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autor do original FERNANDO DE FIGUEIREDO BALIEIRO 1ª edição SESES rio de janeiro 2014 ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Conselho editorial magda maria ventura, lucia ferreira sasse e marina caprio Autor do original fernando de figueiredo balieiro Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção rodrigo azevedo de oliveira Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação paulo vitor bastos Revisão linguística aderbal torres bezerra Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) B186 Balieiro, Fernando de Figueiredo Aspectos antropológicos e sociológicos da Educação — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2014. 164 p 1. Educação. 2. Antropologia. 3. Sociologia. 4. Desenvolvimento. I. Título. cdd 370 Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063 Sumário Prefácio 7 1. Introdução à Aspectos Sociológicos e Antropológicos da Educação 9 Introdução 10 O homem como ser social 10 A Sociologia é uma ciência social 12 Breve história da ciência 13 As revoluções e as novas formas de organização social 14 O surgimento e o desenvolvimento da Sociologia 17 O positivismo 19 Iniciando nossa incursão pela Antropologia 23 Começo 23 Método 27 Alteridade e etnocentrismo 30 Antropologia social britânica 34 Antropologia cultural 37 Cultura: um conceito fundamental 40 Natureza e Cultura 40 O cultural e o biológico 45 Análise cultural 48 2. Os Clássicos da Sociologia e a Educação 55 Introdução 56 Émile Durkheim: elementos centrais da Sociologia dos “fatos sociais” 57 Solidariedade social 58 Para conhecer um pouco mais: Durkheim e a Educação 59 Karl Marx e a Sociologia dos conflitos sociais 60 Marx e o conceito de ideologia 62 Ideologia e herança marxista 66 Marx e a educação 66 Max Weber e a Sociologia compreensiva 70 Racionalização e burocracia 74 Max Weber e a educação 75 3. A Educação e as Teorias Sociais Contemporâneas 81 Introdução 82 O pensamento de Pierre Bourdieu 83 Habitus 83 Campo 85 Como Pierre Bourdieu enxerga a sociedade? 87 Gosto de classe e estilo de vida 87 O papel do Estado 90 Bourdieu e a Educação 90 Michel Foucault e a construção do sujeito 94 Arqueologia: o saber saber 95 Foucault: as tecnologias do poder (saber poder) 100 Ética e estética de si (o saber fazer) 104 Foucault e a Educação 106 4. Educação, Globalização e Desigualdades na Contemporaneidade 113 Introdução 114 Desigualdades socioeconômicas e diferenças sociais: cuidados conceituais 114 As diversas formas de desigualdades socioeconômicas 115 O sistema de castas 115 Os estamentos 116 As classes sociais 117 As desigualdades sociais no Brasil 119 As desigualdades educacionais 120 Estado, educação e cidadania 122 Globalização: um conceito atual? 125 Quais as características da globalização? 127 As contradições da globalização 128 Globalização e mídia 130 Os meios de comunicação de massa e a educação no Brasil 131 Qual o papel da educação na sociedade da informação? 132 Acerca do analfabetismo funcional e da exclusão digital 133 EAD e rede eletrônica 134 EAD: a fundamentação histórica de uma nova relação de aprendizagem 135 O início do EAD no Reino Unido 135 A criação da Open University: novas ferramentas, novas possibilidades de interlocução 136 O EAD surge no Brasil 137 EAD e os usuários da internet 138 Os anos 2000 e a tecnologia por trás do EAD 139 Usuários online versus usuários offline 141 Os sujeitos e as malhas do digital 142 Aluno e professor: sujeitos de um discurso nas malhas do digital 143 5. Educação e Diversidade Cultural 149 Introdução 150 Educação, cultura e socialização 150 Os estudos de gênero e sexualidade 155 Educação, gênero e sexualidade 160 7 Prefácio Prezados(as) alunos(as) Nesta disciplina, abordaremos os aspectos Antropológicos e Sociológicos da Educação. Focaremos os aspectos fundamentais dessas duas Ciências Sociais, a Antropologia e a Sociologia, abordando temas como: o homem enquanto ser social, o conceito de cultura, a socialização, as relações entre sociedade e escola, a escola como instância disciplinadora e normativa, a reprodução das desigualdades na es- cola, a escola na sociedade de informação, dentre outros. Como se vê são assuntos complexos que exigem reflexão aprofundada. Para tan- to, vamos adentrar as reflexões sobre o surgimento das duas ciências, suas grandes questões e seus maiores expoentes clássicos e contemporâneos para, em seguida, relacionarmos as reflexões próprias da Sociologia e Antropologia com a Educação. Bons estudos! Introdução à Aspectos Sociológicos e Antropológicos da Educação 1 10 • capítulo 1 Introdução No primeiro capítulo, apresentaremos os aspectos fundamentais das disciplinas de Sociologia e Antropologia, campos do saber que não envolvem apenas conhecimen- tos específicos, mas que propiciam um alargamento dos horizontes de pensamen- to, possibilitando a você rever muitas das ideias que traz em sua experiência. As disciplinas de Antropologia e Sociologia vêm, então, em seu auxílio na sua caminhada intelectual, apresentando diferentes visões sobre a realidade humana enquanto grupo que produz o que chamamos de “cultura” – esta que se manifesta socialmente. É importante entender o que é exatamente este ani- mal social que é o ser humano. Será que você já refletiu verdadeira e profunda- mente sobre quem é o ser humano – na verdade, quem somos nós? OBJETIVOS • Reconhecer o contexto de surgimento das disciplinas de Sociologia e Antropologia; • Refletir sobre a dimensão social do ser humano; • Identificar os aspectos fundamentais da perspectiva positivista; • Reconhecer o desenvolvimento da Antropologia enquanto ciência; • Definir o conceito antropológico de cultura; • Reconhecer o que é etnocentrismo; • Distinguir as diferenças iniciais de objeto entre a ciência sociológica e a antropológica. Qual foi a última vez que ouviu falar sobre ciências sociais? O que você achou que as definiu? Neste capítulo, vamos adentrar duas das ciências sociais, a Antro- pologia e a Sociologia e, então, você verá como são duas ciências que se debruçam sobre o caráter social do ser humano, mas com focos e metodologias distintas. O homem como ser social Todo ser humano vive em sociedade. Assim, pode-se dizer que todo homem é um ser social. Para entender o que é Sociologia, precisamos compreender quem é o ser humano e por que é necessária uma ciência para estudá-lo em sociedade. O homem não é apenas um conjunto de componentes físicos e orgânicos, ele é também um ser que pensa, sente, relaciona-se com outros homens, modifica a capítulo 1 • 11 natureza à sua volta e cria coisas novas. Para atuar no mundo em que vive, o ho- mem precisa passar por um aprendizado que lhe permita ter um comportamen- to adequado à convivência com outros seres iguais a ele. O homem eventualmen- te criado longe do convívio social é incapaz de se humanizar, deixando apenas aflorar suas características instintivas, assemelhando-se aos animais. Mas o que diferencia o homem dos animais? O homem é o único animal que não age apenas por instinto, porque ele passa por um processo de apren- dizado, de socialização e porque precisa da linguagem para se comunicar com seus semelhantes. A socialização é, então, um processo que dá o caráter hu- mano ao homem, diferenciando-o do animal. A educação (formal e informal) é fundamental para a socialização do ser humano. CONCEITO A educação formal é aquela em que o aprendizado depende da instituição escolar. A edu-cação informal, por sua vez, é aquela em que o indivíduo desenvolve o aprendizado fora da escola, em família, com amigos, nas igrejas etc. Quando socializado, o ser humano age socialmente, ou seja, suas ações, seus sentimentos e pensamentos estão diretamente ligados a outros seres hu- manos: é na convivência (boa ou ruim) com o outro que ele aprende a ser ho- mem. A socialização é, então, esse aprendizado. É pela socialização que o ser humano aprende a cultura de sua época, de seu lugar. O tema específico da cultura será visto mais para a frente. Por enquanto, o que importa, para se entender o que é Sociologia, é saber que a cultura é o con- junto de valores, hábitos, costumes e normas que organizam a vida em socieda- de. O homem adequado ao seu meio social é aquele que foi socializado, ou seja, aprendeu como agir socialmente. Veja como o ser humano se transforma em ser social: SER HUMANO EDUCAÇÃO APRENDIZAGEM SOCIALIZAÇÃO LINGUAGEM CULTURA SER SOCIAL 12 • capítulo 1 A Sociologia chama de socialização o processo pelo qual o indivíduo assimila os valores, as normas e as expectativas sociais de um grupo ou de uma sociedade. Esse processo, responsável pela transmissão da cultura, é contínuo e se inicia na família, quando se realiza a chamada socialização primária. Depois é assumido pela escola, pelo grupo de referência e pelas diferentes formas de treinamento e ajuste a que o indivíduo se submete no decorrer de sua existência e que ca- racterizam a socialização secundária” (COSTA, Cristina. Sociologia. Introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1997). Até aqui, vimos como se dá o processo de socialização dos seres humanos. Agora, vamos ver como entender esse processo pela Sociologia? A Sociologia é uma ciência social As formas de organização social do ser humano são objeto de estudo da Sociologia. Você achou estranho chamar de “objeto” de estudo? Mas é esse o termo que as ciências usam: o que elas estudam convencionou-se chamar de “objeto de estudo”, que é o alvo para o qual se direciona o estudo. A Sociologia é uma das três ciências sociais básicas, que são: a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política. Resumidamente, podemos dizer que a antropologia estuda mais especifica- mente as diferentes culturas no mundo (diferenças de costumes e valores de um lugar para outro, de um grupo para outro). A Ciência Política estuda as relações de poder que se estabelecem na sociedade (sejam nas relações cotidianas, como os poderes, entre homens e mulheres, patrões e empregados, pais e filhos, ou, no ambiente governamental, como nos cargos políticos). A Sociologia estuda as relações sociais que os homens estabelecem com outros homens por meio das instituições sociais (escola, família, Estado, igreja, sindicato, empresa etc.). Até hoje ainda existem pessoas que perguntam se é possível fazer ciência da sociedade ou se a Sociologia é mesmo uma ciência. Esta desconfiança é perfei- tamente compreensível, na medida em que sabemos o que é que está por trás das concepções que essas pessoas têm de ciência e de cientista: maçãs caindo das árvores e provando a força da gravidade; cientistas malucos que transferem líquidos coloridos de um vidro ao outro provocando fumaças; lunetas gigantes para conhecer os mistérios do céu; equações matemáticas monstruosas que capítulo 1 • 13 fundem a cabeça de qualquer mortal; corpos humanos e animais dissecados; ratinhos de laboratório etc. Mas, quando conhecemos a história da ciência em geral e das ciências sociais em particular, tudo começa a ficar mais claro, um pouco mais perto do real. Breve história da ciência A ciência – ou scientia – é conhecimento, saber sistematizado que busca leis universais e cuja legitimidade baseia-se na comprovação empírica: “é preciso ver para crer”, é preciso comprovar que a realidade é real. Esta visão de ciência, que está na base de nossa cultura e que sustenta os nossos valores, começou a ser formulada no século XVI, quando a percepção do mundo mudou signifi- cativamente. Nos séculos XVI e XVII, a perspectiva medieval de ciência, que se baseava na razão e na fé, mudou radicalmente, e o mundo, a partir de estudos da Física e da Astronomia, começou a ser compreendido como uma máquina. Copérnico, Galileu, Bacon, Descartes e Newton são os grandes cientistas dos séculos XVI e XVII, conhecidos como a Idade da Revolução Científica. Nicolau Copérnico (Itália) modifica a noção do mundo quando contraria a concepção geocêntrica da Igreja para defender sua concepção heliocêntri- ca, na qual a Terra não é o centro do universo. Galileu Galilei (Itália), que in- ventou o telescópio, foi pioneiro na abordagem empírica e no uso da descri- ção matemática da natureza e tornou-se referência nas teorias científicas até hoje. Francis Bacon (Inglaterra) foi o primeiro a formular uma teoria clara do método indutivo, ou seja, realizar experimentos e extrair deles conclusões gerais. Isaac Newton (Inglaterra) forneceu uma consistente teoria matemáti- ca, hoje conhecida como cálculo diferencial, para descrever o movimento dos corpos. Foi Newton quem inspirou sua teoria na famosa queda da maçã. René Descartes (França) é considerado o fundador da Filosofia moderna, com a qual pretendia criar uma nova ciência que fosse capaz de distinguir a verdade do erro em todos os campos do saber: a ciência é o conhecimento certo, é a verdade. Descartes, para quem ciência era sinônimo de Matemática, influenciou de forma marcante todos os ramos da ciência moderna, por isso merece destaque. É graças a ele que hoje as pessoas estão convencidas de que o método científico é o único meio válido para se compreender o universo. Tomando a dúvida como ponto fundamental de seu método, chamado de cartesiano, e duvidando de tudo, Descartes chegou à famosa afirmação Cogito, ergo sum: “Penso, logo existo”. 14 • capítulo 1 Assim, concluiu que o pensamento é a essência da natureza humana e que, por- tanto, tudo o que o ser humano pensa, intui (intuição) e deduz (dedução) é verda- deiro. Sua maior contribuição à ciência é seu método analítico, que consiste em de- compor pensamentos e problemas em partes e organizá-los em uma ordem lógica. Embora inegavelmente importante para o pensamento científico até hoje, o cartesianismo de Descartes foi responsável pela fragmentação do pensamen- to em geral e das disciplinas acadêmicas e também por alimentar a crença re- ducionista da ciência: todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser compreendidos quando reduzidos às suas partes. O cogito cartesiano, como passou a ser chamado, fundou o dualismo que separa a mente da matéria, a natureza dos seres humanos, o mundo físico do mundo social e espiritual. A atitude das pessoas em relação ao meio ambiente, à cultura e ao ser hu- mano em geral sofreu consideráveis transformações a partir de Descartes. Sua concepção mecanicista, que tinha o universo como um sistema mecâni- co, tornava homem e máquina uma mesma coisa. A ideia de tratar os organis- mos vivos – homens e animais – como nada mais do que máquinas teve con- sequências adversas tanto para as ciências humanas como para as ciências biológicas. Este reducionismo é evidente na Medicina, por exemplo, em que a adesão ao modelo cartesiano tem impedido os médicos de compreenderem muitas doenças, na medida em que entendem o corpo humano por partes, e não pelo todo. A Medicina Holística tem, nos últimos anos, procurado rom- per com esta compreensão mecanicista do corpo humano, propondo uma nova compreensão do corpo humano e de sua saúde. O paradigma mecanicista sustentou a ciência clássica do século XVI até o iní- cio do século XX, quando novas maneiras de compreender o conhecimento cien- tífico começaram a marcar presença e ser aceitas. O dualismo cartesiano foi uma das premissas mais importantes desse paradigma, mostrando que toda a histó- ria do conhecimento científico é ahistória da busca de uma verdade universal. As revoluções e as novas formas de organização social O final do século XVIII e o início do século XIX são marcados por dois aconte- cimentos históricos da maior importância: a Revolução Francesa e a chamada Revolução Industrial, que coincidiram com a desagregação da sociedade feu- dal e com a consolidação do capitalismo. Estes acontecimentos históricos gera- ram problemas sociais que os pensadores da época não conseguiram explicar. capítulo 1 • 15 Assim, o social e a sociedade começaram a requerer um olhar próprio, uma ci- ência própria que até então não existia. A Revolução Francesa foi responsável por inigualáveis transformações so- ciais e políticas, que ocorreram graças à proclamação de valores como liber- dade e igualdade e por uma, até então, inédita valorização do indivíduo como cidadão. O que hoje consideramos comum, como a democracia e o Estado de Direito, também nasceu nesse período. Foi com a Revolução Francesa que as pessoas passaram a ser vistas não ape- nas como portadoras de deveres, mas também de direitos. Elaborou-se, então, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens. A Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra e rapidamente se dis- seminou pela Europa e pelos Estados Unidos, não foi caracterizada somente pelas inovações técnicas a partir da máquina a vapor e pela industrialização crescente, mas também por um conjunto de mudanças sociais e econômicas importantes, como a consequente migração do campo para as cidades, o cres- cimento da urbanização e um admirável aumento da população. A Revolução Industrial foi um marco para a vida moderna porque se tra- ta, na verdade, de uma revolução científico-tecnológica que mudou a orga- nização social definitivamente. Num prazo relativamente curto, de cerca de 100 anos, a Europa de sítios, rendeiros e artesãos passou a ser uma Europa de cidades e indústrias. Com a indústria, a produção começa a ser feita num ritmo acelerado e o crescimento urbano passa a ser significativo, separando os espaços rurais dos espaços urbanos. Com as indústrias e essa nova forma de produção, a economia também mudou, deixando de ser agrária para ser industrial. Além disso, expandiu--se o comércio internacional em busca de matérias-primas e de escoamento das mercadorias produzidas. As principais mudanças ocorridas na sociedade em função da Revolução In- dustrial podem ser assim sintetizadas: Grande concentração humana nas cidades inglesas, uma vez que os camponeses saíram do campo em busca de nova vida nas cidades que surgiam em função das indústrias: há intensa migração do campo para a cidade; Substituição progressiva do trabalho humano por máquinas; 16 • capítulo 1 Divisão do trabalho em partes especializadas e necessidade de coordenação: o au- mento da produtividade se originou da organização do trabalho, e não do aumento das habilidades individuais; Mudanças culturais no trabalho: os novos trabalhadores das indústrias ainda esta- vam acostumados com o trabalho agrícola e o artesanato. Os industriais tiveram de impor uma disciplina desconhecida por esses trabalhadores, os quais tiveram que se submeter ao controle externo, exercido por capatazes; Produção de bens em grande quantidade: as máquinas aumentaram o ritmo da produção e a quantidade de bens produzidos, além de possibilitarem a homoge- neização (todos os bens saem iguais das máquinas, diferentemente dos bens feitos artesanalmente); Surgimento de novos papéis sociais: começa a se definir um contorno distinto para o capitalista (o empresário é dono das empresas e das máquinas, compra o trabalho dos outros) e para o operário (o trabalhador não possui nada além de sua força de trabalho e precisa vendê-la para se sustentar). Vamos continuar entendendo o contexto histórico que propiciou o surgi- mento da Sociologia? Nessa mesma época da Revolução Industrial (séc. XIX), houve um proces- so de revitalização da universidade, que se tornou, definitivamente, o lugar do saber por excelência. Com isso, configuraram-se a disciplinarização e a profis- sionalização do conhecimento. Como as ciências naturais nunca precisaram deste espaço institucionalizado para desenvolver seus trabalhos, pois sempre tiveram apoio dos governos, as transformações que aconteceram com a univer- sidade foram fundamentais para abrir espaço às ciências humanas e marcar distinções entre ciências naturais e humanas. As mudanças provocadas pelas duas grandes revoluções europeias, a ex- pansão do capitalismo (e, com ele, os interesses antagônicos) e a revitaliza- ção da universidade nos séculos XVIII e XIX – pe ríodo conhecido como Ilumi- nismo –, podem ser consideradas o cenário que contextualiza as origens das ciências sociais que surgem, exatamente, nesse período marcado por essas capítulo 1 • 17 transformações do meio social. De posse dessas informações sobre a contex- tualização histórica do surgimento da Sociologia, podemos seguir adiante para compreendermos algumas das características dessa ciência e o processo do seu desenvolvimento e consolidação como uma das formas de compreen- são da relação do homem com o seu meio social. O surgimento e o desenvolvimento da Sociologia A Sociologia é uma ciência e seu surgimento e consolidação como tal, junta- mente com suas especificidades e seus métodos próprios de investigação, dife- renciam-na dos saberes do senso comum, proferidos por nós quando analisa- mos nossos comportamentos e experiências interpessoais. Entendemos como senso comum ou conhecimento espontâneo o conhecimento que se acumula no nosso cotidiano (cheio de certezas e explicações imediatas) e que é transmi- tido de geração a geração por meio de nossos hábitos, costumes e tradições. Dessa maneira, acabamos reproduzindo ideias que não são nossas, mas que são assimiladas e tomadas por nós como verdadeiras, por isso temos sempre uma opinião a respeito de assuntos que muitas vezes nem conhecemos. CONCEITO O senso comum e a ciência são duas formas de conhecermos e explicarmos a realidade. Enquan- to o senso comum caracteriza-se pelo conhecimento que adquirimos em nosso cotidiano e que pode ser verdadeiro ou não, a ciência busca entender as razões e o porquê do acontecimento de determinados fenômenos. A Sociologia é uma ciência; portanto, difere do senso comum. O homem sempre se preocupou em compreender a si mesmo e o universo, mas foi somente no século XVIII, com uma série de eventos que ocorreram na Europa e transformaram profundamente as estruturas da sociedade, suprimin- do os pilares do velho regime feudal, incluindo o movimento intelectual do Ilu- minismo na França, que a “ciência” pôde se impor como uma maneira de pen- sar o mundo isenta dos pressupostos determinantes da religião e da tradição. Neste período, ocorreu também uma profunda valorização do homem, voltada para a crença na razão humana e nos seus poderes. Mais tarde, já no século XIX (1801-1900), com a Revolução Francesa, o pensamento sistemático sobre o mundo social foi acelerado, assim como a 18 • capítulo 1 necessidade dos homens de compreender os inúmeros problemas sociais de- correntes do processo de industrialização. Sendo assim, podemos dizer que a Sociologia surgiu sob as condições das mudanças que derivavam principal- mente do declínio do feudalismo, do fortalecimento do comércio e do surgi- mento de novos papéis sociais/especialização. Enfim, com a consolidação do sistema capitalista de produção, surgia uma nova mentalidade, em que a razão e o saber se voltavam para o mundo terreno. As ciências existentes não apresentavam explicações convincentes nem mesmo o instrumental necessário para a compreensão de todas estas mudan- ças. Necessitava-se, então, de uma nova ciência (utilizando o mesmo referen- cial das ciências naturais) para tentar fazer isso. Vamos entender, então, a que se propõe a Sociologia e o histórico do seu desenvolvimento?Turner (2003, p. 14), afirma que o objetivo da Sociologia é tornar as com- preensões cotidianas mais sistemáticas e precisas, pois essas percepções vão além de nossas experiências pessoais. A Sociologia busca compreender todos os símbolos culturais que os seres humanos usam e criam para interagir com a sociedade e organizá-la. “É o estudo dos fenômenos sociais, da interação e da organização social.” De forma diferente do que as outras disciplinas fazem, ao estudar os aspectos sociais da vida do homem, a Sociologia estuda o fato social em sua totalidade, ou seja, a visão sistêmica do pesquisador deve lhe dar condi- ções de perceber que cada ação social não está isolada na sociedade, mas sim que faz parte de um todo interligado, interferindo e sofrendo interferências. Para o sociólogo, o fato social é estudado não porque é econômico, jurídico, político, educacional ou religioso, mas porque é “social” e inclui tudo isso inde- pendentemente da especificidade de cada um. O pressuposto básico de uma aná- lise sociológica é que a vida dos seres humanos é composta por várias dimensões que se desenvolvem com o processo de interação social. Justamente estas intera- ções sociais são o objeto central de estudo da Sociologia. (DIAS, 2005). No período do surgimento da Sociologia, a visão mecanicista/cartesiana do mundo no século XVIII se estabelecia firmemente, assim foi inevitável que a física se tornasse, naturalmente, a base de todas as outras ciências, inclusi- ve da Sociologia. Dessa forma, na tentativa de compreender as condições das mudanças que ocorriam nas sociedades europeias e de conhecer suas prová- veis consequências, era premente que surgisse uma ciência da sociedade, a qual foi proclamada como “física social”. capítulo 1 • 19 O nascimento da Sociologia é atribuído tanto a Saint-Simon (1760-1825) quanto a Augusto Comte (1798-1857), ambos franceses, que procuravam uma “física social” com métodos baseados nas ciências naturais, de forma a encontrar leis universais que regessem os fenômenos sociais. O conheci- mento destas leis permitiria, segundo Comte, controlar o destino do mundo – daí sua famosa fórmula prévoir pour pouvoir (prever para poder), que refle- te, na verdade, o pensamento positivista que atribui à ciência a capacidade de prever e de controlar a ação. A Sociologia nasce com o positivismo. Mas o que é isso, exatamente? CURIOSIDADE O nome Sociologia foi proposto por Auguste Comte (imagem), em substituição ao termo Física Social, acreditando ser possí- vel submeter a ciência da sociedade aos mesmos pressupostos metodológicos advindos das ciências naturais. Acreditava tam- bém que descobrir as leis da organização da sociedade poderia significar a reconstrução de uma estrutura social mais humana. Seu pensamento enfatizava a sociedade europeia como exem- plo de evolução, defendendo a proposta da ordem e do progresso em oposição aos conflitos sociais presentes neste contexto (influência do positivismo). O positivismo O positivismo pode ser considerado o berço que embala a Sociologia há mais de um século, desde o seu nascimento. Assim, conhecer a história da Sociologia exige um conhecimento básico do positivismo, sobretudo por ele ser conside- rado um conjunto de pensamentos e ações que formam o sistema de vida típico do século XIX, mais do que apenas uma doutrina. Os positivistas eram pensadores conservadores que se preocupavam com a ordem, a estabilidade e a coesão social e consideravam que a sociedade mo- derna era dominada pela desordem, pela anarquia. Eles enfatizavam a impor- tância da disciplina, da autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores mo- rais para a conservação da vida social. A influência da doutrina positivista ficou marcada na bandeira do Brasil pelo lema “Ordem e progresso”. 20 • capítulo 1 Diante das transformações sociais que ocorriam no século XIX, eles viam a necessidade de criar uma ciência que resgatasse os princípios conservado- res, e não uma que objetivasse mudanças. Augusto Comte dividia hierarqui- camente a filosofia positiva em cinco ciências: Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Física Social. O “físico social” deveria, para Comte, buscar constantemente as leis uni- versais imutáveis nos fenômenos sociais, à semelhança do que ocorria na Físi- ca. Todos os fenômenos estudados deveriam ser observados, experimentados, comparados e classificados, para serem considerados verdadeiros e científicos. As características mais importantes do positivismo são: Empirismo: submissão da imaginação à observação, à experimentação e à comparação; Classificação dos fenômenos sociais da maneira como é feita com os fenômenos naturais; A ciência tem como função principal a capacidade de prever; O espírito humano deve investigar sobre o que é possível conhecer, eliminando a busca das causas; O conhecimento científico positivo deve buscar a certeza, a precisão e a ordem; Valorização das especializações e horror ao ecletismo. CONCEITO Emprirismo Doutrina filosófica que encara a experiência sensível como a única fonte fidedigna de co- nhecimento. O filósofo empirista baseia-se na observação e na experimentação para decidir o que é verdadeiro. Chega a conclusões através do emprego do método indutivo, baseado no que observou. capítulo 1 • 21 Ecletismo Diferentes gêneros ou opiniões. Método que reúne teses e sistemas diversos. Método filo- sófico dos que não seguem sistema algum, escolhendo de cada um a parte que lhes parece mais próxima da verdade. Como podemos perceber, a Sociologia surgiu como uma ciência social que tinha as ciências naturais como modelo, e os princípios do positivismo eram a maior representação disso. No esforço de organizar e estabilizar a nova or- dem social que surgia, parecia que, quanto mais exata, positiva e neutra fosse a ciência, melhor seria. REFLEXÃO De um modo geral, podemos dizer que as ciências humanas se diferenciam das ciências naturais pelo fato de o homem ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da investigação. Quando estudamos a sociedade, o comportamento social e as várias formas de interação social, somos, ao mesmo tempo, os investigadores da realidade social e os membros que compõem esta mesma realidade. Pense: pode uma ciência exata e neutra entender e explicar a sociedade e os homens nas relações sociais? Embora não seja desejável traçar linhas precisas que dividam a Sociologia em outras áreas de estudo, ela é uma ciência que precisa de métodos próprios, na medida em que o seu objeto de estudo, ao contrário dos objetos da Física, está em constante transformação. As ciências sociais diferem das ciências naturais em dois aspectos essenciais: 1 Consideram que as sociedades são criadas e recriadas pelas ações huma- nas o tempo todo; 2 Entende que a sociedade é historicamente construída. As formas de organização social que existem hoje não foram sempre assim, pois a sociedade não é estática. Pense, por exemplo, na estrutura familiar do século XIX e na dos dias de hoje. Com o passar do tempo, de forma geral, as mulheres conquistaram o 22 • capítulo 1 direito de trabalhar fora e de não mais desempenhar apenas o papel de mãe e de esposa dependente do marido. Elas se casam mais tarde ou nem se casam e muitas optam por não ter filhos. Elas, hoje, podem escolher o marido e não mais esperar um casamento arranjado pelos pais. Também não é necessário que as uniões sejam legalizadas no casamento civil ou que todos os casamen- tos sejam feitos com cerimônias religiosas. É muito comum que casamentos infelizes sejam desfeitos, e a mulher separada não gera mais tantos comen- tários perante a sociedade. O modelo de família nuclear clássico composto pelo pai, pela mãe e pelos filhos não é mais o modelo predominante. Hoje, é comum escutarmos casos de crianças que vivem um pouco na casa do pai e um pouco na casa da mãe. Os pais separados formam outras famílias.Os ca- samentos de homossexuais começam a ser legalizados em alguns países; em outros lugares, nem mesmo chegaram a ser condenados ou proibidos. Casais de homossexuais adotam crianças e formam uma família. Você está percebendo como as sociedades mudam sua forma de se organi- zar, seus valores e mesmo suas normas? A sociedade é construída e modificada pelos seres humanos diariamente. Assim, o ser humano e a sociedade são “objetos” de estudo em mutação. Com o passar do tempo, foi-se percebendo que, para estudar as sociedades, não era suficiente tratá-las como se fossem coisas. Imagine o seguinte: você deixa quatro cadeiras na sala de sua casa e viaja por dois anos. Quando você chega de volta e abre a porta da sala, o que você vê? As quatro cadeiras exatamente no mesmo lugar em que você as deixou. Claro que isso vai ocorrer se ninguém entrar na sua casa, se não acontecer nenhum terre- moto ou outros fatores externos. Agora, imagine uma sala com quatro pessoas e você faz o mesmo procedimento: sai para viajar por dois anos. Quando você volta, o que terá acontecido? As pessoas estarão no mesmo lugar, sem mudar nada, nem fazer nada, como se fossem cadeiras? Claro que não, pois as pessoas não são coisas, são seres sociais que transformam seu ambiente enquanto es- tabelecem relações sociais entre si. Então, a Sociologia, que nasce no século XIX para entender as novas caracte- rísticas da sociedade depois das Revoluções Industrial e Francesa, não poderia continuar sempre entendendo os homens como coisa, assim como a Química entende os componentes da matéria. Além de seu objeto estar sempre mudan- do, a Sociologia tem outra característica que a diferencia das ciências naturais e exatas: o pesquisador (cientista social) é também objeto de estudo da sua ci- capítulo 1 • 23 ência. Ao mesmo tempo em que o sociólogo observa um fenômeno social, pro- curando compreendê-lo, ele está sofrendo influências da sociedade. Ele não é neutro diante de seus estudos, por mais que procure ser objetivo, ou seja, ir direto ao ponto central da questão, sem rodeios ou influências de sentimentos pessoais. Quando se afirma que o cientista social deve ser objetivo, isso signi- fica que, mesmo sendo humanamente possível, ele não deve se deixar influen- ciar por suas próprias crenças e valores. Mas isso é muito difícil, se não impos- sível. Por exemplo, se o sociólogo tem preconceitos em relação aos negros, fica maior o desafio, para ele, de desenvolver um estudo “neutro” sobre o racismo. Se o sociólogo acha que a homossexualidade é uma aberração da humanidade, fica mais difícil para ele ser “objetivo” num estudo sobre esse tema. O caminho que liga ser humano e sociedade é um caminho de mão dupla: ambos relacionam-se, complentam-se, formam-se e tranformam-se. HOMEM SOCIEDADE Iniciando nossa incursão pela Antropologia Começo Efetivamente, o desenvolvimento da Antropologia enquanto disciplina aca- dêmica foi um processo gradual relacionado a personagens e condições particulares. Uma destas circunstâncias diz respeito à coleta de artefatos e informações sobre os então chamados “povos primitivos” e a organização de coleções etnográficas em museus nacionais da Europa e Estados Unidos no século XIX. Os objetos e dados coletados por viajantes, missionários e funcionários dos Impérios Coloniais na África e América eram classificados e catalogados por eruditos que se tornaram reconhecidos como especialis- tas em “sociedades primitivas”. A primeira geração de antropólogos estava, assim, vinculada aos museus e atrelada aos seus gabinetes, de onde formu- lavam suas teorias e grandes generalizações sobre povos remotos, com os 24 • capítulo 1 quais, salvo raras exceções, efetivamente nunca tinham tido contato, mas dispunham de informações compiladas por terceiros. A marca deste período formador da Antropologia é o predomínio do para- digma evolucionista. O evolucionismo pressupunha a existência de uma histó- ria universal e linear rumo ao progresso, porém, os diferentes grupos humanos se encontravam em fases desiguais de desenvolvimento. A sociedade ocidental europeia encarnava o nível mais adiantado de progresso alcançado pela huma- nidade, enquanto os demais povos, do Oriente, África, América e Austrália, ain- da estavam nos estágios inferiores da evolução. O que estes teóricos concebiam ser “a civilização” – e que correspondia evidentemente à sua própria sociedade – ostentava a forma mais complexa de cultura e organização social conhecida, marcada, entre outros traços, pela presença do pensamento científico, da pro- priedade privada, do governo, da religião monoteísta e do casamento mono- gâmico. Por outro lado, o que identificava os povos chamados de selvagens ou primitivos, segundo os evolucionistas, era justamente a ausência dos predica- dos previamente citados: sem escrita, sem Estado, sem economia de mercado, sem ciência, e daí por diante. Vivenciando uma condição de atraso, tais povos apresentariam configurações mais simples de parentesco, tecnologia e cren- ças. Suas leis consuetudinárias, comunismo, economia não monetária, magia, organização clânica e linhagens representavam as formas elementares das instituições humanas. No comentário perspicaz de Joannes Fabian, era como se europeus e “primitivos” compartilhassem o mesmo espaço, porém, não o mesmo tempo; as sociedades encontravam-se justapostas no espaço, mas não eram coevas, ou seja, não viviam o mesmo momento da história humana. Os evolucionistas olhavam para os africanos, ameríndios e indianos, e viam neles o passado da humanidade (Fabian, 1983). CONCEITO Leis consuetudinárias Leis impostas pela tradição, pelo costume, não escritas. Clãs e linhagens: são formas de agrupamento social encontradas nas sociedades “tribais”. Ameríndio Termo que designa o índio das Américas. capítulo 1 • 25 Dentre os mais notórios representantes da Antropologia Evolucionista, estão os britânicos Edward B. Tylor (1832-1917) e James Frazer (1854-1941), e o norte-americano Henry Morgan (1818-1881). Instituições como o direito, o parentesco, a magia e a religião figuravam entre os temas que mais desper- tavam o interesse destes teóricos. Extraídos de seu contexto social de origem e uso, os elementos e características de cada uma destas instituições eram separados e classificados dos mais simples aos mais complexos, sendo então dispostos em uma escala evolutiva. Crenças mágico-religiosas, técnicas, ins- trumentos e formas de organização social eram associados a estágios inferio- res ou superiores da evolução da humanidade. Segundo a teoria de Morgan, por exemplo, todos os grupos humanos poderiam caber em uma linha imagi- nária do tempo que partia da condição de selvageria, passava pela de barbárie e atingia a civilização (ERIKSEN;NIELSEN, 2007). Evidentemente, ao postular a irracionalidade e inferioridade das manifes- tações culturais dos povos do Novo Mundo, os evolucionistas não trouxeram análises muito satisfatórias sobre o funcionamento e o significado de suas insti- tuições, como por exemplo, a magia. Entretanto, ainda assim contribuíram deci- sivamente para que a humanidade dos povos selvagens deixasse de ser colocada em dúvida, demonstraram que tais homens não viviam segundo leis da natureza, mas obedeciam às normas de sua organização social, reconheceram a legitimi- dade da cultura destes povos e impuseram a relevância científica de seu estudo. Apesar de suas ambições pouco modestas – nada menos do que inventa- riar a diversidade dos costumes sociais e escalonar as sociedades humanas, por exemplo – e dos seus resultados pouco expressivos no tocante a um verdadeiro entendimento da realidade vivenciada pelos nativos, os evolucionistas lança- ram as bases da nova disciplina. Contudo, é por meio das inovações teórico-me- todológicas lançadas nas primeiras décadas do século XX que a antropologia transmuta-se em ciência socialmoderna. O rompimento definitivo com a abordagem evolucionista é manifesto atra- vés de duas operações essenciais. Por um lado, perde centralidade a dicotomia civilização/barbárie. Parece claramente insatisfatória a atitude de eleger a civi- lização ocidental como medida e modelo de desenvolvimento a partir do qual todas as outras formas de sociedade devem ser avaliadas e rotuladas. Por outro lado, deixa de figurar como obrigatória a análise diacrônica da cultura, ou seja, os fenômenos culturais não mais precisam ser situados no eixo da história para terem suas características reconhecidas e apreciadas. O costume nativo passa 26 • capítulo 1 a interessar não mais como exemplar de uma etapa da evolução social, nem como prova da irracionalidade de grupos humanos mais atrasados, mas sim como um elemento que ao lado de outros, constitui parte de uma cultura ou organização social, e é esta totalidade que cumpre estudar e reconstituir. Por outro lado, emerge também uma nova atitude com relação à prática de investigação, fruto de uma preocupação com as condições de coleta do dado etnográfico, com a origem dos relatos e a construção da base empírica da refle- xão antropológica. Passa a haver um interesse pela realização de pesquisa de primeira mão e pelo testemunho direto da vida nativa. Tais mudanças têm alguns marcos. Em 1898, é organizada a famosa Expedi- ção Cambridge ao Estreito de Torres que possibilitou a realização de pesquisa de campo entre os povos melanésios das ilhas entre a Austrália e a Nova Guiné. Co- ordenada pelo zoólogo A. C. Haddon, entre seus membros estavam: o psicólogo W. H. R. Rivers e o médico C. G. Seligman (STOCKING, 1992). O historiador Geor- ge Stocking refere-se a estes pesquisadores com formação profissional em outras áreas, mas pioneiros nos estudos etnográficos, de “geração intermediária”. Neste momento, já se estabelece um rigor metodológico na compilação de dados etnográficos e inicia-se a tendência do mesmo profissional assumir tan- to a tarefa de investigação quanto de análise da vida nativa. Até então, as coisas funcionavam de outro modo, como bem explica Godfrey Lienhardt: Nos primeiros dias da Antropologia, as qualidades de um estudioso que se empenha em coligir boas informações e as qualidades que levam à unificação e síntese dessas informações raramente se reuniam na mesma pessoa (LIENHARDT, 1965, p 35). Dito de outra forma, as figuras do pesquisador e do teórico, que no evolucio- nismo permaneciam apartadas, começam a ser unificadas (CLIFFORD, 2008). Este movimento se concretiza de forma lapidar no trabalho de Bronislaw Ma- linowiski (1884-1942), o polonês que veio para Londres estudar com Seligman, na London School of Economics, em busca da oportunidade de realizar traba- lho de campo em regiões remotas do mundo. Em 1922, ele publica Os Argonau- tas do Pacífico Ocidental, monografia que é fruto do seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriand no continente australiano, entre 1915 e 1918. São bem famosos e amplamente citados os trechos da introdução do livro quando Malinowiski aproxima o leitor da singularidade da experiência etnográfi- ca, relatando sua chegada à aldeia e seu primeiro encontro com os trobriandeses. capítulo 1 • 27 Assim inicia ele: “Imagine o leitor que, de repente, desembarca sozinho numa praia tropical, perto de uma aldeia nativa, rodeado pelo seu material, enquanto a lancha ou pequena baleeira que o trouxe navega até desaparecer de vista”. E depois segue: Imagine, agora, o leitor, entrando pela primeira vez na aldeia, sozinho ou na compa- nhia do seu cicerone branco. Alguns nativos juntam-se em seu redor, especialmente se pressentirem que há tabaco. Outros, mais distintos e idosos, mantêm-se sentados onde estão. O seu companheiro branco tem a sua forma habitual de lidar com os nativos e não compreende, nem parece querer compreender, a maneira como você enquanto etnógrafo, os terá de abordar” (MALINOWISKI, 1984, p.19-20). O trabalho desenvolvido por Malinowiski converte-se no modelo de pesqui- sa etnográfica por excelência. Ele se desloca para a aldeia para viver entre os nativos, participar de seu cotidiano, acompanhar cerimônias rituais e transa- ções econômicas, observar a conduta dos indivíduos e a realidade concreta da “tribo”. Ou seja, ele oferece uma receita metódica: primeiro a observação e o re- gistro detalhado dos fatos etnográficos, e depois, a elaboração dos dados, com o antropólogo escrevendo o que testemunhou, analisando as instituições e o comportamento dos nativos. Método A centralidade do método etnográfico para a Antropologia tende a ser tão pro- nunciada que chega a constituir parte do que tradicionalmente define a dis- ciplina. Como vimos, a pesquisa de campo intensiva nasce com a moderna Antropologia e torna-se uma exigência tanto para a confecção de monografias sobre os povos “exóticos” quanto para a legitimação do saber produzido sobre o outro. Mas, em que consiste tal método? Teria esse método sofrido transfor- mações desde que foi instituído? Em primeiro lugar, a ideia de pesquisa de campo implica que o pesqui- sador se desloque para o lugar que lhe propiciará o contato direto com seu objeto de estudo, ou seja, ele vai a campo e lá permanece o intervalo de tempo 28 • capítulo 1 necessário para testemunhar os fatos que deseja interpretar ou analisar. Tra- dicionalmente, o “campo” do antropólogo era uma “aldeia”, em geral na Áfri- ca, América ou em uma ilha do Pacífico. Hoje, o lócus da investigação etnográ- fica pode ser uma empresa, um hospital ou mesmo um arquivo. O campo se refere ao lugar ou cenário onde o antropólogo procede às suas observações. Em segundo, as notórias palavras de advertência de Clifford Geertz: “Os an- tropólogos estudam nas aldeias e não as aldeias”. Esta distinção é cabal porque o que interessa é o que o pesquisador procura, para quais fatos dirige seu olhar investigativo, que perguntas faz e que teoria lhe guia. Com efeito, o próprio modo como os antropólogos tendem a falar con- tribui para certa confusão, eles dizem “Evans-Pritchard estudou os nuer”, o que significa que Evans-Pritchard realizou pesquisa de campo na aldeia dos nuer e escreveu sobre sua economia, parentesco e até sobre a geografia da aldeia. Mas, é fato também, que o modelo das monografias clássicas pretendia abarcar boa parte dos (se não todos os) aspectos da vida social de um povo ou da totalida- de de uma cultura, abordando sua economia, relações de parentesco, sistema mágico-religioso, poder político. Ao deixar pouca coisa de fora (incluindo até o ambiente físico, o clima), parecia que era um trabalho sobre a comunidade toda. Mas, o modelo de estudos seguido se explica por um conjunto de razões. Primeiramente, pelo fato de que no caso das chamadas “sociedades primiti- vas” e dos “grupos ameríndios”, os diferentes planos da vida social se articulam ou sobrepõem o que, por exemplo, exige que ao discutir chefia indígena fale- se também em relações de descendência, afinal, estamos diante de sociedades que não trazem a marca do processo de racionalização e autonomização das es- feras da vida próprio da modernidade, nos termos de Max Weber. Também faz sentido discorrer sobre clima, vegetação e topografia uma vez que nestas for- mações sociais a agricultura e o calendário de festas encontram-se associados e por sua vez dependem das variações climáticas e demais fenômenos naturais, em suma. Em segundo lugar, o fato de os antropólogos estarem lidando com sociedades de pequena escala era algo que favorecia a pretensão de estudá-las em sua totalidade. Por último, a antropologia demonstraria ter uma vocação para a abordagem holística da realidade. Em campo, a técnica privilegiada pelo etnógrafo é a “observação partici- pante”, que prevê o convívio do pesquisador com a comunidade perscrutada. A proposta é interagir com as pessoas e procurar imergir no cotidianodo gru- po social, inclusive através da participação em suas atividades e eventos. Não capítulo 1 • 29 somente conversar com as pessoas, fazer perguntas e entrevistas, mas viver a rotina do grupo implica o engajamento em atividades como a caça, a pesca, os rituais, as celebrações, as refeições. Durante sua estadia em campo, o etnógrafo escuta, observa, colhe dados, presta atenção aos detalhes e anota. Suas anota- ções constarão de um caderno de campo. CURIOSIDADE Outras técnicas também muito acionadas na pesquisa de campo são o estudo de caso e a história de vida. Esta última modalidade, como a própria terminologia sugere, centra-se na reconstrução da trajetória de vida de uma pessoa, geralmente a partir de sua narrativa, mas também de documentos e registros. Já o estudo de caso propicia a análise focalizada de um assunto e a abordagem intensiva de uma realidade particular. O propósito é aprofundar uma situação social, discutindo suas várias dimensões e implicações. Na produção das monografias clássicas – obras como Os Nuer de Evans-Pritchard e Andaman Islanders de Radcliffe-Brown – o esquema seguido era mais ou menos o mesmo. O antropólogo se deslocava para uma região distante do seu mundo fami- liar para viver junto a grupo social exótico durante o intervalo de um a dois anos. Ele devia aprender a língua nativa, evitando o uso de intérpretes, mas costumava tam- bém se servir de alguns informantes preferenciais. Ao estabelecer relações concre- tas com os indivíduos, esperava-se que o antropólogo, distanciando-se tanto quanto possível dos valores de sua própria sociedade, fosse capaz de tornar inteligíveis as instituições e os costumes das chamadas sociedades primitivas, oferecendo uma descrição genuína da cultura nativa em seus próprios termos, e procurando mes- mo capturar o ponto de vista nativo. Finalmente, as etnografias, então produzidas, eram, como já foi mencionado, estudos abrangentes que buscavam dar conta de todas as dimensões de uma sociedade desde o parentesco até a economia. Predominou ainda nas monografias clássicas a perspectiva sincrônica, ou seja, a análise da sociedade no tempo presente. A proposta destes trabalhos era oferecer um retrato da sociedade, um relato dos vários aspectos da vida social real de um grupo no momento em que transcorriam e eram observados pelo antropólogo. Artifícios como o uso do presente do indicativo e a eliminação da perspectiva histórica congelam a ação, suspendem o tempo e criam a ilusão de que o objeto da descrição é contemporâneo ao leitor. Esta convenção narrativa ficou conhecida como “presente etnográfico”. 30 • capítulo 1 O autor de algumas das etnografias mais admiráveis da Antropologia Social Britânica, Sir. Edward E. Evans-Pritchard, teceu alguns comentários valiosos acerca do trabalho de campo a partir de reflexões sobre sua experiência pes- soal. Evans-Pritchard insiste na importância de distinguir entre as ideias pré- concebidas dos leigos a respeito das sociedades primitivas, as quais costumam ser desinformadas e preconceituosas, e, portanto, devem ser sim descartadas, e as ideias que o antropólogo leva para campo, as quais são fruto do seu conhe- cimento científico e treinamento teórico. Ou seja, para ele é crucial que, como ocorre com qualquer outro pesquisador, o antropólogo inicie sua investigação orientado por um interesse teórico e que colha dados para testar hipóteses pre- viamente formuladas a respeito da realidade estudada. Em contrapartida, ele ressalta que o encontro com a sociedade pesquisa- da é sempre decisivo e pode redirecionar a abordagem para assuntos nem de longe suspeitados antes da incursão ao campo. Sua opinião, bom base em seu próprio caso, é que o antropólogo deve se deixar conduzir pelo que encontra em campo. Assim, Evans-Pritchard confessa: Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os azande ti- nham; e assim tive de me deixar guiar por eles. Não me interessava particularmente por vacas quando fui aos nuer, mas os nuer, sim; e assim tive aos poucos, querendo ou não, que me tornar um especialista em gado (EVANS-PRITCHARD, 2005, 204-205). Alteridade e etnocentrismo Falar em alteridade é falar sobre a condição de ser do “outro” e, portanto, é algo que diz respeito ao jogo identidade/diferença. Sistemas de alteridade articulam a oposição “nós”/”eles” segundo uma gradação da diferença e podem conceber “outros” próximos (o vizinho), distantes (o estrangeiro; o primitivo) e absolutos (a natureza, os mortos). Do ponto de vista humanista, por exemplo, os animais encarnariam a alteridade máxima. No panorama das ciências sociais, a Antropologia é a disciplina que institui a alteridade como seu objeto de estudo. Consiste em um saber que se arvora a competência de revelar a verdade do “outro”, de tornar uma outra realidade in- teligível, de traduzir a diferença em termos familiares ou interpretar uma visão de mundo diferente. Em outros termos a tarefa da Antropologia já foi definida capítulo 1 • 31 de diversas maneiras – tradução, interpretação, decodificação, representação – mas o problema da alteridade se manteve. CURIOSIDADE Mesmo atualmente, com as mudanças no regime de alteridade com o qual a Antropologia trabalha, Mariza Peirano defende que a noção permanece central à disciplina. Hoje, deixou de prevalecer entre as antropologias metropolitanas a exigência de que o antropólogo viaje ao além-mar para um encontro com uma “alteridade radical”. Também, no caso da tradição brasileira, deu-se a inclusão de objetos de estudo mais “próximos”, além da consagrada pre- ferência pela população indígena – representação máxima da diferença por aqui. Contudo, mesmo na chamada “Antropologia feita em casa”, trata-se de investigar um “outro”, ainda que próximo, e a questão da construção da distância, ainda que mínima, permanece central. Assim, Peirano observa que a alteridade mudou de dimensão, mas não foi eliminada porque é um aspecto fundante da disciplina, sem o qual ela não pode se reconhecer (Peirano, 1999). É significativo que as próprias condições que permitiram o florescimento da Antropologia, no século XIX, envolvam um ambiente intelectual em que a noção de alteridade ganhava proeminência, afinal o contexto era o de confron- to com o exotismo dos povos do além-mar – contatados alguns séculos antes. A construção do imaginário europeu sobre o “outro” se forjou ao longo de sé- culos de narrativas de viajantes e conquistadores em um extenso período que cobre os descobrimentos, a conquista da América, o estabelecimento dos Im- périos Coloniais, a organização do empreendimento missionário. Mas qual era a imagem dos povos do Novo Mundo que prevalecia na época? Eles eram representados ora como seres irracionais, infantis e tolos, ora como monstros, seres bestiais e perigosos. O ponto de partida era sempre o contraste com a ci- vilização europeia, o que determinou que os chamados “primitivos” fossem en- carados tanto pela ótica da falta: sem roupa, sem escrita e sem Estado, quanto pela ótica do desregramento: sexualidade desviante, canibalismo, crueldade. Segundo Rapport e Overing, o Ocidente adotou um sistema de alteridade pautado pelo princípio da exclusão. Neste sistema, os processos de constru- ção da diferença e de caracterização do estranho como monstruoso implicam na instituição de fronteiras rígidas entre o “nós” e o “eles”, eliminando a pos- sibilidade da interação. No discurso dos conquistadores, a imagem que surge dos povos do Novo Mundo corresponde a uma perfeita inversão daquilo que 32 • capítulo 1 os europeus julgam ser a sua própria sociedade. O selvagem aparece então como a antítese do civilizado o que assegura que a diferença seja percebida como absoluta. A distância construída é tão abissal que sugere a negação da humanidade do “outro”. Assim, o esquema colonial de processamento da alteridade não somentereduziu a diferença ao exotismo, como promoveu a neutralização de sua potência, tratando de rebaixá-la para reafirmar a supe- rioridade europeia (RAPPORT E OVERING, 2000). Contudo, a exclusão e a inferiorização não consistem nas únicas formas de apreensão da alteridade. Rapport e Overing sugerem que há também um regime inclusivo da alteridade característico dos índios da Amazônia. No sistema indí- gena, o estranho e o desconhecido não deixam de ser encarados como monstros em potencial (o diferente pode sempre representar um perigo), no entanto tal sistema enfrenta o problema da neutralização dos poderes do “outro” prescre- vendo como solução a assimilação destes poderes, o que no caso de alguns povos implica na prática do canibalismo ritual. A estratégia para lidar com os perigos da alteridade consiste na absorção dos poderes do “outro” através da antropofagia – no exemplo dos guerreiros tupinambás, isto se dava através da ingestão de um pedaço do corpo do inimigo (RAPPORT e OVERING, 2000). Resta pouca dúvida que apesar de se orientarem por princípios opostos – inclusão versus exclusão –, os dois modelos de enfrentamento da alteridade expostos aqui embutem preconceitos etnocêntricos. Tanto europeus como indígenas situam suas respectivas sociedades no centro do universo, identifi- cando-se como os legítimos humanos e colocando a humanidade do “outro” em questão ou percebendo-o como uma criatura monstruosa, um ser despre- zível ou um perigo. E, de fato, não poderia ser de outro modo se aceitamos a premissa de Claude Lévi-Strauss de que o etnocentrismo é um traço universal, igualmente compartilhado por todas as culturas. Nenhuma atitude seria mais característica do gênero humano do que a do grupo que duvida da humanidade alheia. Nas palavras de Lévi-Strauss: Nas Grandes Antilhas alguns anos após a descoberta da América, enquanto os es- panhóis enviavam comissões de investigação para indagar se os indígenas possuíam ou não alma, estes últimos dedicavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros para verificarem através de uma vigilância prolongada se o cadáver daqueles estava ou não sujeito à putrefação (LÉVI-STRAUSS, 1976, p 60). capítulo 1 • 33 Os membros de uma determinada sociedade naturalmente consideram os seus próprios valores, costumes e crenças como os mais corretos e tendem a to- má-los como parâmetro quando são confrontados com um modo de vida ou uma ideologia diferente. Ou seja, o etnocentrismo corresponde à avaliação cultural- mente centrada que cada grupo faz do outro. A construção ou representação et- nocêntrica do “outro” pode tanto rebaixá-lo ao nível dos animais, quanto elevá-lo ao nível dos deuses; pode tanto negar-lhe atributos humanos de valor, evocando sentimentos de desprezo e rejeição, como pode imputar ao “outro”, poderes má- gicos, prescrevendo atitudes de medo ou reverência com relação a ele. Em resumo, se a antropologia nasceu com a promessa de capturar a alteri- dade e torná-la acessível a um “nós” europeu, ocidental, a corrente evolucionis- ta fez isso sem se livrar do esquema intelectual etnocêntrico dominante em sua época, continuando a enquadrar a diferença a partir do princípio da exclusão. De fato, embora o conjunto disforme de exotismo encontrado no além-mar pas- sasse a ser catalogado e organizado em tribos, costumes, estágios evolutivos, níveis tecnológicos e até em culturas, o evolucionismo manteve o rebaixamento da diferença; o “outro” continuou reduzido a um estatuto inferior. Porém, logo se tornou evidente que a viabilidade do projeto antropológico de conhecer a alteridade dependia de dois procedimentos metodológicos es- senciais: a objetividade do olhar do etnógrafo e o distanciamento deste com relação aos valores de sua própria sociedade. Estas duas operações são consi- deradas etapas básicas para a Antropologia se libertar da armadilha do etno- centrismo. A disciplina passa a perseguir este empreendimento, tornando-se neste sentido bem sucedida, por meio do desenvolvimento do funcionalismo britânico e do culturalismo americano, abordados a seguir. No âmbito do culturalismo, ainda foi forjado um dos antídotos mais eficazes contra o etnocentrismo (assim como contra racismos e provincianismos afins), tratava-se da atitude de rejeitar o julgamento de outra cultura com base nos valores da nossa própria. O relativismo cultural preconizou que todas as cul- turas deveriam ser consideradas igualmente válidas e compreendidas em seus próprios termos, já que são os preconceitos derivados do apego às convenções culturais às quais estamos familiarizados que nos impede de considerar aceitá- vel o comportamento do outro. Do mesmo modo que nós tendemos a aprovar nossas próprias normas de conduta, as quais nos parecem absolutamente na- turais, qualquer povo se reconhece em sua cultura, a qual se apresenta como bastante satisfatória para aqueles que a vivem. Inexiste assim medida absoluta 34 • capítulo 1 para informar julgamentos, os valores são relativos e, portanto, a avaliação do costume do outro com base no que julgamos bom e aceitável representa um obstáculo ao conhecimento verdadeiramente antropológico. Antropologia social britânica Na Inglaterra, a Antropologia se desenvolveu em torno do estudo da chamada sociedade “primitiva”, definindo-se enquanto Antropologia Social. Seus pais fundadores, Bronislaw Malinowski – já mencionado por conta de seu pioneiris- mo no método da observação participante – e Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) partiram de uma orientação funcionalista comum, porém, lança- ram programas acentuadamente distintos para a disciplina. A doutrina funcionalista foi em grande medida uma reação ao evolucionis- mo. A aposta na análise sincrônica dos eventos sociais se opunha claramente ao privilégio que as teorias evolucionistas conferiam ao eixo temporal, sobretu- do, atestava a rejeição à história conjetural e às especulações quanto ao desen- volvimento das sociedades – recursos estes largamente utilizados nos grandes esquemas evolutivos propostos. Outro recurso contestado pelos funcionalistas era a teoria das sobrevivências. Através dela, os evolucionistas articulavam pas- sado e presente, defendendo que certos costumes herdados perdem o signifi- cado com o tempo e as mudanças, mas persistem nas sociedades como meros resíduos da história, permanecem como sobrevivências do período em que tiveram alguma utilidade, sendo estas sobrevivências referenciadas como evi- dência do processo evolutivo. A objeção dos funcionalistas com relação à teoria das sobrevivências é patente, e um efeito direto da proposição central desta cor- rente de que tudo no sistema social tem uma funcionalidade. Costumes, insti- tuições, comportamentos não existem ao acaso, nem podem ser considerados sobras da evolução, se eles continuam em funcionamento na estrutura social é porque têm um sentido, desempenham uma função dentro dela (DA MATTA, 1981; ERIKSEN ; NIELSEN, 2007). Com efeito, a preferência pelos estudos sincrônicos e a inspiração no mo- delo das ciências naturais são aspectos marcantes do funcionalismo que foram compartilhados por Malinowski e Radcliffe-Brown. Os dois antropólogos se va- liam de analogias com processos biológicos. A sociedade podia então ser com- parada a um organismo vivo, a um sistema integrado e em equilíbrio em que cada parte funciona para manter este estado de estabilidade, contribui para capítulo 1 • 35 sua continuidade. Malinowski aposta que cada costume desempenha uma de- terminada função na totalidade social e dedica-se então a responder para que servem as instituições culturais dos “selvagens”. Já para Radcliffe-Brown, o ob- jetivo é determinar as leis estruturais da sociedade. Outro aspecto fundamental é que, enquanto o programa de Radcliffe-Brown confere primazia ao conceito de estrutura social (obliterando a questão da ação social), a abordagem de Ma- linowiskise abre para a agência dos indivíduos. De acordo com a corrente estrutural-funcionalista proposta por Radcliffe -Brown, a Antropologia tem como objeto de investigação as relações de associa- ção estabelecidas entre os seres humanos, as relações de pessoa a pessoa, como aquelas entre pais e filhos. É da observação direta desta realidade concreta que o antropólogo parte para poder alcançar as formas gerais, estruturais destas conexões e assim descrever a estrutura social em operação. Ou seja, o objetivo é identificar as regularidades a fim de atingir um modelo formal, e assim, as ações observadas só interessam na medida em que permitem derivar a ocor- rência de uma forma geral de interação que se reproduz independentemente dos sujeitos envolvidos. Na explicação do próprio Radcliffe-Brown, temos que: As relações reais de Pedro, João e Antonio, ou o comportamento de Juca e Zeca podem ser anotados no nosso caderninho de notas e servir de exemplos para a nossa descrição geral. Mas o que necessitamos para fins científicos é de uma des- crição da forma da estrutura. Por exemplo, se numa tribo australiana eu observo, em certo número de casos, o comportamento, uma com as outras, de pessoas que se acham na relação de irmão da mãe e filho da irmã, é a fim de poder registrar o mais precisamente possível a forma geral ou normal dessas relações, abstração feita das variações de casos particulares, se bem que levando em conta essas variações (RA- DCLIFFE-BROWN, 1970, p 160-161). A estrutura social consiste, então, nesta configuração de tipo mais estável e constante baseada nas redes de relações sociais de determinada espécie e ins- tituições sociais existentes. Nas comunidades chamadas tribais, por exemplo, as relações de parentesco permeiam todas as esferas da vida social e, portan- to, constituem uma parte fundamental de sua estrutura social. Interessado em instituições do mesmo tipo, características por responder pelo funcionamento, integração e continuidade das estruturas sociais, Radcliffe-Brown dedicou-se ao estudo de fenômenos como as sanções sociais e o direito primitivo. 36 • capítulo 1 Quanto a Malinowski, é lugar comum na disciplina contrastar dentro de sua produção a pobreza das proposições teóricas à riqueza das observações etnográ- ficas. Uma das grandes censuras dirigidas ao antropólogo refere-se à tendência de explicar os costumes dos nativos em função de sua utilidade prática e do aten- dimento às supostas necessidades de ordem orgânica. Assim, perde-se todo um campo para a aplicação da interpretação antropológica, e não podemos suspeitar o que se ganha, a partir de conclusões decepcionantes como a que segue: Para ser franco, eu diria que os conteúdos simbólico, representativo ou cerimonial do casamento têm, para o etnólogo, uma importância secundária... A verdadeira essência do ato do casamento é que, graças a uma cerimônia muito simples ou muito complicada, ele dá uma expressão pública, coletivamente reconhecida, ao fato de que dois indivíduos entram no estado matrimonial (MALINOWSKI apud LÉVI-STRAUSS, 1973, p 28). Mas a pergunta que fica é: “Por que então ir às tribos longínquas?” ironiza Lévi-Strauss. Por outro lado, a produção etnográfica malinowskiana é primorosa. Os Ar- gonautas do Pacífico Ocidental apresentam um relato detalhado do kula, a ce- rimônia ritual de troca de presentes dos trobriandeses que envolve expedições comerciais de diferentes grupos e em que basicamente circulam braceletes e colares de conchas com grande valor simbólico. O etnógrafo aborda os vários aspectos destas transações, desde seu caráter comercial, político, mágico, até a questão do prestígio em jogo. A preservação do termo trobriandês kula denota a preocupação do autor em ser fiel a uma categoria nativa que não possuía equi- valente entre as noções ocidentais (PEIRANO, 1995). Ao investigar a organização do trabalho e a troca primitiva, Malinowiski in- sistiu na racionalidade da conduta dos trobriandeses. Ele prestou atenção ao comportamento dos indivíduos, ao que move a ação social, muito mais do que às relações ou princípios das instituições descritas. Em sua etnografia, podemos visualizar indivíduos de carne e osso fazen- do cálculos para agir, guiados por seus interesses pessoais, tomando decisões racionais, falando uma coisa e agindo de modo contrário, debatendo-se com suas paixões e ambições. Por conta destas características de Os Argonautas, seu autor às vezes é acusado de se prender às motivações individuais e de pender para explicações psicológicas da conduta cultural. Apesar de sua rica descrição das instituições sociais trobriandesas, o que prevaleceria na análise não seria o capítulo 1 • 37 peso da tradição, mas a força da ação individual motivada por interesses utili- tários (LANNA, 1987). Inversamente, para outros comentadores, é este foco no ator social que responde por grande parte do fascínio exercido pela obra. Antropologia cultural Nos Estados Unidos, foi o imigrante e judeu alemão Franz Boas (1858-1942) quem inaugurou a moderna tradição de estudos antropológicos, conhecida como culturalismo americano. Também um dos pioneiros na condução de pesquisa de campo entre “povos primitivos”, ele realizou expedições para estu- dar os esquimós da Terra de Baffin e os índios kwakiutl da costa de Vancouver. Boas iniciou sua carreira contrapondo-se à orientação evolucionista dominan- te na Antropologia norte-americana do final do século XIX. Foi responsável por elaborar críticas definitivas tanto à ideia de evolução social unilinear, quanto à crença de que existiriam diferenças inatas entre a mentalidade de civilizados e a de primitivos, desafiando a premissa da inferioridade destes últimos. Co- erente com este posicionamento, ao longo da vida, ele também promoveu um ferrenho ataque ao conceito de raça, engajando-se em debate públicos contra o racismo e a favor da igualdade entre os povos. Além da insatisfação com a classificação do mundo em povos mais ou me- nos evoluídos, em primitivos e civilizados, Boas rejeitava a busca por leis uni- versais de desenvolvimento social e a derivação de grandes generalizações a partir da comparação de fatos etnográficos similares, porém, subtraídos de seus contextos sociais. Sua atenção não se voltava para a elaboração de esque- mas gerais, mas ao contrário, para a investigação das qualidades do particular, para o estudo do caso individual, o que o torna um adepto do individualismo metodológico. Deste modo, interessava-lhe compreender como uma cultura, reunindo um estoque especial de elementos, conferia ao todo um significado e uma orientação próprios. Seu problema era saber de que forma a ação de fato- res geográficos e processos históricos podia influenciar na formação do caráter específico de determinada configuração cultural. Um artigo de Boas de 1887, compilado por George Stocking, ilustra uma de suas divergências com os evolucionistas. Nele, Boas discute os critérios usados para organizar as coleções etnológicas em museus e critica o sistema adotado pelo curador de etnologia do Museu Nacional de Washington, Otis T. Mason, porque, primeiro, divide as invenções humanas como se fossem espécimes biológicos com 38 • capítulo 1 base em sua aparência externa. Em segundo, por ser uma classificação centrada nos objetos e suas similaridades, o que não esclarece a respeito do estilo de cada grupo. O objetivo na forma de arranjo de Mason, ao mostrar diferentes exemplares de um tipo de artefato, por exemplo, armas (um conjunto de arcos, lanças e facas) é sugerir que, porque tiveram causas comuns, invenções semelhantes podem ser en- contradas entre povos muito distantes e podem ser entendidas sem a necessidade de referência à sua conjuntura “tribal”. Boas julga que esse procedimento classi- ficatório é arbitrário e não serve aos objetivos de uma coleção etnológica, princi- palmente porquenão propicia o entendimento do significado, uso e finalidade do objeto dentro do seu contexto de origem, nem esclarece acerca de suas relações com outros elementos da cultura em questão. Assim, afirma ele: Não podemos compreender o significado de um artefato singular se o consideramos fora do seu ambiente, fora do contexto das outras invenções do povo a que pertence e fora do contexto dos outros fenômenos que afetam esse povo e suas produções. Uma coleção de instrumentos usados para o mesmo fim ou feitos do mesmo mate- rial ensina apenas que o homem em diferentes regiões da Terra tem feito invenções semelhantes. Por outro lado, uma coleção que representa a vida de uma tribo permite compreender muito melhor o espécime singular (STOCKING, 2004, p 87). A objeção de Boas é com a forma de classificação museológica sem poten- cial explicativo, que não permite a identificação das características que com- põem o estilo de cada grupo e não favorece a apreensão da cultura como um todo. Seu ponto de vista fica ainda mais claro quando ele discute o exemplo hipotético de uma disposição de artefatos que combinasse uma coleção de ins- trumentos como flautas e tambores indígenas e instrumentos musicais de uma orquestra moderna. O que tal coleção revelaria além do fato de que os povos se servem de meios similares para fazer música? Segundo ele, não é feita nenhu- ma contribuição para a questão principal: as características da música de cada cultura. Nada é dito acerca dos diferentes estilos musicais que enfim é o que determina a produção dos instrumentos dentro de cada grupo. Como consequência, para Boas, “a tribo” – ou seja, o conjunto – e não o ob- jeto – o elemento – deveria ser o critério para a organização das coleções etno- lógicas, mesmo porque é só dentro de seu contexto cultural que um objeto dei- xa entrever os sentidos que tem para o grupo e pode receber uma classificação adequada. Extraído o contexto, algo se perde. capítulo 1 • 39 O chocalho, por exemplo, não resulta simplesmente da ideia de produzir barulho, nem dos métodos tecnológico aplicados para atingir esse objetivo. Além disso, resulta de concepções religiosas, pois qualquer barulho pode ser empregado para invocar ou afastar os espíritos; o pode resultar do prazer que as crianças sentem com barulhos de qualquer tipo; sua forma pode ser característica da arte do povo (STOCKING, 2004, p 90). Na verdade, ao discorrer sobre como deveria ser o tratamento da cultura material de um povo pelos museus etnológicos, defendendo a integração do elemento em seu conjunto cultural particular, o texto em tela apresenta, como bem observa Stocking, um dos pilares da Antropologia boasiana: a ideia de que cada cultura é uma totalidade que integra e confere significado às suas partes. O argumento de que cada fenômeno cultural corresponde a uma combina- ção de elementos segundo uma lógica e uma história próprias e que, portanto, deve ser estudado individualmente, tornou-se dominante na tradição ameri- cana. Este postulado está na raiz da rejeição dos antropólogos boasianos ao método comparativo – tendência que radica em outro texto seminal de Boas, “As limitações do método comparativo” (1895), também escrito para refutar a forma arbitrária dos evolucionistas compararem traços de culturas diferentes e a partir disso tecerem generalizações impróprias. Na trilha do mestre, os alunos de Boas assumiram que a cada povo corres- ponde uma cultura com perfil particular, ou seja, cada grupo se destaca por um conjunto de costumes, tradições e instituições. Neste sentido, merece destaque o trabalho da sucessora de Boas na cátedra de Antropologia da Universidade de Columbia, Ruth Benedict (1887-1948). Para Benedict, cada cultura escolhe apenas uma pequena porção de traços do grande arco de costumes e compor- tamentos humanos possíveis. Esta combinação original responde pela feição característica que cada configuração cultural possui, em outros termos, con- forma o “espírito” ou “ethos” de um povo, espécie de “personalidade coletiva” responsável por moldar uniformemente as emoções dos indivíduos. Cada cul- tura dá forma aos seus variados elementos segundo um padrão, uma configura- ção. Em cada uma, as instituições e normas de conduta tendem a uma direção, orientando seus membros a um determinado temperamento. 40 • capítulo 1 Cultura: um conceito fundamental Natureza e Cultura Há vários caminhos possíveis para iniciarmos uma reflexão sobre as relações entre natureza e cultura. Uma das vias privilegiadas pela Antropologia tem sido a discussão sobre as origens da cultura. Os antropólogos têm oferecido diferen- tes explicações para o fenômeno do surgimento da cultura, para o processo em que o homem se diferencia dos outros primatas. Esta é uma matéria que não tem sido disciplinada pelo consenso. Uma das conjecturas mais célebres e controvertidas é a formulada pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Segundo ele, a passagem da nature- za para a cultura se dá com o estabelecimento da primeira regra, da primeira convenção. Uma vez que a natureza corresponde ao reino do instinto, do uni- versal, do indiscriminado, do comportamento não regrado, é somente quan- do o homem institui a primeira convenção que estamos diante de um fato cultural. A norma por excelência que de acordo com a tese do autor marca o surgimento da cultura é a proibição do incesto. Considerando que somente o homem disciplina suas uniões matrimoniais e todos os grupos humanos cos- tumam interditar relações sexuais com determinada categoria de mulheres, o autor conclui que a proibição do incesto corresponde à norma mais universal- mente prescrita, ou seja, trata-se de uma imposição cultural que devido à sua abrangência quase se transverte em um comportamento constante, é quase um dado da natureza. Situada no limiar entre a esfera do universal, portanto, do natural, e o âmbito da cultura, ou seja, do ordenamento, do regramento, tal convenção responderia, para Lévi-Strauss, pela passagem do estado natu- ral para o humano. Ademais, impedidos de desposarem suas parentes pró- ximas, os homens são obrigados a trocarem mulheres, e esta troca recíproca responde pela gênese da socialidade humana (LÉVI-STRAUSS, 1982). Leslie White (1900-1975), por sua vez, trabalha com a hipótese de que a ori- gem da diferenciação dos homens com relação aos animais está na capacidade mental de simbolização. É bem conhecida a afirmação dele de que o homem é o único animal capaz de apreciar a diferença entre água destilada e água benta. Com efeito, a faculdade de gerar símbolos, de compreender significados atri- buídos a objetos, é uma faculdade precipuamente humana. O uso de símbolos define o homem enquanto um ser cultural (LARAIA, 1996; SAHLINS, 2003). capítulo 1 • 41 Outra teoria, hoje completamente desacreditada, admitia, como explica Ro- que de Barros Laraia, a ocorrência de “um verdadeiro salto da natureza para a humanidade”. A ideia é que, em determinado momento, o aparelho biológico humano sofreu alterações definitivas que permitiram o surgimento repentino da cultura. Conhecida como “teoria do ponto crítico”, esta hipótese considera que foi somente quando se completou a evolução orgânica do homem, a partir de uma mudança genética extraordinária é que teve início o desenvolvimento cultu- ral do homem. Todavia, a natureza não opera por saltos. As grandes mudanças na trajetória evolutiva do homem não ocorreram de repente, mas dependeram de um período de transição que remete a milhões de anos (LARAIA, 1996). Os achados da Paleontologia indicam sim que a aquisição de capacidades culturais esteve associada ao desenvolvimento do cérebro humano, porém, ao contrário do que se imaginava, a cultura não teve de esperar que a caixa craniana do homem atingisse a dimensão atual para surgir. Com efeito, a evolução dos ho- minídeos dependeu de uma sequência longa e
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