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Antropologia Social - passado e presente Evans Pritchard

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EVANS-PRITCHARD, E. E. Social Anthropology : Past and Present. The Marett Lecture, 
1950. Man. N. 198 September, 1950. 
Tradução para fins didáticos pelo professor Rodrigo de Azevedo Weimer 
Revisão Lucas Tcacenco 
 
Antropologia Social: Passado e Presente. 
Cátedra Robert Ranulph Marett, 1950. 
 
Professor E. E. Evans-Pritchard 
Presidente do Instituto Antropológico Real 
 
Senhor Reitor, colegas e acadêmicos, me sinto extremamente honrado pelo convite 
para proferir esta conferência em homenagem ao Professor Robert Marett, um grande 
professor de Antropologia Social, meu amigo e consultor por mais de vinte anos. Sinto 
também uma grande emoção, Senhor Reitor, por estar proferindo-a neste recinto tão 
familiar 
 Escolhi discutir algumas questões bastante amplas relacionadas ao método. Os 
consideráveis avanços da Antropologia Social durante os últimos trinta anos e a criação 
de novos departamentos em diversas universidades parecem exigir alguma reflexão 
sobre o que vem a ser a área, e que direção ela está tomando, ou deveria tomar, agora 
que a antropologia deixou de ser uma ocupação amadora e tornou-se uma profissão. 
Essas questões parecem dividir a opinião dos antropólogos, em geral entre aqueles que 
encaram a disciplina como uma ciência natural e aqueles que, como eu, a enxergam 
como uma das Humanidades. Essa divisão, que reflete sentimentos e valores bastante 
distintos, se torna evidente quando emergem as discussões sobre os métodos e 
objetivos da disciplina. Talvez seu ponto mais conflituoso esteja quando se discutem as 
relações entre Antropologia e História. Uma vez que essa difícil questão evidencia 
 
 Proferida no Exeter College Hall, Oxford, em 3 de junho de 1950. A publicação desta 
conferência em sua integralidade foi fortemente apoiada pela generosa ação do palestrante em 
reverter os fundos para este fim. Sem dúvida será de grande interesse para todos os estudantes 
de teoria antropológica. Por fim, o Editor Honorário expressa o desejo de que essa sessão dará 
origem a várias discussões nas colunas de correspondência da revista Man. 
outras questões mais claramente, vou dedicar grande parte da minha fala a essas 
considerações. É necessário lançar nosso olhar ao período de gênese e 
desenvolvimento inicial do assunto para que se possa perceber como essas questões 
vieram a acontecer. 
 
As origens no século XVIII 
 
 Dificilmente, um tema acadêmico será considerado autônomo antes de ser 
lecionado nas universidades. Nesse sentido, a Antropologia Social é uma disciplina 
muito nova. Por outro lado, pode-se dizer que teve início com as primeiras especulações 
sobre a humanidade: a todo o momento, o homem propunha teorias sobre a natureza 
da sociedade humana. Nesse sentido, não há um ponto definido que se possa 
considerar como o começo da Antropologia Social. Todavia, há um ponto a partir do 
qual parece-nos ter algum valor apontar seu desenvolvimento. Esse período nascente 
de nossa disciplina foi entre a metade e o fim do século XVIII. Ela é filha do Iluminismo 
e carrega através de sua história, e até mesmo nos dias atuais, muitas das 
características típicas de sua ancestralidade. 
 Na França, sua linhagem remete a nomes que vão desde Montesquieu e 
escritores como D’Alembert, Condorcet, Turgot e os Enciclopedistas em geral, a Saint 
Simon, que foi o primeiro a propor claramente uma ciência da sociedade, e a Comte, 
seu único discípulo, que deu nome de Sociologia a essa ciência. Esse fluxo do 
racionalismo filosófico francês viria, posteriormente, a dar cor e vida à antropologia 
inglesa, através dos escritos de Durkheim, seus alunos, e Lévi-Bruhl, que estavam em 
plena sintonia com a tradição saint-simoniana. 
 Nossos antepassados foram os filósofos morais escoceses, com seus típicos 
escritos do século XVIII: David Hume, Adam Smith, Thomas Reid, Frances Hutcheson, 
Dugald Stewart, Adam Ferguson, Lord Kames e Lord Monboddo. Esses escritores 
inspiraram-se em Bacon, Newton e Locke, ainda que eles fossem também muito 
influenciados por Descartes. Eles insistiram em que o estudo das sociedades, que eles 
percebiam como sistemas naturais ou organismos, devia ser empírico. Conforme esses 
pensadores, através do método indutivo seria possível explicá-las em termos de 
princípios gerais, ou leis, do mesmo modo que os fenômenos físicos podiam ser 
explicados pelos físicos. Esse estudo também deveria ser normativo. A lei natural é 
derivada de um estudo da natureza humana, que em todas as sociedades e em todos 
os tempos é a mesma. Esses escritores também acreditavam em progresso ilimitado e 
em leis do progresso. O homem, sendo igual em todos os lugares, deveria progredir em 
meio a alguns parâmetros por meio de certos estágios de desenvolvimento. Esses 
estágios podem ser hipoteticamente reconstruídos pelo que Dugald Stewart denominou 
história conjectural, e o que posteriormente ficou conhecido como método comparativo. 
Aqui temos todos os ingredientes da teoria antropológica no século XIX e que se mostra 
presente mesmo nos dias de hoje. 
 Os escritores por mim mencionados, tanto na França como na Inglaterra, foram, 
é claro, no sentido de seu tempo, filósofos e assim se consideravam. A despeito de 
todas suas falas sobre empirismo, eles se utilizavam mais de introspecção e raciocínios 
a priori do que da observação de sociedades reais. Na maioria das vezes, eles usavam 
fatos para ilustrar ou corroborar teorias formuladas através da especulação. Foi apenas 
em meados do século XIX que estudos sistemáticos de instituições sociais foram 
conduzidos com algum esforço de rigor científico. Entre 1861 e 1871, apareceram livros 
que hoje enxergamos como nossos clássicos: Ancient Law, de Maine (1861), Das 
Mutterrecht, de Bachofen (1861), La cité antique, de Fustel de Coulanges (1864), 
Primitive Marriage, de McLennan (1865), Reserches into the Early History of Mankind, 
de Tylor (1865), e The Systems of Consanguinity, de Morgan (1871). Nem todos esses 
livros tiveram como tópico principal as sociedades primitivas, embora aqueles que não 
esboçavam a mínima preocupação com o assunto, tais como Ancient Law, lidavam com 
instituições comparáveis em períodos iniciais no desenvolvimento de sociedades 
históricas. Foram McLennan e Tylor, aqui no Reino Unido, e Morgan, nos Estados 
Unidos, os primeiros a tratarem as sociedades primitivas como um assunto que deveria, 
em si, engajar a atenção de acadêmicos com um pouco mais de seriedade. 
 
A Antropologia do século XIX 
 
 Os autores desta década, assim como aqueles da geração anterior à sua, 
estavam ansiosos por dar um caráter menos especulativo ao o estudo das instituições 
sociais. Esses autores também pensavam que poderiam fazê-lo sendo estritamente 
empíricos e pelo uso rigoroso do método histórico comparativo. Com esse método, eles, 
e aqueles que os seguiram, escreveram grandes volumes propondo demonstrar a 
origem e o desenvolvimento das instituições sociais: o desenvolvimento do casamento 
monogâmico em contraponto à promiscuidade, da propriedade em contraponto ao 
comunismo, do contrato em contraponto ao status, da indústria em contraponto ao 
nomadismo, da ciência positiva em contraponto à teologia, e do monoteísmo em 
contraponto ao animismo. Algumas vezes, especialmente ao tratar da religião, 
buscaram-se explicações de cunho psicológico e histórico. 
 Esses antropólogos vitorianos eram homens de habilidade excepcional, 
profundos conhecimentos e óbvia integridade. Se eles deram atenção exagerada às 
semelhanças nos costumes e crenças e insuficiente atenção às diversidades, é porque 
estavam investigando um problema real, e não um imaginário, quando tentaram relatar 
notáveis semelhanças em sociedades fortemente separadas no espaço e no tempo; e 
fomos agraciados com o valor permanente dos achados de suas pesquisas. Entretanto, 
é difícil ler suas construções teóricas sem irritação, e às vezes nos sentimosconstrangidos com aquilo que parece complacência. Vemos agora que o emprego do 
método comparativo os autorizava a separar o geral do particular, e também a classificar 
os fenômenos sociais: as explicações dos fenômenos sociais, as quais eles 
apresentavam, seriam pouco mais que escalas hipotéticas de progresso. Ao final dessas 
escalas, estavam localizadas as formas de instituições ou crenças como se mostravam 
na Europa ou nos Estados Unidos do século XIX, enquanto no outro pólo estavam 
situadas suas antíteses. Um ordenamento de estágios então estava pronto a fim de 
demonstrar o que logicamente devia ter sido a história do desenvolvimento de um ponto 
da escala a outro. O que restava a ser feito era buscar por exemplos para ilustrar esses 
estágios na literatura etnológica. É evidente que essas reconstruções não apenas 
implicavam em julgamentos morais: deviam sempre ser conjecturais. Da mesma forma, 
uma instituição não poderia ser compreendida, e muito menos explicada por conta de 
suas origens, sejam essas concebidas como começos, causas ou meramente, suas 
formas mais simples. Por toda sua insistência no empirismo no estudo das instituições 
sociais, os antropólogos do século XIX eram muito menos dialéticos, especulativos e 
dogmáticos do que os filósofos morais do século precedente. Entretanto, os 
antropólogos do século XIX ao menos sentiam que tinham que sustentar suas 
construções com o peso das evidências fatuais (algo que os filósofos morais não 
sentiam tanta necessidade de fazer), para que uma grande quantidade de pesquisa 
bibliográfica original fosse realizada, e vastos repositórios de material etnológico fosse 
armazenado e sistematicamente ordenado – o maior destes repositórios sendo a obra 
The Golden Bough (O Ramo de Ouro). 
 Não é de se surpreender que os antropólogos do século passado tenham escrito 
o que eles enxergavam como história, uma vez que todo o aprendizado contemporâneo 
era radicalmente histórico, em um tempo em que a História, na Inglaterra, era ainda uma 
arte literária. A abordagem genética, que alcançou frutos impressionantes na filologia, 
era, como Lord Acton enfatizou, aparente no Direito, Economia, Ciência, Teologia e 
Filosofia. Em todos lugares, havia um empenho para se descobrir as origens de tudo – 
a origem das espécies, a origem da religião, a origem do Direito e assim por diante – 
um esforço sempre por explicar o próximo pelo distante, o que, em referência à própria 
História, Marc Bloch denominou ‘la hantise des origines’. 
 De um jeito ou de outro, acredito que a real causa de confusão não era, como 
geralmente se supõe, que os antropólogos do século XIX acreditassem em progresso e 
encontrassem um método pelo qual pudessem reconstruir como o progresso acontece, 
uma vez que estavam muito conscientes de que seus conhecimentos prévios eram 
hipóteses que não podiam ser definitivas ou totalmente verificadas. Antes de mais nada, 
a causa da confusão, na maior parte de seus escritos, deve estar no pressuposto de 
que eles herdaram do Iluminismo o fato de as sociedades serem sistemas naturais ou 
organismos que têm um curso necessário de desenvolvimento que pode ser reduzido a 
princípios ou leis gerais. Consistências lógicas eram, consequentemente, apresentadas 
como conexões reais e necessárias; por outro lado, classificações tipológicas eram 
apresentadas como fluxos de desenvolvimento históricos e inevitáveis. Em breve 
veremos como a combinação da noção de lei científica e a de progresso na 
Antropologia, assim como na Filosofia da História, leva a arbitrar estágios de forma 
forçada, a presumida inevitabilidade do que as dava um caráter normativo. 
 
O século XX 
 
 A reação contra o intento de explicar as instituições sociais em termos de 
desenvolvimento paralelo, visto, em um cenário ideal, como unilinear, ocorreu no fim do 
século; e ainda que essa assim chamada antropologia evolucionista tenha sido 
reformulada e reapresentada nos escritos de Westermach e Hobhouse, ela 
definitivamente perdeu seu apelo. Em todo caso, não houve mais estímulo à pesquisa, 
porque, uma vez que os estágios do desenvolvimento humano foram demarcados, 
pesquisas adicionais nessas linhas não ofereciam nada mais interessante do que 
vinculação a rótulos escritos pelas mãos daqueles que já se foram. Alguns antropólogos, 
e em graus variados, recorreram à Psicologia que, na ocasião, parecia prover soluções 
satisfatórias para muitos dos problemas sem recurso à História hipotética. Desde então, 
essa parece ser uma estratégia impensada e pouco proveitosa. Se nada mais falo 
acerca da relação entre Psicologia e Antropologia, não é porque eu não a considere 
importante, mas porque exigiria mais tempo de que posso dispor, e também mais 
conhecimento de Psicologia do que possuo para que possa tratar essas questões de 
modo satisfatório. 
 Exceto pela crítica à teoria evolucionista sugerida em sua ignorância por aqueles, 
inclusive o Professor Marett, que buscou explicações psicológicas para os costumes e 
crenças, ela foi atacada por duas direções: a difusionista e a funcionalista. A crítica 
difusionista estava baseada no fato bastante óbvio de que a cultura é frequentemente 
emprestada e não emerge por crescimento espontâneo devido a certas potencialidades 
sociais e natureza humana comum. Imaginar de outra forma e discutir transformações 
sociais sem referência a eventos é recair na escolástica cartesiana. A influência dessa 
abordagem, infelizmente, não foi muito duradoura na Inglaterra, em parte, por conta de 
seu uso desmedido por Elliot Smith, Perry e Rivers. A outra forma de ataque, a 
funcionalista, foi muito mais influente, na medida em que ela também foi muito mais 
radical. Ela condenava a antropologia evolucionista e difusionista em um mesmo grau, 
não apenas pelo fato de que suas reconstruções históricas eram inverificáveis, mas 
também, e simplesmente, porque ambas eram abordagens históricas, o que no ponto 
de vista dos escritores dessa convicção a história da sociedade é irrelevante para seu 
estudo como um sistema natural. 
 O mesmo tipo de desenvolvimento estava tomando forma, ao mesmo tempo, em 
outros campos de conhecimento. Dentre eles, citemos a Biologia funcional, Psicologia 
funcional, Direito funcional, Economia funcional e assim por diante. O ponto de vista era 
o mais facilmente aceito por muitos antropólogos sociais porque antropólogos 
geralmente estudam sociedades cujas histórias não podem ser conhecidas. Sua rápida 
aceitação também se deu, em parte, pela influência do racionalismo filosófico de 
Durkheim e sua escola, vindas do outro lado do Canal da Mancha. Essa influência, como 
um todo, teve não apenas um efeito profundo, mas também benéfico efeito na 
Antropologia inglesa. Ela injetou uma tradição preocupada com grandes questões gerais 
na tradição empírica inglesa mais fragmentada, exemplificada pela maneira como 
autores teóricos como Tylor e Frazer utilizavam seus materiais, e os muitos relatos de 
primeira mão de povos primitivos escritos por viajantes, missionários e administradores, 
além dos primeiros levantamentos sociais neste país. Por outro lado, caso os estudantes 
não tenham, à sua disposição, um farto arcabouço de fatos etnográficos, eles seriam 
facilmente levados para discussões vagas, a classificações secas, assim como à 
pretensão ou ao ceticismo. 
 
 
A teoria funcionalista 
 
 A teoria funcionalista ou orgânica da sociedade em voga atualmente na 
Antropologia Social inglesa não é nova. Vimos que ela foi sustentada, em suas diversas 
maneiras, pelos antropólogos do começo e metade da Era Vitoriana e pelos filósofos 
morais antes deles, e tinha, é claro, um muito longo pedigree na filosofia política. Em 
sua forma moderna e mais mecanicista, ela foi apresentada, em grande medida, por 
Durkheim e, com especial referência à evolução social, por Herbert Spencer. Em tempos 
ainda mais recentes, ela foi mais clarae consistentemente referida pelo professor 
Radcliffe-Brown. Sociedades humanas são sistemas naturais nos quais todas as partes 
são interdependentes, cada qual servindo em um complexo de relações necessárias 
para manter o conjunto. O objetivo da antropologia social é reduzir toda vida social a 
leis ou demonstrações gerais sobre a natureza da sociedade, a qual permite previsões. 
O que é novo nesta reapresentação da teoria é a insistência de que a sociedade pode 
ser entendida de forma satisfatória sem referência ao seu passado. Praticamente sem 
exceção, os filósofos morais do século XVIII apresentaram sua concepção de sistema 
social e leis sociológicas na forma de História no grande estilo – uma história natural 
das sociedades humanas; e, como vimos, a paixão duradoura de seus sucessores 
vitorianos foi procurar a origem pela qual todas instituições desenvolveram-se através 
do trabalho das leis do progresso. A versão moderna de um estudo naturalista da 
sociedade, mesmo que às vezes se recorra a palavras vazias para se reportar um 
estudo científico das transformações sociais, preconiza que para se entender o 
funcionamento da sociedade não é necessário que os estudantes conheçam coisa 
alguma sobre sua história, não mais que um fisiólogo necessitaria do conhecimento da 
história de um organismo para entendê-lo. Ambos se configuram como sistemas 
naturais e podem ser descritos em termos de lei natural sem recurso à História. 
 A orientação funcional, por sua insistência na inter-relação das coisas, foi 
amplamente responsável pelo abrangente e detalhado trabalho de campo da 
antropologia moderna, assim como era inteiramente desconhecido para os antropólogos 
do século XIX, que se contentavam em deixar os mais leigos coletar os fatos nos quais 
baseavam suas teorias. É graças a isso que o antropólogo de hoje enxerga mais 
claramente do que seus predecessores que só se pode compreender o comportamento 
humano enxergando-o em sua plena configuração social. Todos os antropólogos sociais 
de hoje aceitam que as atividades das sociedades primitivas, como um todo, devem ser 
sistematicamente estudadas no campo, sendo que todos têm a mesma abordagem 
holística quando vêm estabelecer e interpretar suas observações. 
 Uma teoria, entretanto, pode ter valor heurístico sem ter uma base sólida. Ainda 
assim, há muitas objeções à teoria funcional. Trata-se não mais do que o pressuposto 
de que sociedades humanas são sistemas do tipo que alegam ser. De fato, no caso de 
Malinowski, a teoria funcionalista, a despeito da forte militância por ele empreendida, 
era pouco mais do que um recurso literário. A teoria presume, ademais, que em dadas 
circunstâncias, nenhuma parte da vida social pode ser diferente do que é, e que todo 
costume tem valor social, agregando, assim, uma teleologia e um pragmatismo crus a 
um determinismo ingênuo. É fácil definir o objetivo da Antropologia Social como o 
estabelecimento de leis sociológicas, mas até então não foi concebido nada 
remotamente semelhante a uma lei das ciências naturais. Os argumentos mais gerais 
são, em sua maior parte, especulativos, e são, em todo caso, muito genéricos para ter 
algum valor. Frequentemente eles são um pouco mais que suposições de senso comum 
ou de nível post factum, e às vezes degeneram em meras tautologias ou platitudes. 
Também é difícil reconciliar a afirmação de que a sociedade se tornou o que é por uma 
sucessão de eventos únicos com o argumento de que ela de fato é o que é poder ser 
amplamente reduzido a questões de lei natural. Em sua forma extrema, o determinismo 
funcionalista leva ao relativismo absoluto e produz nonsense não apenas da teoria em 
si, mas de todo pensamento. 
 Se por essas e outras razões eu não consigo aceitar, sem muitas qualificações, 
a teoria funcionalista dominante na Antropologia inglesa nos dias de hoje, também não 
posso propor, como vocês verão, que as sociedades sejam ininteligíveis ou que não 
sejam, em algum sentido, sistemas. Entretanto, me oponho ao que me parece ser ainda 
a mesma filosofia doutrinária do Iluminismo ou dos antropólogos que compuseram o 
cenário do século XIX, em que apenas o conceito de Evolução substituiu totalmente o 
de Progresso. Suas construções ainda são postuladas dialeticamente e impostas aos 
fatos. Eu atribuo esse fato aos antropólogos sempre tendo de moldar-se às ciências 
naturais ao invés de às ciências históricas, sendo esse o importante aspecto ao qual me 
volto a partir de agora. Me desculpo com os historiadores se, ao considerar esse ponto, 
meu argumento parecer óbvio. Minhas observações serão acaloradamente discutidas 
por muitos de meus colegas antropólogos na Inglaterra. 
 
 
 
Antropologia e História 
 
 Ao discutir as relações entre História e Antropologia Social é necessário, quando 
se objetiva ter uma discussão proveitosa, perceber que várias questões bastante 
diferentes estão sendo colocadas. A primeira é se um conhecimento acerca de como 
um sistema social particular tornou-se o que é nos ajuda a entender sua constituição no 
presente. Aqui devemos distinguir entre dois sentidos diferentes da história, mesmo que 
em uma sociedade letrada não seja tão fácil manter essa distinção como seria em 
sociedades iletradas. No primeiro sentido, a história constitui-se parte de uma tradição 
consciente de um povo e atua em sua vida social. Trata-se da representação coletiva 
dos eventos distinta dos eventos propriamente ditos. Isso é o que o antropólogo social 
denomina mito. Os antropólogos funcionalistas observam a história nesse sentido, 
geralmente uma mistura de fato e fantasia, sendo altamente relevante para um estudo 
da cultura da qual ela faz parte. 
 Por outro lado, eles rejeitaram, por completo, a reconstrução da história dos 
povos primitivos a partir de evidências circunstanciais, para cujos documentos e 
monumentos do passado são totalmente, ou quase, insuficientes. A partir dessa 
rejeição, decifra-se um processo, ainda que, em minha opinião, nenhum processo forte 
assim seja comumente presumível, uma vez que toda a História configura-se como uma 
necessidade de reconstrução dependendo da evidência disponível. O fato dos 
antropólogos do século XIX terem sido acríticos em suas reconstruções não deveria 
rotular todo esforço despendido nessa direção como perda de tempo. 
 Mas ao invalidar o valor da história especulativa, os funcionalistas também 
acabam invalidando a história que, de fato, é válida. Muitos entusiastas argumentam, 
dentre eles Malinowski, de maneira mais acalorada, que mesmo quando a história de 
uma sociedade é registrada, ela acaba se tornando irrelevante para seu estudo 
funcional. Esse ponto de vista, na minha opinião, é inaceitável. O argumento de que é 
possível entender o funcionamento das instituições, em certo período do tempo, sem 
conhecer como elas vieram a se tornar o que são, ou o que elas irão depois se tornar, 
assim como um estudioso que, além de ter estudado sua constituição naquele período 
do tempo, também tenha estudado seu passado e futuro, soa, para mim, um absurdo. 
Além disso, me parece que negligenciar a história das instituições impede o antropólogo 
funcionalista não apenas de estudar problemas diacrônicos, mas também de testar a 
construção mais funcional à qual ele vincula mais importância, uma vez que é 
precisamente a História que oferece a ele uma situação experimental. 
 O problema aqui levantado passa a tomar outros contornos porque antropólogos 
estão agora estudando comunidades que, ainda que em meio às suas estruturas 
bastante simples, estão inseridas em, e fazem parte, de grandes sociedades históricas, 
como as comunidades rurais irlandesas ou indianas, tribos beduínas árabes, ou 
minorias étnicas na América e outras partes do mundo. Esses antropólogos não podem 
mais ignorar a História, fazendo da necessidade uma virtude; devem, de fato, 
explicitamente rejeitar ou admitir suarelevância. À medida que antropólogos voltam 
mais sua atenção para comunidades civilizadas complexas, a questão será mais 
delicada, e o desenvolvimento das teorias nessa área dependerá, em grande parte, de 
seus resultados. 
 Já a segunda questão é de uma natureza diferente. Agora perguntamos não se 
no estudo de uma sociedade particular sua história compõe parte integral do estudo, 
mas se, ao se conduzir estudos sociológicos comparativos, por exemplo, de instituições 
políticas e religiosas, deveríamos incluir nelas sociedades como as apresentadas a nós 
pelos historiadores. A despeito do argumento de que a antropologia objetiva ser uma 
história natural das sociedades humanas, isto é, de todas sociedades humanas, os 
antropólogos funcionalistas, em especial, na Inglaterra, em sua aversão ao método 
histórico, quase que totalmente ignoraram escritos históricos. Eles, deste modo, 
negaram a si acesso em seus estudos comparativos ao valioso material proveniente de 
sociedades históricas estruturalmente comparáveis a muitas das sociedades bárbaras 
que viriam a tomar como sendo sua província. 
 Uma terceira, e pra mim, a mais importante, questão, é de ordem metodológica: 
não seria própria a Antropologia Social, em vista de toda a sua desconsideração para 
com a História, um tipo de historiografia? Para responder a essa questão, temos, 
primeiramente, que observar o trabalho do antropólogo. Ele embarca na aventura de 
viver durante alguns meses ou anos entre povos primitivos. Ele vive entre eles o mais 
intimamente que pode: e aprende sua língua, aprende a pensar de acordo com seus 
conceitos e a sentir conforme os valores desse povo. Na sequência, ele vive essas 
experiências várias vezes de maneira crítica e interpretativa conforme as categorias 
conceituais e valores de sua própria cultura e conforme os conhecimentos gerais de sua 
disciplina. Em outras palavras, ele traduz de uma cultura para outra. 
 Nesse nível, a Antropologia Social permanece sendo uma arte literária baseada 
em impressões. Mas mesmo em um estudo etnográfico, o antropólogo procura fazer 
mais do que entender o pensamento e os valores de povos primitivos e traduzi-los para 
sua própria cultura. Ele também procura descobrir a ordem estrutural da sociedade, os 
padrões que, uma vez estabelecidos, o habilita a enxergá-la como um todo, como um 
conjunto de abstrações inter-relacionadas. Nesse sentido, a sociedade não seria 
apenas culturalmente inteligível, como ela é, no nível de consciência e ação, para um 
de seus membros ou para o estrangeiro que aprendeu seus costumes e participa de sua 
vida, mas também se torna sociologicamente inteligível. 
 Creio que o historiador ou, em todo caso, o historiador social, e talvez o 
historiador econômico, em particular, entenderá o que digo como sendo 
sociologicamente inteligível. No fim das contas, a sociedade inglesa no século XI foi 
entendida por Vinogradoff de uma forma muito diferente do que teria sido entendida por 
um normando ou anglo-saxão ou por um estrangeiro que tenha aprendido as línguas 
nativas e estivesse vivendo entre os nativos. De forma similar, a Antropologia Social 
descobre em uma sociedade nativa o que nenhum nativo pode explicar para ele e o que 
nenhum leigo, mesmo que familiarizado com a cultura, pode perceber – sua estrutura 
básica. Essa estrutura não pode ser vista. Ela é um conjunto de abstrações, cada uma 
delas, apesar de derivada, verdade seja dita, da análise do comportamento observado, 
é fundamentalmente uma construção do próprio antropólogo. Ao estabelecer relações 
recíprocas entre essas abstrações, de maneira lógica, de modo que elas apresentem 
um padrão ele pode ver a sociedade em sua essência e como um todo. 
 O que eu estou tentando dizer talvez possa ser ilustrado pelo exemplo da 
linguagem. Um nativo entende seu próprio idioma e ele pode ser entendido por um 
estrangeiro. Entretanto, certamente nem o próprio nativo, nem o estrangeiro conseguirá 
dizer para você quais são os sistemas fonológicos e gramaticais dessa língua. Essas 
informações só podem ser descobertas por um linguista. Pela análise, ele pode reduzir 
a complexidade da linguagem a certas abstrações e mostrar como essas abstrações 
podem ser inter-relacionadas em um sistema lógico ou padrão. Isso é o que o 
antropólogo social também tenta fazer. Ele tenta revelar os padrões estruturais da 
sociedade. isolando esses padrões em uma sociedade, ele os compara com padrões 
de outras sociedades. O estudo de cada nova sociedade expande seu conhecimento 
das estruturas sociais básicas, o habilita para construir a tipologia das formas, e a 
determinar suas características essenciais e as razões de suas variações. 
 Diante do exposto, conclui-se que o trabalho do antropólogo social opera em três 
fases principais ou, posto de outra forma, três níveis de abstração. Primeiramente, ele 
procura entender as características mais claras e significativas de uma cultura e traduzi-
las nos termos de sua própria cultura. Isso é precisamente o que o historiador faz. Nesse 
ponto, não há diferença alguma entre as disciplinas, em termos de objetivo ou método, 
sendo ambas igualmente seletivas no seu uso do material. A similaridade entre elas fica 
obscurecida pelo fato de o antropólogo social fazer um estudo direto da vida social 
enquanto o historiador faz um estudo indireto por meio dos documentos ou outras 
evidências sobreviventes. Essa é uma diferença técnica, não metodológica. A 
historicidade da antropologia também tem sido obscurecida por essa preocupação com 
sociedades primitivas com ausência de história registrada. Mas isso tampouco é uma 
diferença metodológica. Estou de acordo com o Professor Kroeber que a característica 
fundamental do método histórico não é uma relação cronológica com os eventos, mas 
a sua integração descritiva; e essa característica a historiografia compartilha com a 
antropologia. O que os antropólogos sociais têm feito, de fato, é escrever cortes 
transversais de história, relatos integrativos e descritivos de povos primitivos em 
momentos do tempo. Esses relatos seriam como os relatos escritos pelos historiadores 
sobre povos ao longo de um período de tempo, já que o historiador não apenas registra 
sequências de eventos, mas procura estabelecer conexões entre elas. Nem mesmo a 
determinação do antropólogo em ver cada instituição como uma parte funcional de uma 
sociedade como um todo constitui uma diferença metodológica. Qualquer bom 
historiador moderno ambiciona – se me permitem avaliar a questão – o mesmo tipo de 
síntese. 
 No meu ponto de vista, ademais, o fato de os problemas do antropólogo serem 
geralmente sincrônicos enquanto os do historiador serem geralmente diacrônicos 
configura-se uma diferença de ênfase nas muito peculiares condições em voga, e não 
um real conflito de interesses. Quando o historiador fixa sua atenção exclusivamente 
em uma cultura, em um particular e limitado período da história, ele escreve o que nós 
poderíamos chamar de monografia etnográfica (a Culture of the Renaissance de 
Burckhardt é um belo exemplo para ilustrá-la). Quando, por outro lado, um antropólogo 
social escreve sobre uma sociedade desenvolvendo-se no tempo, ele escreve um livro 
de História, diferente, é bem verdade, a partir da narrativa ordinária e história política, 
mas, que no fundo, é a mesma coisa que História social. Na ausência de outra 
referência, devo citar meu próprio livro The Sanusi of Cyrenaica como um exemplo. 
 Na segunda fase de seu trabalho, o antropólogo social dá um passo adiante e 
procura, pela análise, revelar a forma subjacente de uma sociedade ou cultura. Ao fazê-
lo, ele vai além dos historiadores mais atemorizados e conservadores, mas muitos 
historiadores fazem o mesmo. Não me refiro a filósofos da História como Vico, Hegel, 
Marx, Spengler ou Toynbee, ou aqueles que podem ser exclusivamente particularizados 
como historiadores sociaisou escritores da escola da Kulturgeschichte como Max 
Weber, Tawney e Sombart ou Adam Smith, Savigny e Buckle, mas de historiadores no 
mais estrito e ortodoxo sentido, como Fustel de Coulanges, Vinogradoff, Pirenne, 
Maitland ou Powicke. Talvez seja importante notar que esses escritos históricos que os 
antropólogos observam como exemplos do método sociológico geralmente lidam com 
períodos distanciados da História. Nesses períodos, as sociedades descritas 
assemelham-se mais a sociedades primitivas do que a sociedades complexas de 
períodos posteriores da História, e em que os documentos não são tão vastos para 
serem compreendidos e assimilados por uma mente única, de tal maneira que o total de 
uma cultura pode ser estudado como um conjunto existente. Quando lemos os trabalhos 
desses historiadores, sentimos que nós e eles estamos alcançando seu mesmo tipo de 
entendimento. 
 Na terceira fase do seu trabalho, o antropólogo compara as estruturas sociais 
que sua análise revelou em uma larga gama de sociedades. Quando um historiador 
tenta desenvolver um estudo similar em seu próprio campo ele é tomado por filósofo. 
Entretanto, ao contrário do que frequentemente é dito, não creio que a História seja um 
estudo do particular e a Antropologia Social do geral. Para alguns escritores de História, 
a comparação e a classificação estão bastante explícitas; de fato, sempre estão 
implícitas, pois a História não pode ser escrita a não ser em vista de um dado padrão, 
por comparação com a cultura de um tempo ou povo diferente, ou pelo menos o do 
próprio escritor. 
 Concluo, portanto, seguindo professor Kroeber, que enquanto há, é claro, muitas 
diferenças entre Antropologia Social e Historiografia, essas são diferenças de técnica, 
ênfase ou perspectiva, e não diferenças de método e objetivo. Também acredito que 
um entendimento mais claro dessa questão levará para uma conexão mais próxima 
entre estudos históricos e antropológicos do que os entendimentos que atualmente se 
alimentam dos pontos de encontro entre etnologia e arqueologia pré-histórica, e isso 
será altamente benéfico para ambas disciplinas. Os historiadores podem fornecer os 
antropólogos com material inestimável, refinado e comprovado por técnicas críticas de 
testagem e interpretação. Antropólogos sociais podem fornecer ao historiador do futuro 
alguns de seus melhores registros, com base em observações detalhadas e cuidadosas. 
Eles podem alimentar a História, ao descobrir formas estruturais latentes, com as 
questões universais dessa área. O valor de cada disciplina para a outra irá, creio eu, ser 
reconhecida quando os antropólogos começarem a se dedicar mais aos estudos 
históricos e mostrar como o conhecimento da antropologia frequentemente ilumina 
problemas históricos. 
 
Antropologia Social como uma das Humanidades 
 
 A ideia que eu coloco diante de vocês, de que a Antropologia Social é um tipo 
de historiografia, e em última instância, portanto, de filosofia ou arte, implica que ela 
estuda sociedades como sistemas morais e não como sistemas naturais, já que se 
interessa por desenhos antes de processos, procura padrões em lugar de leis 
científicas, e tende a interpretar mais do que explicar. Essas diferenças são conceituais 
e não meramente verbais. Os conceitos de sistema natural e lei natural, modelados nas 
construções das ciências naturais dominaram a Antropologia desde seu começo. Ao 
olharmos retrospectivamente ao longo de seu desenvolvimento, creio que podemos ver 
que eles foram responsáveis por uma falsa escolástica que levou a uma formulação 
rígida e dogmática depois da outra. Lembrada como um tipo especial de historiografia, 
quer dizer, como uma das Humanidades, a Antropologia Social é libertada desses 
dogmas essencialmente filosóficos e, dada a oportunidade, ainda que possa parecer 
paradoxal para vocês, de ser realmente empírica, científica. Isso, presumo eu, é o que 
Maitland tinha em mente quando disse que “pouco a pouco a Antropologia terá a escolha 
entre História ou nada”. 
 Constatei, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, que essas implicações 
são deveras perturbadoras para os estudantes. Não há, para eles, necessidade de 
perturbação, visto que não faz sentido rotular a Antropologia Social como um tipo 
especial de historiografia em contraponto a um tipo especial de ciência natural cujas 
pesquisas e teoria não são sequer sistemáticas. Quando, então, me perguntam como a 
Antropologia deveria proceder no futuro, respondo que deveria proceder ao longo de 
muitas das mesmas linhas da história social ou da história das instituições, 
diferentemente da história política ou puramente narrativa. Por exemplo, o historiador 
social que busca entender as instituições feudais deveria primeiramente estudá-las em 
um país da Europa e compreender tudo que possa a respeito delas ali. Ele deveria então 
estudá-las em outras sociedades europeias para descobrir quais características eram 
comuns à civilização europeia naquela ocasião e quais eram variações locais. Além 
disso, deveria ver cada forma particular como variação de um padrão geral e explicar 
essas variações. Mais do que leis, esse historiados estaria interessado em padrões 
significativos. 
 O que mais poderíamos, deveríamos ou gostaríamos de fazer no âmbito da 
Antropologia Social além disso? Estudamos bruxaria ou um sistema de parentesco em 
dada sociedade primitiva. Se quisermos nos aprofundar nesses fenômenos sociais, 
podemos estudá-los em uma segunda sociedade, daí, numa terceira sociedade, e assim 
por diante. Cada estudo alcançaria, à medida que nosso conhecimento se aprimora e 
novos problemas emergem, um nível de conhecimento de investigações e nos ensinaria 
as características essenciais daquilo que estamos indagando, de modo que aqueles 
estudos particulares adquirem novos significados e perspectiva. Isso sempre 
acontecerá se uma condição necessária for observada: que as conclusões de cada 
estudo sejam claramente formuladas de tal maneira que elas não apenas testem as 
conclusões de estudos anteriores, mas desenvolvam novas hipóteses que possam ser 
desdobradas em problemas do trabalho de campo. 
 Todavia, a dificuldade por mim percebida não é no que tange a esse assunto, 
porque acredito que deveria ser evidente a qualquer estudante que tenha estudado o 
assunto que aqueles que mais fortemente instaram que a Antropologia Social devesse 
se modelar pelas Ciências Naturais não desenvolveram pesquisas melhores do que 
aqueles que tomaram o ponto de vista oposto ou outro tipo diferente de pesquisa. É, 
antes, devido à sensação de que qualquer disciplina que não tenha por objetivo formular 
leis e, consequentemente, predizer e planejar não vale o trabalho de uma vida. Esse 
elemento normativo na Antropologia é, como vimos, como os conceitos da lei natural e 
do progresso do qual ele deriva, parte de sua herança filosófica. Em tempos recentes, 
a abordagem da ciência-natural constantemente sublinhou a aplicação de seus achados 
para variados assuntos como, na Inglaterra, problemas coloniais, e nos Estados Unidos, 
problemas políticos e industriais. Seus mais cautelosos entusiastas têm defendido que 
muito ali só pode ser Antropologia aplicada quando a ciência for muito mais avançada 
do que ela é hoje, mas os menos cautelosos fizeram declarações de largo alcance pela 
imediata aplicação do saber antropológico no planejamento social. Entretanto, 
independentemente de se mais ou menos cauteloso, ambos justificaram a Antropologia 
pelo apelo à utilidade. Desnecessário dizer, não compartilho de seu entusiasmo e 
considero ingênua a atitude que deu origem a suas visões. Uma discussão completa a 
respeito desse assunto levaria bastante tempo, mas não posso resistir à observação de 
que, como mostra a história da Antropologia, o positivismo leva muito facilmente a uma 
ética incorreta, humanismo científico anêmico ou – Saint Simon e Comtesão casos 
típicos – religião ersatz. 
 Concluo resumindo muito brevemente o argumento que tentei desenvolver nesta 
conferência e indico o que acredito que deva ser a direção a ser tomada pela 
Antropologia Social no futuro. Antropólogos sociais, dominados conscientemente ou 
inconscientemente, desde os princípios de sua disciplina, pela filosofia positivista, 
almejaram, explícita ou implicitamente, e a maior parte ainda almeja – para isso ela 
existe – provar que o homem é um autômato e descobrir as leis sociológicas nos termos 
em que suas ações, ideias ou crenças podem ser explicadas e à luz da qual podem ser 
planejados e controlados. Essa abordagem implica que sociedades humanas são 
sistemas naturais que podem ser reduzidos a variáveis. Antropólogos, assim, têm uma 
ou outra das ciências naturais como seu modelo e viraram as costas para a História, a 
qual enxerga os homens em diferentes formas e escapa, à luz da experiência, de 
formulações rígidas de qualquer tipo. 
 Há, no entanto, uma antiga tradição diversa daquela do Iluminismo com uma 
abordagem diferente do estudo de sociedades humanas, na qual elas são vistas como 
sistemas apenas porque a vida social deve ter um padrão de algum tipo, visto que o 
homem, sendo uma criatura racional, tem que viver em um mundo no qual suas relações 
com aqueles ao seu redor são ordenadas e inteligíveis. Naturalmente, penso que 
aqueles que enxergam as coisas desse modo têm um entendimento da realidade social 
mais claro que os demais, mas se isso é assim ou não – e o número de seguidores 
dessa corrente de pensamento está crescendo –, e parece continuar porque a vasta 
maioria dos estudantes de Antropologia, hoje, realizou seus estudos em uma ou outra 
subárea das Humanidades e não, como era o caso há trinta anos atrás, em uma ou 
outra subárea das Ciências Naturais. Sendo assim, espero que no futuro haja uma 
guinada rumo às disciplinas das Humanidades, especialmente rumo à História, e 
particularmente rumo à História social ou à História das instituições, das culturas e das 
ideias. Nessa mudança de orientação, a Antropologia Social irá reter sua individualidade 
porque tem seus próprios problemas, técnicas e tradições. Ainda que possivelmente 
continue a devotar sua atenção prioritariamente às sociedades primitivas, creio que na 
segunda metade do século será dada muito mais atenção às culturas complexas e 
especialmente para as nações do Extremo e Médio Oriente. Nesse sentido, se tornará, 
em um sentido bastante generalista, um contraponto aos Estudos Orientais, uma vez 
que esses são concebidos como primariamente linguísticos e literários – quer dizer, vai 
tomar como sua província as culturas e sociedades, tanto passado quanto presente, de 
povos não-europeus do mundo.

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