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Curso de Pós-graduação a Distância Negociação e Gestão de Conflitos Autor: Leandro Tortosa Sequeira Universidade Católica Dom Bosco Virtual www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 2 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Objetivo Geral Conhecer as principais formas de conflito e as formas mais eficazes de se atuar preventivamente e corretivamente, com o uso do planejamento e da negociação nas organizações. SUMÁRIO UNIDADE 1 – O CONFLITO NAS ORGANIZAÇÕES ............................................ 07 1.1 Entendendo o conflito ....................................................................................... 09 1.2 Visões sobre o conflito ..................................................................................... 12 1.3 A cultura organizacional e o conflito ................................................................. 18 1.4 A gestão do conflito ......................................................................................... 23 UNIDADE 2 – A NEGOCIAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES ...................................... 32 2.1Entendendo a negociação ................................................................................ 35 2.2 Visões sobre a negociação .............................................................................. 37 2.3 O processo de negociação .............................................................................. 39 2.4 Etapas da negociação ..................................................................................... 41 2.5 O negociador profissional ................................................................................ 48 UNIDADE 3 – TÓPICOS ESPECIAIS EM NEGOCIAÇÃO .................................... 55 3.1 Negociação com múltiplas partes, coalizões e equipes ................................... 56 3.2 Negociação entre culturas diferentes ............................................................... 65 3.3 Técnicas de negociação .................................................................................. 71 3.4 Mediação, conciliação e arbitragem ................................................................. 76 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 83 3 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 BOAS VINDAS Este documento tem o propósito de servir como complemento à formação acadêmica dos alunos de pós-graduação, atuando como um guia de estudos nesta disciplina. Assim sendo, não há a pretensão de que este material venha a ser a única fonte de recursos didáticos. Recomenda-se, fortemente, que o acadêmico busque a erudição tomando como ponto de partida o que lhe é apresentado a partir de agora. Entendo que você, ao decidir especializar-se, saiba que administrar uma organização - pública, privada ou do terceiro setor - pode ser entendido como uma missão, muito mais do que um simples emprego ou ocupação. Isso, pois, ao assumir uma cadeira de destaque dentro da gestão, ou ao fazer parte de um corpo técnico de uma das diversas organizações desses setores, o gestor está representando toda uma nação em busca de melhores e mais edificantes condições de vida, maior prosperidade, sucesso, fraternidade e liberdade. O poder ora concentrado em suas mãos deve ser integralmente destinado ao benefício de uma sociedade ávida por justiça e igualdade, nem sempre respeitada em sua condição humana, e não raro deixada à margem das decisões de suas próprias vidas. Celeridade, parcimônia e responsabilidade devem ser os baluartes dessa sua nova caminhada. A estrada é longa e a viagem começa neste exato momento. Minha função é guiar você mostrando os rumos que deve tomar para atingir o conhecimento desejado. Mas lembre-se: é somente você quem pode dizer até onde quer chegar. Sucesso! 4 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 INTRODUÇÃO O conflito está presente em todos os momentos da vida. A negociação também. Um não existe sem o outro. Um depende do outro. E ambos são frutos das relações estabelecidas entre os seres humanos. Relações que foram construídas ao longo da história, e que se edificaram, se estabelecem e se perpetuarão a partir da divisão do trabalho produtivo e socialmente útil. São interações governadas pela necessidade social da produção, mas que sofrem pesada influência dos aspectos psicológicos individuais e coletivos. Em outras palavras, o ser humano só se reúne na forma de uma equipe de trabalho porque precisa produzir. Só produz porque precisa (sobre)viver. Mas não espere que faça isso de maneira meramente passiva. Existem tensões individuais e coletivas decorrentes de interesses também pessoais e sociais, que muitas vezes se chocam e se sobrepõem. Essas são as bases do conflito. E também da negociação. Tais relações foram formadas e moldadas ao longo da história. É interessante notar que, quando o artesanato predominava como sistema produtivo para a humanidade, poucas famílias detinham o conhecimento, os instrumentos e o processo produtivo da construção de um determinado bem. Quer dizer, havia famílias especializadas em alfaiataria, atividades pastoris, tecelaria e inúmeras outras1, que empregavam como força de trabalho seus próprios membros - filhos, tios, sobrinhos, etc. Todo o processo de trabalho era executado por umas poucas pessoas, que eram iniciadas nas respectivas técnicas desde cedo, na infância, e passavam tal conhecimento para seus filhos. As relações hierárquicas refletiam as relações familiares e não havia espaço para profundas inovações ou questionamentos. Tudo era muito homogêneo e certo. Fonte: http://migre.me/oFZVB 1 Curiosidade: o sobrenome “Taylor”, do Pai da Administração por processos - Frederick W. Taylor - deriva de “Tailor”, ou “alfaiate”, em inglês. Assim como outros sobrenomes, principalmente de famílias europeias mais antigas, indicam as prováveis funções produtivas que cada uma dominava, como os Fattore (Fattoria em italiano quer dizer fazenda), Weber (em alemão significa tecelão), Carter (deriva de carteiro, em inglês), Ferreiro, Poeta, e muitos outros. 5 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 A Revolução Industrial, ocorrida ao final do século XVIII, trouxe diversas técnicas produtivas que aumentaram de maneira exponencial os frutos do trabalho humano. Isso mudou radicalmente o mundo do trabalho. Os novos processos produtivos passaram a incorporar a divisão de tarefas, a criação de ferramentas mais eficientes e um novo arranjo social. O que antes se caracterizava pela homogeneidade agora passa a ser tomado pela pluralidade: pessoas de diferentes formações, origens, credos, valores, vícios e virtudes passam a coexistir no mesmo espaço, ao mesmo tempo. Para além da nova conformação do trabalho, o ser humano - agora obrigado a dividir espaços, tarefas e responsabilidades com quem é, contraditoriamente, semelhante e diferente dele mesmo - estabelece relações onde prevalece a tensão oriunda da competição pelos espaços e oportunidades, criando as bases para o surgimento do conflito. O conflito pode ser bom ou ruim, para o indivíduo e para a organização. Quando é bom, gera a competitividade, o anseio pela vitória e a busca pelo desempenho. Isso impulsiona a organização e o próprio indivíduo na direção do progresso e do desenvolvimento2. Sendo ruim, gera ainda mais tensões, prostração, atrito, animosidade e mais estados destrutivos e contraproducentes. A mesma organização que produziu as bases materiais para o surgimento do conflito, produziu também formas de geri-lo e de conduzi-lo para seu desfecho mais positivo. Dentre estas soluções a mais poderosa e efetiva é a negociação. Este curso tem um propósito bem definido: o de permitir a você o conhecimento da negociação como a melhor “arma” para gerir diversasformas de conflito, direcionando cada tipo para a sua manifestação mais positiva, em que toda a organização poderá se aproveitar de seus resultados. Você também terá contato com habilidades e táticas que auxiliarão, inclusive, naquelas ocasiões em que não houver uma solução possível ou viável, onde o melhor a se fazer pode ser tomar medidas mais drásticas, ou até mesmo abandonar o embate. Vamos começar. O primeiro passo será entender o conflito, sua origem e seus desdobramentos na organização. Em seguida, é a vez de conhecer o processo de negociação e como isso pode levar às melhores soluções. Na sequência, será de grande relevância o entendimento do comportamento humano nas organizações, como forma de melhor guiar o processo de negociação para 2 Progresso e Desenvolvimento são categorias específicas e próprias de uma determinada corrente de estudos, seguida pelo autor deste texto. 6 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 melhorar o desempenho organizacional. Por fim, transcenderemos os limites nacionais e daremos uma espiada no processo de negociações internacionais, a partir da negociação estabelecida entre diferentes culturas, como forma de alinharmos a sua formação a um dos tópicos mais relevantes do comércio no século XXI. 7 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 UNIDADE 1 - O CONFLITO NAS ORGANIZAÇÕES Conflito nada mais é do que o desentendimento de duas ou mais pessoas acerca de um mesmo tema. Isso ocorre pois, geralmente, é muito difícil se obter uma unanimidade plena sobre qualquer tipo de assunto. A discordância entre as diferentes partes envolvidas decorre das variadas formas pelas quais as pessoas veem o mundo, cada uma com sua lente3, colhendo dados, gerando informações e interpretando o universo à sua própria maneira. Tais discordâncias podem resultar em atitudes mais ou menos intensas e vigorosas de uma pessoa para com outra, trazendo resultados proveitosos ou desastrosos para um embate. Os conflitos existem desde que surgiu o ser humano na face da Terra. Assim como qualquer outro animal, os humanos precisavam disputar os poucos recursos existentes para garantir a própria sobrevivência e de seus dependentes mais diretos (filhos, parceiros, família). Dessa forma, sempre que havia um alimento, um abrigo ou qualquer recurso excedente, certamente haveria o embate, a disputa, o conflito para definir o vencedor que teria direito ao seu usufruto e apropriação. A história da humanidade é a história de sua organização produtiva. Os humanos sempre tiveram que concorrer com a natureza para obter seus meios de sobrevivência. Uma das razões que definiu o êxito do homo sapiens sobre as demais espécies é a capacidade de se organizar cooperativamente para melhor interferir sobre a natureza, modificando-a conforme suas necessidades. Fonte: http://migre.me/oG1Yx 3 Aqui o termo lente significa as diferentes categorias do conhecimento. Cada categoria se constitui como um conjunto de elementos teóricos de uma corrente de pensamento, que interpreta as relações interpessoais de acordo com certos padrões. Por exemplo, um socialista enxerga as relações entre as pessoas como fruto das relações produtivas. Um religioso pensa o mesmo tema como um importante acontecimento divino. Cada forma de pensar vale-se de um conjunto de preceitos válidos para compor uma linha de pensamento e fazem sentido em um determinado ambiente teórico. Portanto, não se pode atribuir o juízo de valor como algo universalmente "certo" ou “errado", já que pode ser uma coisa ou outra, dependendo das categorias do referencial adotado. Segundo o Dicionário Aurélio, Embate significa: 1 Choque (com ímpeto e ruído). 2 Percussão violenta. 3 Oposição, resistência. 4 Ataques, lances adversos que vêm de alguém. Usaremos os quatro significados para este termo, mostrando que se trata de um momento em que há algum tipo de divergência entre as partes envolvidas em uma disputa. 8 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Sequeira (2013, p.12), mostra que a necessidade por novos recursos - provocada pelo aumento populacional e pelo desenvolvimento urbano de muitos povos - resultou em uma corrida e uma forte competição entre os diversos povos, quase sempre sendo conduzidos para situações conflituosas de grande intensidade. Cada nova forma de explorar os recursos naturais - assim como cada nova forma de proteger aqueles já conquistados - representou um avanço para o grupo de pessoas que a desenvolveu. A somatória dos avanços é compartilhada entre os diversos agrupamentos produtivos e resulta em sociedades mais ou menos organizadas, competentes produtivamente, e prósperas. Assim surgiu a civilização, tal como a conhecemos hoje: pessoas reunidas em um mesmo espaço e tempo, dividindo as tarefas produtivas necessárias para manter sua existência de uma forma segura e equilibrada. As organizações produtivas atuais - empresas privadas ou públicas, órgãos públicos e organizações do terceiro setor - são nada mais do que reproduções da organização produtiva social. Uma cidade, um estado ou um país, têm setores específicos para a exploração dos recursos, para controle da logística e distribuição, para proteção, para planejamento, etc., da mesma forma que qualquer uma das organizações produtivas citadas. Quer dizer, em um ambiente macro (ampliado) ou micro (reduzido), as relações são as mesmas. Em outros termos, a sociedade se organiza como um formigueiro: existe o controle exercido pela rainha, que é, literalmente, a mãe de todas as formigas. No caso da nossa sociedade, os cargos equivalentes são os de presidente, governador(a) e prefeito(a) no poder executivo, além dos(as) chefes do legislativo e do judiciário. Voltando ao formigueiro, existem aqueles insetos encarregados de proteção, os encarregados de descobrir os recursos, as operárias que constroem e buscam alimentos, as encarregadas da limpeza, e mais outras funções muito próprias daquele tipo de organização. Mas, no formigueiro, não há conflito. Quer dizer, pelo menos não há conflito dentro do próprio formigueiro. O conflito existe, apenas, quando outros grupos de formigas ou outros insetos invadem a base em busca de comida ou abrigo. Só que não há divergências dentro do próprio grupo: todos executam suas funções sem reclamar. Por que, então, existe essa diferença entre os agrupamentos humanos e os de formigas ou abelhas? Talvez a resposta esteja em uma característica muito própria dos mamíferos: a disputa pelo poder. 9 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Bom, mas vamos parar um pouco neste ponto do estudo. Mais adiante, retomaremos o entendimento acerca da temática do poder e como isso influencia em uma organização. É importante, agora, que aprofundemos um pouco o conhecimento sobre o conflito. Tal entendimento é fundamental para que possamos identificar sua gênese, seu desenvolvimento e suas consequências. Somente assim poderemos refletir sobre como podemos aproveitar de suas características para aprimorar a produção das organizações. 1.1 Entendendo o conflito O conflito faz parte da história da humanidade da mesma forma que a produção. Na verdade, o último sempre foi um dos estímulos do primeiro, pois cada novo método produtivo, cada nova descoberta de recursos naturais, sempre motivaram o embate de uma civilização com a outra. Isso porque uma civilização com melhores condições produtivas vive mais, oferece condições para que seus habitantes vivam melhor, que nasçam mais pessoas que também viverão mais, melhor, e que precisarão de mais recursos. Como estes são limitados, é óbvia a necessidade de expansão. E a expansão ocorrerá, primeiro, sobre o território mais próximo e, em seguida, sobre o mais distante. Sequeira (2014), descreve que: As inúmeras guerras que a humanidade provocou sempre foram decorrentes de interesses relacionados aodesejo ou necessidade de apropriação dos recursos naturais que uma nação possuía por outra que não os tinha em abundância, das rotas comerciais que eram exploradas por uns e não por outros, do número de escravos, das quantidades de ouro, de camelos e de uma infinidade de outros recursos que sempre serviram para a constituição da riqueza de um povo4. A espoliação do derrotado era o principal meio de se chegar a isso (SEQUEIRA, 2014, p.12). Interessante é notar que o sucesso de uma nação sobre as demais, principalmente no que diz respeito aos aspectos econômicos e políticos, determina uma movimentação de pessoas que deixam os territórios menos afortunados e migram para aqueles mais prósperos. Contraditoriamente, uma situação de equilíbrio motiva outra de desequilíbrio, pois, ao atrair mais pessoas, os antes 4 Sequeira (2012a, p. 18), mostra que “Se na antiguidade a riqueza era a capacidade de estocar carne, ou feno para alimentar os animais no inverno, ou mesmo escravos para trabalhar na lavoura ou na defesa de um país, hoje, o acúmulo ocorre por posse de terras e outros de bens de produção, de dinheiro e de conhecimento”. 10 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 abundantes recursos passam a ser limitados novamente pelo maior número de novos habitantes. Os empregos começam a rarear, assim como as oportunidades de progresso nas carreiras estabelecidas. A antes homogênea formação cultural e de costumes sofre uma inversão decorrente do choque cultural oriundo da mistura de etnias ou de pessoas de diferentes origens e formações. Portanto, uma situação de progresso e prosperidade gera um estado tal que permite a formação de futuras tensões que, por sua vez, originarão mais conflitos5. Estes locais mais prósperos devem recorrer a mecanismos de proteção interna, como a restrição à circulação de pessoas estrangeiras e de mercadorias “estrangeiras”, a imposição de regras mais rígidas6 para a realização de negócios, contratação de pessoal ou mesmo de mobilidade de carreira. Tal estado acaba por gerar mais tensões que potencialmente aprofundarão os conflitos existentes, ou criarão novos, como mostra Sequeira (2014): 5 Blainey (2008), mostra em sua obra que um dos resultados das inúmeras guerras que acometeram a humanidade foi o crescimento do número de escravos, que serviam de mão de obra e na defesa das fronteiras dos países ou povos vencedores. 6 Martins; Passos (1999) mostram em sua obra os diversos mecanismos do direito usados para a manutenção de um estado de ordem e paz na sociedade, sendo o próprio direito um importante meio de harmonização dos diferentes interesses dos membros de uma determinada comunidade, ou nação. Nos primórdios da organização social, o homo sapiens percebeu que havia inúmeras vantagens em modificar a natureza para atender as suas próprias necessidades, em vez de simplesmente adaptar-se ao que ela oferecia – como os primitivos agrupamentos nômades faziam. Para isso, o primeiro passo foi estabelecer-se em um determinado local e organizar-se socialmente para que houvesse uma correta divisão dos trabalhos dentro das primeiras comunidades que se formavam. Tais trabalhos foram se aprimorando ao longo dos tempos para dar conta de uma população em expansão, com necessidades de alimentação, vestuário, segurança, e inúmeras outras, sempre de maneira crescente. Conciliar o trabalho útil e os recursos disponíveis às necessidades sociais foi determinante para a prosperidade – ou a falência – das civilizações. Tal esforço conciliatório representou a gênese do que mais tarde seria a Ciência da Administração. 11 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Seja pela guerra ou pelo acordo, a humanidade sempre se caracterizou pela disputa de espaços, recursos e fatores de produção. Isso significa que a limitação da disponibilidade dos meios para se viver, impõe disputas a todos os atores sociais. Essas, por sua vez, são limitadas pelos mecanismos disponíveis no direito, o que não impede que o choque de interesses resulte em legítimos embates, que precisam ser conduzidos de modo a garantir a harmonia em qualquer organização, sob o risco de que as atividades produtivas cessem, causando prejuízos por vezes irreversíveis. (SEQUEIRA, 2014, p.13) A compreensão da gênese do conflito na sociedade permite que se entenda como ocorre o mesmo em uma organização social qualquer, já que esta nada mais é do que uma representação daquela (sociedade), reproduzindo todas as suas características. O fundamental aqui é que se entenda que, apesar de a diversidade ser desejável do ponto de vista do desenvolvimento das relações humanas - pois traz enriquecimento cultural, permite a pluralidade de pensamentos, induz à tolerância, etc. - ela traz consigo a diferença. Quer dizer, até que a humanidade avance para o pleno desenvolvimento das relações que a definem, será (infelizmente)7 comum notar a ocorrência de tensões que definirão as bases para o conflito, simplesmente baseando-se em percepções diferentes de crenças religiosas, gosto por times de futebol, partidos políticos e o que quer que seja. Estamos em um momento histórico em que a simples diferença de opinião é suficiente para que um conflito intenso entre diferentes sociedades se instale de maneira destrutiva e pouco previsível.8 7 O termo infelizmente foi proposital e conscientemente usado pelo autor para exprimir um ponto de vista: o Capital é um modo produtivo absolutamente democrático. Ou seja, para o Capital, não há diferença de cor, etnia, sexo, idade, etc. Todos podem produzir e consumir, principalmente graças aos avanços tecnológicos e intelectuais de nosso tempo, que permitem equivalência produtiva e intelectual entre todos. 8 Aqui o autor lembra de importantes atentados terroristas atribuídos a grupos extremistas, que justificam seus atos por supostas ofensas aos seus próprios valores, como os do norte da África ao final dos anos 90, os atentados de Madrid e Londres no início dos anos 2000 e ao atentado à revista Charlie Hebdo, em Paris, em 2015. 12 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 1.2 Visões sobre o conflito O conflito não pode ser visto apenas como algo momentâneo e esporádico. Esses embates corriqueiros existem, sim, mas são etéreos e fugazes. Uma “fechada” no trânsito, um telefonema de uma empresa de vendas de manhã bem cedo, o atraso no pagamento de um salário, uma resposta com desdém ou sem bons modos de um colega de trabalho, tudo isso gera situações desconfortáveis, que irritam e opõem as pessoas. Mas, em geral, são momentâneos e de fácil solução. Mas o conflito genuíno tem diversas raízes, mais profundas e, muitas vezes, de difícil entendimento e solução. Fonte: http://migre.me/oGB73 Na verdade, o conflito que se encontra em uma sociedade vem de longe, tem fortes correlações na história e transcende os limites das instituições. Assim, por exemplo, duas pessoas que apresentem fortes divergências em antigas relações envolvendo famílias diferentes, dificilmente dissociam este estado permanente de tensão ao dividir as baias de um escritório em um novo emprego. Faz sentido, aqui, a definição de conflitos proposta por Ferreira (2011, p. 238), que define o termo Com a persistência dos tempos de paz em determinadas regiões durante certos momentos históricos, algumas comunidades prosperaram mais do que outras, atraindo egressos de locais onde a economia não se desenvolvia muito bem, ou que sofriam toda sorte de perseguições – políticas, religiosas, etc. –, e mesmo aqueles incorporados à sociedade como espólio de guerras. Este “caldeirão” que mistura pessoas de diferentes origens, credos, valores e princípios, dilui aos poucos a homogeneidade dos clãs familiares e põe em choque diferentes culturas. Estas,que passam a coexistir no mesmo espaço geográfico, agora se veem obrigadas a estabelecer acordos pacíficos para dividir os recursos e oportunidades cada vez mais escassos. 13 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 como “luta, combate, guerra, desavença, discórdia”, ou ainda as considerações de Robbins; Judge; Sobral (2010), que caracterizam o conflito como: Um processo que tem início quando alguém percebe que a outra parte afeta, ou pode afetar, negativamente alguma coisa importante. (...) Descreve aquele ponto em qualquer atividade quando a interação passa dos limites e se torna um conflito [embate] entre as partes envolvidas. (Grifo nosso) (SOBRAL, 2010, p.437) Mas, assim como uma moeda tem suas duas faces, o conflito também pode ser encarado de maneira positiva. Aliás, o propósito deste curso é justamente esse: mostrar que o conflito, bem direcionado e conduzido, é não só controlável, como também é desejável para se atingir o progresso em uma sociedade ou organização. Formas tradicionais de administrar o conflito: I. Impede que o conflito ocorra: é uma forma totalmente ineficiente e ineficaz de agir sobre o conflito. É contraproducente investir energia, tempo e recursos em algo imanente ao ser humano. Muito embora se possa lançar mão de mecanismos como a coerção, a intimidação, a força, etc., os retornos são muito baixos. Mas é uma forma de se administrar uma situação, mesmo que a perspectiva futura não seja favorável. II. Adia a ocorrência do conflito: embora tenha serventia para alguns tipos de propósitos da administração de uma organização, território ou qualquer instituição, seus resultados apresentam efeitos positivos para um prazo mais curto. A não eliminação dos fatores potencialmente geradores do conflito somente levam-no a ocorrer mais adiante no tempo – muitas vezes quando as condições materiais que o constituem adquirem uma configuração inevitável e, não raramente, incontrolável. III. Resolve o conflito existente: trata-se da maneira mais racional de se encarar qualquer tipo de embate ou disputa entre partes dissonantes em seus propósitos, valores ou meios. Quanto mais cedo se intervém em uma situação conflituosa, menos gestões deverão ser empenhadas para solucionar as divergências existentes. A única maneira de se erradicar o conflito é o enfrentamento. O montante de energia gasto, as perdas decorrentes e as necessidades de intervenção unilateral em uma atuação incipiente é potencialmente menor do que o que seria empregado em estágios mais avançados. (SEQUEIRA, 2014, p. 14-15) Duas são as visões prevalentes acerca do conflito: a visão tradicional, a visão interacionista, e a visão resolucionista. Assim entendem Robbins; Judge; Sobral (2010, p. 437): a) Visão Tradicional: segundo esta abordagem, todos os tipos de conflitos são ruins e devem ser evitados. Esta visão remete à organização produtiva vigente nas décadas de 1930 e 1940, quando o estudo das relações humanas ainda era 14 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 muito incipiente, e a administração preocupava-se mais com desempenho do método do que com o trabalhador no exercício de sua função e suas eventuais relações estabelecidas – dentro e fora do ambiente corporativo. Essa qualidade de conflito surge frequentemente de falhas no processo de comunicação, na desconfiança e no trabalho dos administradores que conduziam os trabalhos nas organizações. b) Visão Interacionista: em oposição à visão tradicional, a interacionista entende e aceita a existência de conflitos, procurando direcionar a energia empregada nos mesmos como forma de atingir maiores níveis produtivos em uma organização. Esta forma de abordagem parte do pressuposto da existência de uma organização solidamente organizada, cuja harmonia entre seus membros é conquistada a partir da condução das questões estratégicas (mais abrangentes) e táticas (de menor escopo) são planejadas, coordenadas e conduzidas de maneira apropriada pelo líder. Este tem papel fundamental na promoção da convergência entre partes dissonantes e harmonização entre os interesses coletivos (por exemplo, melhores condições de trabalho para a equipe), os individuais de cada trabalhador (como remuneração, reconhecimento e respeito) e os corporativos (como a produtividade e o lucro). Alguns autores, como Sequeira (2014), apontam a visão interacionista como um avanço sobre o primeiro tipo (tradicional), como forma de melhor direcionar os esforços produtivos corporativos, extraindo das situações de disputa maior energia na atuação dos envolvidos em um processo de trabalho: A ideia prevalente neste tipo de visão é a de que já não se pode mais admitir a existência e prevalência de conflitos destrutivos em uma organização. Essa linha de raciocínio entende que é melhor lidar com os diferentes tipos de conflito para que eles possam servir de combustível para as ações corporativas. É do enfrentamento que surgem soluções criativas, incorporam-se e superam-se as limitações e gera-se aprendizado organizacional. (SEQUEIRA, 2014, p.16) Dentro desta forma de entender o conflito, Robbins; Judge; Sobral (2010), propõem uma classificação para os tipos de conflito: • Conflitos funcionais: são os que contribuem para melhorar o desempenho do grupo. 15 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 • Conflitos disfuncionais: são os que prejudicam o andamento das tarefas e, como consequência, o desempenho do grupo. O que caracteriza um ou outro conflito é a forma como são configuradas as tarefas, o relacionamento entre os membros da equipe e o modo como o trabalho é desempenhado por cada um. Isso resulta em uma outra classificação, que pode apontar para um ou outro caminho: • Conflitos de tarefas: são as discordâncias que surgem em relação ao conteúdo e aos objetivos dos trabalhos, tarefas ou missões que devem ser realizados pela equipe. Essa categoria de conflitos pode ser do tipo funcional ou disfuncional. Depende de como é conduzido pela administração ou pela liderança. • Conflitos de relacionamento: são os pertinentes às relações estabelecidas entre os membros de uma equipe. Quase sempre esses conflitos enquadram-se como disfuncionais. • Conflitos de processo: são aqueles que surgem das divergências acerca da maneira como um trabalho é executado. Essa categoria tende a ser enquadrada como conflito disfuncional. O quadro a seguir resume a classificação descrita acima, e relaciona cada tipo de conflito e suas subdivisões: Quadro 1 – Visão interacionista do conflito Tipo de Conflito Conflitos de Tarefas Conflitos de Relacionamento Conflitos de Processos Características Possíveis - Funcional - Disfuncional - Disfuncional - Disfuncional Fonte: Adaptado de Robbins; Judge; Sobral (2010, p. 438-439) Sequeira (2014) conclui que é pouco proveitoso suscitar, apoiar ou organizar uma instituição que apoie tal visão de conflito pois, segundo o autor: Para que o trabalho em uma organização seja alçado a um patamar superior – contando com o auxílio do conflito – deve-se manter um equilíbrio entre os níveis, sempre baixos, de conflito do tipo tarefa e processo. E seria interessante que a equipe fosse homogênea em sua formação, princípios e valores, visando diminuir ou eliminar os conflitos de relacionamento. Nem sempre – ou quase nunca – isso é viável. (SEQUEIRA, 2014, p.16) 16 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 A visão a seguir permite ao gestor do conflito - ou da organização - atuar de maneira diferente em relação ao que as demais visões preconizam, ao interpretar o conflito de um modo peculiar. Vejamos. c) Visão Resolucionista: tal como assinala Sequeira (2014), “uma premissa elementar do convívio entre pessoas é que não é possível a coexistência de indivíduos sem que haja algum tipo de divergência”. Para os autores que defendem uma visão construtiva (interacionista)para os conflitos, é normal e desejável que haja conflitos. Para eles, como vimos, o conflito seria o combustível das ações de uma organização, dependendo apenas das habilidades e da competência de um líder que harmonize as divergências e as canalize para um objetivo organizacional comum. Fonte: http://migre.me/oGC8r No entanto, o que ocorre é que: As pessoas raramente conseguem enquadrar seus sentimentos em categorias nítidas de conflitos de tarefa e de relacionamento. Portanto, os conflitos de tarefa algumas vezes se expandem para conflitos de relacionamento. Os conflitos produzem estresse, que podem levar os líderes a se tornarem mais rígidos e antagônicos. [...] No longo prazo, os estudos demonstram que todos os tipos reduzem a confiança, o respeito e a coesão nos grupos, o que diminui a viabilidade destes. (ROBBINS; JUDGE; SOBRAL, 2010, p. 439) [grifo nosso] Aqui há uma questão importante: o destaque feito para a citação acima mostra que, independentemente do tipo de conflito, sua existência causa mais danos do que benefícios à organização. Isso ocorre porque o ser humano, na descrição dos autores, não possui pleno domínio de suas emoções para diferenciar aqueles aspectos relacionados à tarefa e aqueles ao relacionamento. Sobretudo em nosso país e nesse momento histórico, é muito pouco provável que duas pessoas com divergências de ideias ou pensamentos mantenham um relacionamento 17 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 pessoal amigável ou, pelo menos, cordial. Na verdade, não sabemos lidar com as diferenças, como aponta Gikovate (2012): Nossa imagem de liberais e democratas vai por água abaixo assim que enfrentamos uma opinião divergente sobre os temas mais banais – um filme que amamos ou uma música que detestamos. De futebol à religião, expressamos essa intolerância: queremos que as pessoas não só creiam no mesmo deus, mas que o concebam da mesma forma. Do ângulo da razão, desconfiamos dos que se mostram diferentes, de todos aqueles com quem não nos identificamos e das coisas que não compreendemos. Do ponto de vista emocional, não toleramos as diferenças porque nos fazem sentir sozinhos, desamparados. Uma simples divergência sobre um assunto irrelevante pode causar a separação de duas pessoas, especialmente se elas acreditam sinceramente nos seus pontos de vista e têm a convicção de que estão certas. [...] Todo mundo se diz tolerante e compreensivo em relação a posições divergentes, mas na verdade são poucos os que não se sentem de alguma forma ofendidos pelas diferenças. E elas são a raiz dos preconceitos, que não passam de generalizações precipitadas e negativas que brotam com facilidade em nossa alma. [...] Como consideramos nossa própria escala de valores, tampouco estamos dispostos a entender o outro ou os critérios dele – o que implicaria em reavaliar os nossos. (GIKOVATE, 2012) Assim, para a visão resolucionista, é claro que sempre haverá conflitos onde houver pessoas, independentemente da situação em que se encontrem. Como descreve Sequeira (2014, p. 17), “o conflito parece ser inerente ao ser humano, ou herdado de uma antiga e primitiva conformação social”. Ainda, como observa o autor, “o resolucionismo não tenta evitar ou estimular o conflito. Usa ferramentas, técnicas e tecnologia, para objetivar os termos do conflito, procurando torná-lo mais facilmente solucionável”. Ao “objetivar os termos do conflito”, os adeptos da visão resolucionista procuram concentrar-se nos critérios objetivos que envolvem o conflito, distanciando-se daqueles subjetivos. “A tentativa, aqui, é a de fazer com que cada uma das partes envolvidas se movimente de sua posição inicial para uma outra diferente da desejável, mas ainda assim vantajosa, sem grandes sacrifícios ou perdas” (SEQUEIRA, 2014, p. 17). Quando se trabalha com critérios objetivos, torna-se possível levar as partes envolvidas em uma situação de conflito a observar apenas os aspectos mais técnicos e formais que cercam o embate. Pode-se, então, ‘levar à mesa de discussões’ apenas as características e grandezas dimensionáveis, mensuráveis e 18 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 comparáveis de cada contenda. Isso nada mais é do que o principal baluarte de uma importante técnica resolucionista usada mais modernamente para gerir e guiar a solução de conflitos: a negociação. 1.3 A cultura organizacional e o conflito Cada pessoa é um ser histórico. Como tal, os valores, as crenças, as orientações culturais e muitos outros aspectos psicológicos e sociais são construídos aliando uma certa base biológica a um contexto social. Os estudos de Vygotsky9 apontam para uma perfeita correlação entre o desenvolvimento psicológico humano e as interações existentes entre a biologia individual e as experiências oferecidas pelo ambiente no qual a pessoa está inserida. Assim define o autor: A formação dos conceitos é resultado de uma complexa atividade em que todas as funções intelectuais fundamentais participam. […] A presença de um problema que exige a formação de conceitos não pode por si só ser considerada como a causa do processo, embora as tarefas que a sociedade coloca aos jovens quando estes entram no mundo cultural, profissional e cívico dos adultos sejam um importante fator para a emergência do pensamento conceptual. Se o meio ambiente não coloca os adolescentes perante tais tarefas, se não lhes fizer novas exigências e não estimular o seu intelecto, obrigando-os a defrontarem-se com uma sequência de novos objetivos, o seu pensamento não conseguirá atingir os estádios de desenvolvimento mais elevados, ou atingi-lo-á apenas com grande atraso (VYGOTSKY, s.d., p. 61-62). Portanto, é difícil imaginar que uma pessoa, quando é admitida em uma empresa, inicia-se em um clube ou ingressa em uma nova associação, vá abandonar seus conceitos mais intrínsecos, mais pessoais, em favor de uma harmonia corporativa. Em outras palavras, as pessoas em uma nova organização estão a todo momento tendo que controlar seus instintos e vontades mais íntimos para manter o equilíbrio com os colegas de trabalho. No entanto, mais cedo ou mais tarde, haverá algum tipo de situação que exporá a pessoa a uma forma de pressão 9 Lev Semynovich Vygotsky, bielo-russo (1896 -1934), estudou o desenvolvimento intelectual de crianças a partir das interações sociais e biológicas de cada uma. “Foi um dos primeiros defensores da associação da psicologia cognitiva experimental com a neurologia e a fisiologia, ao insistir que as funções psicológicas são produtos da atividade cerebral”. (MACHADO, s.d.) http://www.infoescola.com/biografias/vigotski 19 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 tal que estas características não podem ser refreadas, e toda a carga emocional reprimida vem à tona, suscitando o conflito com quem “o provocou”. Segundo Machado (s.d.), para Vygotsky - Materialismo Dialético: simultaneidade entre corpo e alma. Todo fenômeno tem uma história, que se modifica quantitativa e qualitativamente e essa mudança pode explicar a evolução dos processos psicológicos elementares em processos complexos. - Materialismo Histórico: mudanças na sociedade produzem mudanças no ser humano. A sociedade afeta diretamente a evolução dos processos psicológicos superiores do homem. (MACHADO, s.d.) A cultura de uma organização subjuga, até certo ponto, o comportamento de um funcionário. Esta é formada de um conjunto de normas tácitas e explícitas, ou “o jeito da empresa, expresso por meio de regras, normas, modelos de gestão, missão e visão organizacional” (WACHOWICZ, 2013, p. 20), refletindo os objetivos defendidos pela direção da organização e sua estrutura societária - “o espelho dos princípios e modelos mentais da empresa” (idem). Tal relação é essencial para que haja uma certa harmonia entre os atores corporativos e organizacionais para o corretodesempenho das tarefas que são propostas, com o mínimo de resistência e o máximo de efetividade. Mas, justamente pela “carga” sociocultural que cada funcionário traz consigo, é muito pouco provável que a relação com seus pares organizacionais ocorra de maneira suave e sem algum tipo de rusga. Pelo contrário, cada um tem que empreender um grande esforço no sentido de, literalmente, ‘domar’ a vontade de expressar-se levando em conta opiniões e impressões, diante de diversas situações do cotidiano, justamente visando evitar os constantes embates que um ponto de vista mais pessoal poderia suscitar. Nesse sentido, Wachowicz (2013), explica que: É difícil acreditarmos que todos imediatamente se integrarão de forma sinérgica e espontânea na execução das tarefas. Pelo contrário: é muito mais fácil que ocorram conflitos e desavenças por pequenos detalhes. […] Boa parte dos comportamentos que os indivíduos apresentam nos setores em que trabalham é determinada pela cultura organizacional. No entanto, cada um tem características pessoais e deve se policiar a respeito delas: afinal, nem sempre tudo que se deseja, ou se pensa, pode ser feito ou dito para colegas e chefias. (WACHOWICZ, 2013, p.18-19). 20 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 A tensão se estabelece quando um integrante da organização passa a comparar seus próprios valores com aquilo que é preconizado e praticado na organização. A ideologia reinante em um determinado ambiente, como reflexo das crenças, valores e ideais compartilhados fornece um norte para o comportamento dos integrantes de uma organização. Esta ideologia envolve não apenas os aspectos produtivos tangíveis, “como metas, produção e normas -, mas também envolve valores intangíveis - como, por exemplo, respeito, ética, comprometimento e motivação. Não há como percebê-la – a ideologia - isoladamente, mas, sim, por meio dos efeitos, consequências e conflitos expressos no clima organizacional” (WACHOWICZ, 2013, p. 20-21). Aliás, sobre o clima organizacional nos aprofundaremos mais adiante no estudo. Chiavenato (2016), explica que a cultura organizacional é decorrente de uma forma de pensar da organização, expressa em seus rituais, seus valores, seus objetivos, missão e todos os sinais e símbolos presentes na comunicação cotidiana, corporativa ou informal. Esta cultura reúne um conjunto de aspectos “formais e abertos” - objetivos e facilmente mensuráveis e comparáveis - e um conjunto de aspectos “informais ou ocultos” - ou seja, subjetivos, difícil mensuração e muito associados aos aspectos sociais e psicológicos. O quadro a seguir elenca os principais pontos desta perspectiva: Quadro 2 – Aspectos da Cultura Organizacional Aspectos Formais e Abertos Informais ou ocultos Definição Aspectos tangíveis, objetivos, mensuráveis e publicamente observáveis. Aspectos intangíveis, subjetivos, de difícil mensuração e publicamente invisíveis. Exemplos - Estrutura organizacional; - Títulos e descrições de cargos; - Objetivos organizacionais e estratégias; - Tecnologia e práticas organizacionais; - Políticas e diretrizes de pessoal; - Métodos e procedimentos de trabalho; - Medidas de produtividade e financeiras. - Padrões de influência e de poder; - Percepções e atitudes das pessoas; - Sentimentos e normas grupais; - Valores e expectativas; - Padrões de interações formais; - Relações afetivas. Fonte: Adaptado de Chiavenato (2016) 21 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 A cultura de uma organização está presente em todos os momentos e pode ser percebida pelos clientes - externos e internos - nas diferentes oportunidades de interação com a organização. E, obviamente, está a todo momento presente na vida de um trabalhador, seja cumprindo o seu horário no ambiente de trabalho ou nos momentos em que não está na empresa, mas que encontra colegas de trabalho, ou ainda quando seus pares sociais o veem como membro organizacional. Após um tempo, o destino de um trabalhador ou é introjetar as características culturais de seu ambiente de trabalho - como a fala, o modo de se vestir, o círculo de amizades, o teor das conversas formais e informais -, ou negar toda a carga cultural que se impõe a ele, levando-o a romper o contrato social, desligando-se do grupo - ou “sendo desligado” por ele. Ao se identificar e conhecer na plenitude a cultura de uma organização, torna-se mais simples o processo de recrutamento e seleção de pessoal, pois passa-se a dar preferência para aqueles tipos de profissionais que apresentem padrões comportamentais semelhantes aos da organização. Além disso, aumentam-se as chances de sucesso no que diz respeito à melhor integração deste novo membro a uma equipe de trabalho já existente: seus valores e crenças, expressos em hábitos e comportamentos, mais facilmente se alinharão ao que a organização pratica, gerando menos pontos de atrito, e de conflito, portanto. Também é importante notar que um mundo dinâmico em suas relações comerciais, políticas e culturais dificilmente mantém um determinado padrão de composição de suas instituições por muito tempo, em diferentes lugares. É muito comum que algumas organizações tradicionais incorporem usos e costumes de determinadas regiões até mesmo como forma de resposta aos desafios colocados em cada momento histórico e incorporem as suas condições materiais. Algumas organizações estão, de fato, sofrendo uma intensa transformação decorrente dos constantes choques entre as culturas e da nova forma de produzir e pensar introduzidas pelos novos trabalhadores. O Quadro a seguir traz alguns pontos para reflexão do que será a nova “ruptura organizacional” que assistiremos em nosso tempo. Se, por um lado, uma cultura organizacional forte, consistente e perene é uma fonte de conflitos para aqueles membros da organização que não se enquadram ao padrão dominante, por outro, a homogeneidade deste tipo de cultura organizacional seleciona as pessoas que trabalharão em um mesmo ambiente. 22 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Aquele indivíduo que não estiver alinhado aos propósitos da organização, ou aquele que perceber que a organização tem princípios que não coadunam aos seus, rapidamente promovem o rompimento desta relação. Mas, em uma organização com uma grande pluralidade de culturas e que não é caracterizada por uma linha predominante de pensamento, a incidência de ocorrências conflituosas pode ser grande, incontrolável e imprevisível. O comportamento organizacional deve, assim, ser entendido, estudado e amplamente debatido - é o que faremos mais adiante, neste mesmo curso. Fonte: http://migre.me/oGEKh Quadro 3 – A ruptura organizacional O capital intelectual está trazendo uma nova maneira de pensar e agir. Contabilizar, administrar, auditar, gerenciar, planejar, organizar, controlar e todos os demais verbos que formavam a velha administração tradicional estão destinados a representar apenas 20% do valor real de uma empresa. Os outros 80% que fortalecerão as mudanças organizacionais dependem de: 1) As organizações vão operar cada vez mais em redes (networks). Pequenos núcleos de grandes cérebros criarão negócios de grande porte através de sua capacitação de concentração, formação de empresas em rede e desenvolvimento de marca. O ativo intangível dessas redes será uma parcela cada vez menor do valor global do negócio estruturado. 2) O emprego tradicional tende a diminuir drasticamente. O empregado com carteira assinada passa a ser terceirizado junto com mesas, máquinas, tijolos, equipamentos. Tudo isso deixa de ser contabilizado no núcleo central de operações que passa a ser responsabilidade do parceiro que trabalha em rede. 3) A flexibilidade de horários será cada vez maior e o trabalho tradicional será cada vez mais feito em casa. Com o desmonte das grandes empresas e dotradicional conceito de ativo tangível diminuirá cada vez mais o conjunto de bens físicos da organização. Esta está se tornando cada vez menos concreta e cada vez mais virtual. 4) Os serviços serão cada vez mais importantes na formação do PIB de cada país. As previsões apontam que logo mais nos Estados Unidos 2% das pessoas estarão produzindo todos os produtos físicos de que a nação necessita. Com isso, o trabalhador do conhecimento aumentará cada vez mais o valor agregado à produção incorporando inteligência e não capital físico aos empreendimentos. Como contabilizar o cérebro de um trabalhador intelectual? 5) Mega softwares irão revolucionar a organização das empresas. Com isso, a parte tradicional das organizações passará por uma total revolução ficando a atividade burocrática humana praticamente zerada e transferida para a máquina. 23 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 6) A competitividade - o paradoxo da melhoria da qualidade com diminuição de preços - será uma preocupação permanente. Funções divisionalizáveis - RH, finanças, controladoria, orçamento e inúmeras outras - serão incorporadas às unidades de operação, aumentando o valor agregado e diminuindo o patrimônio físico tradicional. 7) A inovação permanente será um fator crítico de sucesso se não de sobrevivência das organizações. Verbas cada vez mais volumosas serão destinadas à criação de novos produtos, serviços, sistemas e processos em um movimento obcecado rumo ao novo. 8) Treinamento e aprendizado contínuo, no conceito mais nobre da Organização do Aprendizado (Learning Organization), receberão recursos cada vez mais substanciais como estratégia de enfrentamento do desafio da mudança. Os cérebros serão desenvolvidos no limite da obsessão através de processos cada vez mais voltados para a melhoria de performance caracterizando claramente um padrão de melhoria contínua, pelo menos em primeira instância, no campo do intangível. 9) Uma sólida cultura, com o alinhamento de valores e princípios e a determinação de uma visão compartilhada será cada vez mais fator de diferenciação competitiva das organizações. 10) Diante das enormes dificuldades do ambiente externo os talentos humanos serão cada vez mais escassos. 11) No mundo do pluralismo e da multiplicidade, principalmente do comércio eletrônico, deter e alimentar uma marca reconhecida e respeitada será uma estratégia cada vez mais perseguida. 12) No mundo da infinitização do comércio virtual a logística com base em forte capacitação informática será cada vez mais um efetivo atributo de sucesso. Fonte: Adaptado de Vianna (s.d.) 1.4 A gestão do conflito Neste ponto do curso, caro acadêmico, você já estudou sobre a origem dos conflitos e sobre como eles estão presentes em todos os agrupamentos humanos. Você sabe, então, que não se pode evitar o conflito e, muitas vezes, nem mesmo é desejável empregar energia e tempo em uma tarefa potencialmente infrutífera como esta. Aliás, como vimos, as pessoas já chegam a uma organização trazendo uma forte carga de valores construídos ao longo de suas vidas. É errado e inútil um gestor tentar fazer com que abandonem tal bagagem em prol da organização. O choque cultural - cultura organizacional e valores individuais - é inevitável. Seja em organizações tradicionais com um traço cultural mais definido, ou naquelas mais emergentes com traços mais sui generis, sempre haverá duas situações possíveis: ou a plena adequação do novo membro da organização, o que o incorporará ao grupo, ou a não aceitação e harmonia, o que o excluirá do mesmo. 24 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Uma organização se comporta como um organismo vivo. Ela tem seus órgãos, sistemas, subsistemas, e suas relações de dependência e interdependência. Assim como ocorre no ser vivo, em uma organização é necessária a existência de um estado de equilíbrio, homeostase. Isto significa que, por mais que o conflito seja inevitável, por mais que esteja claro que as pessoas que não se alinham à organização logo a deixarão, e por menos que se pretenda micro- gerenciar todas as situações do cotidiano organizacional, é importante que haja gestão do conflito. Fonte: http://migre.me/oGF5y Esta forma de gestão pode ocorrer de modo formal na organização - inclusive com a criação de um cargo ou uma função específica que lide com a gestão do conflito - ou de maneira informal - quando há um funcionário, geralmente com mais experiência e/ou com um perfil mais apaziguador, com fácil trânsito entre a gestão e a operação. Qualquer que seja a escolha, a gestão do conflito deve ser responsável e buscar a harmonia das relações no ambiente de trabalho tornando-o cooperativo. Wachowicz (2013), sugere algumas importantes medidas que precisam ser tomadas para que a boa gestão de conflitos ocorra na organização: 1) Análise profunda da situação de conflito: deve-se realizar um diagnóstico detalhado sobre o conflito estabelecido. Algumas perguntas ajudam a melhor delimitar a causa e identificar os possíveis desdobramentos (WACHOWICZ, 2013, p.26): “que pessoas estão envolvidas? como aconteceu? a divergência é significativa? são apenas pequenos desentendimentos pessoais, que facilmente se resolvem?” 2) Promoção da tolerância: esta é uma característica importante da cultura organizacional que deve ser bem exercida pelo gestor ou pelas lideranças da organização. O exercício da tolerância é fundamental para que não haja juízo de valor. Somente assim, os membros de uma equipe terão a seu favor o benefício da dúvida, sem pré-julgamentos potencialmente equivocados. 3) Atenção para a mudança: se há conflito é porque existe o descontentamento. E este sentimento pode indicar uma oportunidade de 25 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 mudança. É importante não “mudar por mudar”, mas buscar identificar uma real oportunidade de alterar o curso dos acontecimentos na organização. Como aponta Wachowicz (2013, p. 27), “se algo está em desacordo, é porque as pessoas ou os processos em que atuam não conseguiram estabelecer um eixo de concordância ou compatibilidade”. As oportunidades que os conflitos proporcionam são: [...] permitem a discussão (e posterior) dissipação de desacordos, tal com uma válvula de escape; questionam o reajuste na alocação de recursos; mantêm o nível de estímulo necessário à inovação dos processos; instigam o feedback ao estabelecer uma identidade entre grupos e indivíduos (WACHOWICZ, 2013, p.27). 4) Estimular a dialética: a dialética nada mais é do que o diálogo ou a argumentação baseada em conceitos essenciais. Wachowicz (2013) defende seu uso, pois este recurso [...] parte do princípio de que é possível desencadear mudanças coletivas ou individuais, por meio do debate de ideias, sem que um pensamento se sobreponha ao outro, a fim de buscar o consenso e o somatório de teses e antíteses para estabelecer uma ideia única (ou melhor) (WACHOWICZ, 2013, p.27). Quando a liderança promove a gestão do conflito, o propósito não é o de estimular ou acabar com o conflito pura e simplesmente. Pelo contrário, trata-se de uma forma de interferência nos acontecimentos em curso objetivando aproveitar a energia empregada na disputa para promover maior produtividade nas tarefas desempenhadas pela equipe. Fonte: http://migre.me/oGH5I Sequeira (2014), aponta que: No primeiro momento, são óbvias as intenções de uma gestão voltada para a solução dos conflitos. O resultado da solução das divergências é a maior “leveza” na condução das operações cotidianas organizacionais, maior harmonia nas relações, e um estado de espírito profícuo ao desempenho das tarefas. Mas, de 26 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 outro lado, qual seria o objetivo de um gestor ao se estimular o conflito? Não seria algo potencialmente danoso à instituição e às própriaspessoas que ali se encontram? (SEQUEIRA, 2014, p.23). O autor responde a essas mesmas perguntas destacando que a liderança que atua para gerir o conflito deve estar preparada e deve realizar as suas intervenções de maneira consciente, preparada e bem orientada. Assim: Se a gestão for realmente preparada e tecnicamente competente, o estímulo ao conflito pode despertar trabalhadores que estavam até então imóveis e apáticos, forçando-os a assumir posturas pró-ativas diante de uma determinada situação. Pode-se estimulá-los, a partir da alteração do estado estacionário, a retomar o elan (impulso) em realizar tarefas de maneira competitiva. De qualquer forma, o objetivo do estímulo ao conflito é mover o trabalhador de uma zona de conforto em que não se sente ameaçado ou desafiado e, por isso mesmo, não exerce todo o seu potencial produtivo. (SEQUEIRA, 2014, p.23). Um gestor normalmente ocupa uma posição de destaque em uma organização. Ele (ou ela) concentra poder e influência, com grande influência sobre a organização. Assim como possui legitimidade para agir em nome da organização, representando a alta direção e, muitas vezes, também a força de trabalho, o líder deve atentar-se para exercer suas prerrogativas de modo responsável, sempre tendo em vista o “bem maior”, inclusive em eventual detrimento de suas aspirações particulares. Portanto, como sinaliza Sequeira (2014): É importante que se tenha claro, também, que o estímulo ao conflito que resulta em algo positivo para a organização não ocorre per se (por si próprio) ou de um desejo escuso do gestor. Se isso ocorre, a chance de insucesso é grande, já que o caos e a desordenação imperariam e a previsão dos resultados e suas consequências tornar-se-iam impossíveis. O estímulo impensado, sem propósito claro, ao conflito deve ser repudiado pela administração (SEQUEIRA, 2014, p.23) Para melhor gerir o conflito, por vezes resolvendo-o, mas também ocasionalmente estimulando-o, o líder pode recorrer ao bom senso e, de maneira mais acertada, ao emprego de técnicas de gestão do conflito. Robbins; Judge; Sobral (2010, p. 444), oferecem um conjunto de técnicas para este fim, que foram resumidas no quadro a seguir: 27 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 Quadro 4 – Técnicas de resolução e de estímulo a conflitos Técnicas de resolução de conflitos Resolução de problemas Encontros entre as partes conflitantes com o propósito de identificar o problema e resolvê-lo por meio de uma discussão aberta. Metas coordenadas Criação de uma meta compartilhada que não possa ser atingida sem a cooperação entre as partes conflitantes. Expansão de recursos Quando o conflito é causado pela escassez de um recurso – por exemplo, dinheiro, oportunidades de promoção ou espaço físico de trabalho –, a expansão desse recurso pode criar uma solução ganha-ganha. Não enfrentamento Suprimir o conflito ou evadir-se dele. Suavização Minimizar as diferenças entre as partes conflitantes ao enfatizar seus interesses comuns. Concessão Cada uma das partes abre mão de algo valioso. Autoritarismo A administração usa sua autoridade formal para resolver o conflito e, depois, comunica seu desejo às partes envolvidas. Alteração de variáveis humanas Utilização de técnicas de modelagem comportamental para alterar atitudes e comportamentos que causam conflitos. Alteração de variáveis estruturais Mudanças na estrutura formal da organização e nos padrões de interação das partes conflitantes por intermédio de redesenho de atribuições, transferências, criação de posições coordenadas, etc. Técnica de estímulo de conflitos Comunicação Usar mensagens ambíguas ou ameaçadoras para aumentar os níveis de conflito. Inclusão de estranhos Incluir nos grupos de trabalho funcionários com históricos, valores, atitudes ou estilos gerenciais diferentes daqueles de seus membros. Reestruturação da organização Realinhamento dos grupos de trabalho, alteração de regras e regulamentos, aumento da interdependência e outras mudanças estruturais similares que rompam o status quo. Nomear um “advogado do diabo” Designar uma pessoa para o papel de crítico que discuta, propositadamente, as posições defendidas pela maioria do grupo. Fonte: Adaptado de Robbins; Judge; Sobral (2010, p. 444) 28 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 A gestão de conflitos é, normalmente, cercada de propósitos legítimos e intenções positivas, sempre voltadas para o melhor desempenho de uma organização. No entanto, por mais apurada que seja a técnica, por melhor preparado que esteja o gestor de conflito, ou ainda, por menor que seja a resistência presente na cultura organizacional, existe uma importante variável a se lidar: a imprevisibilidade do comportamento humano. Justamente por isso, o risco de se oferecer independência, permitindo que as partes envolvidas em uma situação de conflito se resolvam por conta própria, é muito alto. A organização deve interferir na dinâmica das relações estabelecidas entre seus trabalhadores, apoiando-se na cultura organizacional e nos propósitos da gestão, para preservar o todo organizacional. E quem estará mais apto a interferir, positiva e ativamente neste processo é a figura do negociador - tema de nosso próximo módulo. Exercício 1 1. O conflito acompanha o ser humano desde o seu surgimento neste planeta. Seja por conta da disputa de escassos recursos, espaços ou ideias, os conflitos se estabelecem e movem o comportamento das pessoas e suas interações nos diversos ambientes. Sobre o conflito, assinale a alternativa correta: a) O conflito pode ser bom ou ruim, para o indivíduo e para a organização. E, neste último caso, sempre é proveitoso, pois sempre estimula a competição justa e igual. b) O conflito sempre ocorre pela disputa de bens materiais, legando a concorrência Dicas de aprofundamento CHIAVENATO, I. Administração de Recursos Humanos: fundamentos básicos. 8. ed. rev. e atual. - Barueri, Sp: Manole, 2016. (Veja especialmente o Capítulo 3 - As pessoas e as organizações) ROBBINS, S. P.; JUDGE, T. A.; SOBRAL, F. Comportamento organizacional. 14. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. (Veja especialmente o Capítulo 14 - Conflito e Negociação) WACHOWICZ, M. C. Conflito e negociação nas empresas. Curitiba: Inter Saberes, 2013. (Veja especialmente: Capítulo 1 - Administração de conflitos). 29 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 por status quo, ou outras manifestações sociais, a um segundo plano. c) As organizações de mercado - diferentemente das organizações de terceiro setor - são mais expostas ao conflito, devido às disputas díspares entre o capital e o trabalho. d) A mesma organização que produziu as bases materiais para o surgimento do conflito produziu, também, formas de geri-lo e de conduzi-lo para seu desfecho mais positivo. 2. O conflito nasce da discordância, da divergência, do litígio. Sempre quando há diferenças estabelecidas entre as pessoas existe algum grau de conflito presente. Mas, para encontrar uma solução mais efetiva para dissipar as tensões estabelecidas, é de grande importância que se conheçam os motivos que levam ao próprio conflito. Por quê? a) Ao identificar a gênese do conflito, pode-se encontrar uma solução que atinja as causas, e não somente as consequências. Isso torna a solução mais perene e efetiva. b) A melhor maneira de acabar com um conflito é entender suas consequências em lugar das causas. Isso ajuda a combater o chamado “fogo amigo”, comum em relações partidárias. c) As consequências dos atos dos envolvidos podem ser previstas e, muitas vezes, isso é o melhor instrumento punitivo como forma de repressão de estados futuros de conflito. d) Pois, assim, pode-se escolher entre a coerção ou o assédio moral como formas de dissolução do conflito. 3. As organizações produtivasatuais - empresas privadas ou públicas, órgãos públicos e organizações do terceiro setor - são nada mais do que reproduções da organização produtiva social. Qual é a importância de se saber este conceito para a gestão dos conflitos? a) Identificando que as pessoas reproduzem suas diferenças no ambiente produtivo, é possível estabelecer relações entre seu comportamento e as possíveis origens do conflito. b) Só faz sentido entender as relações fora do ambiente organizacional se vai haver algum tipo de triagem para, por exemplo, admitir ou promover um funcionário. c) Dependendo do gestor que estiver à frente das decisões organizacionais, pode não fazer sentido entender as relações sociais do empregado fora da organização. d) É irrelevante para o desenvolvimento das atividades corporativas, pois a gênese do conflito pouco tem a ver com as relações sociais dos membros de uma organização. 4. É notável que as necessidades existentes ao longo da história humana acabaram sendo o principal motor do desenvolvimento: cada nova barreira estimulou o desenvolvimento de uma nova solução, representando um passo adiante na produção humana. Mas também é interessante notar que este 30 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 mesmo progresso resultou na intensificação dos conflitos estabelecidos entre os povos. De que forma pode-se aproveitar esta constatação quando tratamos do ambiente corporativo? a) Não existe relação direta. É mais provável que haja harmonia nas relações do que disputas e conflitos. b) A relação é direta. Os avanços produtivos e sociais não ocorrem de maneira equilibrada e equânime em todos os escopos da civilização. c) A relação é relativa. É de se esperar que, no âmbito corporativo, aqueles que tiveram contato mais cedo com os avanços sociais são mais pacíficos e adaptados ao trabalho. d) A relação é relativa. As camadas mais pobres da sociedade têm maior inclinação ao conflito, enquanto as mais abastadas são mais dóceis e produtivamente superiores. 5. O conflito não pode ser entendido como algo essencialmente duradouro, pois há situações em que ele pode ser esporádico e com efeitos autolimitados. Pode até estimular um conflito mais intenso no futuro, mas apenas se se somarem a outras situações que não forem resolvidas. O conflito trata-se, portanto, do resultado de interações historicamente construídas entre as pessoas na busca pelo atendimento de seus próprios interesses. Nesse sentido, aponte a situação que NÃO merece receber a atenção da gestão profissional do conflito: a) Uma ‘fechada’ no trânsito, que estimula uma briga entre motoristas. b) O atraso no pagamento de um salário. c) A disputa pela guarda de uma criança após o divórcio. d) A falta de bons modos de uma colega de trabalho. 6. Existem várias formas de tratar a questão do conflito no ambiente corporativo. Há desde as maneiras mais empíricas e amadoras até as mais cientificamente embasadas e profissionais. Assinale, dentre as alternativas abaixo, tomando como referência os estudos empreendidos na disciplina, qual é a atitude tomada pelo gestor de conflitos que mais se aproxima de uma resolução definitiva para o mesmo: a) Impedir que haja conflito: a melhor forma de resolver as divergências é investir todos os recursos disponíveis para evitar a ocorrência de fatores que levem ao conflito. b) Adiar o conflito, tentando encontrar soluções paliativas. c) Reprimir a ocorrência de divergências: devem-se usar técnicas como o emprego da força, da coerção e da intimidação para evitar o conflito. d) Resolver o conflito existente: é necessário enfrentar o conflito para resolvê-lo. 7. O conflito pode ser encarado de diversas formas em uma organização. E é muito comum a existência de diferentes pontos de vista acerca de sua 31 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 interferência nas questões mais essenciais da corporação, empresa ou qualquer outra instituição na qual se instala. Escolha a alternativa que explica de maneira correta, de acordo com o conteúdo ministrado ao longo do curso, uma dessas visões com relação ao conflito: a) Visão Tradicional: os conflitos são inevitáveis em uma organização. Isso os faz necessários e, conhecê-los, é a chave para uma administração de resultados. b) Visão Interacionista: aceita a existência dos conflitos e procura maneiras de aproveitar a energia despendida nos mesmos como forma de aumentar o potencial produtivo. c) Visão Intervencionista: a alta gestão deve intervir sempre, para enfraquecer, dissipar os elementos que levam ao embate, mesmo que se valendo de recursos dissuasivos. d) Visão Funcionalista: as divergências entre os funcionários podem ser usadas para ‘peneirar’ a equipe, mantendo apenas os que superam com mais facilidade o conflito. 8. A gestão dos conflitos é dinâmica e acompanha o desenvolvimento da ciência da administração. Na medida em que ocorre algum avanço em técnicas gerenciais produtivas, este também atinge o ambiente da gestão do conflito. É assim que se recebe, neste momento histórico, a Visão Resolucionista. Assinale, a alternativa que melhor explica esta forma de tratamento do conflito, de acordo com o conteúdo abordado no curso: a) Como não existe agrupamento de pessoas onde não haja conflitos, esta visão defende que o conflito deva ser estimulado como forma de incremento nos níveis produtivos. b) É impossível eliminar os conflitos no meio social. Portanto, a resolução dos conflitos só pode ocorrer mediante embate direto e restrito às consequências dos embates. c) A existência do conflito é inerente ao ser humano. A Visão Resolucionista procura objetivar os termos do conflito favorecendo a sua solução. d) Pode-se evitar o conflito nos meios produtivos se forem tomadas medidas preventivas adequadas, como selecionar funcionários e agrupá-los segundo a origem socioeconômica. 32 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 UNIDADE 2 – A NEGOCIAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES A história da humanidade é a história de suas relações de produção. Os agrupamentos humanos mais primitivos deram lugar aos nômades errantes, pois estes últimos eram menos eficientes em sua missão de conseguir comida, abrigo e proteção para o seu povo. Quer dizer, enquanto caçadores deviam lidar com animais ferozes e ficar expostos às adversidades do clima, os agricultores e os pastores fixavam-se em um lugar, aprendiam sobre os ciclos climáticos e adaptavam-se a essas condições. Isso permitia regularidade e previsibilidade, que são os ingredientes principais de uma produção eficiente e contínua. Fixar-se em um local permitia, também, melhores condições de segurança e, consequentemente, de acúmulo de recursos. De quebra, isso favorece o crescimento populacional e a longevidade. Com mais pessoas convivendo em um mesmo lugar e tempo torna-se essencial garantir recursos para todos. Como a força de trabalho potencial é maior neste tipo de organização social, as forças produtivas se movimentam para incorporá-la com mais distribuição de tarefas e melhor arranjo produtivo. Melhores condições produtivas geram melhores resultados: mais e melhores produtos são desenvolvidos e entregues à distribuição social. Com mais produtos, melhores são as condições de vida. Isso traz mais prosperidade às pessoas, que vivem mais, com mais segurança e podem ter mais filhos. E o ciclo se repete10. No entanto, em algum momento o equilíbrio é perdido: com o crescimento das necessidades sociais - mais comida, mais conforto, mais entretenimento - as técnicas produtivas tradicionais já não dão mais conta e é necessário promover algum tipo de avanço. É aí que entra a Ciência da Administração - ou simplesmente Administração. A Administração, ao longo da história, busca formas de melhorar os processos de produção, seja incorporando novas técnicas, tecnologias ou mesmo novas formas de arranjo do trabalho humano. Cada novo limiteimposto ao 10 O problema é que o cobertor é curto, ou seja, os recursos são limitados, mas as necessidades são infinitas. Não tem para todo mundo. Como a questão é de sobrevivência para muitas pessoas - pois sem comida, abrigo, água qualquer ser vivo ou sociedade perece - surgiam os embates. As guerras logo se tornaram um importante meio de se conquistar recursos, rotas comerciais ou força de trabalho. Aquela comunidade que tivesse maiores habilidades no campo da guerra tinha mais chances de obter o que precisasse para sua própria sobrevivência (SEQUEIRA, 2012, p.18). 33 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 atendimento das necessidades vigentes recebe uma nova resposta, que eleva o limiar produtivo, mas que será novamente atingido e superado por conta das demandas sempre existentes e nunca plenamente satisfeitas. Para desenvolver a produção, a única maneira é desenvolver o sistema produtivo. Este, como qualquer sistema, é composto pela tríade hardware, software e peopleware11. O desenvolvimento produtivo raramente ocorre de maneira proporcional ou harmônica entre estes três fatores, principalmente em decorrência dos valores intrínsecos de cada um, sendo o mais alto, mais valioso deles, o peopleware. Este fator é o mais caro: a incerteza e inconstância biológicas tornam imprevisíveis as respostas humanas ao treinamento ou rearranjo produtivo, também tornando mais difícil mensurar o resultado real obtido com o investimento produtivo direcionado ao trabalhador. O humano não é confiável como fator produtivo, no que diz respeito à regularidade do seu desempenho e aos produtos entregues pelo seu esforço: um trabalhador pode ficar doente, pode estar desanimado em um dia, mas animado no outro. Pode brigar com a família, ou encontrar um novo emprego. O que não acontece com os demais fatores (hardware e peopleware). Mas veja a contradição: para melhorar a produção e atender melhor as necessidades sociais, o investimento produtivo direciona-se aos fatores não- humanos do trabalho, portanto, dirige-se às ferramentas e não ao trabalhador. Este vai perdendo seu lugar no âmbito produtivo ou tendo a sua própria função precarizada12, quando não eliminada. Assim, uma grande parte do contingente de trabalhadores vai, ao longo da história, sendo substituída pelo trabalho morto13. O que sobra no ambiente produtivo é um grupo de trabalhadores com um grande grau de exigência sobre seu trabalho - maior exploração do trabalho - , ganhando relativamente menos - um trabalhador de hoje pode ganhar, em termos nominais mais do que um de alguns anos atrás, mas 11 Este conceito vem sendo desenvolvido por Sequeira (2013, p. 37) avançando sobre os estudos produzidos em 2010 (SEQUEIRA, 2010). De modo geral, “a interação proposital entre hardware – instrumentos físicos de trabalho, como as instalações da empresa, mobiliário, equipamentos de informática, etc. –, software – técnicas ou conjuntos de procedimentos, manuais, programação de computadores, etc. –, e peopleware – que é o usuário final, a pessoa que opera os dois anteriores” formam um arcabouço consistente de informações que levam à tomada de decisão mais bem fundamentada. 12 A precarização do trabalho na sociedade capitalista foi intensamente discutida por diversos autores da academia. Torna-se recorrente o encontro de indícios e vestígios dessa forma de reprodução das relações produtivas em diversos setores da produção social, como a educação, a medicina, a fábrica e qualquer outro em que se façam presentes as relações de trabalho e produção. 13 Trata-se da maquinaria ou, de modo mais amplo como definido por Karl Marx (1996, Vol. 2, pg. 56), trabalho “autômato”. É a ferramenta, a técnica, a tecnologia, etc. 34 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 trabalha o equivalente a mais de um trabalhador de antes - e com uma crescente pressão exercida sobre a sua permanência no próprio ambiente de trabalho. A competição, a falta de perspectivas futuras consistentes, a constante ameaça de substituição, a própria precarização do trabalho, a intensificação do consumo - e a crescente frustração pelo não-consumo - tudo isso, cria tensões para o trabalhador, enquanto trabalhador e ser produtivo, que eleva o potencial de conflitos na organização - e fora dela. Fonte: http://migre.me/oGQ3g Da mesma forma que a ciência da Administração desenvolveu formas de aprimorar a produtividade do trabalho com novas ferramentas e processos produtivos, também houve a necessidade de melhor domar ou amansar o trabalhador. A Teoria Humanística14 representou um importante passo para melhorar o desempenho do trabalho a partir do tratamento do trabalhador, enquanto ser social e enquanto indivíduo produtivo - sendo que ambos se misturam. Um dos principais desdobramentos de tal abordagem foi encarar o Conflito como algo passível de solução e, mais interessante ainda, como potencial fonte de obtenção de mais resultados produtivos positivos. Nisso, destaca-se como ferramenta principal, a Negociação. Como vimos até agora em nosso curso, o principal desafio para que se administre o conflito de maneira desejável é o comportamento humano. A carga cultural, os valores e todas as características individuais tornam mais difícil o processo de “domar” os ímpetos humanos que levariam a organização a ter uma força de trabalho mais dócil e, assim, mais facilmente arranjada de acordo com os propósitos produtivos. Vamos entender como as técnicas de negociação podem auxiliar a encontrar um meio termo viável entre o que deseja a força de trabalho e o que precisa o dono dos meios de produção. 14 Tal como descrito por Tortosa (2014, p. 66), “A Abordagem Humanística, representou o esforço para a atenuação das relações entre capital e trabalho. Se anteriormente o foco dos estudos administrativos estava na tarefa (Escola da Administração Científica), ou na estrutura organizacional (Escola do Processo de Administração), a Abordagem Humanística, dividida em dois grandes movimentos, foca nas relações sociais do trabalhador (Escola da Teoria das Relações Humanas) e em suas próprias características (Escola da Teoria Comportamental). Portanto, sai a engenharia, entram a sociologia e a psicologia.” 35 www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335 2.1 Entendendo a negociação A negociação pode ser entendida como um processo, que se vale de um conjunto de técnicas, usado para interferir sobre uma situação de conflito, convertendo-a para um equilíbrio entre as partes até então dissonantes. Este processo é, normalmente, conduzido por um líder ou alguém com características de liderança - quais sejam a influência, a persuasão, o respeito e a admiração que desperta nos seus pares, entre outras características -, que esteja fora, que não faça parte da disputa. Portanto, trata-se de alguém isento. O negociador buscará interferir no andamento da situação conflituosa, procurando formas de direcionar as atitudes e os comportamentos dos envolvidos na direção da solução da contenda. Sequeira (2014), pontua que: A negociação consiste de um conjunto de atitudes derivadas de comportamentos e alimentadas por certos tipos de motivação. Tais atitudes são realizadas pelos atores envolvidos em um embate com o propósito de que se assegurem os resultados desejados por cada um. E, dada a constatação de que o resultado pleno desejado por ambas as partes não será factível, recorre-se a alguns mecanismos para que um ponto em comum seja atingido, e que ambos os lados saiam satisfeitos. (SEQUEIRA, 2014, p.26) O resultado esperado da interferência do negociador é algo que se situe equidistantemente entre o que cada parte envolvida no conflito deseja. É o negociador quem deve ditar os rumos do embate e tentar controlar seus efeitos. Ele (ou ela) é a pessoa na organização com mais e melhores condições de entender ambos os lados de uma disputa
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