Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
“A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama. Pisca e anda. Pisca e brinca. Pisca e estuda. Pisca e ama. Pisca e cria filhos. Pisca e geme os reumatismos. Por fim, pisca pela última vez e morre. - E depois que morre? – perguntou o Visconde. - Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?” (Monteiro Lobato, Memórias de Emília). Situando o Conteúdo No Código Civil LIVRO V DO DIREITO DAS SUCESSÕES TÍTULO I – Da sucessão em geral TÍTULO II – Da sucessão legítima TÍTULO III – Da sucessão testamentária TÍTULO IV – Do inventário e da partilha Significados do termo “sucessão” A palavra “sucessão” significa: A) transmissão, de ato inter vivos (já estudada no Direito das Obrigações, Contratual e das Coisas), B) ou transmissão mortis causa: o Significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. o No direito hereditário, a sucessão opera causa mortis, transmitindo os bens do de cujus aos seus herdeiros e legatários. o A expressão latina de cujus é abreviatura da frase “de cujus sucessione (ou hereditatis) agitur”, que significa “aquele de cuja sucessão (ou herança), se trata”. o Deriva do latim succedere, ou seja, “vir ao lugar de alguém”. Breve Evolução histórica O direito sucessório remonta à mais alta antiguidade, sempre ligado à ideia de continuidade da religião e da família. Em Roma, na Grécia e na Índia, a religião desempenha, com efeito, papel de grande importância para a agregação familiar. Relata FUSTEL DE COULANGES, a propósito, que o culto dos antepassados desenvolve-se diante do altar doméstico, não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar quem lhe cultue a memória, de modo a ficar seu túmulo ao abandono. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse culto. Essa a razão, segundo SILVIO RODRIGUES, por que a sucessão, a esse tempo e durante séculos, transmite-se apenas pela linha masculina, pois, como o filho é o sacerdote da religião doméstica, é ele, e não sua irmã, quem recebe o patrimônio da família. Aí, portanto, a explicação da regra segundo a qual a herança se transmite ao primogênito varão. O afastamento da filha se justificava, também, pelo fato de que esta iria se casar, e pelo casamento passaria a integrar a família do marido, perdendo qualquer espécie de laço com a família de seu pai, cultuando, inclusive, os deuses da nova família. O conhecimento da evolução histórica do direito das sucessões torna-se mais nítido a partir do direito romano. A Lei das XII Tábuas concedia absoluta liberdade ao pater familias de dispor dos seus bens para depois da morte. Mas, se falecesse sem testamento, a sucessão se devolvia, seguidamente, a três classes de herdeiros: sui, agnati e gentiles. Os heredi sui et necessarii eram os filhos sob o poder do pater e que se tornavam sui iuris com sua morte: os filhos, os netos, incluindo-se também, nessa qualificação, a esposa. Os agnati eram os parentes mais próximos do falecido. Entende-se por agnado o colateral de origem exclusivamente paterna, como o irmão consanguíneo, o tio que fosse filho do avô paterno, e o sobrinho, filho desse mesmo tio. A herança não era deferida a todos os agnados, mas ao mais próximo no momento da morte (agnatus proximus). Na ausência de membros das classes mencionadas, seriam chamados à sucessão os gentiles, ou membros da gens, que é o grupo familiar em sentido lato. Somente no Código de JUSTINIANO, todavia, a sucessão legítima passa a fundar-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo-se a seguinte ordem de vocação hereditária: a) os descendentes; b) os ascendentes, em concurso com os irmãos e irmãs bilaterais; c) os irmãos e irmãs, consanguí neos ou uterinos; e d) outros parentes colaterais. Conheceram os romanos, ainda, a sucessão testamentária por diversas formas e compreensiva de todo o patrimônio do testador. Tinham eles verdadeiro horror pela morte sem testamento. Como anota SUMNER MAINE, invocado por WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, nenhuma desgraça superava a de falecer ab intestato; maldição alguma era mais forte do que a de augurar a um inimigo o morrer sem testamento. Finar-se ab intestato redundava numa espécie de vergonha. O direito germânico desconhecia, porém, a sucessão testamentária. Só os herdeiros pelo vínculo de sangue eram considerados verdadeiros e únicos herdeiros (heredes gignuntur, non scribuntur). Na França, desde o século XIII fixou-se o droit de saisine, instituição de origem germânica, pelo qual a propriedade e a posse da herança passam aos herdeiros, com a morte do hereditando – le mort saisit le vif. O Código Civil francês, de 1804 – Code Napoléon –, diz, no art. 724, que os herdeiros legítimos, os herdeiros naturais e o cônjuge sobrevivente recebem de pleno direito (son saisis de plein droit) os bens, direitos e ações do defunto, com a obrigação de cumprir todos os encargos da sucessão. No Código Civil alemão – BGB, arts. 1.922 e 1.942, seguindo o direito medieval, afirma-se, igualmente, que o patrimônio do de cujus passa ipso jure, isto é, por efeito direto da lei, ao herdeiro. Do entrechoque entre as duas concepções resultou, no direito sucessório contemporâneo, a sua fusão: os parentes, herdeiros pelo sangue, são os sucessores legítimos, se não houver testamento, ou se este não prevalecer. Desse modo, se houver testamento, acata-se a vontade do de cujus. Todavia, se este tem herdeiros necessários (CC, art. 1.845), só poderá dispor da metade de seus bens, ou seja, da quota disponível, porque a outra metade, denominada legítima, pertence de direito aos aludidos herdeiros. Com a Revolução Francesa, aboliu-se o direito de primogenitura e o privilégio da masculinidade, de origem feudal. Assim, os que eram concedidos ao herdeiro varão e ao primogênito pertencem agora ao passado, encontrando-se expungidos do direito civil. Com a promulgação do Código Napoleão, mantêm-se a unidade sucessória e a igualdade de herdeiros do mesmo grau, estabelecendo-se, entretanto, uma distinção entre herdeiros (parentes do morto) e sucessíveis. Assim, na França, a linha de vocação hereditária inicia-se com os herdeiros (filhos e descendentes; ascendentes e colaterais privilegiados – pai, mãe, irmãos, irmãs e os descendentes destes –, demais ascendentes e seus colaterais – a princípio até o 12º grau, posteriormente até o 4º grau apenas), e, na falta destes, completa-se a vocação com os sucessíveis (filhos então tidos como naturais, o cônjuge sobrevivo e o Estado). O princípio da saisine foi introduzido no direito português pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, reafirmado pelo Assento de 16 de fevereiro de 1786. O Código Civil português de 1867, já revogado, dizia, no art. 2.011: “A transmissão do domínio e posse da herança para os herdeiros, quer instituídos, quer legítimos, dá-se no momento da morte do autor dela”. A mesma solução constou no art. 978 da Consolidação das Leis Civis, de TEIXEIRA DE FREITAS, e do art. 1.572 do Código Civil de 1916, que dispunha: “Aberta à sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Filiou-se tal diploma, portanto, ao sistema germânico-francês. A influência da codificação francesa do início do século XIX fez-se sentir, com efeito, em nossa legislação, mesmo antes do diploma de 1916. A legislação pré-codificada previa linha de vocação hereditária formada pelos descendentes, ascendentes, colaterais até o 10º grau, e só posteriormente o cônjuge supérstite e, por fim, o fisco. A Lei n. 1.839, de 1907, inverteu a posição do cônjuge sobrevivente com os colaterais, limitandoo direito destes ao 6º grau – limite mantido no Código de 1916. Em razão de alteração posterior, determinada pelo Decreto-Lei n. 9.461, de 15 de julho de 1946, reduziu se a vocação dos colaterais ao 4º grau, limite mantido no Código Civil de 2002 (art. 1.829, IV, c/c o art. 1.839). Todavia, em comparação com o anterior, o diploma civil ora em vigor sofreu diversas modificações, supressões e novas inserções que resgataram seu papel no ambiente geral do direito civil, mantendo seu escopo fundamental de “direito da mortalidade”. Recebeu as alterações que se impunham, em decorrência da mudança dos padrões culturais, das posturas éticas e das escalas de valores que norteiam a nova sociedade brasileira, e que serão destacadas no n. 4, infra, concernente ao conteúdo do direito das sucessões. A Constituição Federal trouxe duas importantes disposições atinentes ao direito sucessório: a do art. 5º, XXX, que inclui entre as garantias fundamentais o direito de herança; e a do art. 227, § 6º, que assegura a paridade de direitos, inclusive sucessórios, entre todos os filhos, havidos ou não da relação do casamento, assim como por adoção. As Leis n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e 9.278, de 10 de maio de 1996, regularam o direito de sucessão entre companheiros. A Lei n. 10.050, de 14 de novembro de 2000, acrescentou o § 3º ao art. 1.611, atribuindo ao filho deficiente incapacitado para o trabalho igual direito concedido no § 2º ao cônjuge casado pelo regime da comunhão universal, qual seja, o direito real de habitação. Por fim, a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, instituiu o vigente Código Civil, apresentando, como mencionado, inúmeras inovações, destacando-se a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário e concorrente com descendentes e ascendentes. Em síntese, como arremata CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, a propriedade, embora individual, “é como que assegurada aos membros do grupo familiar, não porque a todos pertença em comum, mas em razão do princípio da solidariedade, que fundamenta deveres de assistência do pai aos filhos, e por extensão a outros membros da família, bem como do filho ao pai, por força do que dispõe o art. 229 da Constituição de 1988. Visa, então, a transmissão hereditária a proporcionar originariamente aos descendentes a propriedade do antecessor, segundo o princípio da afeição real ou presumida, que respectivamente informa a sucessão legítima e a testamentária”. (Livro Carlos Roberto Gonçalves). A sucessão remonta à mais alta antiguidade (fim do período Neolítico, por volta de 4.000 a.C., e a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d. C.) , sempre ligado à ideia de continuidade da religião e da família. Roma, Grécia e Índia: religião desempenha papel de grande importância para a agregação familiar. Culto dos antepassados diante do altar doméstico: o O maior castigo para uma pessoa era falecer sem deixar quem lhe cultue a memória, ficando seu túmulo ao abandono. o Cabia ao herdeiro-homem o sacerdócio desse culto = só o filho varão, por consequência, sucedia ao pai com relação ao patrimônio. o Durante muitos séculos a herança não se transmitia à filha, pois esta assumia os deuses da família do cônjuge, ao casar- se. Direito romano: Lei das XII Tábuas (século 450 a.C) concedia absoluta liberdade ao pater familias de dispor dos seus bens para depois da morte. o O Caso não deixasse testamento, seus bens iam para os filhos, netos e esposa. o O Ou para os parentes mais próximos o Na ausência de membros das duas classes mencionadas, seriam chamados à sucessão os gentiles, ou membros da gens, que é o grupo familiar em sentido lato. Com o Código de Justiniano (século XI), a sucessão legítima passa a fundar-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo-se a ordem de vocação hereditária: a) Os descendentes; b) Os ascendentes, em concurso com os irmãos e irmãs bilaterais; c) Os irmãos e irmãs, consanguíneos ou uterinos; e d) Outros parentes colaterais. Os romanos tinham verdadeiro horror pela morte sem testamento; nenhuma desgraça superava a de falecer ab intestato, qual seja sem deixar testamento. Revolução Francesa (1789) – abolido o direito de primogenitura e o privilégio da masculinidade. Código de Napoleão (1804), mantém a unidade sucessória e a igualdade de herdeiros do mesmo grau. o Na França, desde o século XIII fixou-se o droit de saisine. Código Civil alemão – BGB (1900), seguindo o direito medieval, institui que o patrimônio do de cujus passa ipso jure, isto é, por efeito direto da lei, ao herdeiro. No direito sucessório contemporâneo os herdeiros pelo sangue são os sucessores legítimos, se não houver testamento. o Sofreu influência do direito francês e do alemão. o Havendo testamento, acata-se a vontade do de cujus. o Se este tem herdeiros necessários (CC, art. 1.845), só poderá dispor da metade de seus bens, o A outra metade, denominada legítima, pertence, de direito, aos herdeiros. A Constituição Federal 1988 trouxe duas importantes disposições atinentes ao direito sucessório: o Art. 5º, XXX, que inclui entre as garantias fundamentais o direito de herança; e o Art. 227, § 6º, que assegura a paridade de direitos, inclusive sucessórios, entre todos os filhos, havidos ou não da relação do casamento, assim como por adoção. Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, o regularam o direito de sucessão entre companheiros. A Lei n. 10.050, de 14 de novembro de 2000, acrescentou o § 3º ao art. 1.611, atribuindo ao filho deficiente incapacitado para o trabalho igual direito concedido no § 2º ao cônjuge casado pelo regime da comunhão universal, qual seja, o direito real de habitação. Por fim, a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, instituiu o vigente Código Civil, apresentando inúmeras inovações, destacando-se a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário e concorrente com descendentes e ascendentes. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: “A propriedade, embora individual, é como que assegurada aos membros do grupo familiar, não porque a todos pertença em comum, mas em razão do princípio da solidariedade, que fundamenta deveres de assistência do pai aos filhos, e por extensão a outros membros da família, bem como do filho ao pai, por força do que dispõe o art. 229 da Constituição de 1988. Visa, então, a transmissão hereditária a proporcionar originariamente aos descendentes a propriedade do antecessor, segundo o princípio da afeição real ou presumida, que respectivamente informa a sucessão legítima e a testamentária. Conceito A palavra “sucessão”, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. Numa compra e venda, por exemplo, o comprador sucede ao vendedor, adquirindo todos os direitos que a este pertenciam. De forma idêntica, ao cedente sucede o cessionário, o mesmo acontecendo em todos os modos derivados de adquirir o domínio ou o direito. A ideia de sucessão, que se revela na permanência de uma relação de direito que perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares, não ocorre somente no direito das obrigações, encontrando-se frequente no direito das coisas, em que a tradição a opera, e no direito de família, quando os pais decaem do poder familiar e são substituídos pelo tutor, nomeado pelo juiz, quanto ao exercício dos deveres elencados nos arts. 1.740 e 1.741 do Código Civil. Nas hipóteses mencionadas, ocorre à sucessão inter vivos. No direito das sucessões, entretanto, o vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis. O referido ramo do direito disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo do de cujus ou autor da herança a seus sucessores. A expressão latina de cujus é abreviatura da frase de cujus sucessione(ou hereditatis) agitur, que significa “aquele de cuja sucessão (ou herança) se trata”. Direito das sucessões, segundo BINDER, citado por ORLANDO GOMES, é “a parte especial do direito civil que regula a destinação do patrimônio de uma pessoa depois de sua morte”. Refere-se apenas às pessoas naturais. Não alcança as pessoas jurídicas, uma vez que não têm a natureza de disposições de última vontade os preceitos estatutários que regulam o destino do patrimônio social. CLÓVIS BEVILÁQUA, por sua vez, conceitua o direito das sucessões como “o complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir”. Merece transcrição, pela abrangência, a definição de CARLOS MAXIMILIANO: “Direito das sucessões, em sentido objetivo, é o conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência da sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria – direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto”. Ao aludir à transmissão de bens e obrigações, o mencionado autor enfatiza que a sucessão hereditária envolve a transferência, para o sucessor, do patrimônio do falecido, ou seja, tanto do ativo como do seu passivo. O Livro do Direito das Sucessões reveste-se de fundamental importância, como assevera EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, “na medida em que entre a vida e a morte se decide todo o complexo destino da condição humana. O aludido direito se esgota exatamente na ideia singela, mas imantada de significações, de continuidade para além da morte, que se mantém e se projeta na pessoa dos herdeiros. A sucessão, do latim succedere (ou seja, vir ao lugar de alguém), se insere no mundo jurídico como que a afirmar o escoamento inexorável do tempo conduzindo-nos ao desfecho da morte que marca, contraditoriamente, o início da vida do direito das sucessões”. É inquestionável, aduz o mencionado autor, “a importância das sucessões no direito civil. Porque o homem desaparece, mas os bens continuam; porque grande parte das relações humanas transmigra para a vida dos que sobrevivem, dando continuidade, via relação sucessória, no direito dos herdeiros, em infinita e contínua manutenção da imagem e da atuação do morto, em vida, para depois da morte”. (Livro Carlos Roberto Gonçalves). “Direito hereditário ou das sucessões é o complexo dos princípios, segundo os quais se realizada a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir”. (Clovis Beviláqua). “Conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude da lei ou de testamento”. (Maria Helena Diniz). “Direito das Sucessões é o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo as transmissões de direitos e deveres de uma pessoa a outra, diante do falecimento da primeira, seja por disposição de última vontade, seja por determinação da lei, que acaba por presumir a vontade do falecido”. (Flávio Tartuce). Justificativas para a transmissão causa mortis: I - Continuidade patrimonial, o Manutenção pura e simples dos bens na família como forma de acumulação de capital que estimularia a poupança, o Trabalho e a economia; o Repercussão benéfica a toda a sociedade. II - Fator de proteção, coesão e de perpetuidade da família. o Alguns acreditam que o direito hereditário seria mais uma sequência da hereditariedade biopsicológica entre ascendentes e descendentes, não só das características genéticas como também das características psicológicas. o A lei, ao permitir a transmissão patrimonial, o faria em homenagem a tal continuidade biopsíquica, bem como à afeição e unidade familiar. Discussão Filosófica/Política Você entende que o direito sucessório deve garantir a transmissão da propriedade privada aos descendentes? (Capitalista) Ou acredita que eventual propriedade/patrimônio conquistado durante a vida deve voltar ao Estado, após a morte, para o bem da coletividade? (Socialista) o Uma visão socialista sobre a herança A sucessão contraria princípios de justiça e interesse social, gera desigualdade entre os homens, acumulando riquezas nas mãos de alguns indivíduos apenas. Gera o desestímulo, colocando em mãos afortunadas bens para cuja acumulação não concorreram, e que lhes proporcionam facilidades que os dispensam de lutar e produzir, em prejuízo da riqueza coletiva . Ao negar legitimidade ao direito de propriedade privada, entendendo pertencerem os bens ao Estado e a ele devendo retornar, em benefício de toda a comunidade. Nega a transmissão causa mortis de bens de produção e consumo, provocadora das desigualdades sociais existentes. Permite a aquisição da propriedade por outra forma que não a única socialmente entendida como apta a legitimar a utilização dos bens que pertencem à sociedade como um todo, qual seja, o trabalho; o Uma visão socialista sobre a herança É legítima a transmissão hereditária, assentando a riqueza da nação sobre a riqueza individual, ou defendendo a transmissibilidade dos bens como meio de desenvolver a poupança e de assegurar na descendência a continuação dos valores acumulados, estimulando o trabalho e a economia. O interesse pessoal constitui um móvel irresistível de progresso. Abolindo a herança, o socialismo suprime um dos mais poderosos estímulos da atividade humana, o desejo de transmitir à prole os meios necessários ao seu conforto e bem-estar. Extinta o direito à sucessão, ninguém mais se preocupará com a acumulação de bens, se obrigado a deixá-los à coletividade após sua morte. Desaparecerá o interesse pela economia, em detrimento da sociedade, uma vez que, embora indiretamente, visando adquirir a riqueza, o homem atua no sentido do maior interesse social. Princípios Do Direito Sucessório Princípio de saisine o Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Princípio non ultra vires hereditatis o Art. 1792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados. – “a divida não ultrapassa o valor da herança” Princípio da função social da herança o Permite a transmissão da riqueza do de cujus aos herdeiros Princípio da territorialidade o Art. 1785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido. Princípio da temporariedade o Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela. Princípio do respeito à vontade manifestada o Testamento Fundamentos Do Direito Sucessório (Diálogo Entre O Direito Das Sucessões E Direito Constitucional) Garantido como direito fundamental (art. 5º, XXX CF); o XXX - é garantido o direito de herança; Baseado no direito de propriedade e na sua função social (art. 5.º, XXII e XXIII, da CF/1988); o XXII - é garantido o direito de propriedade; o XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Valorização da dignidade humana, arts. 1.º, inciso III, e 3.º, inciso I, CF; o III - a dignidade da pessoa humana; o I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (art. 3) E a solidariedade social Fundamento do direito das sucessões O fundamento da transmissão sucessória, ou seja, a razão pela qual se defere a uma pessoa indicada por lei, ou pela vontade manifestada em vida pelo autor da herança, o acervo de direitos e obrigações que até então a este pertencia, apresenta variações conforme o momento histórico que se esteja a analisar e a corrente de pensamento a que se queira filiar. O primeiro fundamento da sucessão foi de ordem religiosa. A propriedade era familiar e a família era chefiada pelo varão mais velho, que tomava o lugar do de cujus na condução do culto doméstico, como já mencionado. Quando, todavia, apropriedade passa a ser individual, o fundamento da sucessão desloca-se para a necessidade de conservar o patrimônio dentro de um mesmo grupo, como forma de manter poderosa a família, impedindo a divisão de sua fortuna entre os vários filhos. É então que se desenvolve o período medieval da primogenitura, iniciando-se a discussão filosófica e jurídica a respeito de seu fundamento. Malgrado as antigas regras sobre a sucessão, quer inspiradas em motivos religiosos, quer fundadas no anseio de fortalecer a família, não levassem em consideração o sentimento de equidade, que recomenda a igualdade de tratamento entre herdeiros da mesma classe e grau, foi nesse sentido que o direito hereditário evoluiu. No direito contemporâneo a sucessão legítima, na generalidade dos países, processa-se entre os herdeiros que se encontram no mesmo grau e que, por conseguinte, recebem partes iguais. Para alguns autores, como CIMBALI, D’AGUANO e CARLOS MAXIMILIANO, o fundamento do direito das sucessões repousa na continuidade da vida humana, através das várias gerações. Há no direito hereditário, afirmam, uma sequência da hereditariedade biopsicológica entre ascendentes e descendentes, não só das características genéticas como também das características psicológicas. A lei, ao permitir a transmissão patrimonial, o faz em homenagem a tal continuidade biopsíquica, bem como à afeição e unidade familiar. Tal concepção peca, todavia, pela sua manifesta fragilidade, como o demonstra WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO: “A sequência da vida humana não depende da sucessão, ela subsiste sem esse instituto, porque se subordina precipuamente ao instinto sexual. Aliás, tal doutrina explicaria apenas a transmissão da herança entre ascendentes e descendentes, jamais a sucessão entre cônjuges, entre colaterais e entre o de cujus e o Estado”. Para ORLANDO GOMES não é preciso recorrer, porém, à construção artificial para justificar o direito hereditário. A sucessão mortis causa encontra sua justificação “nos mesmos princípios que explicam e justificam o direito de propriedade individual, do qual é a expressão mais enérgica e a extrema, direta e lógica consequência. Esse, o seu fundamento racional”. Na mesma linha, obtempera WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO que “o verdadeiro ponto de vista é aquele que, sem perder a visão de seu aspecto econômico, descortina no direito das sucessões natural complemento do direito de propriedade, projetando-se além da morte do autor da herança conjugado ou não com o direito de família”. Propriedade que se extinga com a morte do respectivo titular e não se transmita a um sucessor, aduz o aludido mestre paulista, “não é propriedade, porém mero usufruto. Como ensina DEMOLOMBE, a propriedade não existiria se não fosse perpétua, e a perpetuidade do domínio descansa precisamente na sua transmissibilidade post mortem”. O direito sucessório tem sofrido, todavia, numerosas impugnações, especialmente dos jusnaturalistas e escritores da escola de MONTESQUIEU e ROUSSEAU, ao argumento de que a sucessão, como a propriedade, constitui pura criação do direito positivo, que este pode consequentemente eliminar, logo que isso interesse às conveniências sociais. Endossando a tese, afirmam os socialistas que a sucessão contraria princípios de justiça e interesse social. A herança, prosseguem, gera desigualdade entre os homens, acumulando riquezas nas mãos de alguns indivíduos apenas. Além disso, gera o desestímulo, colocando em mãos afortunadas bens para cuja acumulação não concorreram, e que lhes proporcionam facilidades que os dispensam de lutar e produzir, em prejuízo da riqueza coletiva. Os aludidos socialistas, ao negar legitimidade ao direito de propriedade privada, entendendo pertencerem os bens ao Estado e a ele devendo retornar, em benefício de toda a comunidade, negam, em consequência, legitimidade à transmissão causa mortis de bens de produção e consumo, uma vez que, admitindo-a, estariam reforçando as desigualdades sociais existentes e permitindo a aquisição da propriedade por outra forma que não a única socialmente entendida como apta a legitimar a utilização dos bens que pertencem à sociedade como um todo, qual seja, o trabalho. Em posição oposta situam-se os que defendem a transmissão hereditária, assentando a riqueza da nação sobre a riqueza individual, ou defendendo a transmissibilidade dos bens como meio de desenvolver a poupança e de assegurar na descendência a continuação dos valores acumulados, estimulando o trabalho e a economia. Acrescentam os adeptos dessa corrente que o interesse pessoal constitui um móvel irresistível de progresso. Abolindo a herança, suprime o socialismo um dos mais poderosos estímulos da atividade humana, o desejo de transmitir à prole os meios necessários ao seu conforto e bem-estar. Ninguém mais se preocupará com a acumulação de bens, se obrigado a deixá-los à coletividade após sua morte. Desaparecerá o interesse pela economia, em detrimento da sociedade, uma vez que, embora indiretamente, visando adquirir a riqueza, o homem atua no sentido do maior interesse social. Sem herança, incompleto se tornaria, efetivamente, o direito de propriedade. THEODOR KIPP entende tão necessária a sucessão causa mortis à integração do conceito de propriedade que, a seu ver, esta se desfiguraria, convertendo-se em mero usufruto vitalício, se viesse a ser abolida. A extinta URSS, depois de abolir a herança, logo após a revolução de outubro (Dec. de 27-4-1918, art. 1º), voltou atrás. Tal experiência demonstrou na prática, como assinala SILVIO RODRIGUES, “se não a impossibilidade, ao menos a inconveniência da supressão do direito hereditário, pois, havendo abolido a sucessão causa mortis e assim suspendido a atuação do interesse pessoal, não conseguiu manter a proibição. Com efeito, de tal orientação resultaram tamanhas e tão funestas consequências para a economia nacional que o legislador russo teve de recuar de sua posição inicial, restabelecendo a possibilidade da transmissão de bens causa mortis. E de fato, na antiga União Soviética, o direito sucessório não encontrava barreiras maiores que nos países capitalistas”. Em realidade, enquanto perdurar a organização do Estado capitalista, fundado no princípio da livre iniciativa, e admitindo a apropriação privada dos bens de consumo e de produção, a herança subsistirá, como consequência natural e necessária. Fazendo coro com inúmeros doutrinadores, assinala CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que os excessos do aludido regime econômico “podem e devem ser corrigidos, mediante o balanço equilibrado de dois princípios: a restrição na ordem de vocação hereditária e a tributação progressiva”. Acrescenta o citado civilista: “A transmissão aos descendentes e ao cônjuge é a consequência normal desta tendência de filosofia política. A sucessão dos ascendentes já seria um favor do Estado, porque não obedece ao mesmo critério de conservação dos bens acumulados no grupo familiar, e de segurança aos dependentes. A dos colaterais não se compadece com esses princípios econômicos, salvo entre irmãos. Fora deste âmbito, já constitui favorecimento”. Em conclusão, aduz: “Limitada que seja a vocação hereditária aos descendentes, cônjuge, ascendentes e irmãos, completar-se-ia a correção dos excessos com a incidência de imposto progressivo, em face do distanciamento em graus como do volume transferido. Desta sorte, o Estado, pela tributação, associa-se aos sucessores, na medida em que o valor da herança aumenta e que a necessidade de proteção arrefece”. É indubitável o interesse da sociedade em conservar o direito hereditário como um corolário do direito de propriedade. Deve o Poder Público assegurar ao indivíduo a possibilidade de transmitir seus bens a seus sucessores, pois, assim fazendo, estimula-o a produzir cada vez mais, o que coincide com o interesse da sociedade. A Constituição Federal de 1988, por isso, no art. 5º, XXII e XXX, garanteo direito de propriedade e o direito de herança. O Código Civil de 2002 elevou o cônjuge e o companheiro a sucessores em grau de concorrência com os descendentes e ascendentes do de cujus, em quota-parte dependente da verificação de certos pressupostos. Assim agindo, o legislador, como observa GISELDA HIRONAKA 26, “parece ter-se enquadrado entre aqueles que veem como fundamento do direito sucessório não apenas o direito de propriedade em sua inteireza como também o direito de família, com o intuito de protegê-la, uni-la e perpetuá-la”. (Livro Carlos Roberto Gonçalves). Conteúdo do direito das sucessões A Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, XXX, o direito de herança. E o Código Civil disciplina o direito das sucessões em quatro títulos, que tratam, respectivamente, da sucessão em geral, da sucessão legítima, da sucessão testamentária e do inventário e partilha. O Título I abrange normas concernentes à administração da herança, à sua aceitação e renúncia, à vocação hereditária e aos legitimados a suceder, à herança jacente, à petição de herança, bem como aos excluídos da sucessão por indignidade. Tais normas aplicam-se quer à sucessão decorrente da lei, quer à derivada de testamento. Nessa parte procedeu ao legislador a inúmeras inovações, destacando-se a que inclui o companheiro ou companheira supérstites na sucessão do falecido, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, em concorrência com descendentes e colaterais (art. 1.790). Mencionem-se, ainda, as seguintes inovações: a) a cessão de direitos hereditários ganha regramento próprio, nos arts. 1.793 a 1.795, que estabelecem requisitos e condições e põem termo às divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a necessidade de escritura pública e do direito de preferência dos coerdeiros; b) os companheiros foram colocados ao lado dos cônjuges, como responsáveis pela administração da herança até o compromisso do inventariante (art. 1.797); c) disciplinou-se a legitimação para suceder, no tocante aos nasciturus conceptus e nondum conceptus, estabelecendo-se prazo razoável para consolidação da herança (arts. 1.798 a 1.800); d) a legitimação da deixa testamentária ao filho do concubino, quando também o for do testador (art. 1.803); e) melhor e mais precisa disciplina da matéria relativa à aceitação da herança (art. 1.804); introdução de capítulo relativo à petição de herança (Capítulo VII), estabelecendo-se a sua real dimensão no direito sucessório. O Título II, de destacada importância, trata da sucessão legítima, ou seja, da que se opera por força de lei em favor das pessoas constantes da ordem de vocação hereditária quer por direito próprio, quer por direito de representação. Inovação significativa foi introduzida nessa parte com a alteração da ordem de vocação hereditária. O cônjuge sobrevivente passa a concorrer com os descendentes, em primeiro lugar, e com os ascendentes, em segundo lugar. Deixa a condição de herdeiro legítimo facultativo e de ocupante do terceiro lugar no rol estabelecido no diploma de 1916 e passa a o status de herdeiro legítimo necessário, colocado em primeiro lugar na ordem de preferência (arts. 1.829 e 1.845). O Código de 2002 ainda suprime qualquer diferença entre os filhos outrora denominados “legítimos” e “ilegítimos”, reconhecendo, sem qualquer restrição, o direito sucessório dos filhos adotivos. O Título III, que cuida da sucessão testamentária, é o mais extenso. Contém regras atinentes à transmissão de bens por ato de última vontade. Simplificou-se a elaboração dos testamentos, com a redução do número de testemunhas, restringindo-se a possibilidade de inserção das cláusulas restritivas (inalienabilidade, impenhorabilidade etc.), agora submetidas à expressa indicação da justa causa que as legitima (art. 1.848). Criou-se mais uma forma de testamento especial, o testamento aeronáutico. Houve melhor sistematização dos dispositivos concernentes ao direito de acrescer entre herdeiros e legatários (arts. 1.941 a 1.946), realizando-se ainda a revisão e melhor detalhamento do instituto do fideicomisso, com a previsão de sua conversão em usufruto (art. 1.952) 27. No Título IV, sobre inventário e partilha, além da atualização das normas que lhe dizem respeito, compatilizando-as com o diploma processual civil, houve um aprofundamento e reexame da matéria relativa à colação e à redução das doações feitas em vida pelo autor da herança, em decorrência do princípio da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários (arts. 2.002, 2.003 e 2.007). Consta também do Título IV capítulo sobre sonegados, em que se disciplina matéria da maior relevância (arts. 1.992 a 1.996). (Livro Carlos Roberto Gonçalves).
Compartilhar