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Versao Final - Quarto de empregada-compactado

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A Herança Escravagista do Quarto de Empregada na Arquitetura 
Brasileira1 
 
Nicole Spagnoli Diez2 
Viviane Francisco Rocha3 
 
 
 
 
 
 
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a análise da influência do 
período colonial, uma época escravocrata, no racismo do século XXI, tanto na 
questão arquitetônica como social. Para isso, buscou em livros e artigos 
científicos a construção de conceitos como racismo estrutural, mito da 
democracia racial e a relação destes com as transformações da arquitetura 
brasileira. O caminho percorrido demonstra como o cômodo destinado aos 
empregados se modificou desde as senzalas até os apartamentos contemporâneos. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Racismo estrutural; arquitetura brasileira; quarto de 
empregada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 O presente artigo é resultado do curso antirracismo e feminismos do INOVA FAAP. 
2 graduanda em Direito do 4º semestre da FAAP. 
3 graduanda em Arquitetura do 3º semestre da FAAP. 
1 INTRODUÇÃO 
 A condição de vida precária da população negra no Brasil, desde o início da 
escravidão até o século XXI, é reflexo do racismo estrutural presente no país. Após uma 
tardia abolição da escravidão, o país nunca teve como foco o desenvolvimento de políticas 
públicas para integração desse grupo social, que ainda se encontra marginalizado na 
sociedade. 
 Um reflexo disso é visto no mercado de trabalho, evidenciado na posição que a 
população preta ocupa em relação à branca por ter menor acesso à educação e, 
consequentemente, menor qualificação, ocupando cargos de menor remuneração. Diante 
desse cenário, a presente pesquisa tem como objetivo analisar as condições históricas e 
sociais que levaram ao desenvolvimento arquitetônico do quartinho de empregada. Essas 
características configuram um retrato de como o “racismo normaliza a superexploração” 
(ALMEIDA, 2019, p. 138). 
 Para tanto, a primeira parte da pesquisa abordará o racismo a partir do mercado 
de trabalho, especialmente quanto à condição a que a empregada doméstica é sujeitada, 
trazendo um breve histórico das situações que a população preta passou desde a 
escravidão, a Abolição até o século XIX, ainda vivendo quase as mesmas circunstâncias 
do passado, resguardadas as devidas mudanças. Com isso, são levantados dados que 
evidenciam como um menor nível de escolaridade afeta a entrada no mercado de trabalho 
e sua evolução para cargos superiores, que em sua maioria são ocupados por brancos, 
restando-lhes trabalhos precários, com baixa remuneração e que dão ensejo ao racismo 
perpetuado pela sociedade. 
Já a segunda parte do artigo procura entender como a arquitetura brasileira foi se 
modificando durante os anos e, principalmente, a precariedade do espaço da empregada 
no ambiente da casa. Começa pela época colonial com as senzalas, passa pelo estilo pós 
primeira guerra mundial com a chegada das edículas, pelas casas modernas e o circuito à 
francesa, e termina com os apartamentos, que trazem a separação das áreas. A pesquisa 
mostra ambientes hostis, que, mesmo se modificando durante o tempo, não perderam a 
essência de segregação e discriminação. A dependência da empregada doméstica no 
Brasil é uma das consequências da escravidão possível de se perceber nos traços racistas 
presentes em recortes espaciais dentro da arquitetura. 
Desde as casas coloniais, onde os escravos eram tratados como animais, até os 
apartamentos do século XXI, a segregação e a presença de ambientes hostis são evidentes. 
Mesmo após a abolição, o plano de necessidades da casa brasileira continuava excluindo 
a empregada negra nas edículas que ficavam no quintal, enquanto as empregadas brancas 
imigrantes ficavam no porão. A primeira mudança percebida ocorreu após a 1ª guerra 
mundial, quando os cômodos dos serviçais passaram a ser dentro de casa, porém, agora, 
com separação de áreas e circulação (CARRANZA, 2017). Com o surgimento dos 
primeiros apartamentos, esse fator de segregação se intensifica, de modo que os 
elevadores são divididos entre social e de serviço, o que “facilita” a separação da 
circulação e das áreas. 
 
2 REFLEXOS DO RACISMO NO MERCADO DE TRABALHO 
O racismo é um fenômeno presente nas relações de trabalho, reiterado nas 
“desigualdades nas condições materiais de vida e de trabalho dos(das) negros(as) 
brasileiros(as)” (MARTINS, 2013, p. 12-13); tal “exploração/opressão de raça/etnia” 
(MARTINS, 2014, p. 114) pode ser percebida pela diferença entre cargos e salários. 
A condição de trabalho vivenciada pelas pessoas negras sempre foi precária e 
exploratória, especialmente na escravidão, em que eram vistas como objetos, não havendo 
leis que as protegessem. Dormiam em senzalas amontoadas, sem higiene pessoal ou boa 
alimentação: só lhes era dado o mínimo para a sobrevivência. Seu dia de trabalho era 
longo, servindo os senhores com atividades pesadas e sem descanso. 
Em 1888, após a abolição da escravidão, as pessoas negras não se encontraram 
em uma situação muito diferente, pois não tiveram possibilidade de qualificação ou 
alfabetização, o que gerou mais um fator de dificuldade para a inserção no competitivo 
mercado de trabalho das pessoas livres4. Dessa forma, tal população teve que migrar para 
trabalhos informais, de pouca remuneração e sem perspectiva de saída dos estratos sociais 
inferiores, cenário ainda refletido no século XXI5. 
“Mesmo depois da institucionalização da CLT em 1943, a situação do 
negro não se modificou consistentemente, devido ao processo de 
 
4 “estudos do DIEESE mostram que existe diferenciação da remuneração paga para uma mesma função 
entre negros e não negros, inclusive nas ocupações que oferecem maior remuneração, como medicina e 
engenharia, que requerem maior qualificação, observa-se pouca participação dos negros. A maioria da 
população negra atuam ocupações com menores salários e que requerem menor qualificação, criando assim 
um ciclo negativo que se perpetua ao longo do tempo.” (Mercado De Trabalho: Diferenciais Na Ocupação 
E Nos Rendimentos Entre Negros E Não Negros, p. 115) 
5 “no período de 1995 a 2006 a informalidade atingiu relativamente mais a população preta e parda. Ou 
seja, enquanto 53,3% da PEA branca estava inserida em ocupações informais, 65% da PEA preta e parda 
vivenciava essa situação. Ao verificarem os indicadores a partir do enfoque étnico-racial e de gênero, 
constataram que 51,1% da PEA branca era masculina, enquanto 54,1% era feminina. Da PEA preta e parda 
inserida na informalidade, 61,5% eram homens e quase 75% mulheres” (PAIXÃO E CARVANO apud 
MARTINS, 2014, p. 124-125) 
desqualificação de sua mão de obra para a indústria (Fernandes, 1964/2013).” 
(MAIA; ZAMORA, 2018, p. 268) 
A mudança da forma de trabalho e a valorização da “acumulação capitalista, no 
Brasil, se evidenciam no desemprego6 (..) em combinação (...) flexibilização e a 
desregulamentação dos direitos sociais, especialmente, via terceirização” (MARTINS, 
2014, p. 117), que levam à precarização do trabalho em que a população negra, 
majoritariamente, se integra, visto que o racismo contribui para esse processo: 
“construção de uma trajetória do negro no desemprego, na 
informalidade e na precarização das relações de trabalho, nesse contexto de 
crise e reestruturação produtiva (MARTINS, 2014, p. 117) 
Desde a abolição e a inserção da população negra no mercado de trabalho, foi 
criado um movimento para passar a “ideia de inferioridade do(da) negro(a) e de sua 
incompatibilidade para assumir o trabalho assalariado”. (MARTINS, 2014, p.118), 
acarretando na migração da população europeia e numa política de embranquecimento7, 
na tentativa de buscar uma “força de trabalho compatível com o modelo de 
desenvolvimento desejado na época” (MARTINS, 2014, p. 118), pois, como já dito, não 
tinham nenhuma especialização em tais serviços, sendo mais fácil substituí-los do que 
ensiná-los e inseri-los no mercado. 
No século XX, a população negra estavapredominantemente inserida no setor 
primário da economia8 e, a partir de meados de 1960, passou a ocupar cargos na “indústria 
pesada”, mas, em ambos os casos, eram “ocupações manuais e de menor nível de 
rendimento” (PORCARO apud MARTINS, 2014, p 119). Isto leva à concentração em 
trabalhos irregulares não atingidos pelas leis trabalhistas que protegeriam esses 
trabalhadores, ficando assim marginalizados na sociedade. 
 
6 “ Entre 1995 a 2006, dos desempregados: 60,4% são pretos e pardos, dos quais 22,2% são homens e 40,2% 
mulheres. Na PEA branca, os desocupados equivalem a 38,3%, sendo 9,8% de homens e 28,5% de 
mulheres. Os dados apresentados demonstram que, embora a flexibilidade seja um quadro geral, os(as) 
negros(as) continuam participando em grau diferenciado do desemprego e do emprego com maior grau de 
precariedade, portanto, em condição diferenciada do nível de exploração do trabalho pelo capital.” 
(PAIXÃO E CARVANO apud MARTINS, 2014, p. 125) 
7 A política de embranquecimento foi um movimento pensando pelo governo da época, visando desaparecer 
com a população negra através da miscigenação entre brancos, considerada como a “raça superior, (...) 
uma saída civilizatória para o Brasil. Na seleção natural, o negro se extinguiria pela seleção social, que diz 
respeito à raça branca ser mais forte e mais bela, e por isso dominadora socialmente” (MAIA; ZAMORA, 
2018, p. 278) 
8 De fato, na década de 1940, quando se consolidam as relações de trabalho sob bases corporativistas, os 
negros e “mulatos” formavam 40% dos que se encontravam inseridos no setor primário da economia, 
compondo 46% dos empregados, 41% dos autônomos e 22% dos empregadores. Em 1950, essa população 
é acrescida, contando com 42,5% dos que trabalhavam nesse setor, sendo 47% dos empregados, 43% dos 
autônomos e 22% dos empregadores (HASENBALG apud MARTINS, 2014, p.119) 
Na década de 1990, em que mais direitos trabalhistas são garantidos, a população 
negra encontrava-se nas “mais altas taxas de subemprego, de menor nível de rendimento 
e de não acesso à Previdência Social” (MARTINS, 2014, p. 123). Quando as crises de 
emprego atingem o Brasil (1980 e 1990), as primeiras parcelas a serem prejudicadas são 
essas que já não possuem boas condições para se manter, o que é usualmente medido pelo 
assalariamento9 que pode ser explicitado pelo “peso relativo do emprego sem a carteira 
assinada, na População Economicamente Ativa10 (IPEA) ocupada/assalariada” 
(MARTINS, 2014, p. 123). 
“os(as) trabalhadores(as) negros(as) os(as) não inseridos(as) em uma 
profissão regulamentada pelo Estado, a sua condição como trabalhador(a) se 
resume a uma condição de não cidadão(ã) em meio aos(as) cidadãos(ãs) 
inseridos(as) no processo produtivo formalizado e com o reconhecimento está 
tal, conforme os termos da definição de “cidadania regulada” de Santos (1987, 
p. 68)”. (MARTINS, 2014, p. 227) 
Para as mulheres, foi observado por Bairros (1991, p. 182-183) que se 
encontravam em “serviços pessoais (cabeleireiros, manicures, estilistas, lavadeiras, 
passadeiras, confecção, dentre outros serviços) e serviços domiciliares”, mas que os 
pessoais eram realizados predominantemente por mulheres brancas11, um reflexo do 
racismo, pois exigem um maior contato com o público, enquanto nos serviços 
domiciliares a maioria dos cargos era ocupada por trabalhadoras pretas12. Ou seja, as 
mulheres pretas sofrem uma dupla exploração/opressão, tanto pela relação de gênero 
como pela relação étnico-racial (MARTINS, 2014, p. 120) 
 
9 “No período de 1995 a 2006, por exemplo, na condição de assalariados com carteira assinada, 36,8% eram 
brancos(as) e 28,5% eram pretos(as) e pardos(as). Enquanto os homens brancos chegavam a 33%, as 
mulheres pretas e pardas totalizavam 22%. No emprego assalariado sem carteira assinada, os homens pretos 
e pardos chegavam a 25,2% e os brancos a 17,2%. Entre as mulheres, as pretas e pardas perfaziam um 
percentual ligeiramente superior” (PAIXÃO E CARVANO apud MARTINS, 2014, p. 123). 
10 “no período de 1995 a 2006, perfaz 25% para a PEA branca. Dentro desse grupo étnico-racial, 27,3% 
eram para a PEA masculina e de 23,9% para a feminina. Quando se analisam os indicadores da PEA preta 
e parda assalariada, o peso relativo foi de 37,6% dos empregados sem carteira assinada. Na decomposição 
desse grupo étnico-racial por sexo, identifica-se que a PEA masculina chegou a 40,1%, enquanto a feminina 
foi de 32,5%. Portanto, a análise a partir do enfoque étnico-racial evidencia que os pretos e pardos (55,5%) 
ocupam, em maior proporção, os trabalhos informais e sem carteira assinada. (PAIXÃO E CARVANO 
apud MARTINS, 2014, p. 123). 
11 “nos serviços pessoais, as mulheres brancas estão mais presentes, chegando a 24,2%, ao contrário das 
negras que chegam a 12%”. (BAIRROS apud MARTINS, 2014, p. 120), 
12“No período de 1995 a 2006, entre os(as) trabalhadores(as) pretos(as) e pardos(as), nessa ocupação, 75,8% 
estavam sem carteira assinada. Dentro desse grupo étnico-racial, 76,1% eram mulheres e 63,6% eram 
homens. Logo, esses(as) trabalhadores(as) não possuíam os seus direitos trabalhistas garantidos. Nessa 
ocupação, os brancos chegavam a 68,9%. Desse percentual, 57,1% eram homens e 69,8% mulheres. No 
grupo de trabalhadores(as) domésticos(as) com carteira assinada, 53,8% eram pretos(as) e pardos(as), sendo 
que, do total de empregados sem carteira assinada, o peso dos homens pretos e pardos chegou a 3,3% e o 
das mulheres a 58,2%” (PAIXÃO E CARVANO apud MARTINS, 2014, p. 123) 
“trabalho doméstico, por estar associado a um maior grau de 
informalidade e precarização, é mesmo assumido essencialmente pelos(as) 
negros(as)” (MARTINS, 2014, p. 124) 
Como nos empregos privados, essa mesma estrutura repete-se para cargos 
públicos, em que há discrepância entre brancos e negros quanto a “empregos 
hierarquicamente mais elevados e mais bem remunerados e os empregos menos 
prestigiados e com um menor salário” (ANDREWS apud MARTINS, 2014, p. 121), 
apesar do maior nível de escolaridade. Assim, a preferência pelo branco é maior, tanto na 
admissão ao emprego quanto no salário que deve ser pago, mesmo que em cargos 
hierarquicamente elevados13. 
“a discriminação racial passou a excluir de ocupações mais nobres 
aqueles que, depois de muito esforço, haviam alcançado maior renda e 
escolaridade. No ambiente desfavorável do mercado de trabalho, o bloqueio à 
ascensão social tende a continuar crescendo no país, sobretudo para a 
população negra, mesmo quando esta alcança maior escolaridade” 
(POCHMANN apud MARTINS, 2014, p. 126). 
A discriminação dá-se em meio “a um regime de trabalho não universalizado para 
toda a classe trabalhadora e a um racismo encoberto pelo mito da “democracia racial” 
(MARTINS, 2014, p. 128). Defendia-se que o Brasil era o perfeito exemplo de 
convivência harmoniosa entre as diferentes raças, não importando sua cor, não existindo 
barreiras legais que impedissem a ascensão social, uma construção “mítica de uma 
sociedade sem preconceitos e discriminações raciais” (GUIMARÃES, p. 2). 
Considerava-se, assim, o Brasil um país moderno, que não se deixava levar pelo 
binarismo, mesmo influenciado pelo fascismo latente na época da Segunda Guerra 
Mundial. 
Era pressuposto que, por brancos e negros viverem juntos e sem conflitos 
aparentes, estaríamos numa democracia14 e viveríamos em harmonia racial, mas essa 
perspectiva não considerava que, apesar de não-legalizada a segregação (como o 
apartheid), ainda sim a população negra sofria de forma institucionalizada e estruturada. 
Portanto, o mito da democracia racial camufla a segregação e o racismo estrutural 
na sociedade brasileira, visto que, desde o período da colonização, a população negra foi 
usada como objeto-mercadoria e, mesmo após o fim da escravidão, não foi inserida 
apropriadamente no mundo da cidadania, algo que tem reflexo até hoje, quando 
 
13 dados da Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílio (PNAD) de 1976 e de 1982 e do Censo de 1980. 
14 “A democracia a que Bastide se refere, inspirada em Freyre e Amado, não pode ser reduzida a direitos e 
liberdades civis, mas alcançaria uma região mais sublime: a liberdade estética e cultural, de criação e 
convívio miscigenado”. (GUIMARÃES apud BASTIDE 2002, p.10) 
“continuaram marginalizados e sem condições objetivas de ascender socialmente na 
sociedade de classes” (SILVA; CARVALHO, p. 10). 
A própria abolição da escravidão não foi um ato meramente humanitário, mas 
principalmente econômico e político. Manter um escravo era mais caro do que pagar 
salário, além de que, com o salário, o trabalhador remunerado faria parte do mercado 
consumidor e poderia comprar os produtos 15, sendo justamente esta a pressão da 
Inglaterra no sentido de aumentar o desenvolvimento econômico e liberar a mão-de-obra 
escrava para não atrasar esses planos. A mudança da visão e da economia da época levou 
a diversos atos16 que por fim conduziram à abolição da escravidão. 
Nesse período deu-se, também, a chegada de imigrantes da Europa, o que 
ocasionou uma injusta disputa entre os recém-inseridos trabalhadores e esses novos. 
Observou-se uma preferência pelo europeu, com a “marginalização do negro em 
detrimento da mão-de-obra branca e de preferência europeia considerada mais “adaptada” 
ao trabalho nos moldes da sociedade capitalista de classes” (SILVA; CARVALHO, p. 
17). 
“superioridade técnica e moral do trabalhador europeu e que processo 
de marginalização que o negro sofre dentro da sociedade de classes acontece 
porque este não conseguiu se ajustar as exigências e as técnicas do trabalho 
capitalista por causa da permanência valores culturais da ordem tradicionalista 
em suas consciências.” (SILVA; CARVALHO apud FERNANDES, p. 18). 
Estas práticas foram consideradas racistas, por Domingues, promovendo a 
exclusão social e econômica dos negros, pois, apesar de livres e possuindo direitos como 
qualquer outro cidadão, eram muito comuns: 
“Quando enfocamos a dinâmica da inserção do negro na sociedade de 
classes na primeira república em São Paulo, aventamos a hipótese de que as 
práticas racistas discriminatórias e as desigualdades raciais plasmaram o 
processo de organização do trabalho livre, gerando o banimento dos negros das 
velhas relações de trabalho e impedindo-lhes o acesso às novas oportunidades 
de emprego. ” (SILVA; CARVALHO, p. 19 apud DOMINGUES, 2004, 
p.106). 
 
15 SCHAHIN, Marcos Renato. A história brasileira através da filosofia do direito, São Paulo: SRS Editora, 
2008, p. 38 
16 “o tratado de 1810, firmado entre D. João e a Inglaterra, obrigava o príncipe regente a proibir o tráfico 
negreiro, sendo que em 1815 foi assinado um novo tratado onde a Inglaterra conseguiu que D. João 
proibisse o comercio de escravos ao norte do Equador, a convenção de 1817 permitia a inspeção de navios 
mercantes suspeitos de traficar escravos (...). Em 1827, foi assinado com o Brasil um tratado que extinguiria 
o tráfico de escravos ao país no período de três anos. (...) No brasil, muitos estudiosos que vinham da Europa 
começaram a defender a causa abolicionista, assim começaram a surgir às leis abolicionistas no país (...) a 
Lei Eusébio de Queiroz reprimia o tráfico negreiro (...). Em 1871 a Lei do Ventre Livre garantiu que os 
filhos dos escravos nasceriam livres. Em 1885, a Lei dos Sexagenários, garantiu a liberdade aos escravos 
com mais de 65 anos. Em 1888, a Lei Áurea que extinguiu a escravidão no Brasil. Mesmo após a libertação, 
os negros continuaram sendo marginalizados pela sociedade, pois as leis abolicionistas não se preocuparam 
com a integração dos negros no país. (SCHAHIN, 2008, p 39-44) 
Escravizados por séculos e privados de qualquer liberdade, os negros não se 
adequaram de imediato ao novo estilo de vida, mas também não queriam se submeter às 
antigas condições. Já os senhores não viam os negros de outra forma senão como 
escravos. O Estado, embora devesse oferecer políticas de inclusão e acolhimento, mais 
uma vez deixou o negro sem nenhuma assistência. 
Assim, criou-se a imagem de que os negros eram “indivíduos irresponsáveis, 
inúteis, vagabundos e incapazes de cumprir acordos” (NUNES, 2008, p. 250). Perdendo 
seus trabalhos, sua identidade e até mesmo sua cor (política de embranquecimento) foram 
compelidos a viver no mundo dos brancos. 
Nesse cenário, sem conhecimento ou educação, não sabendo ler, escrever ou 
prestar qualquer outra atividade que não a do trabalho no campo, sem bons contatos para 
obter indicação ou até mesmo causar boa impressão, só restou a marginalização, 
especialmente do homem, que passou a viver de trabalhos temporários, em geral 
‘pesados’, como os da construção civil. Já no caso das mulheres, conseguiram se inserir 
no mercado de trabalho através de atividade com que já tinham familiaridade nos tempos 
de escravidão, trabalhando em casas como domésticas, lavadeiras, engomadeiras, 
costureiras, praticamente na mesma servidão encaixada em outros moldes. (NUNES, 
2008, p. 251). 
Tal contexto ainda persiste nos séculos XX e XXI com a mulher preta17 submissa 
à patroa branca e às condições degradantes em que vivem, como o quartinho da 
empregada, naturalizado e normalizado por viverem em uma situação dessa, 
“responsabilizando por essa dificuldade uma suposta “natureza” dos negros” (FALCÃO, 
2020 apud FERNANDES 2008a, p.100). Se não se submeterem a isso, morrem de fome. 
Assim, como na época da escravidão/pós-escravidão, encontra-se o mesmo cenário e 
dilema18, passando da “escravidão física para entrar na escravidão moral” (FALCÃO, 
2020 apud FERNANDES 2008a, p.109). 
Florestan Fernandes coleta depoimentos para saber o que as pessoas pensavam na 
época e, com estes dados, corrobora suas pesquisas. Em uma dessas entrevistas, a seguinte 
fala deve ser destacada: “os pretos, quando a gente trata bem, pensam que são iguais, que 
 
17 “o serviço doméstico remunerado é responsável por 67,8% da ocupação”. Nesse caso, verifica-se a 
existência de uma “apartação” entre negras e brancas, ou seja, nos serviços domiciliares, as negras, 
particularmente as pretas, chegam a 86,4% das trabalhadoras ocupadas. (MARTINS, 2014, p. 120). 
18 “das relações [...] próximas da escravidão” e de garantias de “condições mínimas de sobrevivência 
material” –, os(as) racialmente discriminados(as) historicamente distanciaram-se do acesso a direitos 
mínimos, a exemplo de auxílio-doença, aposentadoria e seguro-desemprego”. (MARTINS apud 
BOSCHETTI, 2014, p. 127) 
podem fazer tudo que querem!” (FERNANDES, 2008a, p. 337), fala muito comum e que 
bem representa o pensamento das pessoas quando se tem uma empregada, especialmente 
negra, julgando-as “folgadas” porque, como foi dito no próprio depoimento, “pensam que 
são iguais”. Um clássico exemplo do racismo estrutural enraizado no pensamento 
brasileiro, em que, apesar de todos serem iguais (juridicamente), no íntimo e nas ações 
não é isso que é visto e praticado. 
Ou ainda, também retirado de outro trecho de Fernandes (A Integração do Negro 
na Sociedade de Classes, 2008a), quanto mais dedicado for, maior estima o patrão terá 
por ele, sendo até considerado um “preto de alma branca” (outra expressão racista), pois 
se parece com um branco e se aproxima dele: 
“criado fiel e devotado ou fazer jus aos atributos correlatos (mesmos 
sem ser empregado ou dependente), mais o “negro” encontra correspondência 
afetiva, compreensão e consideração no ânimo do “branco” (FERNANDES, 
2008a, p.354 apud FALCÃO, p. 94).” 
O racismo está presente em diversos campos da vida em sociedade, tanto 
explicitamente na linguagem cotidiana quanto inconscientemente19, em situações do 
cotidiano, por exemplo, o salário, que, segundo Silvio Almeida, é a “explicação mais 
vulgar ao atribuir a desigualdade salarial ao mérito”, em uma referência ao que aquela 
pessoa merece ganhar pelo serviço prestado(Racismo Estrutural, 2019, p. 124). Apesar 
de exercer a mesma função, deter as mesmas técnicas e qualificações, ainda assim, sua 
produtividade seria a justificativa usada, não sendo a mais correta, pois não explica por 
que negros ainda recebem um menor salário20 já que presentes os mesmos requisitos de 
uma pessoa branca. Ou ainda, a posição que eles ocupam, geralmente mais baixa, de 
 
19 Num estudo feito por Lia Vainer Schucman, ela propõe uma entrevista para entender como o branco se 
insere no contexto do racismo. Por exemplo, na fala de uma das entrevistadas "Às vezes me chamam de 
branca negra, porque eu não tenho os traços delicados, eu tenho lábios grossos, nariz largo e, mesmo sendo 
loira, meu cabelo é ruim" (Lilian). “A fala de Lilian, mais uma vez, nos leva a pensar que o que está em 
jogo, para os padrões estéticos, não é a tonalidade da pele, mas sim aquilo que se refere aos traços, feições 
e cabelos associados culturalmente ao branco europeu, sem miscigenações. Quando Lilian diz que seu 
cabelo é ruim, na mesma frase em que diz que às vezes é chamada de branca negra, associa à negritude os 
próprios traços que ela mesma não considera bonitos ou bons.” (Schucman, 2014, p. 90) 
20 Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de ONGs (Organizações Não Governamentais -Abong) 
em 2019 mostra discrepâncias entre a remuneração e cargos ocupados por negros e brancos, foi levantado 
que a população negra ganha em média 27% a menos que as brancas nas ONGs. “Entre as pessoas que 
receberam, em 2019, mais de 20 salários-mínimos nas ONGs, 44,42% eram homens brancos; 31,45% 
mulheres brancas; 12,97% homens negros; e 10,01% mulheres negras. Já na faixa de remuneração de até 
meio salário-mínimo, a maioria é de homens negros (38,19%), seguidos de mulheres negras (37,11%), 
mulheres brancas (12,81%) e homens brancos (11,11%). Os dados levantados apontam ainda que a maior 
participação de pessoas negras (41,62%) está na ocupação de auxiliar de manutenção predial. E a maior 
presença de pessoas brancas (64,81%) situa-se na ocupação de pesquisador ou pesquisadora. Na função de 
diretor, em 2019, 59,25% das pessoas eram brancas, e 25,07%, negras. Nas gerências, 59,27% eram 
brancas, e 27,60%, negras.” (ESTUDO EXPÕE DIFERENÇA DE SALÁRIOS ENTRE NEGROS E 
BRANCOS EM ONGS, 2020) 
pouco prestígio, menor remuneração (ALMEIDA, 2019, p.125) – isso quando têm um 
trabalho e não estão desempregados. 
 “A situação da população negra poderia ser explicada pelo que 
denominava de causas cumulativas” (ALMEIDA apud MYRDAL, 2019, p. 125). O 
racismo começa mesmo antes da pessoa nascer, na medida em que não se tem acesso ao 
básico para sobreviver: atendimento médico, alimentação, moradia. Nem depois de 
nascer, sem educação de qualidade, agravada no futuro quando se entra no mercado de 
trabalho (gerando o desemprego por não ter qualificação), além de tantos outros fatores 
enfrentados ao longo da vida. Tudo isso leva a uma precarização e obriga a população 
preta e parda a aceitar trabalhos com as menores remunerações21, impedindo a ascensão 
social e uma mudança de vida. Torna-se um ciclo vicioso. 
 Percebe-se, então, que o “racismo é derivado das relações econômicas 
capitalistas”, pois a população negra é forçada a se adequar a tal modelo, mas não teve e 
nem tem o suporte necessário para tanto. Desde o momento da mudança e da Abolição, 
até os dias de hoje, essa população é deixada à margem e à sua própria sorte. Uma ‘mera’ 
consequência do capitalismo: “transformando, ao longo do séc. XVIII, de ‘deixar viver 
ou fazer morrer’ a ‘fazer viver e deixar morrer’” no contexto da biopolítica de Foucault 
(1999) 
 “A solução do racismo envolveria algum tipo de mudança 
institucional e reorientação moral - segundo Myrdal - ou até mesmo estrutural 
e revolucionária - segundo Cox – que, de um modo ou de outro, exigiriam 
interferências na relação Estado/mercado, e não apenas em comportamentos.” 
(ALMEIDA, 2019, p. 127) 
 Assim, segundo Silvio Almeida, surgem teorias para evitar a interferência 
do Estado no mercado, baseando-se no neoclassicismo: i) Teoria da discriminação por 
preferência ou da propensão à discriminação (Gary Becker, A economia da 
discriminação, 1957) – racismo é um comportamento de informações insipientes ou 
ignoradas, guiados por um pensamento utilitarista, que vê o negro como “desutilidade”, 
pois não dá o retorno esperado. Um racismo que afeta o capitalismo como um todo, pois 
deixa esse pensamento impedir a contratação de alguém somente por essa ignorância. ii) 
 
21 “localiza mais de 80% dos(das) negros(as) em apenas cinco setores de atividades com prevalência de 
trabalho secundário, ou seja, nos setores de trabalho instáveis e mal remunerados, marcados pela constante 
troca de emprego: [...] no nordeste: setor primário 52,4%; prestação de serviço, 10,9%; comércio de 
mercadorias, 7,2%; indústria tradicional, 7,0%; e a construção civil, 6,6%;.[...] em São Paulo [...] prestação 
de serviços (20,1%) [...] com o crescimento da demanda por serviços pessoais, de confecção, de higiene 
pessoal etc., e domiciliares (15,5%), no qual se destaca o serviço doméstico remunerado (11,7%) [...] [e] 
outros serviços de prestação de serviços (4,6%) [...] A construção civil e a prestação de serviços [...] quase 
40% das pessoas ocupadas no primeiro e 32,7% no segundo são negras, enquanto a média em São Paulo é 
de 24,4%.” (MARTINS apud PORCARO, 2014, p. 122) 
Teoria do capital humano – diferentes níveis de produtividade entre negros e brancos, 
justificando nas falhas educacionais refletidas nas falhas de mercado, já que 
historicamente o branco teve mais acesso à educação e ao conhecimento do que o negro. 
iii) Teoria da discriminação estatística – as desigualdades são frutos das decisões dos 
agentes de mercado, preconceitos reproduzidos pela sociedade, naturalizado em nosso 
povo, evidenciando o racismo institucionalizado. 
Nesse sentido, encontra-se um fenômeno chamado de ameaça do estereótipo 
(ALMEIDA, 2019, p. 131), em que os grupos já historicamente marginalizados não 
conseguem se ver mudando de situação e “aceitam” seu espaço e lugar na sociedade, 
reiterando o racismo e o estereótipo que foi colocado, como, por exemplo, mulher negras 
e pobres trabalhando de domésticas. 
“O excesso de intervenção do Estado, leis limitadoras da liberdade 
contratual e educação insuficiente seriam os reais motivos da ignorância que 
levaria a práticas discriminatórias” (ALMEIDA, 2019, p. 131) 
Pensando nisso e na situação das empregadas domésticas como um exemplo 
ilustrativo, pode-se “dizer que o racismo normaliza a superexploração do trabalho” 
(ALMEIDA, 2019, p. 138) ao impor condições precárias de ambiente de trabalho 
(especialmente de descanso, o quartinho da empregada), como um baixo valor do salário, 
a exploração da força de trabalho desproporcional e a falta de direitos que deveriam ser 
garantidos (férias, décimo terceiro salário e outros benefícios empregatícios). 
O racismo parte do pressuposto da discriminação racial, ou seja, a diferenciação 
das pessoas segundo as características físicas específicas de um grupo. Um grupo que 
detém o poder, usa as vantagens e os privilégios que sua categoria racial oferece, ao passo 
que outro será desvalorizado e discriminado, de forma consciente ou não, numa forma 
sistemática e estrutural, o que se manifesta nos espaços econômicos, políticos e 
institucionais. 
Assim, Silvio de Almeida (2019) define três formas em que o racismo pode ser 
manifestado: individual, institucional e estrutural, mas, no fim, toda forma de racismo 
acaba sendo estrutural. A individual passa uma ideia “patológica” tanto individual como 
coletiva, sendo constituída pelas outras duas (institucional e estrutural). 
Já a forma institucional, para Almeida (2019), remete-se os modos de 
funcionamento das instituições que corroboram os privilégios de certos grupos de acordo 
com a raça, como setivessem sido criadas para reforçar a posição de cada um na 
sociedade, “as instituições são a materialização das determinações formais na vida social” 
(ALMEIDA, 2019, p. 32), moldando e naturalizando essas práticas quando não 
questionamos a falta da presença das pessoas negras em altos cargos (públicos e 
privados22) ou aceitamos as condições por eles vividas, como menores salários, falta de 
escolaridade e empregos. 
Por fim, a forma Estrutural, inerentemente ligada com a Institucional, está diante 
da normalidade da segregação nas relações sociais políticas, jurídicas e econômicas, 
determinando as regras que devem ser seguidas. Mesmo que procuremos punir o 
individual e o institucional, a única coisa que verdadeiramente irá mudar a sociedade será 
promover educação e internalizar valores, para que, assim, seja alcançada a mudança em 
todas as formas de racismo. Segundo Silvio Almeida, a educação antirracista deve ser 
concomitante a mudanças institucionais. 
Nesse sentido, o próximo capítulo da presente pesquisa abordará o quartinho de 
empregada como um reflexo arquitetônico da teoria racial apresentada. 
3 TRANSFORMAÇÕES ARQUITETÔNICAS: DAS SENZALAS ATÉ OS 
APARTAMENTOS 
Entender o que significa o quarto de empregada em uma residência e o seu 
significado social vai muito além da arquitetura. É preciso relembrar o passado para 
entender o presente, tendo em vista que o quartinho de empregada carrega a herança das 
relações escravistas, excludentes e patriarcais, que relembram um período de segregação 
e servidão no Brasil. 
Durante a história da arquitetura brasileira, o espaço dos empregados se mostra 
presente nos programas de necessidades das habitações voltadas à elite, sendo derivado 
do processo de colonização, passando por mudanças com os anos – nos fundos ou no 
quintal, no porão, no sótão ou separado do restante da edificação sob a forma de edícula 
– mas sempre situado na área de serviço. Em relação às dimensões espaciais, à circulação 
interna, à inserção de janelas, aos aspectos ambientais (ventilação, iluminação e acústica), 
os quartos sempre encontraram situações precárias. (MORAIS, 2017). 
A dependência da empregada doméstica dentro da residência unifamiliar, pode ser 
compreendida pela relação trabalho/moradia. Já no âmbito de produto de formação social, 
é entendida pelo oprimido, como espaço de exploração contínuo e pelo opressor, como o 
lugar da falta de privacidade e individualidade do trabalhador doméstico, ocasionando 
problemas como o assédio sexual e a confirmação de hierarquias socioespaciais entre 
 
22 “Assim, o domínio de homens brancos em instituições públicas – o legislativo, o judiciário, o ministério 
público, as reitorias de universidades etc. – e instituições privadas – por exemplo, a diretoria de empresas” 
(ALMEIDA, 2019, p. 32) 
ambos (MAIA; MORAIS, 2018). As configurações espaciais físicas são determinadas 
pelos fatores sociais, ressaltados por discursos da sociedade e da época em que elas se 
inserem. É no espaço edificado que se formam as estruturas de hierarquia nas relações 
entre patrão-empregado (LEITÃO, 2014). 
Desde o século XVII, com o estilo bandeirista, as casas possuíam uma separação 
para as acomodações destinadas aos donos da casa, hóspedes e empregados. A planta da 
casa tinha uma configuração em que os dois cômodos principais ficavam em direção à 
capela, enquanto a varanda alpendrada (conhecida também como corredor) servia como 
a única conexão entre o dono da casa e as demais pessoas que ali estivessem. A cozinha 
ficava externa à casa, junto ao alojamento dos escravos, que não tinham a menor 
importância no plano de necessidades da casa. Quando não dormiam na senzala, que 
possuía um espaço extremamente hostil, podiam dormir perto dos fogões ou nos porões, 
afinal a imagem do escravo era a mesma de um animal (LEMES, 1996). 
“O ato de morar é uma manifestação de caráter cultural e enquanto 
as técnicas construtivas e os materiais variam com o progresso, o habitar um 
espaço, além de manter vínculos com a modernidade também está relacionado 
com os usos e costumes tradicionais da sociedade” (LEMOS, 1996, p.08) 
 
 
 
Figura 1 - Casa Bandeirista Sítio do Padre Inácio, desenho a partir de: KATINSKY, Julio 
Roberto. Casas Bandeiristas: Nascimento e reconhecimento da arte em SãoPaulo. São Paulo: Instituto de 
Geografia, USP, 1976. http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arquitetura/o-quartinho-
de-empregada-e-a-tradicao 
 
Figura 2 - Preparação de farinha de mandioca no início do século XIX, segundo gravura de Rugendas. 
(Biblioteca Nacional da Alemanha) http://profmarcioramos.blogspot.com/2013/07/quarto-grande-e-
senzala.html 
Após a Abolição da Escravatura em 1888, houve mudanças no quadro 
socioeconômico. O trabalho remunerado começava a aparecer com a chegada dos 
imigrantes e junto a isso a necessidade de uma edícula fora de casa, não mais uma senzala. 
As edículas possuíam quartos e banheiros, com acesso independente do quintal. Agora 
com novos programas, a casa burguesa passa a adotar a distribuição à francesa. O que 
significa uma maneira de distribuir a casa, de forma que cada cômodo tenha uma única 
função específica e que haja um plano de circulação em que, para acessar a zona de estar 
e repouso não se necessite passar pela área de serviço (CARRANZA, 2017). Vale 
ressaltar que há distinções conforme a prestação dos serviços domésticos. Existe uma 
hierarquia entre: faxineira, cozinheira e babá. Dessa forma, as trabalhadoras que estavam 
no topo dessa pirâmide, como as babás, brancas, dormiam nos quartos internos à casa, 
perto das cozinhas ou nos porões, já as faxineiras, em sua maioria pretas, dormiam nas 
edículas (MAIA; MORAIS, 2018). 
“A acomodação da criadagem apresentou problemas naquela época em 
que era chique ter empregadas brancas, preferivelmente estrangeiras, para não 
só servirem de preceptoras dos filhos como para executarem toda ordem de 
trabalho doméstico. Essas serviçais dormiam infalivelmente nos porões, nas 
mansardas que os novos estilos proporcionavam ou em quartos ao lado da 
cozinha. As famílias remediadas, sem muitos luxos no arranjo da casa, ainda 
recorriam à mão de obra crioula, acomodando-a no quintal, ao lado das galinhas 
e cachorros.” (LEMOS, 1996, p.52) 
 
 
Figura 3 - Croqui com edícula equipada com lavanderia e garagem. Fonte: Reis Filho, 2014, p. 75. 
Editado por Fernando Morais. 
https://www.editorarealize.com.br/editora/ebooks/join/2019/5f5928b782e57_09092020161047.pdf 
 
No século XX, após a Primeira Guerra Mundial, ocorreram mais mudanças no 
programa de necessidades. Com a chegada da industrialização e de eletrodomésticos, a 
copa surgiu para facilitar a vida das donas de casas e se tornar a “área” da família, como 
também, tomou o lugar da antiga varanda, a qual acabou se tornando um apêndice da sala 
de estar (LEMES, 1996, p. 66). A arquitetura pós-industrial, traz novos sistemas 
construtivos como o concreto armado, aço e vidro. Isso permitiu com que as paredes 
deixassem de ser unicamente estruturais e passassem a ser de vedação, o que implicou na 
criação do conceito de ‘planta livre’. Dessa forma, os conceitos internos da casa burguesa 
paulistana se transformaram completamente. O que antes era dividido por suas funções, 
a arquitetura moderna mudou para uma divisão feita por maior fluidez dos espaços junto 
a uma valorização das áreas sociais e, em alguns casos, a integração entre o externo e o 
interno. (CARRANZA, 2017). 
“A edícula no quintal, com suas dependências de serviço e de 
morada da empregada doméstica e a copa ao lado da cozinha vieram 
singularizar soluções eminentemente brasileiras.” (LEMES, 1996, 
p.66) 
 
 
Figura 4 – Casa no Pacaembu, Arquitetos Eduardo Corona, Luis Fernando Corona e Roberto José G. 
Tibau, 1951 http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arquitetura/o-quartinho-de-
empregada-e-a-tradicao 
Em 1935,ocorre a aparição dos primeiros apartamentos. Houve um preconceito 
vindo da classe alta, pois a primeira impressão era que os edifícios eram parecidos com 
cortiços habitados por negros, então os percursores do aluguel foram pessoas da classe 
média. Além desse preconceito racista da classe alta, presente sobre os apartamentos, foi 
possível perceber também, a ideia de segregação que permaneceu, dividindo áreas e 
criando lugares de transição apenas para empregados. Essas moradias mostram uma 
planta com um tamanho cinco vezes maior que os quartinhos de empregada e com uma 
área de serviço separada do resto, além de apresentar dois elevadores, o social e o “dos 
fundos”, reforçando a tradição que existe desde a escravidão de manter os trabalhadores 
domésticos o mais longe possível da área social (LEMES, 1996, p. 78). Desde a década 
de 20, quando surgiram, até o século XXI, observa-se no programa de necessidades essa 
circulação à francesa, já citada anteriormente, independentemente da Lei Municipal Nº 
16.050, de 31 de julho de 2014, que determina a não segregação dos acessos 
(CARRANZA, 2017). 
"Tanto no projeto como no uso, essa área de serviço faz apelo ao 
mais atávico dos valores da classe média: a cozinha do apartamento 
continua a ser a cozinha da casa-grande, um lugar afastado do espaço 
de vida do patrão: é o lugar dos empregados, raramente o da dona da 
casa: a empregada continua a ser uma escrava cuja presença é malvista 
nas áreas da família; e seu pequeno quarto com a porta abrindo para o 
tanque de lavar roupa no corredor de serviço ainda é a senzala.” 
(HOLSTON, 1993, p.188) 
 
 
Figura 5 - Exemplo de apartamento com duplo acesso e quarto de empregada junto a área de serviço. 
http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arquitetura/o-quartinho-de-empregada-e-a-
tradicao 
 
 
Figura 6 - Uma representação do quartinho de empregada no Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, 
em Belo Horizonte. Foto: Flavio Tavares / O TEMPO 
https://www.otempo.com.br/economia/lei-das-domesticas-nao-resolveu-problemas-estruturais-do-oficio-
1.2352677 
 
O Brasil é um dos únicos países que possuem separação entre o espaço de serviço e 
o social, imutável até o século XXI. Dentre esse aspecto, a relação entre o público e 
privado é bem demarcada, no sentido de que, as trabalhadoras que moram nas casas onde 
trabalham, são delimitadas a ficarem nas áreas públicas da casa, ou seja, de serviço, mas 
ao mesmo tempo encontram o contrastante paradoxo entre o que é ‘seu’ e o que não é. 
Após trabalhar incessantemente o dia inteiro, é esperado que a empregada que reside na 
casa dos patrões, encontre descanso no quartinho que é destinado a ela. Todavia, o espaço 
http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arquitetura/o-quartinho-de-empregada-e-a-tradicao
http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arquitetura/o-quartinho-de-empregada-e-a-tradicao
é o ambiente mais simbólico e indicador da segregação social que ainda persiste e que 
toma forma através das relações no trabalho doméstico. Este cômodo pode ser visto como 
a fronteira entre o espaço privativo da funcionária e o espaço de trabalho público 
(RODRIGUES; MACIEL; BILHALVA, 2018). 
Para tratar de público e privado, partimos da ideia de que os espaços 
vividos são carregados de sentidos sociais e culturais: o espaço privado (ou a 
casa) é o local de moradia, da tranquilidade, do conforto social, do conhecido, 
do descanso – o bom e o belo, o decente; por outro lado, o espaço público, é o 
lugar do movimento, de perigo, do desconhecido, do genérico, da batalha, da 
luta, do trabalho (a subsistência como instância pública). São as oposições que 
necessitam uma da outra, marcadas por relações de tensão que, no entanto, se 
complementam e interagem (ARENDT, 2005; DAMAT- TA, 2000, 2001). O 
privado, portanto, seria o local de não-trabalho. Entretanto, para o trabalho 
doméstico essa dicotomia não se mantém, como podemos acompanhar ao longo 
da história dessa atividade como uma herança do sistema escravista 
(RODRIGUES; MACIEL; BILHALVA, 2018, p.314) 
 
 
Figura 6 - Planta baixa de unid. do Edifício Armando Lobo (1978) Fonte: Adaptado do banco de dados do 
gEPA Sem Escala. 
https://eventos.ufu.br/sites/eventos.ufu.br/files/documentos/136_f_dependencia_de_empregada_15_0.pdf 
 
4 CONCLUSÃO 
A partir disso, é possível analisar que o racismo no Brasil se perpetua até o século 
XXI, com os reflexos enraizados na sociedade. A forma como a empregada doméstica é 
tratada, apenas intensifica uma ideia que vem desde os tempos coloniais. Desde poucas 
oportunidades no mercado de trabalho para pessoas negras, o que a faz trabalhar em 
empregos como doméstica, até a precariedade em seus cômodos. É notório como o 
racismo está em todas as esferas e campos da sociedade, sendo as condições que a 
doméstica se submete, exemplificado pelo quartinho da empregada, um reflexo de um 
racismo estrutural englobando o institucional e o individual ao interferir na vida 
econômica, na habitação, no pensar e na normatização dessa conjuntura. Evidenciando o 
mito da democracia racial que, supostamente, viveriam em harmonia pela discriminação 
não ser jurídica, mas que não considera todo histórico e contexto que a população preta 
ainda enfrenta no século XXI. 
 
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https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100010
	RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a análise da influência do período colonial, uma época escravocrata, no racismo do século XXI, tanto na questão arquitetônica como social. Para isso, buscou em livros e artigos científicos a construção de c...
	1 INTRODUÇÃO
	2 REFLEXOS DO RACISMO NO MERCADO DE TRABALHO
	3 TRANSFORMAÇÕES ARQUITETÔNICAS: DAS SENZALAS ATÉ OS APARTAMENTOS
	4 CONCLUSÃO
	REFERÊNCIAS

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