas eu não me 
sentia confortável falando com ela sobre as minhas coisas, 
não por ela, por mim mesmo. Como eu disse lá no início, eu 
não era de me abrir com ninguém,minha mãe entrava nesse 
barco. No jantar, eu resolvi falar do câncer da Ariel e, quem 
sabe, meu pai pudesse ajudar. Eles sempre gostaram muito 
da Ariel, tinham muito carinho por ela.
 - Não é possível, filha, ela é muito nova para enfren-
tar isso na vida. - emocionou-se minha mãe.
 - Isso é irreversível, lembra que seu avô teve? Não 
tem escapatória, quando vem, não tem o que fazer.
 - Não fala bobagem, Valdir, ela é jovem, seu pai não 
estava mais tão jovem assim. - minha mãe sempre repreen-
dia meu pai a cada palavra, mas dessa vez ela tinha razão, ela 
era jovem e podia lutar muito contra tudo isso.
 Meus pais falaram que poderiam vender o carro e 
ajudar com as sessões, não se importariam de dar o carro se 
fosse necessário. Mas mesmo assim o carro pagava apenas 
o início de tudo, não tinha muito o que fazer, nem meu pai, 
meu herói que sempre arranjava solução para tudo soube 
60 CACIANO KUFFEL
me ajudar. Eu estava perdida.
 Naquela noite, eu recebi uma mensagem direta na 
minha conta do Instagram, era de Soraia, ela queria me en-
contrar para tomar um café, disse que eu ia gostar de ouvir 
ela. Eu duvidei, não fui muito com a cara dela quando a co-
nheci, ainda tinha aquele lance o Flávio, mas quem sabe ela 
poderia me ouvir, estava precisando desabafar. 
 Soraia era uma menina dessas que são bonitas, mas 
se vestem com tons escuros demais, com esses couros, e es-
sas camisas de bandas de rock. Eu não sei vocês, mas pra 
mim, essas pessoas me dão medo de chegar perto, não por 
nada, só parece que elas não estão muito a fim de conversar, 
sabe? 
61ELA É LOUCA
1515
Eu sou dessas 
que prefere 
um tapa de verdade 
do que 
um abraço de falsidade
“
”
A ver
dade
É melhor um tapa de verdade 
que um abraço de mentira
Quando você mais precisa de alguém, 
de costas ela te vira
É melhor uma verdade que machuca 
do que uma mentira que te deixa bem
Se for uma multidão de mentira 
eu prefiro estar sozinha sem ninguém
62 CACIANO KUFFEL
 Eu fui me encontrar com ela logo no outro dia pela 
manhã, ela sugeriu o parque, mas o tempo estava nublado, 
então eu sugeri uma padaria. Fomos realmente tomar um 
café. Na padaria, tinha uma torta red carpet que eu comi 
com os olhos, foi o que eu pedi, não estava com fome para 
um salgado.
 Sentamos afastadas de todo mundo, o lugar era acon-
chegante, mas as poltronas tinham encostos péssimos, o que 
me fez ficar curvada pra frente.
 - Me contaram que você finalmente conheceu o Flá-
vio, né? - começou ela com tom de seriedade e sobrancelha 
levemente arqueada.
 - Como assim, finalmente?
 - No início, ele parece uma pessoa ótima, isso até ele 
conseguir o que quer…
 - E o que quer, é…
 - Sexo... - concluiu ela - Ele é legal até conseguir tran-
sar com você, aí depois ele te vê, ou sai com você de novo só 
se você correr muito atrás, senão, não faz questão de porra 
nenhuma. 
 Me assustei com a agressividade do palavrão.
 - Foi o que aconteceu comigo, e eu encontrei ele no 
parque com outra menina, acredita?
 - Anthony me contou, a gente conversa, ele é uma 
boa pessoa.
63ELA É LOUCA
 - Ele é meio calado.
 - Ele não concorda com o que o Flávio faz, diz que é 
artificial, mas também não faz nada contra, eles são amigos 
e se protegem.
 - Eu percebi. E, você sabe, ele me deu um apelido...
 - Deixa eu adivinhar - interrompeu ela - O diminu-
tivo de um animal, o meu era “castorzinho”, o que eu achei 
bonitinho no início, mas depois vi que era ofensivo, meus 
dentes não são tão grandes assim.
 - Então, ele me chamava de “coelhinho”, e eu vi ele 
chamando a outra menina de “passarinho”
 - Ele é um robô, faz tudo igual com todos, é um ba-
baca. Aposto que ele te levou pra casa de campo dos pais, te 
mostrou quadros, falou que o pai dele pintou e vocês tran-
saram depois de uma promessa de amor pra sempre dele, tô 
certa?
 - Caralho - nem eu acreditei no palavrão que saiu da 
minha boca - Exatamente o que aconteceu, como eu sou 
idiota! Mas e o quadro na parede? A história tinha tanto 
detalhe.
 - Ele é tão idiota que não sabe que aquele quadro é 
super famoso, chama Moça de brinco com pérolas, se você 
jogar na internet agora, você encontra.
 Eu joguei, era exatamente o mesmo quadro que ele 
tinha dito ser do pai dele, era um quadro de 1665, eu es-
tava me sentido tão idiota, ao mesmo tempo me perguntei 
porque dela estar me contando isso. Foi então que ela me 
contou o porquê de ter me chamado.
 - A gente precisa expor esse idiota. Acredita que eu 
pesquisei e ele faz relatos das suas conquistas, com fotos, 
notas e detalhes nada agradáveis de suas presas num fórum 
64 CACIANO KUFFEL
na internet? Como se fossemos um jogo. 
 - Eu não sei como posso ajudar você, por que você já 
não fez?
 - Se uma menina sozinha grita, ninguém escuta, você 
é a quarta menina que eu consigo falar, logo a Samantha vai 
ser a quinta, então com o relato de seis meninas. Quem sabe 
ele e todo mundo que faz parte desse forúm idiota sofra algo 
também.
 - Mas eu tô curiosa, por que você continuava saindo 
com eles, mesmo tendo percebido isso.
 - No início, eu saí porque fui fraca, mesmo saben-
do disso tudo, eu gostava dele, ele parecia inteligente, mes-
mo que perverso, ele sabia exatamente o que fazer com as 
mulheres, e isso de alguma forma me deixava atraída. Mas 
quando você entrou na vida dele, eu cansei de ser a outra 
opção, a amiga colorida que ele contava tudo, começou me 
embrulhar. Aí juntei todos os arquivos de conversas que ele 
teve comigo, inclusive de conversas me contando as técnicas 
e como fazia, e criei um dossiê. Estou pronta pra usar, posso 
contar com você?
 - Eu não sei, eu tenho medo de expor alguém, de me 
expor. - falei de cabeça baixa.
 - Pense nisso, se precisar falar com alguém, eu estou 
aqui, mesmo que decida não ajudar com isso, tá?
 Eu tinha mudado todo o ranço que sentia dela, agora 
ela me parecia uma mulher inteligente, e que sabia o que era 
errado. Mas eu estava cada vez mais tonta, era muito para 
minha cabeça. Naquele dia, Soraia me mandou alguns prints 
de conversas e links do fórum. Era baixo, era escroto. Ele 
não estava sozinho, existia um mundo de homens, termino-
logias, mestres e gurus que usavam mulheres e agiam como 
65ELA É LOUCA
se não fossem nada a não ser um jogo. Eles nos expunham, 
riam da gente, recebiam dicas de como conseguir transar 
o mais rápido possível. Algumas das técnicas era só puxar 
com força e mandar ela obedecer. O que, pra mim, era a 
técnica de um estupro e não de uma conquista. Essas pesso-
as mereciam, no mínimo, a cadeia. Expôr era pouco e eu ia 
embarcar nessa.
 A Soraia me adicionou no grupo com as outras mu-
lheres. Todas eram lindas e tinham aquele sangue nos olhos, 
estavam muito bravas por terem sido expostas daquela ma-
neira na internet. O argumento era que, se ele gostava de 
expor os outros, nada mais justo que ele ser exposto.
66 CACIANO KUFFEL
No mar de decepção quem parece 
salva-vidas, só ajuda a afogar o que 
resta do seu coração“ ”
r 1616Ma depce çãode
Minha mãe é coisa mais preciosa pra mim
Eu sei que ela também pensa assim
Se o mundo estiver contra ela 
então estou contra o mundo
Não abandonaria ela nem por um segundo
Ela já fez tanto só para ver minha alegria
Ela sempre foi e sempre será 
a minha melhor companhia
67ELA É LOUCA
 Na minha casa, meus pais continuavam abalados, eu 
continuava triste, era ruim ficar em casa.
 Minha mãe não parava de chorar, ela olhava nossas 
fotos antigas e chorava. Em determinado momento, eu achei 
estranho, não parecia mais que ela estava chorando apenas 
por causa da Ariel. Decidi perguntar:
 - Mãe, você tem algum outro problema?
 - Minha filha, sabia que você costumava perguntar 
sobre tudo quando era criança? Eu não sabia responder 
quase nada e seu pai sempre inventava uma resposta pra te 
deixar feliz. - e falando do meu pai, ela engasgou, e chorou 
ainda mais.
 - Mãe, o que aconteceu?
 - Eu não quero falar, me doí demais, são 20 anos jun-
tos.
 - Mãe, você está me assustando. 
 Neste momento, eu vejo descendo pelas escadasmeu 
pai com duas malas de viagem.
 - Pai, você está indo para onde?
 - Minha filha, eu troquei de carro, comprei um bem 
chamativo laranja pra você nunca mais se confundir com o 
nosso carro - brincou meu pai, lembrando da jamais esque-
cida vez que eu entrei no carro errado.
 - Pai, por favor me explica o que está acontecendo.
 Meu pai ficou com a cara baixa, claramente envergo-
68 CACIANO KUFFEL
nhado e minha mãe num acesso de fúria que eu nunca havia 
presenciado jogou o quadro que segurava contra a parede.
 - Fale pra sua filha, Valdir, quero ver com que cara 
você vai olhar para sua filha e falar essa palhaçada.
 - O que aconteceu, pai? Eu mereço uma resposta, o 
que está acontecendo?
 - O seu pai, filha, tem outra família, esses anos todos 
ele tinha outra família e eu crendo que tinha encontrado um 
homem bom.
 - É verdade, pai? - indaguei com a boca seca e o choro 
preso
 - É mais complicado que isso filha, eu sempre amei 
vocês duas, não é como se eu fosse uma pessoa ruim.
 - Olha a cara de pau desse homem, sai daqui Valdir. 
Sai daqui - deliberou minha mãe resgatando uma força que 
eu nunca vi.
 - Tchau, filha. Pode sempre contar comigo pra te bus-
car na escola, ou para te contar uma história à noite, pra 
arrumar sua camisa ou te defender dos meninos da vida.
 - Olha o monstro dizendo que defende alguma coisa. 
- sarcasticamente interrompeu minha mãe.
 Agora, era eu e minha mãe sozinhas, como a mãe da 
Ariel e ela. As duas contra o mundo. Eu não podia acreditar 
que meu pai fosse essa pessoa, nunca pude desconfiar da ín-
dole do meu pai, toda a imagem que eu tinha de um homem 
honesto, protetor, bondoso, tinha desaparecido em alguns 
minutos. 
 Sério, desgraça pouca é bobagem...
69ELA É LOUCA1717
Na rua sombria da vida, encontrar 
uma rua sem saída é inevitável“ ”
Semaísda.
No fundo do poço, 
sem saída
O que eu faço agora da minha vida?
No fundo do poço, 
me afogando
E eu não estou 
ao menos nadando
No fundo do poço 
e não vejo como escalar
às vezes parece 
que é mais fácil desistir de tentar
70 CACIANO KUFFEL
 Nós juntamos dinheiro entre minha mãe, eu, a Ariel 
e a mãe dela. Com a separação, minha mãe ficou com medo 
de faltar dinheiro pra gente, meu pai prometeu o carro, mas 
não para agora. Tinhamos onze mil reais. O hospital dis-
se que podia começar o tratamento, mas só os honorários 
dos médicos dava muito mais que isso. Saúde é um negócio 
mesmo, né? Uma merda. 
 Eu ia todos os dias ver a Ariel pra nos distrairmos, 
pensar em outra cois. Ela me pediu como estava o romance 
com o Flávio. Eu contei meu drama morrendo de vergonha 
porque não se comparava ao que ela estava vivendo.
 - Meu radar para homem escroto não falha. Eu sabia 
que era muito Don Juan pra pouco filme. 
 - Mas, Ariel, eu não quero que tu pense nos meus 
problemas, tu já tem os teus para se preocupar.
 - Dizem que quando resolvemos os problemas dos 
outros os nossos parecem mais fáceis, e tu vai entrar nessa 
de expor ele com a Soraia?
 - Ele merece. Mas eu não sei se tenho coragem. Ela 
quer que eu grave um vídeo de frente para câmera contan-
do. Eu não levo jeito com isso
 - Sei lá, eu acho que tu não tem nada a perder. Sabe 
quem veio me visitar? - ela parou tentando fazer suspense - 
O Robson. Veio me contar que saiu da loja, vai tentar traba-
lhar com edição de vídeo agora, não aguentou sem nós - riu 
71ELA É LOUCA
triunfante.
 - Quem sabe ele possa dar uma mão para gente no 
projeto.
 Estava frio, o que era incomum para o mês em que 
estávamos, eu não tinha levado casaco, apesar do alerta da 
minha mãe. Era final da tarde, dava ainda pra ver no céu o 
laranja indo embora. Nos reunimos na casa da Soraia na-
quela noite, tinha bolo, pastel e café. A casa dela era enorme, 
mas ficamos num escritório, ela disse que ajudava a pen-
sar. 
 Nós já tínhamos decidido que o nome do grupo ia ser 
Mulheres em Exposição. Criamos uma conta nas redes e fize-
mos a logo. Decidimos que o primeiro vídeo seria contando 
a história da comunidade secreta dos meninos, com uma 
voz narrando e, no vídeo, somente legendas. Logo depois, 
iríamos pôr os nossos cinco vídeos, cada uma contando a 
sua história de frente para a câmera. Estávamos torcendo 
para que a Samantha também participasse do nosso vídeo.
 - Vocês não acham que é melhor contar pra ela, antes 
de ela ser exposta também? - perguntei olhando diretamen-
te para Soraia.
 - Acho que ela não acreditaria, nós sabemos como ele 
pode manipular tudo, nos chamar de louca e dizer que é por 
ciúmes que inventamos tudo isso, né?
 - Pode ser. - concordei meio contrariada, não sei se 
achava certo usar a Samantha para a campanha ao invés de 
salvar ela, eu preferiria que alguém tivesse me contado toda 
a verdade sobre o Flávio antes. 
 Ficamos até altas horas da noite escrevendo os rotei-
ros. Pedimos uma pizza grande, que foi saboreada sem mui-
ta atenção, estávamos focadas neste projeto. A ideia era lan-
72 CACIANO KUFFEL
çar na semana seguinte. Eu liguei para o Robson que aceitou 
gravar e editar tudo pra nós, a gente ia ajudar ele, já que ele 
tinha saído do emprego anterior. 
 Nos dias que se seguiram, eu fiquei horas em casa 
com minha mãe, e outras na Ariel jogando um jogo de ta-
buleiro que ela adorava chamado Quest, que é um jogo de 
perguntas, se você acertar pode andar no tabuleiro. Ariel 
sempre disse que gostava porque não se tratava de sorte e 
sim de conhecimentos. O que eu sempre discordei porque 
ela sempre tinha a sorte de pegar as perguntas mais fáceis. 
 Eu queria fugir do meu mundo, queria parar de pen-
sar nos problemas, era muita coisa pra mim, eu estava real-
mente pirando, me sentia sufocada com frequência, faltava 
ar quando eu estava quase pegando no sono, me sentia aper-
tada em ambientes com muita gente.
 Nem ler, que é algo que eu sempre adorei eu conse-
guia mais, me sentia sem foco, me perdia nas palavras, e 
tinha de voltar o capítulo todo para entender o que eu tinha 
acabado de ler.
 Tentei me perder em outra coisa por alguns minutos 
caminhando pela rua mais movimentada da minha cidade, 
com vários comércios, muita gente passando, pessoas te en-
fiando panfleto e gente gritando promoção de chip a cinco 
reais. Passei em frente a um desses lugares que fazem tatu-
agens e colocam piercings e de alguma forma a energia do 
lugar me convidou para entrar. 
 Fiquei olhando as tatuagens na parede, as fotos de 
gente extremamente modificadas, nunca gostei desse exage-
ro, mas sempre achei interessante pessoas tatuadas. Enquan-
to olhava fui surpreendida por uma voz rouca e ao mesmo 
tempo suave.
73ELA É LOUCA
 - Já decidiu o desenho?
 - Como é? - perguntei sem entender, enquanto me 
virava para descobrir de onde vinha voz.
 - O desenho que quer tatuar. 
 Era um rapaz cheio de tatuagens, algumas que inva-
diam o pescoço, ele tinha cara de bonzinho, mas as tatua-
gens davam uma quebra nisso, ele parecia jovem, e tinha um 
cabelo milimetricamente ajustado.
 - Ah não, só vim olhar de curiosidade, não quero ta-
tuar nada não. – desconversei enquanto tentava sair.
 - É assim que começa, você ficaria linda com algum 
desenho no corpo. - ele fez uma pausa enquanto analisava 
meu corpo - Vamos brincar de faz de conta, se você tivesse 
que tatuar algo, o que tatuaria?
 - Acho que eu tatuaria uma frase, um poema, uma 
palavra. – considerei enquanto olhava para uma foto com 
uma tatuagem escrito “resiliência” na altura do ombro.
 - Acho que é uma boa para primeira, mas tem que ter 
significado para ti, ainda mais a primeira.
 - Claro, não quero tatuar algo vazio, eu não vejo gra-
ça, tipo essas meninas que tatuam qualquer coisa só porque 
está todo mundo fazendo igual. – falei me referindo à tal 
“resiliência”.
 - Tu tem razão, mas essa tatuagem aí – apontou - É 
muito significativa para ela, ela passou por coisas difíceis na 
vida, que você jamais imaginaria, sobreviveu e ficou ainda 
mais forte, tem um significado profundo para ela.
 Eu fiquei alguns segundos pensativa, longe, será que 
ela tinha passado por coisas piores que eu? Eu

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