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UNIDADE 1 Lógica e Conceitos [Este texto foi extraído, traduzido e adaptado dos capítulos 1 a 6, da primeira parte (La Lógica de Los Conceptos) do livro Lógica, de Juan José Sanguinetti (Univ. de Navarra, Espanha). A tradução, supressões e modificações são de minha inteira responsabilidade.] Objetivos da unidade Como dissemos, a nossa disciplina está organizada em quatro unidades. O nosso esforço nesta primeira unidade será no sentido de atingirmos os seguintes objetivos específicos: i – compreender o que são os conceitos; ii – compreender o que é a predicação e o papel dos conceitos na predicação; iii – reconhecer na predicação as conexões lógicas entre os conceitos; iv – entender os aspectos centrais da linguagem e a sua conexão com a lógica; v – compreender as relações entre os conceitos e as formas de predicação; vi – compreender o papel dos conceitos na organização do conhecimento. Observe no texto a seguir que cada parágrafo está organizado em torno de um tópico discursivo. Cada um dos tópicos está destacado em negrito no início dos parágrafos. A numeração dos parágrafos visa facilitar a identificação e a referência às partes do texto durante a navegação sanar as dúvidas e a facilitar o diálogo com os tutores. Então, vamos lá! 1. CONCEITOS E ABSTRAÇÃO 1.1 Linguagem, lógica e conceitos. A lógica lida com pensamentos e os nossos pensamentos são expressos na linguagem; por isso, estudar lógica requer também o estudo de certos aspectos da linguagem. As sentenças são o material básico da linguagem e o conteúdo significativo de algumas dessas sentenças é o que na lógica chamamos de proposições. As sentenças da linguagem, por sua vez, são formadas por palavras e as palavras são os elementos mais simples daquelas sentenças ou expressões linguísticas dotadas de significado; na lógica, referimo-nos às palavras como termos da proposição. Usamos as sentenças para dar expressão aos nossos pensamentos; por isso, podemos assumir que algumas palavras traduzem, ao menos em parte, os elementos que compõem os nossos pensamentos; isto é, elas traduzem algumas das nossas ideias. Dito de outra maneira, as palavras que formam as sentenças dão expressão às menores frações dos nossos pensamentos. Chamamos essas partes, aquilo que as palavras significam, de ‘idéias’ ou ‘noções’ ou, mais tecnicamente, de conceitos. A palavra ou termo ‘cachorro’ é a maneira sensível (som ou sinal gráfico) pela qual expressamos a ideia que temos de cachorro, isto é, o conceito de cachorro: um tipo de animal mamífero domesticado que possui certas características físicas (como pelagem, focinho e dentição específica composta por 42 dentes, dos quais 12 incisivos e 4 caninos; demarcam de território por odor; e possuem visão, audição e faro apurados) e certos comportamentos característicos (territorialidade, amizade e sociabilidade). Em outras línguas, esse conceito (noção ou ideia) de cachorro é expresso também por outras palavras como ‘perro’, ‘dog’ e ‘canis’. No entanto, o conceito (isto é, os pensamentos que esses termos suscitam) é idêntico em todos os casos nos quais empregamos significativamente quaisquer dos quatro diferentes termos: ‘cachorro’, ‘perro’, ‘dog’, ‘canis’. É claro que também existem conceitos bem mais complexos e muito mais abstratos que o conceito cachorro; podemos pensar que esses conceitos mais complexos (por exemplo, "casa de campo", "clube de tênis", “consciência”, “estado de direito”, etc) são formados pela combinação de conceitos simples. 1.2 Capturando um conteúdo inteligível. O conceito é um conteúdo mental com o qual capturamos algum aspecto fundamental, alguma característica distintiva dos objetos e entidades que povoam a realidade; por vezes, dizemos que os conceitos tentam capturar a essência ou a natureza das coisas. Para alguns, os conceitos seriam como disposições ou habilidades que temos de discriminar mentalmente coisas ou indivíduos. Quando pronunciamos as palavras estamos usando os termos para nos referir a algo que entendemos. Esse uso significativo do termo é uma das operações primárias da mente: a nossa capacidade de apreender algo, entender de que se trata aquilo que foi apreendido, formar uma noção, formar um conceito. Esse conteúdo inteligível ou se refere a algo existente na realidade (por exemplo, ao entender a idéia de nação, entendemos o que são nações concretas) ou se refere a coisas que existem apenas em nossa mente (por exemplo, a idéia de lobisomem ou o de triângulo equilátero). 1.3 O conceito é um conteúdo na mente. O conceito é o que é entendido pela mente, na medida em que está na mente. Assim, falamos sobre os conceitos de ‘ser humano’, ‘cavalo’, etc. Obviamente, o conceito pertence à mente, não às coisas. Existem cavalos de verdade, mas o conceito de ‘cavalo’ está na mente de quem apreende algum aspecto distintivo do tipo de animal de que se trata o cavalo. 1.4 A visão da essência das coisas. Alguns filósofos preferem denominar aquele aspecto da realidade capturado pelo conceito de essência. Nessa visão, o conceito está na mente e a essência, na realidade. A essência, nesse sentido, seria algum aspecto distintivo e em parte definidor daquilo que existe na realidade. A essência seria algo pertencente à realidade, independentemente do fato de a nossa cognição capturá-la na realidade ou não. Essa “realidade” pode ser tanto a realidade exterior à mente, quanto a realidade das coisas que existem somente em nossos pensamentos, como os conceitos abstratos, os números, as figuras geométricas, etc. A essência não precisa ser entendida como a natureza substancial das coisas (a essência do ‘ser humano’, do ‘leão’). Ela pode ser tomada como sendo apenas alguma propriedade das coisas que as tornam inteligíveis a nós; tal como: ser ‘vermelho’ ou ser ‘alto’ ou ser ‘triangular’. ‘Vermelho’, ‘alto’, ‘triangular’ indicam propriedades que as coisas concretas possuem: algumas coisas podem ser vermelhas, altas, triangulares. 1.5 O conceito apreende certos aspectos das coisas. O conceito de ‘relacionamento’ nos leva a entender o que é um relacionamento; o conceito de ‘tartaruga’, a entender o que é uma tartaruga. Por isso, o conceito, de certo modo, significa o que é a coisa; faz isso destacando determinados aspectos dela. Isso não implica que atingimos uma compreensão completa do objeto em questão, nem que possamos definir essas coisas rigorosamente usando o conceito, mas podemos dizer que o conceito envolve alguma compreensão da coisa, algum grau de compreensão. Esse entendimento mínimo, tendo ocorrido, permite-nos discriminar, identificar as coisas que são capturadas pelo conceito. 1.6 Perfeição e deficiências dos conceitos. Como vimos na introdução, os conceitos têm propriedades lógicas; algumas dessas propriedades lógicas afetam o modo esses conceitos capturam ou nos permitem discriminar entre os diferentes aspectos da realidade. Por isso, os conceitos podem ser: 1.7 Conceitos claros ou obscuros. Considere o conceito de política proposto por Maquiavel. Sempre houve na história da filosofia uma disputa acerca da ideia de ‘política’ e Maquiavel celebrado por ter sido um dos pensadores que formulou uma conceituação para política. Para o florentino, política é qualquer situação ou ação que envolva a disputa, conquista e manutenção do poder de tomada de decisão coletiva. Assim, pelo conceito proposto por Maquiavel, podemos entender, saber e reconhecer em que consiste a ‘política’, quando uma situação é política. Do mesmo modo, sabemos também em que consiste ‘mentir’; e é, por isso, que podemos dizer, por exemplo, quando alguém “mentiu” e quando alguém "não mentiu". Os conceitos são claros quando, ao aplicá-los, conseguimos reconhecer a quais atributos ou qualidades eles se referem, ainda que esses elementos não descrevam de maneira completa e exaustiva a coisa em questão. Se os conceitos fossem completamenteineficientes em capturar os contornos dos objetos, eles nos impediriam de emitir julgamentos específicos, não poderíamos dizer nada acerca da verdade das coisas. No entanto, às vezes, há margens de indefinição no conteúdo significativo de um conceito, cuja aplicação a casos difíceis pode ser bastante problemática (por exemplo, pode-se duvidar se um determinado tipo de ato é, de fato, uma mentira ou não). 1.8 Conceitos precisos ou vagos. Os conceitos podem ser também vagos ou precisos: por vezes, não conseguimos pensar aquilo a que o conceito se refere de uma maneira completa; usando o conceito não conseguimos separar com precisão aquilo na realidade a que o conceito se refere (família, espécie, aminoácido, hiperbólico, turbinas); 1.9 Conceitos verdadeiros ou falsos. Os conceitos podem ser verdadeiros ou falsos, não porque eles contenham uma declaração falsa (embora a prepare), mas porque se referem a algumas características ou atributos ou tentam descrever coisas pretensamente reais, mas que no fundo não são; por exemplo, uma falsa idéia de liberdade ou ideia de raças humanas. Essa pretensão distingue os conceitos falsos daquele tipo de irrealidade das ficções, embora descrevam as coisas como se fossem reais, as ficções não pretendem estabelecer a verdade das coisas; o uso dos conceitos falsos, sim. 1.10 Conceitos simples e conceitos complexos. Os conceitos são unidades de significado que podem ser divididas em vários aspectos inteligíveis (por exemplo, ‘ser humano’, em “animal”, “racional"). Isso revela que a maioria dos nossos conceitos são arranjos de ideias mais básicas ou mais simples; de modo que uniões significativas de conceitos simples, formados por ideias simples, podem gerar novos conceitos, que podem ser expressos por novas palavras. Fala do professor: Vimos até aqui o que são os conceitos, o papel que eles desempenham na formulação dos nossos conhecimentos e como algumas das propriedades dos conceitos tornam mais fácil ou mais difícil a formulação do conhecimento. Nos próximos parágrafos vamos examinar a conexão entre o que chamamos de entendimento conceitual e a operação mental que pela qual formulamos os conceitos: a operação denominada abstração. 1.11 A formação dos conceitos na mente. Embora o estudo da formação de conceitos seja um tópico que pertença à psicologia, mais do que à Filosofia ou à Lógica, há algo nessa formação que ainda é do interesse da Lógica. Os conceitos são formados pela abstração do conhecimento sensível: do conjunto variável de dados que nos chegam pela experiência sensível, a cognição humana gradualmente captura alguns dos aspectos inteligíveis das coisas; formamos, então, alguns conceitos primários. Pela reflexão, posteriormente, novos conceitos podem ser desenvolvidos pela conexão entre diferentes conceitos, como ocorre com muitas idéias que temos sobre coisas que não correspondem à realidade. 1.12 Conteúdo da experiência e conteúdo do entendimento. A construção de novos conceitos pode ser feita combinando conceitos (por exemplo, “elefante com asas”) ou aplicando outras operações mentais (por exemplo, pela adição de unidades obtemos novos números como 75, 76 etc.). Os elementos introduzidos pela nossa cognição ou entendimento na construção mental dos conceitos podem vir da experiência ou podem ser adicionados por operações cognitivas da mente como a negação (não pedra, não água) ou ainda pela identificação de alguma relação possível não diretamente percebida. 1.14 Conceitos podem ter gradações. Alguns conceitos admitem graduação, quando a realização do significado dá-se por graus, maiores ou menores, mais completos ou menos completos. Conhecemos as notas musicais, por exemplo, comparando como elas se distanciam e se diferenciam umas das outras. 1.15 Entender algo, não simplesmente experimentar ou imaginar algo. Um ponto importante para a lógica é diferenciar claramente os conceitos das imagens, já que estas também são representações de coisas. Conceito e imagem contêm "mensagens" das coisas, mas não devem ser confundidos. A distinção entre o conceito e a imagem é captada pela diferença entre, de um lado, o ‘entender’ algo e, por outro lado, o ‘experimentar’ ou o ‘imaginar’ algo. Assim como as imagens capturam certos aspectos sensíveis das coisas, os conceitos significam um conteúdo cognoscível (da cognição, entendimento) das coisas. Tomemos, por exemplo, o conceito de ‘entidade’, que usamos quando dizemos que “uma coisa é uma entidade”, isto é, “algo que é”. Embora estejamos nos referindo a um objeto sensível (de um certo tamanho, com uma certa cor), é óbvio que estamos capturando um outro aspecto dessa coisa que vem à nossa compreensão, o ‘ser’ daquela coisa. Da mesma forma, quando usamos o conceito ‘cor’ não estamos simplesmente imaginando uma cor qualquer (por outro lado; quando imaginamos uma cor, estamos tratando de uma cor concreta, específica. O mesmo acontece com os nossos demais conceitos, tanto aqueles que significam aspectos puramente inteligíveis (liberdade, relacionamento, causa, etc.), quanto aqueles que representam aspectos da realidade sensível das coisas (noções sobre cores, sabores etc.). Uma parcela considerável dos animais pode imaginar e ter memória de muitas coisas naturais, eles as capturam em seus aspectos sensíveis, mas, em certo sentido, os animais não as entendem; isto é, eles não são capazes de formar conceitos sobre as coisas e, portanto, não podem, num sentido estrito, construir um discurso sobre elas. 1.16 Entender algo conceitualmente não é a mesma coisa que admitir a sua existência real. Porque pensamos em uma “tartaruga com escamas”, não estamos autorizados a afirmar que existem “tartarugas com escamas” realmente. A noção de “tartarugas com escamas” é entendida independentemente de elas existirem de fato ou não. A existência dos conceitos em nossas mentes não nos autoriza a assumir a realidade daquilo a que os conceitos remetem. Para alcançar a correspondência entre os conceitos e a existência real das entidades às quais eles remetem precisamos recorrer à experiência ou ao raciocínio baseado na experiência (saberemos se existem ou não tartarugas com escamas apenas se as vir ou se encontrarmos sinais de sua existência). 1.17 Conceitos de objetos ideais: negação, privação, relação. Conceitos como ‘cegueira’ são marcados não por apontarem a presença de algo na realidade e sim a ausência, a negação ou a privação de algo; quando falamos de cegueira, estamos falando da privação da capacidade da visão. Isso significa que certos conceitos limitam-se a conteúdos que só existem quando pensados. Alguns deles ocorrem em nosso conhecimento direto da realidade: por exemplo, os conceitos de ‘privação’ e de ‘negação’. Deve-se notar, no entanto, que normalmente dizemos que a cegueira realmente existe; no entanto, a própria cegueira é concebida em termos de uma ausência; e, como tal, essa “ausência” pode ocorrer efetivamente na realidade. Outros conceitos como o ‘nada’ são construídos do mesmo modo, pela negação ou privação de algo. Quando dizemos que “algo está ‘entre’ objetos”, ou quando dizemos que uma coisa é ‘idêntica’ a outra algo, estamos nos referindo a relações. Essas relações no entanto são entidades ideais, puramente mentais, por isso dizemos que são entidades da razão. Esses tipos de relações surgem do conhecimento abstrato da matemática (por exemplo, números irracionais) e em outras ciências. 1.18 Abstrair é isolar mentalmente aspectos gerais ou essenciais. No estudo lógico dos conceitos, a primeira característica observada é que eles são abstratos, ou seja, eles expressam a essência ou o caráter geral de algo que deixa de lado os indivíduos particulares (os objeto para aos quais os conceitos nos remetem) e também as suas outras características ou atributos particulares. Então, numa primeira aproximação, abstrair é considerar especialmenteum aspecto geral e comum das coisas e, também, em certo sentido, afastar outros aspectos que realmente estão ligados a elas. Abstrair é separar, por meio de uma operação da mente, aspectos da realidade que estão também ligados uns aos outros. Por exemplo, pode-se entender que um ser humano possa ser ‘branco’, sem entender que ele seja também ‘músico’, ainda que existam indivíduos que sejam brancos e músicos. A ‘altura’ de uma pessoa pode ser considerada em abstrato, embora em particular estejamos falando de um atributo de um determinado corpo com uma cor, um volume e uma certa estrutura. 1.19 Conceitos são abstrações. O conceito de ‘ser humano’ dispensa as características particulares das pessoas específicas (José, Maria, João, etc). Ao conhecer "esse lápis em particular" estamos nos referindo ao conceito geral de "lápis", isto é, àquele objeto sensível que percebemos com os sentidos e que agora entendemos como algo tal objeto possui em comum, aquilo de que ele e todos demais lápis partilham. Então, dizemos que todo conceito é abstrato, no sentido de que retém algo que é distintivo da classe e ignora, daquilo a partir do que a noção foi abstraída, as suas particularidades. Isso não significa que não podemos conhecer as coisas concretas: nós as conhecemos na medida em que nossa inteligência, ao formular os conceitos, retorna à experiência sensível e apreende conceitualmente os objetos singulares. Um bom exemplo do significado do conhecimento conceitual é comparar o que aconteceria se nós, pessoas ordinárias, fizéssemos uma caminhada numa floresta e uma das pessoas do grupo fosse um biólogo ou ecólogo. Sem o arcabouço conceitual destes especialistas, como se diz: “veríamos coisas, mas não as enxergaríamos” como esses profissionais as enxergariam; experimentaríamos sensorialmente, mas não compreenderíamos como eles compreenderiam essas experiências. 1.20 Os conceitos são abstrações úteis. Na medida em que alcançamos um conhecimento conceitual das coisas singulares, quando entendemos os aspectos das coisas individuais que são comuns aos demais indivíduos, as nossas noções abstratas são aplicadas concretamente e o nosso conhecimento acerca da realidade é aperfeiçoado. Perceber as coisas singulares apenas pela experiência sensível é um modo de conhecimento ainda precário. Por outro lado, permanecer apenas no plano das ideias é algo ainda muito vago, porque ainda não atingimos o conhecimento da realidade. O conhecimento se completa quando compreendemos as coisas singulares que nos circundam de uma maneira conceitual, reconhecendo nas coisas aquele conteúdo que abstraímos anteriormente. 1.21 Abstração total. Embora todos os conceitos sejam abstratos, pode-se distinguir uma dupla modalidade de abstração, que corresponde à distinção de significado entre termos como ‘humano’ e ‘humanidade’, ‘animal’ e ‘animalidade’, etc. Os primeiros termos, ‘humano’ e ‘animal’, referem-se a uma abstração total, pela qual um aspecto geral ou universal é apreendido; apesar disso, o termo remete ainda a indivíduos concretos, mas de uma maneira potencial e indeterminada. O conceito que resulta dessa abstração total busca capturar principalmente as características fundamentais das coisas; apesar disso, indiretamente, a abstração total também remete às coisas singulares na natureza que carregam consigo as características apontadas na abstração (alguns seres vivos são humanos, alguns seres vivos são animais; alguns são, ainda, animais humanos). Isso se chama abstração total porque ela se destina, ela aponta, as entidades como um todo. Apesar de apontar para a entidade como um todo, a abstração se refere obviamente a apenas uma parte ou um aspecto daquilo para que a abstração aponta. Isso pode ser explicitamente indicado ou implicitamente indicado (alguns chamam esses conceitos de concretos). Quando dizemos ‘ser humano’, queremos dizer diretamente os seres que possuem a natureza humana, sem excluir as outras características que os seres humanos podem ter, embora também essas outras características não sejam mencionadas explicitamente. Na gramática, os termos correspondentes a essas noções são chamados de substantivos concretos. Referimo-nos às pessoas usando termos como ‘justo’, ‘corajoso’, ‘sábio’, etc quando entendemos que essas características ou virtudes são aquelas definidoras do caráter das pessoas às quais aplicamos esses termos. 1.22 A abstração formal. Na abstração formal, o aspecto (característica ou atributo) universal é capturado sem a consideração do indivíduo que o possui; como se esse aspecto fosse uma coisa, algo substanciado. É diferente compreender o conceito de sábio, que inclui o indivíduo que possui a virtude da sabedoria, e separar desse indivíduo a característica, no caso, a virtude pela qual consideramos a pessoa sábia: a sua sabedoria. Esse tipo de abstração é chamada de abstração formal, porque separa a forma (a propriedade ou característica) e não considera as coisas nas quais essas propriedades se realizam ou às quais elas estão ligadas. Gramaticalmente, essas noções são expressas por substantivos chamados abstratos, como ‘humanidade’, ‘bondade’, ‘santidade’, ‘sabedoria’, etc. 1.23 Abstração e generalidade. A precisão pretendida pelos conceitos é sintetizada num conjunto de propriedades, mas esse conjunto de propriedades se aplica de uma forma geral, ou seja, numericamente, ele é aplicado a todos os indivíduos que possuem aquele conjunto de propriedades: a felicidade é uma abstração específica, mas ela se apresenta, ou se multiplica, em todos os indivíduos felizes. Uma formalidade abstrata também pode aparecer desse modo (como múltipla), por exemplo, quando essa formalidade divide em gêneros e espécies (a justiça pode ser comutativa, distributiva, retributiva, legal, social, etc.). Esse aparecimento múltiplo da abstração formal às vezes adquire grande consistência e dá origem à sua própria linguagem e a um tratamento científico muito peculiar. Este é, especialmente, o caso de "objetos matemáticos". Coisas triangulares, por exemplo, contêm a estrutura formal do triângulo; mas existem muitas espécies de triângulo, de várias proporções entre os lados, de vários tamanhos, em diferentes posições etc., no entanto, todos eles têm a triangularidade como a propriedade comum. 1.24 Noções singulares e noções coletivas. Até aqui já temos consolidada a ideia de que os conceitos, embora sejam entidades abstratas, concebidas pela mente, referem-se a entidades singulares, pessoas ou coisas (o indivíduo subsistente). No entanto, sabemos que existem os substantivos coletivos, palavras que designam coletivos, isto é, que indicam não diretamente as coisas individuais, mas um conjunto ou uma unidade de várias coisas. Os conceitos expressos por essas palavras que não apontam para uma entidade singular, mas para conjuntos; por exemplo, termos como ‘sociedade’, ‘país’, ‘exército’, ‘rebanho’ e similares. Esses conceitos, na medida em que são abstratos, deixam de lado o todo em sua singularidade (esse ou aquele exército específico) para tentar capturar um aspecto universal igualmente válido para todos o conjunto dos objetos ou indivíduos considerados. 1.25 A atributos de coisas singulares e atributos de coletivos. As noções singulares não devem ser confundidas com as noções de coletivos. O conceito coletivo é um atributo (uma qualidade ou propriedade) sempre de um conjunto de coisas e nunca de apenas alguns dos seus membros. Temos aqui, então, uma regra importante: conceitos coletivos somente podem ser atributos de entidades coletivas. Disse se segue que ‘país’ (termo coletivo) não pode ser predicado do cidadão (cidadãos são pessoas específicas, singulares), porque ‘cidadão’ não é um coletivo como ‘país’. Além disso, o conjunto apenas admite atributos que possam ser estendidos a todo o coletivos, que se estendam completamente a todos os indivíduos quecompõem o coletivo em questão; e a todos tomados como um único bloco, ou conjunto. As noções de singulares, no entanto, são predicadas a partir de cada indivíduo tomado singularmente (predicação distributiva): ser humano é dito acerca de cada pessoa particular. Fala do professor: Já compreendemos o que são os conceitos, o papel que eles desempenham na formulação dos nossos conhecimentos e como algumas das propriedades dos conceitos tornam mais fácil ou mais difícil a formulação do conhecimento. Vimos também em que consiste o entendimento conceitual e como os conceitos são dependentes da operação mental que denominamos abstração. Entendemos a relação entre as abstrações e a generalidade, entendemos também que as abstrações podem ser de tipos diferentes (formal, total), podem se referir a entidades que são singulares ou coletivas. Essas propriedades das abstrações, de que são feitos os conceitos, conferem a eles características diferentes e permitem-nos estabelecer entre essas características certas conexões. Essas conexões dependem de um aspecto principal dessas abstrações: a sua abrangência ou extensão. É a extensão do conceito que define as principais propriedades lógicas nas quais estamos interessados aqui. A seguir, veremos que a extensão dos conceitos pode variar segundo a sua universalidade, particularidade ou singularidade e, também, que além dos nomes próprios quando desejamos nos referir a coisas ou indivíduos singulares, podemos recorrer a descrições definidas. 1.26 O caráter lógico dos conceitos. Os lógicos apontam para o caráter universal dos conceitos empregando o termo extensão. O termo ‘porta’ refere-se a todos os objetos possíveis que correspondem ou atendem a um certo conjunto articulado de ideias a que nos referimos quando pensamos em ‘porta’. Grosso modo, a extensão do conceito significa essa previsibilidade a respeito do que pode contar como as coisas ou os indivíduos aos quais os conceitos se referem. Se isso é assim, podemos afirmar que a definição da extensão de um conceito é uma consequência da sua compreensão. Alguns lógicos assumem que os universais fazem sentido apenas sob a propriedade de se vinculados à sua extensão; sem a referencia à extensão, os conceitos universais são conceitos vazios e é por isso que eles chamam os universais de classes (‘Homens’ refere-se à classe possível de todos os indivíduos homens; ‘pássaros’ refere-se à classe possível de todos pássaros, ‘pedra’ refere- se à classe de todos os objetos pedra, etc.). Esse modo de compreender os universais como dependente das suas extensões favorece uma posição denominada nominalismo. Trata-se da posição segundo a qual apenas a extensão de nossas idéias, seu caráter "geral" é relevante no estudo dos conceitos universais. 1.27 A extensão universal, particular ou singular dos conceitos. A extensão de um conceito pode ser abrangente ou restrita, e essa restrição pode se dar de muitas maneiras diferentes. A extensão de um conceito pode ser completamente abrangente e neste caso dizemos que o conceito é universal; como quando dizemos: "todos os seres humanos" ou "nenhum ser humano". Aqui é preciso atentar para o fato de que usualmente empregamos o termo ‘universal’ noutro sentido: como quando dizemos que algum princípio tem validade ou é uma verdade universal queremos com isso dizer que ele é válido ou é verdadeiro de um modo independente do tempo e do espaço, ele é válido ou verdadeiro em qualquer época e em qualquer lugar. A extensão do conceito pode ser também particular de um modo indeterminado ou de um modo determinado. A extensão é particular indeterminada quando conceito se refere a particulares, mas não conseguimos determinar a qual particular ou a quais particulares o conceito se refere ("alguns seres”). Caso contrário, dizemos que ele é particular determinado ("os seres humanos”). O conceito pode ser estender a um indivíduo singular; novamente, tanto de uma maneira singular indeterminada ("um ser humano”); quanto de uma maneira determinada ("este ser humano”). Quando falamos sobre “ser humano” ou sobre “todo ser humano”, o conceito não é tomado tanto em sua extensão (os objetos individuais aos quais ele se aplica), mas com referência à propriedade que o conceito captura. É por isso que dizer que "o ser humano está doente" é uma afirmação falsa; mas em um momento histórico específico, pode ser que a proposição "Todos os seres humanos estão doentes" seja verdadeira. 1.28 Conceitos e individualização por descrições definidas e por nomes próprios. Além dos nomes próprios, descrições definidas e os pronomes também servem para nos auxiliar quando nos referimos a indivíduos. As descrições são expressões complexas que indicam algumas características do indivíduo, mas sem nomeá-lo diretamente (por exemplo, "o descobridor da América", "o sucessor de Luís XIV"); de maneira semelhante, alcançamos grupos de indivíduos ("primeiros habitantes das Filipinas"). As descrições se individualizam porque conseguem capturar um aspecto ou vários aspectos por meio de uma caracterização concreta, que às vezes é um fato notório ou uma demonstração ostensiva (“aquela pessoa ali”), ou também em função de uma suposta situação existente (“o mais alto do grupo”). Os pronomes demonstrativos individualizam por ostentação ou por referência ao assunto de que já se falou (‘este’, ‘aquele’, ‘deste’, ‘daquele’). Embora se possa fazer julgamentos de identidade entre nomes próprios e outras formas de individualização (tal como: “César, o conquistador da Gália”), na realidade, os nomes próprios não são reduzidos a essas fórmulas, pois seu significado transcende as descrições ou as demonstrações ostensivas. O nome próprio individualizante significa um modo pelo qual podemos nos referir a um indivíduo. Enquanto não houver razões empíricas para considerar que uma pessoa tenha perdido a sua identidade própria, por causa de muitas mudanças que pode vir a sofrer, sabemos que esse indivíduo mantém sua identidade consigo mesmo. Em relação aos indivíduos não acessíveis à nossa experiência imediata (por exemplo, César, o imperador romano), o processo cognitivo é normalmente o mesmo, embora mediado por testemunho ou outra forma de prova empírica. Fala do Professor: A ideia mais importante que abordamos nos últimos três parágrafos é que os conceitos podem ter extensões universais ou particulares. É das conexões entre conceitos particulares e universais que surgem as implicações ou consequências pelas quais a lógica das proposições se interessa, como veremos nas próximas unidades. Antes de seguirmos abordando a lógica dos conceitos, vamos examinar uma questão de ordem metafísica, isto é, uma questão acerca da realidade e natureza das coisas; vamos examinar, em linhas gerais, a famosa polêmica acerca da existência dos universais e as principais posições formuladas pela tradição filosófica a respeito desse problema. 1.29 O problema da existência dos universais. O chamado "problema dos universais" consiste no problema de se determinar que tipo de realidade possuem, se possuem, os termos com os quais qualificamos as coisas singulares. Quando construímos o conhecimento, uma das operações que realizamos é a de classificar coisas e indivíduos de acordo com certos critérios ou a de associar a esses indivíduos e coisas certos atributos. Por exemplo, classificamos ou associamos às cosias ou indivíduos certas propriedades que eles possuem (“inteligente”, “comunicativo”, “triangular”, "vermelho", “material”, ‘maciço’). Também nos referimos às coisas ou indivíduos com base em relações (“alto”, "dentro", acima”, “entre”, “maior”). Também classificamos os indivíduos e as coisas segundo certos tipos às quais eles pertencem (“trabalhador”, "gato", “sandália”, “blusa”, “automóvel”). As principais posições filosóficas a respeito da existência ou não desses termos gerais ou universais que usamospara nos referir a qualidades, propriedades e relações são: o realismo, o realismo moderado, o conceitualismo e o nominalismo. Na Idade Média, as disputas em torno dos universais deram origem a várias controvérsias, que na era moderna foram reconsideradas. Vamos dispensar os detalhes históricos e ir abordar as posições clássicas acerca desse problema metafísico. 1.30 Realismo. Essa posição, inicialmente representada por Platão, sustenta que palavras e conceitos universais referem-se a naturezas ideais ou formais que subsistem independentemente dos indivíduos que podem possuí-las. Por exemplo, se podemos falar sobre justiça, conhecer suas demandas perenes, etc., transcendendo os indivíduos que devem incorporar os ideais da justiça objetiva, é porque a própria ideia de justiça existe de um modo independente; embora apenas o pensamento a capture, não os sentidos. Os universais seriam, então, entidades eternas, imutáveis e inteligíveis, a que Platão chamou de ideias. 1.31 Realismo moderado. Essa é a posição de Aristóteles, que corrige o realismo radical de Platão, vendo nele uma confusão entre lógica e ontologia. Palavras e conceitos universais significam, é claro, naturezas, mas não naturezas "independentes"; trata-se de algo que só nos é acessível porque as percebemos realizadas nas coisas individualmente. De acordo com esse realismo moderado, existem apenas entidades individuais, uma vez que acerca de uma entidade não pode sem equívoco ou falsidade que ela é outra coisa. A universalidade seria uma propriedade comum de nossos conceitos abstratos, aquela propriedade em virtude da qual os conceitos são previsíveis para muitas das coisas particulares que experimentamos. Algo é universal quando não apenas o nome pode ser atribuído a muitos, mas quando o significado do nome pode ocorre em muitas entidades. A justiça, por exemplo, é uma característica da virtude da natureza humana, uma exigência de ser um humano de uma forma excelente, e essa é a mesma exigência que se impõe a todos os indivíduos. Muitos singulares podem ter uma natureza ou propriedade comum, não numericamente, mas formalmente. Assim como nas letras A e A, a mesma característica é reproduzida em duas unidades numericamente diversas, da mesma forma que o conceito de humanidade se realiza nas pessoas individuais; assim, numericamente, cada pessoa tem a sua própria individualidade. 1.32 Nominalismo. Na sua versão mais comum, o nominalismo considera que apenas os termos são universais (o uso geral ou universal que fazemos dos termos), pois tais termos se aplicam a muitas coisas; no entanto, as essências às quais esses termos se referem não são reais. Não existem conceitos universais, isto é, conceitos não podem ter existência; de acordo com essa visão os conceitos seriam apenas imagens esquemáticas que "resumem" ou generalizam características semelhantes que identificamos nos indivíduos. Existem apenas indivíduos e propriedades individuais, diferentes das propriedades de outras coisas. Usamos palavras comuns por conta de uma certa economia mental, visto que seria praticamente impossível dar a cada coisa particular um nome próprio e tentar falar sobre essas coisas. Os nominalistas sustentam que palavras comuns ou termos gerais classificam objetos mais ou menos semelhantes. Essas semelhanças são muito relativas e não são necessárias; são decorrentes apenas fatos repetitivos que constatamos no passado e que não precisam estar garantidos quanto a sua permanência no futuro; os termos gerais não traduzem nada imutável e essencial. 1.33 Conceitualismo. A interpretação conceitualista dos universais rejeita que essências sejam entidades reais, como a posição nominalista, mas admite que a linguagem é uma expressão do pensamento. Universais são conceitos aplicáveis às nossas experiências, e os aplicamos porque temos interesse em unificá-las, mas isso não significa que haja, nas próprias coisas, alguma estrutura inteligível, essencial ou imutável. O conceitualismo tende ao idealismo se essa posição considerar que o pensamento conceitual é positivo em algum sentido; por exemplo, se considerar que, com suas categorias, se pode conferir à realidade, ao mundo contingente e particular das nossas experiências, alguma estrutura necessária e universal. Para o conceitualista, as coisas são o que nós pensamos que elas precisam ser para fazerem sentido. O conceitualismo pode tender também para o empirismo; se o pensamento conceitual for visto negativamente, como se a experiência direta ou por meio intuições extra-conceituais nos oferecesse um acesso mais direto à realidade. O conceitualismo empirista, geralmente, anda de mãos dadas com o pragmatismo; a posição, segundo a qual, os conceitos são apenas regras de ação. Fala do Professor: Se as conexões e articulações entre os conceitos são o objeto principal da lógica, as sentenças da linguagem são o veículo por meio do qual expressamos essas conexões. Ocorre que fazemos muito mais coisas empregando a linguagem e formulando sentenças. Isso nos obriga a examinar rapidamente os diferentes aspectos da linguagem e como ela funciona para dar expressão ao tipo de pensamento que nos interessa na lógica. A nossa abordagem será bastante sucinta porque o tópico será estudado de maneira mais detida na disciplina filosofia da linguagem. 2 LINGUAGEM E EXPRESSÃO DO PENSAMENTO 2.1 Pensamento e linguagem, expressão e comunicação. Já vimos que os nossos pensamentos, o nosso conhecimento intelectual, os atos da nossa vontade são traduzidos externamente no conjunto de sinais sensíveis que compõem a nossa linguagem. A linguagem tem ao menos dois objetivos principais: expressivo: falamos para externalizar os conteúdos internos à nossa mente: nosso conhecimento, ideias, humor, enfim, os nossos estados subjetivos; e comunicativo: a linguagem serve para comunicar esses conteúdos a outras pessoas. Isso significa que não apenas a atividade cognitiva, mas também a que provém da vontade são refletidas na linguagem (propósitos, mandatos, sentimentos, desejos, etc.). Os pensamentos são articulados na linguagem oral, escrita, gestual, gráfica. A linguagem é, assim, o meio pelo qual expressamos e comunicamos aquilo que internamente concebemos na mente. 2.2 A gramática da língua e a lógica do pensamento. A linguística e a filosofia consideram diferentes aspectos da linguagem: sua estrutura interna, a correlação entre os sujeitos que falam e a realidade significada, a sua evolução histórica, etc. O aspecto gramatical de uma língua, investigado pela linguística, trata da composição correta de uma mensagem. A lógica, por sua vez, está interessada numa manifestação específica da linguagem: a linguagem no seu uso para a expressão do pensamento e do conhecimento; ela se interessa por aquilo que, ordenado gramaticalmente, na fala ou discurso, se apresenta como conhecimentos e raciocínios. 2.3 A base material do pensamento: a linguagem. As partes elementares da linguagem dotadas de significado são palavras ou termos. Voz, fala, escrita são os aspectos materiais da palavra, aquilo que permite sua comunicação com as outras pessoas. A fala consiste na emissão oral significativa dos sons como um efeito orgânico das cordas vocais. No caso da escrita, essa parte material é constituída pela representação gráfica das palavras. 2.4 Os aspectos principais da linguagem. É usual considerarmos a linguagem segundo três dimensões ou aspectos principais: o seu aspecto sintático, o seu aspecto semântico e o seu aspecto pragmático. 2.5 O aspecto sintático, a sentença e a proposição. O aspecto sintático trata da estruturação das sentenças e das relações dos sinais linguísticos uns com os outros (por exemplo, o adjetivo qualifica o significado do substantivo). A unidade sintática mínima com significado completo é a sentença. Quando uma sentença é do tipo declarativa, descritiva ou ainda constatativa,quando ela é bem construída (dizemos uma frase) e se isso se dá de modo a que possamos considerar o conteúdo dessa sentença como verdadeiro ou falso, dizemos então que esse tipo de sentença declarativa carrega ou estabelece uma proposição: as proposições são o material básico da Lógica. Precisamos estar atentos para o fato de que uma mesma sentença pode conter várias proposições distintas. Considere a sentença a seguir: “Dentre os animais mamíferos, os morcegos têm hábitos noturnos, visão limitada e usam ecolocalização para se guiarem em vôo, destacam-se por possuírem uma membrana de pele entre os dedos que se estende ligando as patas ao corpo; são herbívoros, poucos são hematófagos e pode haver alguns espécimes albinos”. Ao desmembrar as proposições contidas nessa sentença temos o seguinte: (i) Morcegos são animais mamíferos ou (morcegos estão incluídos na classe dos animais mamíferos); (ii) Morcegos têm hábitos noturnos; (ii) Morcegos têm visão limitada; (iv) Morcegos guiam-se por ecolocalização; (v) Morcegos distinguem-se por terem membrana entre os dedos que ligam as patas ao corpo; (vi) Morcegos são herbívoros; (vii) Alguns morcegos são hematófagos; (viii) Alguns morcegos podem ser albinos. Se as proposições são o material básico da lógica, distinguir numa sentença as proposições é uma tarefa básica no estudo da lógica. 2.6 Aspecto semântico, significado e referência. O aspecto semântico trata da relação entre o signo e a coisa significada. No entanto, o sinal sensível da linguagem (fonema ou morfema) está relacionado, por um lado, com o conceito ou com um conteúdo conceitual e, por outro, com as coisas; assim, a frase "ouro é metal" é uma expressão de um julgamento mental e significa a atribuição de uma qualidade a uma coisa real. O conteúdo conceitual expresso em uma frase ou expressão linguística é geralmente chamado de significado ou significado da expressão, enquanto o relacionamento da linguagem com as coisas é chamado de referência ou o seu aspecto semântico (essa terminologia, proposta por Frege, é hoje comumente aceita). Então, se uma pessoa emite sons articulados, podemos nos perguntar: “O que ele está dizendo?” ou “O que esses sons significam?”; então, apontamos para o significado conceitual, para o que essa pessoa está pensando. No entanto, nesta mesma situação, se perguntarmos “O que você quer dizer?”, perguntamos sobre a realidade sobre a qual a pessoa pretende falar. Normalmente, a referência é uma realidade extramental, mas também pode ser o mesmo conceito ou palavras, como quando se diz “ ‘Lei’ tem três letras”. 2.7 O aspecto pragmático e a força ilocucionária. O aspecto pragmático da linguagem refere-se ao modo como usamos a linguagem (ou, simplesmente, ao uso) trata-se, então, da relação da linguagem com os atos do sujeito falante e seus interlocutores. Ao pronunciar uma frase significativa, o falante tenta fazer algo dizendo; o que se fala pode ter o valor de um juramento, uma afirmação, uma promessa, uma simples recitação, etc. Esses "atos de fala" ou "atos ilocucionários ou ilocutivos" dão à frase, além de seu conteúdo conceitual, uma peculiar "força ilocucionária". Uma frase isolada ("irei amanhã") não tem força ilocucionária, mas quando ela ocorre em um determinado contexto de fala, ela pode ser uma promessa, uma resposta, um ato de obediência, um aviso etc. O ato ilocucionário às vezes se manifesta explicitamente na linguagem (por exemplo, através de pontos de interrogação, pontos de exclamação, ou pela maneira verbal), mas em outras ocasiões é identificado apenas pelo tom em que é dito ou pelo contexto. Obviamente, esses atos são sempre a manifestação externa de um ato interno da vontade ou intenção do falante, que normalmente tenta comunicar a um interlocutor algo além do mero significado literal e explícito daquilo que foi dito. Considere quando alguém diz: “Você está pisando no meu pé!”. Quando uma pessoa diz isso, ela não pretende apenas a constatação daquilo que está expresso na sentença (a constatação de que alguém está pisando no pé do falante); ela pretende que o ouvinte, o destinatário da mensagem, apreenda-a e realize certo tipo ação, por exemplo, que tire o pé de cima do pé do reclamante. 2.8 Lógica, sintática e semântica. O estudo da dimensão pragmática da linguagem pertence à filosofia da linguagem. A lógica está mais interessada em certos aspectos sintáticos e semânticos; e, normalmente, pressupõe os atos linguísticos de afirmar a verdade, ou aqueles relacionados a ela (por exemplo, formular uma hipótese). Fala do professor: Dentre os aspectos principais da linguagem, o aspecto semântico, aquele que se ocupa do significado da mensagem, é o que possui uma relação direta com aquilo a que os conceitos se referem; e, por causa disso, o aspecto semântico mantém também uma relação com a lógica. A ideia principal dos parágrafos anteriores é a de que o tipo de sentença que interessa ao estudo da lógica são aquelas do tipo declarativo, descritivo ou ainda constatativo, que afirmam ou negam algo; particularmente porque essas sentenças dão expressão ou carregam consigo as proposições, aquilo que é afirmado ou negado e que pode ser verdadeiro ou falso. Na lógica clássica, é esse tipo específico de sentença que é o objeto de estudo. Dado que a predicação é um aspecto estrutural das frases, em geral, vamos examinar a seguir como a predicação estabelece a conexão entre os conceitos na construção de uma frase; de todo modo, vale lembrar, que o nosso interesse principal são as sentenças declarativas, descritivas ou constatativas porque elas carregam um conteúdo proposicional, isto é, elas afirmam ou negam algo que pode ser verdadeiro ou falso. 3 AS FORMAS E A ORDEM DA PREDICAÇÃO 3.1 A separação e a ordem entre os conceitos. O modo peculiar como produzimos conhecimento empregando conceitos envolve, por um lado, o desmembramento de ideias (por exemplo, separamos e agrupamos a nossa ideia de animal em grupos: os animais racionais e os animais irracionais; os animais vertebrados e os animais invertebrados); por outro lado, estamos atentos ao ordenamento e à hierarquia que existem entre as nossas ideias. Alguns conceitos são incluídos em outros conceitos (por exemplo, ideia de ouro está incluída na noção de metal; a de caminhão, na de automóvel). Outros conceitos formam pares de noções opostas (por exemplo, a cegueira se opõe à visão; o claro opõe-se ao escuro). Essas duas características do conhecimento baseado em conceitos revelam que existem entre eles relações lógicas bastante complexas. Mas os conceitos, se é para nos serem úteis, devem em certo sentido acomodar também a complexidade das próprias coisas às quais eles se aplicam. Tomando os aspectos da coisa capturados pelos conceitos como um ponto de referência, podemos tratar tais aspectos por meio do uso dos outros conceitos; e esse tratamento ou relacionamento entre os conceitos ocorre de uma maneira mais ou menos determinada. Vejamos um exemplo: naquilo que diz respeito aos morcegos, o atributo “animal” indica um aspecto da sua constituição; assim como o atributo “sensível” indica uma consequência ou implicação necessária do fato de o morcego ser uma espécie de “animal”. Por outro lado, ter a “pelagem preta” e ter a “habilidade de voar” são atributos que não se seguem “necessariamente” do fato de os morcegos serem “animais”. A Lógica se ocupa basicamente em identificar que tipo de relações existem entre os conceitos no modo como eles ocorrem nas proposições. Na lógica, investigamos também, dadas essas relações, quais implicações ou consequências são, então, necessárias e quais não são. 3.2 A predicação. Na lógica, dizemos que a predicação consiste basicamente na vinculação de um atributo, qualidade, propriedade ou relação a uma entidade ou objeto (veja que, aquilo que na gramática é o sujeito da oração, na lógica, torna-se simplesmenteo objeto/entidade que recebe a qualidade ou atributo). As diferentes maneiras de se vincular um atributo a um sujeito são chamadas de formas de predicação. 3.3 Os predicáveis. As relações lógicas entre as proposições são dependentes do modo como são construídas as frases declarativas que carregam ou expressam as proposições. A estrutura gramatical de uma frase declarativa, tradicionalmente, é apresentada em termos de sujeito, cópula e predicado. Os predicados se relacionam com os sujeitos de diferentes maneiras e esse tipo de relação é definido basicamente pelo tipo de atributo que por meio do qual o predicado se vincula ao sujeito. A classificação das diferentes formas como os atributos formam predicados em relação aos sujeitos é chamada de classificação de predicáveis. Os tipos de atributos que o predicado vincula ao sujeito são basicamente: espécie, gênero, diferença, propriedades e acidentes. 3.4 Os tipos de predicáveis. O primeiro tipo de predicáveis é a espécie, ela denota aquilo que é compartilhado por todos os membros individuais de uma dada classe. Nas proposições categóricas os sujeitos de um predicado espécie é sempre um indivíduo ou conjunto de indivíduos porque predicamos a espécie quando colocamos um indivíduo ou um conjunto de indivíduos dentro dela. (Por exemplo, “Sócrates é mortal.”). O segundo tipo de predicável é o gênero, trata-se do tipo de predicado que expressa uma característica fundamental ou essencial compartilhada por todas as espécies que constituem o gênero. A proposição “Os morcegos são animais” insere a espécie morcego no gênero animal. Outro tipo de predicável é a diferença, trata-se de uma característica fundamental que distingue uma dada espécie das demais espécies dentro de um determinado gênero; por exemplo: “O morcego é um animal mamífero”. Um quarto tipo de predicável é a definição, trata-se da junção de um gênero e de uma diferença específica de uma dada espécie que capta a característica distintiva daquela uma espécie. Por exemplo: “O morcego é um animal mamífero quiróptero”; neste caso, “mamífero” é a espécie e “quiróptero” (literalmente, as mãos como asas) é a diferença específica que caracterizam os morcegos. Outra forma de predicado é a propriedade, algo que decorre da essência de uma coisa ou indivíduo, mas não é a própria essência. Veja, por exemplo, a proposição: “Morcegos guiam-se por um sistema de ecolocalização”. Onde quer que falemos de morcegos, falamos também de animais que guiam-se por ecolocalização; no entanto, a ecolocalização não é um atributo específico ou exclusivo de morcegos, outros animais também guiam-se por ecolocalização. O último na lista dos tipos de predicáveis é o acidente, estes são os predicados que são atributos do sujeito, mas não de uma forma necessária. Por exemplo, morcegos podem ser hematófagos ou herbívoros, de pelagem preta ou albinos, domesticados ou silvestres; é apenas um acidente que alguns morcegos tenham esses atributos. 3.5 Atributos substantivos e atributos acidentais. O atributo ‘branco’ que associamos às coisas, por exemplo, em relação à cor dos animais, ser ‘branco’ é um acidente, mas em relação à neve, ser ‘branca’ é uma propriedade substantiva específica de ‘neve’. Nessa mesma direção, podemos pensar que a ‘cor’ é o gênero no qual as qualidades ou atributos que denominamos ‘vermelhos’ se enquadram. Ou ainda, ‘ter 3 cm’ é algo completamente acidental em relação ao atributo ‘vermelho’; no entanto, ‘ter 3 cm’ pode ser uma propriedade substantiva específica (o tamanho) de uma determinada espécie de animal. Esses exemplos nos mostram que a predicação pode se referir a atributos substantivos ou acidentais. Se algo é predicável isso significa que esse algo mantém uma relação com outro conceito, porque se relaciona com esse outro conceito enquanto gênero, espécie, acidente, etc. Assim, dizemos que um conceito é genérico em relação a outros conceitos específicos, mas este mesmo conceito pode ser também uma espécie em relação a outros conceitos ainda mais genéricos ou pode ser até mesmo ser um acidente de outros conceitos subseqüentes. O indivíduo particular não predica. Como vimos, apenas acidentes, propriedades, diferenças, espécies e gêneros predicam. Considere, por exemplo, as relações de gênero e espécie entre os conceitos ‘animal’, ‘mamífero’, ‘feminino’, ‘mulher’, ‘aluna’ e ‘Joana’. Joana é o indivíduo, todos os demais conceitos predicam Joana, mas ela própria não predica nada. 3.6 As espécies. A espécie é um tipo de predicação que captura a essência completa ou as características definidoras dos indivíduos. É conveniente para todos os indivíduos que se enquadram nela e é conveniente somente para esses: por exemplo, as espécies ‘leão’, ‘cavalo’, ‘pinheiro’, etc. apontam indivíduos de certo tipo e apenas esses indivíduos. Tecnicamente, diz-se que predicação de espécie dá origem a uma forma de predicação completa, ou seja, uma predicação que captura, de um modo completo, a essência ou característica distintiva dos objetos considerados. 3.7 O gênero. Quando um objeto é predicado de gênero, a predicação indica uma parte da essência comum a outras espécies; por exemplo, quando dizemos que "Pedro é um ser vivo" ou que "Os pinheiros são vegetais". Os gêneros ‘vivo’ e ‘vegetal’ são predicações essenciais; essas predicações são obtidas por abstração não apenas de muitos indivíduos, mas de muitas espécies que possuem algo comum, como quando abstraímos o conceito de “espécie animal” do “gênero animal”. 3.8 A diferença específica. A diferença específica é a predicação que aponta a característica da espécie, que a distingue de outra. O ser humano, por exemplo, tem em comum com o cavalo, ou o burro, o fato de ser um animal dotado de vida sensível; no entanto, distingue-se dessas espécies animais por sua racionalidade. O atributo ’racionalidade’ passa a ser o seu constituinte diferenciador ou a característica mais essencial dessa espécie animal, o ser humano. 3.9 Relações mútuas entre predicáveis. Além de sua referência a indivíduos, segundo os quais todos os predicáveis são singulares, os predicáveis também mantêm entre si algumas relações lógicas: por exemplo, todos os gêneros são predicados de sua espécie, mas não vice-versa. Dizemos: "Todos os cães [espécie] são mamíferos [gênero]"; mas não dizemos: “Todos os mamíferos são cães”. Dizemos também: "Todo tirano [espécie] é uma autoridade [gênero]", mas não dizemos "Toda autoridade é tirânica". Observe como a falsidade das frases com predicados invertidos pode ser declarada logicamente, pois ‘mamífero’ e ‘autoridade’ referem-se a gêneros mais amplos que ‘cães’ e ‘tirano’. 3.10 O ordenamento dos conceitos. As concatenações de conceitos que surgem assim estão em conformidade com o seguinte ordenamento: um gênero é dividido em espécies, que por sua vez podem ser divididas em outras subespécies - sempre de acordo com certas diferenças - e assim por diante, até atingirem as espécies mais restritas (na biologia classificamos espécies e subespécies), abaixo da qual existem apenas indivíduos. Existem também gêneros muito amplos, que não são mais incluídos em gêneros posteriores: eles são situações limites. Por exemplo, ‘crime’ está contido no gênero dos ‘atos voluntários’, que por sua vez pertence à situação ‘qualidade’, que é um gênero supremo das nossas ações. E, ao mesmo tempo, existem muitos tipos de crimes, classificados pela intenção ou ausência dela (doloso e culposo), ou pelo tipo de vítima que o crime produz (como fraude, difamação, roubo, etc.); essas “espécies” de crime resultantes podem ser restringidas ainda mais, por subespécies (assalto à mão armada, roubo simples, latrocínio, etc.). 3.11 A propriedade. A propriedade ou "próprio" é o tipo de predicação que indica algo que não é essencial, mas que necessariamente deriva disso. É um acidente necessário, que não pode ser descartado, pois necessitada espécie. Por exemplo, “Os seres humanos são risíveis”: ser risível não é a essência do homem, mas é uma característica necessária, característica que se segue, da do fato de alguém ser humano. As propriedades que normalmente reconhecemos nos seres humanos são criatividade, educabilidade, sociabilidade, fala, trabalho, etc. 3.12 Propriedades exclusivas, não exclusivas e individuais. Algumas propriedades são exclusivas das espécies, outras são comuns a várias espécies. Certas propriedades aproximam-se da diferença específica, pois concordam com uma natureza e somente com ela (por exemplo, o riso nos seres humanos, a extensão dimensional das entidades corporal). As propriedades comuns, não exclusivas, também se adequam a outras espécies (por exemplo, o ouro tem a propriedade de ser amarelo, mas não exclusivamente). Tomadas em grupos, essas propriedades servem para caracterizar uma espécie. Também existem propriedades individuais, causadas por princípios individuais permanentes, como: sexo, etnia, patrimônio genético hereditário. A espécie é entendida sem eles, sem essas características determinadas, mas não o indivíduo, para quem elas não podem faltar. 3.13 O conhecimento das propriedades. Em muitos casos, propriedades específicas ou individuais constituem os meios para sabermos mais sobre uma espécie ou o modo de ser de uma pessoa. A cor da plumagem de um pássaro pode indicar a que espécie ele pertence, a maneira de falar de alguém pode revelar a sua procedência. A união íntima que, do ponto de vista metafísico, ocorre entre as propriedades e a essência levou alguns filósofos a concluir erroneamente que a natureza humana é identificada com algumas de suas propriedades essenciais. Nascem concepções que reduzem o homem ao homo faber, homo economicus, etc. 3.14 O acidente lógico. Esse é um tipo de predicação que indica uma característica de um sujeito, que não resulta necessariamente de sua essência. Por exemplo, é acidental que um ser humano seja músico; como é acidental que um governante seja atleta. Isso significa que não é necessário que os seres humanos sejam músicos ou que governantes sejam atletas. Esse tipo de predicação é chamado de acidente lógico devido a tratar-se de uma possibilidade, mas não de uma necessidade. Na linguagem comum, nos referimos a isso quando dizemos que algo acidental "acidental", "coisas que nada têm a ver uma com a outra", “é assim, mas podia ter sido diferente” e assim por diante. É um acidente contingente, separável, porque, embora esteja de fato vinculado à coisa ou indivíduo, não é necessariamente causado por eles. Também existem acidentes da espécie ou do indivíduo. Além disso, o que é acidental para a espécie, pode ser uma propriedade individual. Por exemplo: a cor dos olhos é um acidente na espécie humana, mas é uma propriedade dos indivíduos. Para Francisco, se ele não é um atleta, é acidental que ele possa fazer um bom passe no futebol; mas se ele é um atleta do futebol, essa é uma propriedade que se exige dele como jogador: algo que vem de sua arte, ou seja, de uma causa permanente porque é algo que está vinculado à ideia do que é ser um atleta de futebol. Fala do professor. O aspecto mais importante trabalhado nesta última seção é a relação entre os predicáveis. Você deve ter percebido que a depender do modo como a proposição vincula tipos distintos de conceitos, seguem-se algumas consequências ou implicações. Uma das tarefas principais da lógica desenvolvida por Aristóteles é compreender quais são essas consequências que decorrem das relações entre os conceitos (as relações entre os conceitos que assumem o papel de sujeitos e os que assumem o papel de predicados) e, também, as consequências das relações entre as proposições, que (como vimos) depende da forma da predicação. A identificação das relações entre as proposições e o estudo das consequencias dessas relações torna-se mais claro quando nos atentamos para os papéis desempenhados pelo modo como construímos conhecimento por meio das operações da definição e da separação ou divisão, usando os predicáveis: espécie, gênero, diferença, propriedade e acidente. Então, vamos examinar mais detidamente essas operações. 4 OS CONCEITOS E A ORGANIZAÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTO 4.1 As operações lógicas da definição e da divisão. As relações entre gêneros, espécies, diferenças, propriedades e acidentes dão origem a duas operações mentais importantes: a definição, pela qual determinamos ou circunscrevemos as espécies, e a divisão, pela qual um conceito é dividido em suas subespécies. 4.2 Definição por gênero e diferença. A definição, em geral, representa o esforço de reunir as condições necessárias e suficientes para que possamos compreender o significado de alguma coisa ou apreender a que ela se refere. Na teoria aristotélica, a definição dá-se por gênero e diferença; trata-se do esforço para identificar dentro de um gênero a diferença específica que o termo a ser definido marca ou a qual característica específica o termo se refere. De acordo com essa teoria, precisamos colocar a coisa designada pelo termo que queremos definir dentro de algum gênero: por exemplo, se quisermos definir sabedoria, temos que incluí-la no gênero mais amplo de “traços de caráter” que chamamos de ‘virtudes’; em seguida, dentro do gênero mais específico, o da "virtude intelectual"; continuaremos a diferenciar a sabedoria de outras virtudes intelectuais, como ciência ou prudência, procurando o seu elemento diferenciador principal: é a virtude intelectual pela qual conhecemos as causas das coisas. 4.3 Definições como produtos da observação. As definições são elaboradas por observação. A maneira de alcançá-las baseia-se na identificação aquelas semelhanças e diferenças entre os indivíduos que manifestam seus gêneros e espécies. Por exemplo, para definir ‘esporte’, primeiro procuramos seu gênero que é semelhante (atividade física do ser humano). Para muitas outras atividades físicas, como caminhada, trabalho manual, etc., procuramos saber como isso difere e observamos que o que é definidor do esporte é que esta é uma prática guiada por um objetivo. Isso torna o esporte a atividade física destinada ao desenvolvimento das forças e habilidades do corpo. Nem sempre conseguimos construir com precisão uma definição, nestes casos temos que nos contentar com abordagens por descrições que se concentram nos gêneros próximos e nas propriedades específicas. 4.4 A definição nominal. Além da definição por gênero e diferença, que acabamos de explicar, há outras maneiras de se construir definições, por exemplo: definições nominais, quando não se pretende tanto dizer o que é uma coisa (definição real), mas meramente o que uma palavra pode significar. Toda definição real é ao mesmo tempo nominal, mas não o contrário. Um tipo especial de definição nominal é a definição etimológica, que indica a ação ou propriedade de onde a denominação se origina (por exemplo, transatlântico é o navio que atravessa o Atlântico). Definições nominais são úteis para o pensamento preciso, mas se ela se tornar a única forma de definição, como o uso de termos é convencional (em certo sentido, arbitrário), discussões filosóficas ou científicas poderiam se tornar meras disputas verbais, disputas por palavras. 4.5 A definição descritiva. A definição descritiva consiste em identificar as propriedades mais notáveis ou as partes constituintes de alguma coisa. Por exemplo, "A água é uma substância incolor, inodora e insípida" ou "A água é um composto de hidrogênio e oxigênio". 4.6 A definição genética. A definição genética é aquele tipo de definição pela qual algo é definido considerando-se a sua gênese, o modo como a coisa é produzida. Por exemplo: “O bronze é uma liga produzida pela combinação dos metais cobre, zinco e estanho” e “A mula é resultante do cruzamento entre cavalo e burro”. 4.7 A definiçãocausal. A definição é chamada de causal quando algo é definido em razão do tipo de causa que o produz ou gera: causa eficiente e causa final. Por exemplo, "A Odisséia é um poema escrito por Homero" e "O ser humano é um animal que se realiza completamente apenas comunidade política”. 4.8 A definição operacional e definição funcional. Na realidade prática, operacional, estabelecemos a definição em razão das finalidades, objetivos e os efeitos ou consequencias envolvidos naquilo cujo termo pretendemos definir. Por exemplo, dizemos: “A faca é um instrumento usado para cortar alimentos”; e “O casamento é a instituição básica da sociedade”. O efeito primário e determinante, aquele que gera outros efeitos colaterais, deve ser indicado. Por exemplo, não seria correto definir inteligência como "capacidade de abstrair números", nem definir um navio como "algo que permita pescar em alto mar". Assim, definições para esse fim, também denominadas funcionais, são essenciais quando o que é definido é uma realidade prática (por exemplo, um instrumento). 4.9 Qualidades da definição. Generalidade, precisão e não vagueza. É vago definir, por exemplo, que ‘trabalhar’ está "relacionado às coisas". Adequação, não deve confundir aquilo que é definido com uma de suas espécies, como ocorre quando se diz que “O triângulo é uma figura de três lados iguais”. Não circularidade, a definição não pode conter nos seus termos aquilo que se busca definir. Seria incorreto tentar definir a ‘paz’ como "a ausência de guerra" e a ‘guerra’ como "a ausência de paz". Positividade, embora seja possível e algumas vezes desejável o uso de definições negativas, em geral, não é adequado definir algo puramente pela negação de atributos; por exemplo, “O triângulo equilátero é aquele que não é isósceles nem escaleno". 4.10 A operação lógica da divisão. Divisão é a operação lógica pela qual um gênero é distribuído em suas espécies. Isso é chamado de divisão porque o gênero é um todo lógico dividido em espécies. Os critérios para realizar a divisão lógica, isto é, para realizar a distribuição do todo em suas partes, são retirados daquilo que estudamos anteriormente sobre as relações de gênero, espécie e diferença. Nas ciências, esse procedimento é geralmente chamado de classificação. Cada etapa da divisão é realizada de acordo com um determinado critério de base partindo-se do próprio gênero quando ele é dividido. As coisas podem ser divididas por gênero e espécie, segundo a sua natureza, mas também é possível classificá-las por acidentes (por exemplo, as pessoas por suas nacionalidades, profissões etc.); os acidentes podem ser classificados em razão de sua natureza inerente a vários assuntos (por exemplo, a inteligência pode ser a humana, a dos primatas, a das aves, a dos golfinhos). Na divisão, não devemos alterar o critério de base adotado para separar cada uma das partes (por exemplo, seria errado dividir homens em americanos e estudantes universitários). A divisão dicotômica é aquela que é estabelecida entre um membro e sua negação: atletas e não atletas, vertebrados e invertebrados, etc. Essa forma de divisão tem a vantagem de ser completa, mas em muitos casos ela pode parecer bastante artificial. Em geral, as diferenças específicas tornam os gêneros melhores e mais precisos, removendo-os de sua indeterminação e especificando-os em espécies: os gêneros são mais extensos que suas espécies, mas menos ricos que elas. Por isso, dizemos que ‘instrumento’ é uma noção mais pobre e indeterminada do que ‘violino’ ou ‘piano’, instrumentos concretos. 4.11 As oposições entre os conceitos. Assim como a compreensão de alguns conceitos é incluída na de outros, muitos outros conceitos representam aspectos de coisas que se excluem. Na lógica, essa incompatibilidade recíproca é chamada oposição. Conceitos opostos são aqueles que significam atributos que não podem herdar ao mesmo tempo no mesmo assunto. Como veremos, existem quatro tipos de oposição: contraditória, privativa, contrária e relativa. 4.12 Oposição contraditória ou contradição. É a oposição máxima entre os conceitos, que ocorre quando um conceito é a negação total do outro. Ocorre entre noções como ‘branco’ e ‘não branco’, ‘animal’ e ‘não animal’; ou seja, ocorre quando há oposição entre qualquer modo de ser e a sua negação, entre ser e nada. A contradição é a raiz dos demais tipos de oposições porque todos assumem que algo não pode ser o seu contrário: o ‘vermelho’ não pode ser ‘verde’, porque seria ‘vermelho’ e não seria ao mesmo tempo (seria ‘vermelho’ e seria ‘não vermelho’). 4.13 O princípio da não contradição. A importância desse tipo de oposição para a lógica é devida ao papel central que esse princípio desempenha no processo de construção do conhecimento e na nossa compreensão da realidade. O princípio da não contradição diz que se duas proposições mantém uma entre si uma relação de oposição contraditória, ambas não podem ser simultaneamente verdadeiras; isto é, ou são ambas falsas ou uma delas é, necessariamente, falsa. 4.14 O princípio do terceiro excluído. A oposição contraditória e o princípio da não contradição têm como complemento o princípio do terceiro excluído, isto é, o princípio segundo o qual, para qualquer proposição, ou a proposição em questão é verdadeira ou a sua negação é verdadeira, não havendo nenhuma outra possibilidade intermediária. 4.15 O princípio da identidade. O correlato dos princípios da não contradição e do terceiro excluído é o princípio da identidade. Toda proposição que afirma que uma coisa ou indivíduo é idêntico a si mesmo é sempre, necessariamente, uma proposição verdadeira. 4.16 Oposição privativa. A oposição privativa trata da negação de um atributo ou propriedade que poderia ser da coisa ou indivíduo em questão. Não se trata de uma pura negação, mas negação de alguma característica que seria devida ou própria de um sujeito. Por exemplo, a cegueira é uma verdadeira privação no homem, mas não é para uma pedra. São pares de conceitos privados: a conduta ou as pessoas são moralmente boas ou más; o conhecimento é verdadeiro ou falso; as nossas crenças são fundadas na ciência ou na ignorância, os seres vivos são saudáveis ou enfermos. 4.17 Oposição contrária. Às vezes, a privação de um ato é acompanhada por um movimento ou estado contrário a esse ato: por exemplo, além de conhecer e ignorar, pode-se estar errado ou equivocado. Temos então um ordenamento de contrários: amor-indiferença-ódio, prazer-ausência de sensação-dor. Passamos da privação, uma oposição pela ausência de um atributo, para a oposição por contrariedade, na qual entre dois extremos opostos existem graus intermediários. 4.18 Oposição de opostos. É a oposição que ocorre entre formas de um mesmo gênero. Desta vez, os dois extremos são positivos, uma vez que cada um implica uma perfeição ou uma forma: no gênero da temperatura, por exemplo: as qualidades calor e frio são opostas; no gênero peso do corpo físico , gordo e magro; no gênero dos sons, grave e agudo. Diferentemente das oposições por contradição, privação e contrariedade, os opostos não são negação e, como a oposição contrária, admitem graus intermediários. Observe a conexão entre os opostos e a divisão lógica. Os opostos são sempre as espécies de um gênero que, justamente por causa de suas diferenças, se excluem; no entanto, a divisão dicotômica (por exemplo, racional-irracional) é entendida como uma forma e sua negação, quando, na verdade, seria o seu oposto. 4.19 Oposição relativa. Dois conceitos positivos exclusivos são relativos e, ao mesmo tempo, são reivindicados reciprocamente porque dependem um do outro. É a oposição que sempre ocorre entre os extremos de qualquer relacionamento: por exemplo, pai se opõe ao filho (ser pai se opõe a ser filho, no mesmo sentido), mas pai implica um relacionamento com o filho (não há pai sem filho , e vice-versa). O relacionamentoé simétrico quando os extremos estão unidos pelo mesmo relacionamento (amizade, igualdade, etc.).
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