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ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO

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autor do original
FERNANDO DE FIGUEIREDO BALIEIRO
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2014
ASPECTOS 
ANTROPOLÓGICOS E 
SOCIOLÓGICOS DA 
EDUCAÇÃO
Conselho editorial magda maria ventura, lucia ferreira sasse e marina caprio
Autor do original fernando de figueiredo balieiro
Projeto editorial roberto paes
Coordenação de produção rodrigo azevedo de oliveira
Projeto gráfico paulo vitor bastos
Diagramação paulo vitor bastos
Revisão linguística aderbal torres bezerra
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida 
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em 
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
B186 Balieiro, Fernando de Figueiredo
 Aspectos antropológicos e sociológicos da Educação
 — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2014.
 164 p
 1. Educação. 2. Antropologia. 3. Sociologia. 4. Desenvolvimento. I. Título.
cdd 370
Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento
Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
Sumário
Prefácio 7
1. Introdução à Aspectos Sociológicos e 
Antropológicos da Educação 9
Introdução 10
O homem como ser social 10
 A Sociologia é uma ciência social 12
Breve história da ciência 13
 As revoluções e as novas formas de organização social 14
O surgimento e o desenvolvimento da Sociologia 17
O positivismo 19
Iniciando nossa incursão pela Antropologia 23
Começo 23
Método 27
Alteridade e etnocentrismo 30
Antropologia social britânica 34
Antropologia cultural 37
Cultura: um conceito fundamental 40
Natureza e Cultura 40
O cultural e o biológico 45
Análise cultural 48
2. Os Clássicos da Sociologia e a Educação 55
Introdução 56
Émile Durkheim: elementos centrais da Sociologia dos “fatos sociais” 57
Solidariedade social 58
Para conhecer um pouco mais: Durkheim e a Educação 59
Karl Marx e a Sociologia dos conflitos sociais 60
Marx e o conceito de ideologia 62
Ideologia e herança marxista 66
Marx e a educação 66
Max Weber e a Sociologia compreensiva 70
Racionalização e burocracia 74
Max Weber e a educação 75
3. A Educação e as Teorias Sociais Contemporâneas 81
Introdução 82
O pensamento de Pierre Bourdieu 83
Habitus 83
Campo 85
Como Pierre Bourdieu enxerga a sociedade? 87
Gosto de classe e estilo de vida 87
O papel do Estado 90
Bourdieu e a Educação 90
Michel Foucault e a construção do sujeito 94
Arqueologia: o saber saber 95
Foucault: as tecnologias do poder (saber poder) 100
Ética e estética de si (o saber fazer) 104
Foucault e a Educação 106
4. Educação, Globalização e Desigualdades 
na Contemporaneidade 113
Introdução 114
Desigualdades socioeconômicas e diferenças sociais: 
cuidados conceituais 114
As diversas formas de desigualdades socioeconômicas 115
O sistema de castas 115
Os estamentos 116
As classes sociais 117
As desigualdades sociais no Brasil 119
As desigualdades educacionais 120
Estado, educação e cidadania 122
Globalização: um conceito atual? 125
Quais as características da globalização? 127
As contradições da globalização 128
Globalização e mídia 130
Os meios de comunicação de massa e a educação no Brasil 131
Qual o papel da educação na sociedade da informação? 132
Acerca do analfabetismo funcional e da exclusão digital 133
EAD e rede eletrônica 134
EAD: a fundamentação histórica de uma nova 
relação de aprendizagem 135
O início do EAD no Reino Unido 135
A criação da Open University: novas ferramentas, 
novas possibilidades de interlocução 136
O EAD surge no Brasil 137
EAD e os usuários da internet 138
Os anos 2000 e a tecnologia por trás do EAD 139
Usuários online versus usuários offline 141
Os sujeitos e as malhas do digital 142
Aluno e professor: sujeitos de um discurso nas malhas do digital 143
5. Educação e Diversidade Cultural 149
Introdução 150
Educação, cultura e socialização 150
Os estudos de gênero e sexualidade 155
Educação, gênero e sexualidade 160
7
Prefácio
Prezados(as) alunos(as)
Nesta disciplina, abordaremos os aspectos Antropológicos e Sociológicos da 
Educação. Focaremos os aspectos fundamentais dessas duas Ciências Sociais, a 
Antropologia e a Sociologia, abordando temas como: o homem enquanto ser social, 
o conceito de cultura, a socialização, as relações entre sociedade e escola, a escola 
como instância disciplinadora e normativa, a reprodução das desigualdades na es-
cola, a escola na sociedade de informação, dentre outros.
Como se vê são assuntos complexos que exigem reflexão aprofundada. Para tan-
to, vamos adentrar as reflexões sobre o surgimento das duas ciências, suas grandes 
questões e seus maiores expoentes clássicos e contemporâneos para, em seguida, 
relacionarmos as reflexões próprias da Sociologia e Antropologia com a Educação.
Bons estudos!
Introdução 
à Aspectos 
Sociológicos e 
Antropológicos da 
Educação
1
10 • capítulo 1
Introdução
No primeiro capítulo, apresentaremos os aspectos fundamentais das disciplinas de 
Sociologia e Antropologia, campos do saber que não envolvem apenas conhecimen-
tos específicos, mas que propiciam um alargamento dos horizontes de pensamen-
to, possibilitando a você rever muitas das ideias que traz em sua experiência. 
As disciplinas de Antropologia e Sociologia vêm, então, em seu auxílio na 
sua caminhada intelectual, apresentando diferentes visões sobre a realidade 
humana enquanto grupo que produz o que chamamos de “cultura” – esta que 
se manifesta socialmente. É importante entender o que é exatamente este ani-
mal social que é o ser humano. Será que você já refletiu verdadeira e profunda-
mente sobre quem é o ser humano – na verdade, quem somos nós?
OBJETIVOS
•  Reconhecer o contexto de surgimento das disciplinas de Sociologia e Antropologia;
•  Refletir sobre a dimensão social do ser humano;
•  Identificar os aspectos fundamentais da perspectiva positivista;
•  Reconhecer o desenvolvimento da Antropologia enquanto ciência;
•  Definir o conceito antropológico de cultura;
•  Reconhecer o que é etnocentrismo;
•  Distinguir as diferenças iniciais de objeto entre a ciência sociológica e a antropológica.
Qual foi a última vez que ouviu falar sobre ciências sociais? O que você achou 
que as definiu? Neste capítulo, vamos adentrar duas das ciências sociais, a Antro-
pologia e a Sociologia e, então, você verá como são duas ciências que se debruçam 
sobre o caráter social do ser humano, mas com focos e metodologias distintas. 
O homem como ser social
Todo ser humano vive em sociedade. Assim, pode-se dizer que todo homem é 
um ser social. Para entender o que é Sociologia, precisamos compreender quem 
é o ser humano e por que é necessária uma ciência para estudá-lo em sociedade. 
O homem não é apenas um conjunto de componentes físicos e orgânicos, ele é 
também um ser que pensa, sente, relaciona-se com outros homens, modifica a 
capítulo 1 • 11
natureza à sua volta e cria coisas novas. Para atuar no mundo em que vive, o ho-
mem precisa passar por um aprendizado que lhe permita ter um comportamen-
to adequado à convivência com outros seres iguais a ele. O homem eventualmen-
te criado longe do convívio social é incapaz de se humanizar, deixando apenas 
aflorar suas características instintivas, assemelhando-se aos animais.
Mas o que diferencia o homem dos animais? O homem é o único animal 
que não age apenas por instinto, porque ele passa por um processo de apren-
dizado, de socialização e porque precisa da linguagem para se comunicar com 
seus semelhantes. A socialização é, então, um processo que dá o caráter hu-
mano ao homem, diferenciando-o do animal. A educação (formal e informal) é 
fundamental para a socialização do ser humano.
CONCEITO
A educação formal é aquela em que o aprendizado depende da instituição escolar. A edu-cação informal, por sua vez, é aquela em que o indivíduo desenvolve o aprendizado fora da 
escola, em família, com amigos, nas igrejas etc.
Quando socializado, o ser humano age socialmente, ou seja, suas ações, 
seus sentimentos e pensamentos estão diretamente ligados a outros seres hu-
manos: é na convivência (boa ou ruim) com o outro que ele aprende a ser ho-
mem. A socialização é, então, esse aprendizado. É pela socialização que o ser 
humano aprende a cultura de sua época, de seu lugar.
O tema específico da cultura será visto mais para a frente. Por enquanto, o 
que importa, para se entender o que é Sociologia, é saber que a cultura é o con-
junto de valores, hábitos, costumes e normas que organizam a vida em socieda-
de. O homem adequado ao seu meio social é aquele que foi socializado, ou seja, 
aprendeu como agir socialmente. 
Veja como o ser humano se transforma em ser social:
SER
HUMANO
EDUCAÇÃO
APRENDIZAGEM
SOCIALIZAÇÃO
LINGUAGEM
CULTURA
SER
SOCIAL
12 • capítulo 1
A Sociologia chama de socialização o processo pelo qual o indivíduo assimila os 
valores, as normas e as expectativas sociais de um grupo ou de uma sociedade. 
Esse processo, responsável pela transmissão da cultura, é contínuo e se inicia 
na família, quando se realiza a chamada socialização primária. Depois é assumido 
pela escola, pelo grupo de referência e pelas diferentes formas de treinamento 
e ajuste a que o indivíduo se submete no decorrer de sua existência e que ca-
racterizam a socialização secundária” (COSTA, Cristina. Sociologia. Introdução à 
ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1997).
Até aqui, vimos como se dá o processo de socialização dos seres humanos. 
Agora, vamos ver como entender esse processo pela Sociologia?
 A Sociologia é uma ciência social
As formas de organização social do ser humano são objeto de estudo da Sociologia. 
Você achou estranho chamar de “objeto” de estudo? Mas é esse o termo que 
as ciências usam: o que elas estudam convencionou-se chamar de “objeto de 
estudo”, que é o alvo para o qual se direciona o estudo.
A Sociologia é uma das três ciências sociais básicas, que são: a Antropologia, 
a Sociologia e a Ciência Política.
Resumidamente, podemos dizer que a antropologia estuda mais especifica-
mente as diferentes culturas no mundo (diferenças de costumes e valores de um 
lugar para outro, de um grupo para outro). A Ciência Política estuda as relações 
de poder que se estabelecem na sociedade (sejam nas relações cotidianas, como 
os poderes, entre homens e mulheres, patrões e empregados, pais e filhos, ou, 
no ambiente governamental, como nos cargos políticos). A Sociologia estuda as 
relações sociais que os homens estabelecem com outros homens por meio das 
instituições sociais (escola, família, Estado, igreja, sindicato, empresa etc.). 
Até hoje ainda existem pessoas que perguntam se é possível fazer ciência da 
sociedade ou se a Sociologia é mesmo uma ciência. Esta desconfiança é perfei-
tamente compreensível, na medida em que sabemos o que é que está por trás 
das concepções que essas pessoas têm de ciência e de cientista: maçãs caindo 
das árvores e provando a força da gravidade; cientistas malucos que transferem 
líquidos coloridos de um vidro ao outro provocando fumaças; lunetas gigantes 
para conhecer os mistérios do céu; equações matemáticas monstruosas que 
capítulo 1 • 13
fundem a cabeça de qualquer mortal; corpos humanos e animais dissecados; 
ratinhos de laboratório etc. 
Mas, quando conhecemos a história da ciência em geral e das ciências sociais 
em particular, tudo começa a ficar mais claro, um pouco mais perto do real.
Breve história da ciência
A ciência – ou scientia – é conhecimento, saber sistematizado que busca leis 
universais e cuja legitimidade baseia-se na comprovação empírica: “é preciso 
ver para crer”, é preciso comprovar que a realidade é real. Esta visão de ciência, 
que está na base de nossa cultura e que sustenta os nossos valores, começou 
a ser formulada no século XVI, quando a percepção do mundo mudou signifi-
cativamente. Nos séculos XVI e XVII, a perspectiva medieval de ciência, que se 
baseava na razão e na fé, mudou radicalmente, e o mundo, a partir de estudos 
da Física e da Astronomia, começou a ser compreendido como uma máquina. 
Copérnico, Galileu, Bacon, Descartes e Newton são os grandes cientistas dos 
séculos XVI e XVII, conhecidos como a Idade da Revolução Científica.
Nicolau Copérnico (Itália) modifica a noção do mundo quando contraria 
a concepção geocêntrica da Igreja para defender sua concepção heliocêntri-
ca, na qual a Terra não é o centro do universo. Galileu Galilei (Itália), que in-
ventou o telescópio, foi pioneiro na abordagem empírica e no uso da descri-
ção matemática da natureza e tornou-se referência nas teorias científicas até 
hoje. Francis Bacon (Inglaterra) foi o primeiro a formular uma teoria clara 
do método indutivo, ou seja, realizar experimentos e extrair deles conclusões 
gerais. Isaac Newton (Inglaterra) forneceu uma consistente teoria matemáti-
ca, hoje conhecida como cálculo diferencial, para descrever o movimento dos 
corpos. Foi Newton quem inspirou sua teoria na famosa queda da maçã. 
René Descartes (França) é considerado o fundador da Filosofia moderna, com 
a qual pretendia criar uma nova ciência que fosse capaz de distinguir a verdade do 
erro em todos os campos do saber: a ciência é o conhecimento certo, é a verdade.
Descartes, para quem ciência era sinônimo de Matemática, influenciou de 
forma marcante todos os ramos da ciência moderna, por isso merece destaque. 
É graças a ele que hoje as pessoas estão convencidas de que o método científico 
é o único meio válido para se compreender o universo. Tomando a dúvida como 
ponto fundamental de seu método, chamado de cartesiano, e duvidando de tudo, 
Descartes chegou à famosa afirmação Cogito, ergo sum: “Penso, logo existo”. 
14 • capítulo 1
Assim, concluiu que o pensamento é a essência da natureza humana e que, por-
tanto, tudo o que o ser humano pensa, intui (intuição) e deduz (dedução) é verda-
deiro. Sua maior contribuição à ciência é seu método analítico, que consiste em de-
compor pensamentos e problemas em partes e organizá-los em uma ordem lógica.
Embora inegavelmente importante para o pensamento científico até hoje, 
o cartesianismo de Descartes foi responsável pela fragmentação do pensamen-
to em geral e das disciplinas acadêmicas e também por alimentar a crença re-
ducionista da ciência: todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser 
compreendidos quando reduzidos às suas partes. O cogito cartesiano, como 
passou a ser chamado, fundou o dualismo que separa a mente da matéria, a 
natureza dos seres humanos, o mundo físico do mundo social e espiritual.
A atitude das pessoas em relação ao meio ambiente, à cultura e ao ser hu-
mano em geral sofreu consideráveis transformações a partir de Descartes. 
Sua concepção mecanicista, que tinha o universo como um sistema mecâni-
co, tornava homem e máquina uma mesma coisa. A ideia de tratar os organis-
mos vivos – homens e animais – como nada mais do que máquinas teve con-
sequências adversas tanto para as ciências humanas como para as ciências 
biológicas. Este reducionismo é evidente na Medicina, por exemplo, em que 
a adesão ao modelo cartesiano tem impedido os médicos de compreenderem 
muitas doenças, na medida em que entendem o corpo humano por partes, e 
não pelo todo. A Medicina Holística tem, nos últimos anos, procurado rom-
per com esta compreensão mecanicista do corpo humano, propondo uma 
nova compreensão do corpo humano e de sua saúde.
O paradigma mecanicista sustentou a ciência clássica do século XVI até o iní-
cio do século XX, quando novas maneiras de compreender o conhecimento cien-
tífico começaram a marcar presença e ser aceitas. O dualismo cartesiano foi uma 
das premissas mais importantes desse paradigma, mostrando que toda a histó-
ria do conhecimento científico é ahistória da busca de uma verdade universal.
 As revoluções e as novas formas de organização social
O final do século XVIII e o início do século XIX são marcados por dois aconte-
cimentos históricos da maior importância: a Revolução Francesa e a chamada 
Revolução Industrial, que coincidiram com a desagregação da sociedade feu-
dal e com a consolidação do capitalismo. Estes acontecimentos históricos gera-
ram problemas sociais que os pensadores da época não conseguiram explicar. 
capítulo 1 • 15
Assim, o social e a sociedade começaram a requerer um olhar próprio, uma ci-
ência própria que até então não existia.
A Revolução Francesa foi responsável por inigualáveis transformações so-
ciais e políticas, que ocorreram graças à proclamação de valores como liber-
dade e igualdade e por uma, até então, inédita valorização do indivíduo como 
cidadão. O que hoje consideramos comum, como a democracia e o Estado de 
Direito, também nasceu nesse período. 
Foi com a Revolução Francesa que as pessoas passaram a ser vistas não ape-
nas como portadoras de deveres, mas também de direitos. Elaborou-se, então, 
a Declaração Universal dos Direitos dos Homens. 
A Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra e rapidamente se dis-
seminou pela Europa e pelos Estados Unidos, não foi caracterizada somente 
pelas inovações técnicas a partir da máquina a vapor e pela industrialização 
crescente, mas também por um conjunto de mudanças sociais e econômicas 
importantes, como a consequente migração do campo para as cidades, o cres-
cimento da urbanização e um admirável aumento da população.
A Revolução Industrial foi um marco para a vida moderna porque se tra-
ta, na verdade, de uma revolução científico-tecnológica que mudou a orga-
nização social definitivamente. Num prazo relativamente curto, de cerca de 
100 anos, a Europa de sítios, rendeiros e artesãos passou a ser uma Europa 
de cidades e indústrias. Com a indústria, a produção começa a ser feita num 
ritmo acelerado e o crescimento urbano passa a ser significativo, separando 
os espaços rurais dos espaços urbanos. Com as indústrias e essa nova forma 
de produção, a economia também mudou, deixando de ser agrária para ser 
industrial. Além disso, expandiu--se o comércio internacional em busca de 
matérias-primas e de escoamento das mercadorias produzidas.
As principais mudanças ocorridas na sociedade em função da Revolução In-
dustrial podem ser assim sintetizadas:
Grande concentração humana nas cidades inglesas, uma vez que os camponeses 
saíram do campo em busca de nova vida nas cidades que surgiam em função das 
indústrias: há intensa migração do campo para a cidade;
Substituição progressiva do trabalho humano por máquinas;
16 • capítulo 1
Divisão do trabalho em partes especializadas e necessidade de coordenação: o au-
mento da produtividade se originou da organização do trabalho, e não do aumento 
das habilidades individuais;
Mudanças culturais no trabalho: os novos trabalhadores das indústrias ainda esta-
vam acostumados com o trabalho agrícola e o artesanato. Os industriais tiveram de 
impor uma disciplina desconhecida por esses trabalhadores, os quais tiveram que se 
submeter ao controle externo, exercido por capatazes;
Produção de bens em grande quantidade: as máquinas aumentaram o ritmo da 
produção e a quantidade de bens produzidos, além de possibilitarem a homoge-
neização (todos os bens saem iguais das máquinas, diferentemente dos bens 
feitos artesanalmente); 
Surgimento de novos papéis sociais: começa a se definir um contorno distinto para 
o capitalista (o empresário é dono das empresas e das máquinas, compra o trabalho 
dos outros) e para o operário (o trabalhador não possui nada além de sua força de 
trabalho e precisa vendê-la para se sustentar).
Vamos continuar entendendo o contexto histórico que propiciou o surgi-
mento da Sociologia?
Nessa mesma época da Revolução Industrial (séc. XIX), houve um proces-
so de revitalização da universidade, que se tornou, definitivamente, o lugar do 
saber por excelência. Com isso, configuraram-se a disciplinarização e a profis-
sionalização do conhecimento. Como as ciências naturais nunca precisaram 
deste espaço institucionalizado para desenvolver seus trabalhos, pois sempre 
tiveram apoio dos governos, as transformações que aconteceram com a univer-
sidade foram fundamentais para abrir espaço às ciências humanas e marcar 
distinções entre ciências naturais e humanas.
As mudanças provocadas pelas duas grandes revoluções europeias, a ex-
pansão do capitalismo (e, com ele, os interesses antagônicos) e a revitaliza-
ção da universidade nos séculos XVIII e XIX – pe ríodo conhecido como Ilumi-
nismo –, podem ser consideradas o cenário que contextualiza as origens das 
ciências sociais que surgem, exatamente, nesse período marcado por essas 
capítulo 1 • 17
transformações do meio social. De posse dessas informações sobre a contex-
tualização histórica do surgimento da Sociologia, podemos seguir adiante 
para compreendermos algumas das características dessa ciência e o processo 
do seu desenvolvimento e consolidação como uma das formas de compreen-
são da relação do homem com o seu meio social.
O surgimento e o desenvolvimento da Sociologia
A Sociologia é uma ciência e seu surgimento e consolidação como tal, junta-
mente com suas especificidades e seus métodos próprios de investigação, dife-
renciam-na dos saberes do senso comum, proferidos por nós quando analisa-
mos nossos comportamentos e experiências interpessoais. Entendemos como 
senso comum ou conhecimento espontâneo o conhecimento que se acumula 
no nosso cotidiano (cheio de certezas e explicações imediatas) e que é transmi-
tido de geração a geração por meio de nossos hábitos, costumes e tradições. 
Dessa maneira, acabamos reproduzindo ideias que não são nossas, mas que 
são assimiladas e tomadas por nós como verdadeiras, por isso temos sempre 
uma opinião a respeito de assuntos que muitas vezes nem conhecemos.
CONCEITO
O senso comum e a ciência são duas formas de conhecermos e explicarmos a realidade. Enquan-
to o senso comum caracteriza-se pelo conhecimento que adquirimos em nosso cotidiano e que 
pode ser verdadeiro ou não, a ciência busca entender as razões e o porquê do acontecimento de 
determinados fenômenos. A Sociologia é uma ciência; portanto, difere do senso comum.
O homem sempre se preocupou em compreender a si mesmo e o universo, 
mas foi somente no século XVIII, com uma série de eventos que ocorreram na 
Europa e transformaram profundamente as estruturas da sociedade, suprimin-
do os pilares do velho regime feudal, incluindo o movimento intelectual do Ilu-
minismo na França, que a “ciência” pôde se impor como uma maneira de pen-
sar o mundo isenta dos pressupostos determinantes da religião e da tradição. 
Neste período, ocorreu também uma profunda valorização do homem, voltada 
para a crença na razão humana e nos seus poderes.
Mais tarde, já no século XIX (1801-1900), com a Revolução Francesa, o 
pensamento sistemático sobre o mundo social foi acelerado, assim como a 
18 • capítulo 1
necessidade dos homens de compreender os inúmeros problemas sociais de-
correntes do processo de industrialização. Sendo assim, podemos dizer que 
a Sociologia surgiu sob as condições das mudanças que derivavam principal-
mente do declínio do feudalismo, do fortalecimento do comércio e do surgi-
mento de novos papéis sociais/especialização. Enfim, com a consolidação do 
sistema capitalista de produção, surgia uma nova mentalidade, em que a razão 
e o saber se voltavam para o mundo terreno.
As ciências existentes não apresentavam explicações convincentes nem 
mesmo o instrumental necessário para a compreensão de todas estas mudan-
ças. Necessitava-se, então, de uma nova ciência (utilizando o mesmo referen-
cial das ciências naturais) para tentar fazer isso.
Vamos entender, então, a que se propõe a Sociologia e o histórico do seu 
desenvolvimento?Turner (2003, p. 14), afirma que o objetivo da Sociologia é tornar as com-
preensões cotidianas mais sistemáticas e precisas, pois essas percepções vão 
além de nossas experiências pessoais. A Sociologia busca compreender todos 
os símbolos culturais que os seres humanos usam e criam para interagir com a 
sociedade e organizá-la. “É o estudo dos fenômenos sociais, da interação e da 
organização social.” De forma diferente do que as outras disciplinas fazem, ao 
estudar os aspectos sociais da vida do homem, a Sociologia estuda o fato social 
em sua totalidade, ou seja, a visão sistêmica do pesquisador deve lhe dar condi-
ções de perceber que cada ação social não está isolada na sociedade, mas sim 
que faz parte de um todo interligado, interferindo e sofrendo interferências.
Para o sociólogo, o fato social é estudado não porque é econômico, jurídico, 
político, educacional ou religioso, mas porque é “social” e inclui tudo isso inde-
pendentemente da especificidade de cada um. O pressuposto básico de uma aná-
lise sociológica é que a vida dos seres humanos é composta por várias dimensões 
que se desenvolvem com o processo de interação social. Justamente estas intera-
ções sociais são o objeto central de estudo da Sociologia. (DIAS, 2005).
No período do surgimento da Sociologia, a visão mecanicista/cartesiana 
do mundo no século XVIII se estabelecia firmemente, assim foi inevitável que 
a física se tornasse, naturalmente, a base de todas as outras ciências, inclusi-
ve da Sociologia. Dessa forma, na tentativa de compreender as condições das 
mudanças que ocorriam nas sociedades europeias e de conhecer suas prová-
veis consequências, era premente que surgisse uma ciência da sociedade, a 
qual foi proclamada como “física social”. 
capítulo 1 • 19
O nascimento da Sociologia é atribuído tanto a Saint-Simon (1760-1825) 
quanto a Augusto Comte (1798-1857), ambos franceses, que procuravam 
uma “física social” com métodos baseados nas ciências naturais, de forma 
a encontrar leis universais que regessem os fenômenos sociais. O conheci-
mento destas leis permitiria, segundo Comte, controlar o destino do mundo 
– daí sua famosa fórmula prévoir pour pouvoir (prever para poder), que refle-
te, na verdade, o pensamento positivista que atribui à ciência a capacidade 
de prever e de controlar a ação. A Sociologia nasce com o positivismo. Mas o 
que é isso, exatamente?
CURIOSIDADE
O nome Sociologia foi proposto por Auguste Comte (imagem), 
em substituição ao termo Física Social, acreditando ser possí-
vel submeter a ciência da sociedade aos mesmos pressupostos 
metodológicos advindos das ciências naturais. Acreditava tam-
bém que descobrir as leis da organização da sociedade poderia 
significar a reconstrução de uma estrutura social mais humana. 
Seu pensamento enfatizava a sociedade europeia como exem-
plo de evolução, defendendo a proposta da ordem e do progresso em oposição aos 
conflitos sociais presentes neste contexto (influência do positivismo).
 
O positivismo
O positivismo pode ser considerado o berço que embala a Sociologia há mais 
de um século, desde o seu nascimento. Assim, conhecer a história da Sociologia 
exige um conhecimento básico do positivismo, sobretudo por ele ser conside-
rado um conjunto de pensamentos e ações que formam o sistema de vida típico 
do século XIX, mais do que apenas uma doutrina.
Os positivistas eram pensadores conservadores que se preocupavam com 
a ordem, a estabilidade e a coesão social e consideravam que a sociedade mo-
derna era dominada pela desordem, pela anarquia. Eles enfatizavam a impor-
tância da disciplina, da autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores mo-
rais para a conservação da vida social. A influência da doutrina positivista ficou 
marcada na bandeira do Brasil pelo lema “Ordem e progresso”.
20 • capítulo 1
Diante das transformações sociais que ocorriam no século XIX, eles viam 
a necessidade de criar uma ciência que resgatasse os princípios conservado-
res, e não uma que objetivasse mudanças. Augusto Comte dividia hierarqui-
camente a filosofia positiva em cinco ciências: Astronomia, Física, Química, 
Fisiologia e Física Social.
O “físico social” deveria, para Comte, buscar constantemente as leis uni-
versais imutáveis nos fenômenos sociais, à semelhança do que ocorria na Físi-
ca. Todos os fenômenos estudados deveriam ser observados, experimentados, 
comparados e classificados, para serem considerados verdadeiros e científicos. 
As características mais importantes do positivismo são:
Empirismo: submissão da imaginação à observação, à experimentação e à comparação; 
Classificação dos fenômenos sociais da maneira como é feita com os fenômenos 
naturais; 
A ciência tem como função principal a capacidade de prever; 
O espírito humano deve investigar sobre o que é possível conhecer, eliminando a 
busca das causas; 
O conhecimento científico positivo deve buscar a certeza, a precisão e a ordem; 
Valorização das especializações e horror ao ecletismo.
CONCEITO
Emprirismo
Doutrina filosófica que encara a experiência sensível como a única fonte fidedigna de co-
nhecimento. O filósofo empirista baseia-se na observação e na experimentação para decidir 
o que é verdadeiro. Chega a conclusões através do emprego do método indutivo, baseado 
no que observou.
capítulo 1 • 21
Ecletismo
Diferentes gêneros ou opiniões. Método que reúne teses e sistemas diversos. Método filo-
sófico dos que não seguem sistema algum, escolhendo de cada um a parte que lhes parece 
mais próxima da verdade.
Como podemos perceber, a Sociologia surgiu como uma ciência social que 
tinha as ciências naturais como modelo, e os princípios do positivismo eram 
a maior representação disso. No esforço de organizar e estabilizar a nova or-
dem social que surgia, parecia que, quanto mais exata, positiva e neutra fosse 
a ciência, melhor seria.
REFLEXÃO
De um modo geral, podemos dizer que as ciências humanas se diferenciam das ciências naturais 
pelo fato de o homem ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da investigação. Quando estudamos 
a sociedade, o comportamento social e as várias formas de interação social, somos, ao mesmo 
tempo, os investigadores da realidade social e os membros que compõem esta mesma realidade. 
Pense: pode uma ciência exata e neutra entender e explicar a sociedade e os 
homens nas relações sociais?
Embora não seja desejável traçar linhas precisas que dividam a Sociologia 
em outras áreas de estudo, ela é uma ciência que precisa de métodos próprios, 
na medida em que o seu objeto de estudo, ao contrário dos objetos da Física, 
está em constante transformação. 
As ciências sociais diferem das ciências naturais em dois aspectos essenciais: 
1
Consideram que as sociedades são criadas e recriadas pelas ações huma-
nas o tempo todo; 
2 Entende que a sociedade é historicamente construída.
As formas de organização social que existem hoje não foram sempre assim, 
pois a sociedade não é estática.
Pense, por exemplo, na estrutura familiar do século XIX e na dos dias de 
hoje. Com o passar do tempo, de forma geral, as mulheres conquistaram o 
22 • capítulo 1
direito de trabalhar fora e de não mais desempenhar apenas o papel de mãe e 
de esposa dependente do marido. Elas se casam mais tarde ou nem se casam 
e muitas optam por não ter filhos. Elas, hoje, podem escolher o marido e não 
mais esperar um casamento arranjado pelos pais. Também não é necessário 
que as uniões sejam legalizadas no casamento civil ou que todos os casamen-
tos sejam feitos com cerimônias religiosas. É muito comum que casamentos 
infelizes sejam desfeitos, e a mulher separada não gera mais tantos comen-
tários perante a sociedade. O modelo de família nuclear clássico composto 
pelo pai, pela mãe e pelos filhos não é mais o modelo predominante. Hoje, é 
comum escutarmos casos de crianças que vivem um pouco na casa do pai e 
um pouco na casa da mãe. Os pais separados formam outras famílias.Os ca-
samentos de homossexuais começam a ser legalizados em alguns países; em 
outros lugares, nem mesmo chegaram a ser condenados ou proibidos. Casais 
de homossexuais adotam crianças e formam uma família.
Você está percebendo como as sociedades mudam sua forma de se organi-
zar, seus valores e mesmo suas normas?
A sociedade é construída e modificada pelos seres humanos diariamente. 
Assim, o ser humano e a sociedade são “objetos” de estudo em mutação. Com 
o passar do tempo, foi-se percebendo que, para estudar as sociedades, não era 
suficiente tratá-las como se fossem coisas.
Imagine o seguinte: você deixa quatro cadeiras na sala de sua casa e viaja por 
dois anos. Quando você chega de volta e abre a porta da sala, o que você vê? As 
quatro cadeiras exatamente no mesmo lugar em que você as deixou. Claro que 
isso vai ocorrer se ninguém entrar na sua casa, se não acontecer nenhum terre-
moto ou outros fatores externos. Agora, imagine uma sala com quatro pessoas 
e você faz o mesmo procedimento: sai para viajar por dois anos. Quando você 
volta, o que terá acontecido? As pessoas estarão no mesmo lugar, sem mudar 
nada, nem fazer nada, como se fossem cadeiras? Claro que não, pois as pessoas 
não são coisas, são seres sociais que transformam seu ambiente enquanto es-
tabelecem relações sociais entre si.
Então, a Sociologia, que nasce no século XIX para entender as novas caracte-
rísticas da sociedade depois das Revoluções Industrial e Francesa, não poderia 
continuar sempre entendendo os homens como coisa, assim como a Química 
entende os componentes da matéria. Além de seu objeto estar sempre mudan-
do, a Sociologia tem outra característica que a diferencia das ciências naturais 
e exatas: o pesquisador (cientista social) é também objeto de estudo da sua ci-
capítulo 1 • 23
ência. Ao mesmo tempo em que o sociólogo observa um fenômeno social, pro-
curando compreendê-lo, ele está sofrendo influências da sociedade. Ele não é 
neutro diante de seus estudos, por mais que procure ser objetivo, ou seja, ir 
direto ao ponto central da questão, sem rodeios ou influências de sentimentos 
pessoais. Quando se afirma que o cientista social deve ser objetivo, isso signi-
fica que, mesmo sendo humanamente possível, ele não deve se deixar influen-
ciar por suas próprias crenças e valores. Mas isso é muito difícil, se não impos-
sível. Por exemplo, se o sociólogo tem preconceitos em relação aos negros, fica 
maior o desafio, para ele, de desenvolver um estudo “neutro” sobre o racismo. 
Se o sociólogo acha que a homossexualidade é uma aberração da humanidade, 
fica mais difícil para ele ser “objetivo” num estudo sobre esse tema.
O caminho que liga ser humano e sociedade é um caminho de mão 
dupla: ambos relacionam-se, complentam-se, 
formam-se e tranformam-se.
HOMEM SOCIEDADE
Iniciando nossa incursão pela Antropologia
Começo
Efetivamente, o desenvolvimento da Antropologia enquanto disciplina aca-
dêmica foi um processo gradual relacionado a personagens e condições 
particulares. Uma destas circunstâncias diz respeito à coleta de artefatos e 
informações sobre os então chamados “povos primitivos” e a organização 
de coleções etnográficas em museus nacionais da Europa e Estados Unidos 
no século XIX. Os objetos e dados coletados por viajantes, missionários e 
funcionários dos Impérios Coloniais na África e América eram classificados 
e catalogados por eruditos que se tornaram reconhecidos como especialis-
tas em “sociedades primitivas”. A primeira geração de antropólogos estava, 
assim, vinculada aos museus e atrelada aos seus gabinetes, de onde formu-
lavam suas teorias e grandes generalizações sobre povos remotos, com os 
24 • capítulo 1
quais, salvo raras exceções, efetivamente nunca tinham tido contato, mas 
dispunham de informações compiladas por terceiros.
A marca deste período formador da Antropologia é o predomínio do para-
digma evolucionista. O evolucionismo pressupunha a existência de uma histó-
ria universal e linear rumo ao progresso, porém, os diferentes grupos humanos 
se encontravam em fases desiguais de desenvolvimento. A sociedade ocidental 
europeia encarnava o nível mais adiantado de progresso alcançado pela huma-
nidade, enquanto os demais povos, do Oriente, África, América e Austrália, ain-
da estavam nos estágios inferiores da evolução. O que estes teóricos concebiam 
ser “a civilização” – e que correspondia evidentemente à sua própria sociedade 
– ostentava a forma mais complexa de cultura e organização social conhecida, 
marcada, entre outros traços, pela presença do pensamento científico, da pro-
priedade privada, do governo, da religião monoteísta e do casamento mono-
gâmico. Por outro lado, o que identificava os povos chamados de selvagens ou 
primitivos, segundo os evolucionistas, era justamente a ausência dos predica-
dos previamente citados: sem escrita, sem Estado, sem economia de mercado, 
sem ciência, e daí por diante. Vivenciando uma condição de atraso, tais povos 
apresentariam configurações mais simples de parentesco, tecnologia e cren-
ças. Suas leis consuetudinárias, comunismo, economia não monetária, magia, 
organização clânica e linhagens representavam as formas elementares das 
instituições humanas. No comentário perspicaz de Joannes Fabian, era como 
se europeus e “primitivos” compartilhassem o mesmo espaço, porém, não o 
mesmo tempo; as sociedades encontravam-se justapostas no espaço, mas não 
eram coevas, ou seja, não viviam o mesmo momento da história humana. Os 
evolucionistas olhavam para os africanos, ameríndios e indianos, e viam neles 
o passado da humanidade (Fabian, 1983).
CONCEITO
Leis consuetudinárias
Leis impostas pela tradição, pelo costume, não escritas. Clãs e linhagens: são formas de 
agrupamento social encontradas nas sociedades “tribais”.
Ameríndio
Termo que designa o índio das Américas.
capítulo 1 • 25
Dentre os mais notórios representantes da Antropologia Evolucionista, 
estão os britânicos Edward B. Tylor (1832-1917) e James Frazer (1854-1941), 
e o norte-americano Henry Morgan (1818-1881). Instituições como o direito, 
o parentesco, a magia e a religião figuravam entre os temas que mais desper-
tavam o interesse destes teóricos. Extraídos de seu contexto social de origem 
e uso, os elementos e características de cada uma destas instituições eram 
separados e classificados dos mais simples aos mais complexos, sendo então 
dispostos em uma escala evolutiva. Crenças mágico-religiosas, técnicas, ins-
trumentos e formas de organização social eram associados a estágios inferio-
res ou superiores da evolução da humanidade. Segundo a teoria de Morgan, 
por exemplo, todos os grupos humanos poderiam caber em uma linha imagi-
nária do tempo que partia da condição de selvageria, passava pela de barbárie 
e atingia a civilização (ERIKSEN;NIELSEN, 2007). 
Evidentemente, ao postular a irracionalidade e inferioridade das manifes-
tações culturais dos povos do Novo Mundo, os evolucionistas não trouxeram 
análises muito satisfatórias sobre o funcionamento e o significado de suas insti-
tuições, como por exemplo, a magia. Entretanto, ainda assim contribuíram deci-
sivamente para que a humanidade dos povos selvagens deixasse de ser colocada 
em dúvida, demonstraram que tais homens não viviam segundo leis da natureza, 
mas obedeciam às normas de sua organização social, reconheceram a legitimi-
dade da cultura destes povos e impuseram a relevância científica de seu estudo.
Apesar de suas ambições pouco modestas – nada menos do que inventa-
riar a diversidade dos costumes sociais e escalonar as sociedades humanas, por 
exemplo – e dos seus resultados pouco expressivos no tocante a um verdadeiro 
entendimento da realidade vivenciada pelos nativos, os evolucionistas lança-
ram as bases da nova disciplina. Contudo, é por meio das inovações teórico-me-
todológicas lançadas nas primeiras décadas do século XX que a antropologia 
transmuta-se em ciência socialmoderna. 
O rompimento definitivo com a abordagem evolucionista é manifesto atra-
vés de duas operações essenciais. Por um lado, perde centralidade a dicotomia 
civilização/barbárie. Parece claramente insatisfatória a atitude de eleger a civi-
lização ocidental como medida e modelo de desenvolvimento a partir do qual 
todas as outras formas de sociedade devem ser avaliadas e rotuladas. Por outro 
lado, deixa de figurar como obrigatória a análise diacrônica da cultura, ou seja, 
os fenômenos culturais não mais precisam ser situados no eixo da história para 
terem suas características reconhecidas e apreciadas. O costume nativo passa 
26 • capítulo 1
a interessar não mais como exemplar de uma etapa da evolução social, nem 
como prova da irracionalidade de grupos humanos mais atrasados, mas sim 
como um elemento que ao lado de outros, constitui parte de uma cultura ou 
organização social, e é esta totalidade que cumpre estudar e reconstituir. 
Por outro lado, emerge também uma nova atitude com relação à prática de 
investigação, fruto de uma preocupação com as condições de coleta do dado 
etnográfico, com a origem dos relatos e a construção da base empírica da refle-
xão antropológica. Passa a haver um interesse pela realização de pesquisa de 
primeira mão e pelo testemunho direto da vida nativa. 
Tais mudanças têm alguns marcos. Em 1898, é organizada a famosa Expedi-
ção Cambridge ao Estreito de Torres que possibilitou a realização de pesquisa de 
campo entre os povos melanésios das ilhas entre a Austrália e a Nova Guiné. Co-
ordenada pelo zoólogo A. C. Haddon, entre seus membros estavam: o psicólogo 
W. H. R. Rivers e o médico C. G. Seligman (STOCKING, 1992). O historiador Geor-
ge Stocking refere-se a estes pesquisadores com formação profissional em outras 
áreas, mas pioneiros nos estudos etnográficos, de “geração intermediária”. 
Neste momento, já se estabelece um rigor metodológico na compilação de 
dados etnográficos e inicia-se a tendência do mesmo profissional assumir tan-
to a tarefa de investigação quanto de análise da vida nativa. Até então, as coisas 
funcionavam de outro modo, como bem explica Godfrey Lienhardt:
Nos primeiros dias da Antropologia, as qualidades de um estudioso que se empenha 
em coligir boas informações e as qualidades que levam à unificação e síntese dessas 
informações raramente se reuniam na mesma pessoa (LIENHARDT, 1965, p 35).
Dito de outra forma, as figuras do pesquisador e do teórico, que no evolucio-
nismo permaneciam apartadas, começam a ser unificadas (CLIFFORD, 2008). 
Este movimento se concretiza de forma lapidar no trabalho de Bronislaw Ma-
linowiski (1884-1942), o polonês que veio para Londres estudar com Seligman, 
na London School of Economics, em busca da oportunidade de realizar traba-
lho de campo em regiões remotas do mundo. Em 1922, ele publica Os Argonau-
tas do Pacífico Ocidental, monografia que é fruto do seu trabalho de campo nas 
Ilhas Trobriand no continente australiano, entre 1915 e 1918. 
São bem famosos e amplamente citados os trechos da introdução do livro 
quando Malinowiski aproxima o leitor da singularidade da experiência etnográfi-
ca, relatando sua chegada à aldeia e seu primeiro encontro com os trobriandeses. 
capítulo 1 • 27
Assim inicia ele: 
“Imagine o leitor que, de repente, desembarca sozinho numa praia tropical, perto de 
uma aldeia nativa, rodeado pelo seu material, enquanto a lancha ou pequena baleeira 
que o trouxe navega até desaparecer de vista”. 
E depois segue:
Imagine, agora, o leitor, entrando pela primeira vez na aldeia, sozinho ou na compa-
nhia do seu cicerone branco. Alguns nativos juntam-se em seu redor, especialmente 
se pressentirem que há tabaco. Outros, mais distintos e idosos, mantêm-se sentados 
onde estão. O seu companheiro branco tem a sua forma habitual de lidar com os 
nativos e não compreende, nem parece querer compreender, a maneira como você 
enquanto etnógrafo, os terá de abordar” (MALINOWISKI, 1984, p.19-20).
O trabalho desenvolvido por Malinowiski converte-se no modelo de pesqui-
sa etnográfica por excelência. Ele se desloca para a aldeia para viver entre os 
nativos, participar de seu cotidiano, acompanhar cerimônias rituais e transa-
ções econômicas, observar a conduta dos indivíduos e a realidade concreta da 
“tribo”. Ou seja, ele oferece uma receita metódica: primeiro a observação e o re-
gistro detalhado dos fatos etnográficos, e depois, a elaboração dos dados, com 
o antropólogo escrevendo o que testemunhou, analisando as instituições e o 
comportamento dos nativos. 
Método
A centralidade do método etnográfico para a Antropologia tende a ser tão pro-
nunciada que chega a constituir parte do que tradicionalmente define a dis-
ciplina. Como vimos, a pesquisa de campo intensiva nasce com a moderna 
Antropologia e torna-se uma exigência tanto para a confecção de monografias 
sobre os povos “exóticos” quanto para a legitimação do saber produzido sobre 
o outro. Mas, em que consiste tal método? Teria esse método sofrido transfor-
mações desde que foi instituído? 
Em primeiro lugar, a ideia de pesquisa de campo implica que o pesqui-
sador se desloque para o lugar que lhe propiciará o contato direto com seu 
objeto de estudo, ou seja, ele vai a campo e lá permanece o intervalo de tempo 
28 • capítulo 1
necessário para testemunhar os fatos que deseja interpretar ou analisar. Tra-
dicionalmente, o “campo” do antropólogo era uma “aldeia”, em geral na Áfri-
ca, América ou em uma ilha do Pacífico. Hoje, o lócus da investigação etnográ-
fica pode ser uma empresa, um hospital ou mesmo um arquivo. O campo se 
refere ao lugar ou cenário onde o antropólogo procede às suas observações. 
Em segundo, as notórias palavras de advertência de Clifford Geertz: “Os an-
tropólogos estudam nas aldeias e não as aldeias”. 
Esta distinção é cabal porque o que interessa é o que o pesquisador procura, 
para quais fatos dirige seu olhar investigativo, que perguntas faz e que teoria 
lhe guia. Com efeito, o próprio modo como os antropólogos tendem a falar con-
tribui para certa confusão, eles dizem “Evans-Pritchard estudou os nuer”, o que 
significa que Evans-Pritchard realizou pesquisa de campo na aldeia dos nuer e 
escreveu sobre sua economia, parentesco e até sobre a geografia da aldeia. Mas, 
é fato também, que o modelo das monografias clássicas pretendia abarcar boa 
parte dos (se não todos os) aspectos da vida social de um povo ou da totalida-
de de uma cultura, abordando sua economia, relações de parentesco, sistema 
mágico-religioso, poder político. Ao deixar pouca coisa de fora (incluindo até 
o ambiente físico, o clima), parecia que era um trabalho sobre a comunidade 
toda. Mas, o modelo de estudos seguido se explica por um conjunto de razões. 
Primeiramente, pelo fato de que no caso das chamadas “sociedades primiti-
vas” e dos “grupos ameríndios”, os diferentes planos da vida social se articulam 
ou sobrepõem o que, por exemplo, exige que ao discutir chefia indígena fale-
se também em relações de descendência, afinal, estamos diante de sociedades 
que não trazem a marca do processo de racionalização e autonomização das es-
feras da vida próprio da modernidade, nos termos de Max Weber. Também faz 
sentido discorrer sobre clima, vegetação e topografia uma vez que nestas for-
mações sociais a agricultura e o calendário de festas encontram-se associados 
e por sua vez dependem das variações climáticas e demais fenômenos naturais, 
em suma. Em segundo lugar, o fato de os antropólogos estarem lidando com 
sociedades de pequena escala era algo que favorecia a pretensão de estudá-las 
em sua totalidade. Por último, a antropologia demonstraria ter uma vocação 
para a abordagem holística da realidade. 
Em campo, a técnica privilegiada pelo etnógrafo é a “observação partici-
pante”, que prevê o convívio do pesquisador com a comunidade perscrutada. 
A proposta é interagir com as pessoas e procurar imergir no cotidianodo gru-
po social, inclusive através da participação em suas atividades e eventos. Não 
capítulo 1 • 29
somente conversar com as pessoas, fazer perguntas e entrevistas, mas viver a 
rotina do grupo implica o engajamento em atividades como a caça, a pesca, os 
rituais, as celebrações, as refeições. Durante sua estadia em campo, o etnógrafo 
escuta, observa, colhe dados, presta atenção aos detalhes e anota. Suas anota-
ções constarão de um caderno de campo.
CURIOSIDADE
Outras técnicas também muito acionadas na pesquisa de campo são o estudo de caso e a 
história de vida. Esta última modalidade, como a própria terminologia sugere, centra-se na 
reconstrução da trajetória de vida de uma pessoa, geralmente a partir de sua narrativa, mas 
também de documentos e registros. Já o estudo de caso propicia a análise focalizada de um 
assunto e a abordagem intensiva de uma realidade particular. O propósito é aprofundar uma 
situação social, discutindo suas várias dimensões e implicações.
Na produção das monografias clássicas – obras como Os Nuer de Evans-Pritchard 
e Andaman Islanders de Radcliffe-Brown – o esquema seguido era mais ou menos o 
mesmo. O antropólogo se deslocava para uma região distante do seu mundo fami-
liar para viver junto a grupo social exótico durante o intervalo de um a dois anos. Ele 
devia aprender a língua nativa, evitando o uso de intérpretes, mas costumava tam-
bém se servir de alguns informantes preferenciais. Ao estabelecer relações concre-
tas com os indivíduos, esperava-se que o antropólogo, distanciando-se tanto quanto 
possível dos valores de sua própria sociedade, fosse capaz de tornar inteligíveis as 
instituições e os costumes das chamadas sociedades primitivas, oferecendo uma 
descrição genuína da cultura nativa em seus próprios termos, e procurando mes-
mo capturar o ponto de vista nativo. Finalmente, as etnografias, então produzidas, 
eram, como já foi mencionado, estudos abrangentes que buscavam dar conta de 
todas as dimensões de uma sociedade desde o parentesco até a economia.
Predominou ainda nas monografias clássicas a perspectiva sincrônica, ou 
seja, a análise da sociedade no tempo presente. A proposta destes trabalhos era 
oferecer um retrato da sociedade, um relato dos vários aspectos da vida social 
real de um grupo no momento em que transcorriam e eram observados pelo 
antropólogo. Artifícios como o uso do presente do indicativo e a eliminação da 
perspectiva histórica congelam a ação, suspendem o tempo e criam a ilusão de 
que o objeto da descrição é contemporâneo ao leitor. Esta convenção narrativa 
ficou conhecida como “presente etnográfico”.
30 • capítulo 1
O autor de algumas das etnografias mais admiráveis da Antropologia Social 
Britânica, Sir. Edward E. Evans-Pritchard, teceu alguns comentários valiosos 
acerca do trabalho de campo a partir de reflexões sobre sua experiência pes-
soal. Evans-Pritchard insiste na importância de distinguir entre as ideias pré-
concebidas dos leigos a respeito das sociedades primitivas, as quais costumam 
ser desinformadas e preconceituosas, e, portanto, devem ser sim descartadas, 
e as ideias que o antropólogo leva para campo, as quais são fruto do seu conhe-
cimento científico e treinamento teórico. Ou seja, para ele é crucial que, como 
ocorre com qualquer outro pesquisador, o antropólogo inicie sua investigação 
orientado por um interesse teórico e que colha dados para testar hipóteses pre-
viamente formuladas a respeito da realidade estudada. 
Em contrapartida, ele ressalta que o encontro com a sociedade pesquisa-
da é sempre decisivo e pode redirecionar a abordagem para assuntos nem de 
longe suspeitados antes da incursão ao campo. Sua opinião, bom base em seu 
próprio caso, é que o antropólogo deve se deixar conduzir pelo que encontra em 
campo. Assim, Evans-Pritchard confessa:
Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os azande ti-
nham; e assim tive de me deixar guiar por eles. Não me interessava particularmente 
por vacas quando fui aos nuer, mas os nuer, sim; e assim tive aos poucos, querendo ou 
não, que me tornar um especialista em gado (EVANS-PRITCHARD, 2005, 204-205). 
Alteridade e etnocentrismo
Falar em alteridade é falar sobre a condição de ser do “outro” e, portanto, é algo 
que diz respeito ao jogo identidade/diferença. Sistemas de alteridade articulam 
a oposição “nós”/”eles” segundo uma gradação da diferença e podem conceber 
“outros” próximos (o vizinho), distantes (o estrangeiro; o primitivo) e absolutos 
(a natureza, os mortos). Do ponto de vista humanista, por exemplo, os animais 
encarnariam a alteridade máxima.
No panorama das ciências sociais, a Antropologia é a disciplina que institui 
a alteridade como seu objeto de estudo. Consiste em um saber que se arvora a 
competência de revelar a verdade do “outro”, de tornar uma outra realidade in-
teligível, de traduzir a diferença em termos familiares ou interpretar uma visão 
de mundo diferente. Em outros termos a tarefa da Antropologia já foi definida 
capítulo 1 • 31
de diversas maneiras – tradução, interpretação, decodificação, representação – 
mas o problema da alteridade se manteve.
CURIOSIDADE
Mesmo atualmente, com as mudanças no regime de alteridade com o qual a Antropologia 
trabalha, Mariza Peirano defende que a noção permanece central à disciplina. Hoje, deixou 
de prevalecer entre as antropologias metropolitanas a exigência de que o antropólogo viaje 
ao além-mar para um encontro com uma “alteridade radical”. Também, no caso da tradição 
brasileira, deu-se a inclusão de objetos de estudo mais “próximos”, além da consagrada pre-
ferência pela população indígena – representação máxima da diferença por aqui. Contudo, 
mesmo na chamada “Antropologia feita em casa”, trata-se de investigar um “outro”, ainda 
que próximo, e a questão da construção da distância, ainda que mínima, permanece central. 
Assim, Peirano observa que a alteridade mudou de dimensão, mas não foi eliminada porque 
é um aspecto fundante da disciplina, sem o qual ela não pode se reconhecer (Peirano, 1999).
É significativo que as próprias condições que permitiram o florescimento 
da Antropologia, no século XIX, envolvam um ambiente intelectual em que a 
noção de alteridade ganhava proeminência, afinal o contexto era o de confron-
to com o exotismo dos povos do além-mar – contatados alguns séculos antes. 
A construção do imaginário europeu sobre o “outro” se forjou ao longo de sé-
culos de narrativas de viajantes e conquistadores em um extenso período que 
cobre os descobrimentos, a conquista da América, o estabelecimento dos Im-
périos Coloniais, a organização do empreendimento missionário. Mas qual 
era a imagem dos povos do Novo Mundo que prevalecia na época? Eles eram 
representados ora como seres irracionais, infantis e tolos, ora como monstros, 
seres bestiais e perigosos. O ponto de partida era sempre o contraste com a ci-
vilização europeia, o que determinou que os chamados “primitivos” fossem en-
carados tanto pela ótica da falta: sem roupa, sem escrita e sem Estado, quanto 
pela ótica do desregramento: sexualidade desviante, canibalismo, crueldade. 
Segundo Rapport e Overing, o Ocidente adotou um sistema de alteridade 
pautado pelo princípio da exclusão. Neste sistema, os processos de constru-
ção da diferença e de caracterização do estranho como monstruoso implicam 
na instituição de fronteiras rígidas entre o “nós” e o “eles”, eliminando a pos-
sibilidade da interação. No discurso dos conquistadores, a imagem que surge 
dos povos do Novo Mundo corresponde a uma perfeita inversão daquilo que 
32 • capítulo 1
os europeus julgam ser a sua própria sociedade. O selvagem aparece então 
como a antítese do civilizado o que assegura que a diferença seja percebida 
como absoluta. A distância construída é tão abissal que sugere a negação da 
humanidade do “outro”. Assim, o esquema colonial de processamento da 
alteridade não somentereduziu a diferença ao exotismo, como promoveu a 
neutralização de sua potência, tratando de rebaixá-la para reafirmar a supe-
rioridade europeia (RAPPORT E OVERING, 2000). 
Contudo, a exclusão e a inferiorização não consistem nas únicas formas de 
apreensão da alteridade. Rapport e Overing sugerem que há também um regime 
inclusivo da alteridade característico dos índios da Amazônia. No sistema indí-
gena, o estranho e o desconhecido não deixam de ser encarados como monstros 
em potencial (o diferente pode sempre representar um perigo), no entanto tal 
sistema enfrenta o problema da neutralização dos poderes do “outro” prescre-
vendo como solução a assimilação destes poderes, o que no caso de alguns povos 
implica na prática do canibalismo ritual. A estratégia para lidar com os perigos da 
alteridade consiste na absorção dos poderes do “outro” através da antropofagia 
– no exemplo dos guerreiros tupinambás, isto se dava através da ingestão de um 
pedaço do corpo do inimigo (RAPPORT e OVERING, 2000). 
Resta pouca dúvida que apesar de se orientarem por princípios opostos – 
inclusão versus exclusão –, os dois modelos de enfrentamento da alteridade 
expostos aqui embutem preconceitos etnocêntricos. Tanto europeus como 
indígenas situam suas respectivas sociedades no centro do universo, identifi-
cando-se como os legítimos humanos e colocando a humanidade do “outro” 
em questão ou percebendo-o como uma criatura monstruosa, um ser despre-
zível ou um perigo. E, de fato, não poderia ser de outro modo se aceitamos a 
premissa de Claude Lévi-Strauss de que o etnocentrismo é um traço universal, 
igualmente compartilhado por todas as culturas. Nenhuma atitude seria mais 
característica do gênero humano do que a do grupo que duvida da humanidade 
alheia. Nas palavras de Lévi-Strauss:
Nas Grandes Antilhas alguns anos após a descoberta da América, enquanto os es-
panhóis enviavam comissões de investigação para indagar se os indígenas possuíam 
ou não alma, estes últimos dedicavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros para 
verificarem através de uma vigilância prolongada se o cadáver daqueles estava ou 
não sujeito à putrefação (LÉVI-STRAUSS, 1976, p 60).
capítulo 1 • 33
Os membros de uma determinada sociedade naturalmente consideram os 
seus próprios valores, costumes e crenças como os mais corretos e tendem a to-
má-los como parâmetro quando são confrontados com um modo de vida ou uma 
ideologia diferente. Ou seja, o etnocentrismo corresponde à avaliação cultural-
mente centrada que cada grupo faz do outro. A construção ou representação et-
nocêntrica do “outro” pode tanto rebaixá-lo ao nível dos animais, quanto elevá-lo 
ao nível dos deuses; pode tanto negar-lhe atributos humanos de valor, evocando 
sentimentos de desprezo e rejeição, como pode imputar ao “outro”, poderes má-
gicos, prescrevendo atitudes de medo ou reverência com relação a ele.
Em resumo, se a antropologia nasceu com a promessa de capturar a alteri-
dade e torná-la acessível a um “nós” europeu, ocidental, a corrente evolucionis-
ta fez isso sem se livrar do esquema intelectual etnocêntrico dominante em sua 
época, continuando a enquadrar a diferença a partir do princípio da exclusão. 
De fato, embora o conjunto disforme de exotismo encontrado no além-mar pas-
sasse a ser catalogado e organizado em tribos, costumes, estágios evolutivos, 
níveis tecnológicos e até em culturas, o evolucionismo manteve o rebaixamento 
da diferença; o “outro” continuou reduzido a um estatuto inferior. 
Porém, logo se tornou evidente que a viabilidade do projeto antropológico 
de conhecer a alteridade dependia de dois procedimentos metodológicos es-
senciais: a objetividade do olhar do etnógrafo e o distanciamento deste com 
relação aos valores de sua própria sociedade. Estas duas operações são consi-
deradas etapas básicas para a Antropologia se libertar da armadilha do etno-
centrismo. A disciplina passa a perseguir este empreendimento, tornando-se 
neste sentido bem sucedida, por meio do desenvolvimento do funcionalismo 
britânico e do culturalismo americano, abordados a seguir. 
No âmbito do culturalismo, ainda foi forjado um dos antídotos mais eficazes 
contra o etnocentrismo (assim como contra racismos e provincianismos afins), 
tratava-se da atitude de rejeitar o julgamento de outra cultura com base nos 
valores da nossa própria. O relativismo cultural preconizou que todas as cul-
turas deveriam ser consideradas igualmente válidas e compreendidas em seus 
próprios termos, já que são os preconceitos derivados do apego às convenções 
culturais às quais estamos familiarizados que nos impede de considerar aceitá-
vel o comportamento do outro. Do mesmo modo que nós tendemos a aprovar 
nossas próprias normas de conduta, as quais nos parecem absolutamente na-
turais, qualquer povo se reconhece em sua cultura, a qual se apresenta como 
bastante satisfatória para aqueles que a vivem. Inexiste assim medida absoluta 
34 • capítulo 1
para informar julgamentos, os valores são relativos e, portanto, a avaliação do 
costume do outro com base no que julgamos bom e aceitável representa um 
obstáculo ao conhecimento verdadeiramente antropológico. 
Antropologia social britânica 
Na Inglaterra, a Antropologia se desenvolveu em torno do estudo da chamada 
sociedade “primitiva”, definindo-se enquanto Antropologia Social. Seus pais 
fundadores, Bronislaw Malinowski – já mencionado por conta de seu pioneiris-
mo no método da observação participante – e Alfred Reginald Radcliffe-Brown 
(1881-1955) partiram de uma orientação funcionalista comum, porém, lança-
ram programas acentuadamente distintos para a disciplina. 
A doutrina funcionalista foi em grande medida uma reação ao evolucionis-
mo. A aposta na análise sincrônica dos eventos sociais se opunha claramente 
ao privilégio que as teorias evolucionistas conferiam ao eixo temporal, sobretu-
do, atestava a rejeição à história conjetural e às especulações quanto ao desen-
volvimento das sociedades – recursos estes largamente utilizados nos grandes 
esquemas evolutivos propostos. Outro recurso contestado pelos funcionalistas 
era a teoria das sobrevivências. Através dela, os evolucionistas articulavam pas-
sado e presente, defendendo que certos costumes herdados perdem o signifi-
cado com o tempo e as mudanças, mas persistem nas sociedades como meros 
resíduos da história, permanecem como sobrevivências do período em que 
tiveram alguma utilidade, sendo estas sobrevivências referenciadas como evi-
dência do processo evolutivo. A objeção dos funcionalistas com relação à teoria 
das sobrevivências é patente, e um efeito direto da proposição central desta cor-
rente de que tudo no sistema social tem uma funcionalidade. Costumes, insti-
tuições, comportamentos não existem ao acaso, nem podem ser considerados 
sobras da evolução, se eles continuam em funcionamento na estrutura social é 
porque têm um sentido, desempenham uma função dentro dela (DA MATTA, 
1981; ERIKSEN ; NIELSEN, 2007). 
Com efeito, a preferência pelos estudos sincrônicos e a inspiração no mo-
delo das ciências naturais são aspectos marcantes do funcionalismo que foram 
compartilhados por Malinowski e Radcliffe-Brown. Os dois antropólogos se va-
liam de analogias com processos biológicos. A sociedade podia então ser com-
parada a um organismo vivo, a um sistema integrado e em equilíbrio em que 
cada parte funciona para manter este estado de estabilidade, contribui para 
capítulo 1 • 35
sua continuidade. Malinowski aposta que cada costume desempenha uma de-
terminada função na totalidade social e dedica-se então a responder para que 
servem as instituições culturais dos “selvagens”. Já para Radcliffe-Brown, o ob-
jetivo é determinar as leis estruturais da sociedade. Outro aspecto fundamental 
é que, enquanto o programa de Radcliffe-Brown confere primazia ao conceito 
de estrutura social (obliterando a questão da ação social), a abordagem de Ma-
linowiskise abre para a agência dos indivíduos. 
De acordo com a corrente estrutural-funcionalista proposta por Radcliffe
-Brown, a Antropologia tem como objeto de investigação as relações de associa-
ção estabelecidas entre os seres humanos, as relações de pessoa a pessoa, como 
aquelas entre pais e filhos. É da observação direta desta realidade concreta que 
o antropólogo parte para poder alcançar as formas gerais, estruturais destas 
conexões e assim descrever a estrutura social em operação. Ou seja, o objetivo 
é identificar as regularidades a fim de atingir um modelo formal, e assim, as 
ações observadas só interessam na medida em que permitem derivar a ocor-
rência de uma forma geral de interação que se reproduz independentemente 
dos sujeitos envolvidos. Na explicação do próprio Radcliffe-Brown, temos que: 
As relações reais de Pedro, João e Antonio, ou o comportamento de Juca e Zeca 
podem ser anotados no nosso caderninho de notas e servir de exemplos para a 
nossa descrição geral. Mas o que necessitamos para fins científicos é de uma des-
crição da forma da estrutura. Por exemplo, se numa tribo australiana eu observo, em 
certo número de casos, o comportamento, uma com as outras, de pessoas que se 
acham na relação de irmão da mãe e filho da irmã, é a fim de poder registrar o mais 
precisamente possível a forma geral ou normal dessas relações, abstração feita das 
variações de casos particulares, se bem que levando em conta essas variações (RA-
DCLIFFE-BROWN, 1970, p 160-161). 
A estrutura social consiste, então, nesta configuração de tipo mais estável e 
constante baseada nas redes de relações sociais de determinada espécie e ins-
tituições sociais existentes. Nas comunidades chamadas tribais, por exemplo, 
as relações de parentesco permeiam todas as esferas da vida social e, portan-
to, constituem uma parte fundamental de sua estrutura social. Interessado em 
instituições do mesmo tipo, características por responder pelo funcionamento, 
integração e continuidade das estruturas sociais, Radcliffe-Brown dedicou-se 
ao estudo de fenômenos como as sanções sociais e o direito primitivo. 
36 • capítulo 1
Quanto a Malinowski, é lugar comum na disciplina contrastar dentro de sua 
produção a pobreza das proposições teóricas à riqueza das observações etnográ-
ficas. Uma das grandes censuras dirigidas ao antropólogo refere-se à tendência 
de explicar os costumes dos nativos em função de sua utilidade prática e do aten-
dimento às supostas necessidades de ordem orgânica. Assim, perde-se todo um 
campo para a aplicação da interpretação antropológica, e não podemos suspeitar 
o que se ganha, a partir de conclusões decepcionantes como a que segue: 
Para ser franco, eu diria que os conteúdos simbólico, representativo ou cerimonial do 
casamento têm, para o etnólogo, uma importância secundária... A verdadeira essência 
do ato do casamento é que, graças a uma cerimônia muito simples ou muito complicada, 
ele dá uma expressão pública, coletivamente reconhecida, ao fato de que dois indivíduos 
entram no estado matrimonial (MALINOWSKI apud LÉVI-STRAUSS, 1973, p 28). 
Mas a pergunta que fica é: “Por que então ir às tribos longínquas?” ironiza 
Lévi-Strauss. 
Por outro lado, a produção etnográfica malinowskiana é primorosa. Os Ar-
gonautas do Pacífico Ocidental apresentam um relato detalhado do kula, a ce-
rimônia ritual de troca de presentes dos trobriandeses que envolve expedições 
comerciais de diferentes grupos e em que basicamente circulam braceletes e 
colares de conchas com grande valor simbólico. O etnógrafo aborda os vários 
aspectos destas transações, desde seu caráter comercial, político, mágico, até a 
questão do prestígio em jogo. A preservação do termo trobriandês kula denota 
a preocupação do autor em ser fiel a uma categoria nativa que não possuía equi-
valente entre as noções ocidentais (PEIRANO, 1995). 
Ao investigar a organização do trabalho e a troca primitiva, Malinowiski in-
sistiu na racionalidade da conduta dos trobriandeses. Ele prestou atenção ao 
comportamento dos indivíduos, ao que move a ação social, muito mais do que 
às relações ou princípios das instituições descritas. 
Em sua etnografia, podemos visualizar indivíduos de carne e osso fazen-
do cálculos para agir, guiados por seus interesses pessoais, tomando decisões 
racionais, falando uma coisa e agindo de modo contrário, debatendo-se com 
suas paixões e ambições. Por conta destas características de Os Argonautas, seu 
autor às vezes é acusado de se prender às motivações individuais e de pender 
para explicações psicológicas da conduta cultural. Apesar de sua rica descrição 
das instituições sociais trobriandesas, o que prevaleceria na análise não seria o 
capítulo 1 • 37
peso da tradição, mas a força da ação individual motivada por interesses utili-
tários (LANNA, 1987). Inversamente, para outros comentadores, é este foco no 
ator social que responde por grande parte do fascínio exercido pela obra. 
Antropologia cultural
Nos Estados Unidos, foi o imigrante e judeu alemão Franz Boas (1858-1942) 
quem inaugurou a moderna tradição de estudos antropológicos, conhecida 
como culturalismo americano. Também um dos pioneiros na condução de 
pesquisa de campo entre “povos primitivos”, ele realizou expedições para estu-
dar os esquimós da Terra de Baffin e os índios kwakiutl da costa de Vancouver. 
Boas iniciou sua carreira contrapondo-se à orientação evolucionista dominan-
te na Antropologia norte-americana do final do século XIX. Foi responsável por 
elaborar críticas definitivas tanto à ideia de evolução social unilinear, quanto à 
crença de que existiriam diferenças inatas entre a mentalidade de civilizados 
e a de primitivos, desafiando a premissa da inferioridade destes últimos. Co-
erente com este posicionamento, ao longo da vida, ele também promoveu um 
ferrenho ataque ao conceito de raça, engajando-se em debate públicos contra o 
racismo e a favor da igualdade entre os povos.
Além da insatisfação com a classificação do mundo em povos mais ou me-
nos evoluídos, em primitivos e civilizados, Boas rejeitava a busca por leis uni-
versais de desenvolvimento social e a derivação de grandes generalizações a 
partir da comparação de fatos etnográficos similares, porém, subtraídos de 
seus contextos sociais. Sua atenção não se voltava para a elaboração de esque-
mas gerais, mas ao contrário, para a investigação das qualidades do particular, 
para o estudo do caso individual, o que o torna um adepto do individualismo 
metodológico. Deste modo, interessava-lhe compreender como uma cultura, 
reunindo um estoque especial de elementos, conferia ao todo um significado e 
uma orientação próprios. Seu problema era saber de que forma a ação de fato-
res geográficos e processos históricos podia influenciar na formação do caráter 
específico de determinada configuração cultural.
Um artigo de Boas de 1887, compilado por George Stocking, ilustra uma de 
suas divergências com os evolucionistas. Nele, Boas discute os critérios usados 
para organizar as coleções etnológicas em museus e critica o sistema adotado pelo 
curador de etnologia do Museu Nacional de Washington, Otis T. Mason, porque, 
primeiro, divide as invenções humanas como se fossem espécimes biológicos com 
38 • capítulo 1
base em sua aparência externa. Em segundo, por ser uma classificação centrada 
nos objetos e suas similaridades, o que não esclarece a respeito do estilo de cada 
grupo. O objetivo na forma de arranjo de Mason, ao mostrar diferentes exemplares 
de um tipo de artefato, por exemplo, armas (um conjunto de arcos, lanças e facas) é 
sugerir que, porque tiveram causas comuns, invenções semelhantes podem ser en-
contradas entre povos muito distantes e podem ser entendidas sem a necessidade 
de referência à sua conjuntura “tribal”. Boas julga que esse procedimento classi-
ficatório é arbitrário e não serve aos objetivos de uma coleção etnológica, princi-
palmente porquenão propicia o entendimento do significado, uso e finalidade do 
objeto dentro do seu contexto de origem, nem esclarece acerca de suas relações 
com outros elementos da cultura em questão. Assim, afirma ele:
Não podemos compreender o significado de um artefato singular se o consideramos 
fora do seu ambiente, fora do contexto das outras invenções do povo a que pertence 
e fora do contexto dos outros fenômenos que afetam esse povo e suas produções. 
Uma coleção de instrumentos usados para o mesmo fim ou feitos do mesmo mate-
rial ensina apenas que o homem em diferentes regiões da Terra tem feito invenções 
semelhantes. Por outro lado, uma coleção que representa a vida de uma tribo permite 
compreender muito melhor o espécime singular (STOCKING, 2004, p 87).
A objeção de Boas é com a forma de classificação museológica sem poten-
cial explicativo, que não permite a identificação das características que com-
põem o estilo de cada grupo e não favorece a apreensão da cultura como um 
todo. Seu ponto de vista fica ainda mais claro quando ele discute o exemplo 
hipotético de uma disposição de artefatos que combinasse uma coleção de ins-
trumentos como flautas e tambores indígenas e instrumentos musicais de uma 
orquestra moderna. O que tal coleção revelaria além do fato de que os povos se 
servem de meios similares para fazer música? Segundo ele, não é feita nenhu-
ma contribuição para a questão principal: as características da música de cada 
cultura. Nada é dito acerca dos diferentes estilos musicais que enfim é o que 
determina a produção dos instrumentos dentro de cada grupo. 
Como consequência, para Boas, “a tribo” – ou seja, o conjunto – e não o ob-
jeto – o elemento – deveria ser o critério para a organização das coleções etno-
lógicas, mesmo porque é só dentro de seu contexto cultural que um objeto dei-
xa entrever os sentidos que tem para o grupo e pode receber uma classificação 
adequada. Extraído o contexto, algo se perde. 
capítulo 1 • 39
O chocalho, por exemplo, não resulta simplesmente da ideia de produzir barulho, 
nem dos métodos tecnológico aplicados para atingir esse objetivo. Além disso, 
resulta de concepções religiosas, pois qualquer barulho pode ser empregado 
para  invocar ou afastar os espíritos; o pode  resultar do prazer que as crianças 
sentem com barulhos de qualquer tipo; sua forma pode ser característica da arte 
do povo (STOCKING, 2004, p 90).
Na verdade, ao discorrer sobre como deveria ser o tratamento da cultura 
material de um povo pelos museus etnológicos, defendendo a integração do 
elemento em seu conjunto cultural particular, o texto em tela apresenta, como 
bem observa Stocking, um dos pilares da Antropologia boasiana: a ideia de que 
cada cultura é uma totalidade que integra e confere significado às suas partes.
O argumento de que cada fenômeno cultural corresponde a uma combina-
ção de elementos segundo uma lógica e uma história próprias e que, portanto, 
deve ser estudado individualmente, tornou-se dominante na tradição ameri-
cana. Este postulado está na raiz da rejeição dos antropólogos boasianos ao 
método comparativo – tendência que radica em outro texto seminal de Boas, 
“As limitações do método comparativo” (1895), também escrito para refutar a 
forma arbitrária dos evolucionistas compararem traços de culturas diferentes e 
a partir disso tecerem generalizações impróprias. 
Na trilha do mestre, os alunos de Boas assumiram que a cada povo corres-
ponde uma cultura com perfil particular, ou seja, cada grupo se destaca por um 
conjunto de costumes, tradições e instituições. Neste sentido, merece destaque 
o trabalho da sucessora de Boas na cátedra de Antropologia da Universidade 
de Columbia, Ruth Benedict (1887-1948). Para Benedict, cada cultura escolhe 
apenas uma pequena porção de traços do grande arco de costumes e compor-
tamentos humanos possíveis. Esta combinação original responde pela feição 
característica que cada configuração cultural possui, em outros termos, con-
forma o “espírito” ou “ethos” de um povo, espécie de “personalidade coletiva” 
responsável por moldar uniformemente as emoções dos indivíduos. Cada cul-
tura dá forma aos seus variados elementos segundo um padrão, uma configura-
ção. Em cada uma, as instituições e normas de conduta tendem a uma direção, 
orientando seus membros a um determinado temperamento. 
40 • capítulo 1
Cultura: um conceito fundamental
Natureza e Cultura
Há vários caminhos possíveis para iniciarmos uma reflexão sobre as relações 
entre natureza e cultura. Uma das vias privilegiadas pela Antropologia tem sido 
a discussão sobre as origens da cultura. Os antropólogos têm oferecido diferen-
tes explicações para o fenômeno do surgimento da cultura, para o processo em 
que o homem se diferencia dos outros primatas. Esta é uma matéria que não 
tem sido disciplinada pelo consenso.
Uma das conjecturas mais célebres e controvertidas é a formulada pelo 
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Segundo ele, a passagem da nature-
za para a cultura se dá com o estabelecimento da primeira regra, da primeira 
convenção. Uma vez que a natureza corresponde ao reino do instinto, do uni-
versal, do indiscriminado, do comportamento não regrado, é somente quan-
do o homem institui a primeira convenção que estamos diante de um fato 
cultural. A norma por excelência que de acordo com a tese do autor marca o 
surgimento da cultura é a proibição do incesto. Considerando que somente o 
homem disciplina suas uniões matrimoniais e todos os grupos humanos cos-
tumam interditar relações sexuais com determinada categoria de mulheres, o 
autor conclui que a proibição do incesto corresponde à norma mais universal-
mente prescrita, ou seja, trata-se de uma imposição cultural que devido à sua 
abrangência quase se transverte em um comportamento constante, é quase 
um dado da natureza. Situada no limiar entre a esfera do universal, portanto, 
do natural, e o âmbito da cultura, ou seja, do ordenamento, do regramento, 
tal convenção responderia, para Lévi-Strauss, pela passagem do estado natu-
ral para o humano. Ademais, impedidos de desposarem suas parentes pró-
ximas, os homens são obrigados a trocarem mulheres, e esta troca recíproca 
responde pela gênese da socialidade humana (LÉVI-STRAUSS, 1982). 
Leslie White (1900-1975), por sua vez, trabalha com a hipótese de que a ori-
gem da diferenciação dos homens com relação aos animais está na capacidade 
mental de simbolização. É bem conhecida a afirmação dele de que o homem é 
o único animal capaz de apreciar a diferença entre água destilada e água benta. 
Com efeito, a faculdade de gerar símbolos, de compreender significados atri-
buídos a objetos, é uma faculdade precipuamente humana. O uso de símbolos 
define o homem enquanto um ser cultural (LARAIA, 1996; SAHLINS, 2003). 
capítulo 1 • 41
Outra teoria, hoje completamente desacreditada, admitia, como explica Ro-
que de Barros Laraia, a ocorrência de “um verdadeiro salto da natureza para a 
humanidade”. A ideia é que, em determinado momento, o aparelho biológico 
humano sofreu alterações definitivas que permitiram o surgimento repentino 
da cultura. Conhecida como “teoria do ponto crítico”, esta hipótese considera 
que foi somente quando se completou a evolução orgânica do homem, a partir de 
uma mudança genética extraordinária é que teve início o desenvolvimento cultu-
ral do homem. Todavia, a natureza não opera por saltos. As grandes mudanças 
na trajetória evolutiva do homem não ocorreram de repente, mas dependeram de 
um período de transição que remete a milhões de anos (LARAIA, 1996). 
Os achados da Paleontologia indicam sim que a aquisição de capacidades 
culturais esteve associada ao desenvolvimento do cérebro humano, porém, ao 
contrário do que se imaginava, a cultura não teve de esperar que a caixa craniana 
do homem atingisse a dimensão atual para surgir. Com efeito, a evolução dos ho-
minídeos dependeu de uma sequência longa e

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