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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/334643782
Os conceitos de memória impedida, memória manipulada e esquecimento de
reserva em "A memória, a história, o esquecimento" de Paul Ricoeur: entre o
trauma e a conciliação
Conference Paper · July 2010
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Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
O governo de D. Frei Domingos da Encarnação Pontevel (1777-1793) View project
Perdão e História? Odisséias do conceito de perdão na obra de Paul Ricoeur a partir de La mémoire, l'histoire, l'oubli View project
Caroline Cristina Souza Silva
University of São Paulo
6 PUBLICATIONS   0 CITATIONS   
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All content following this page was uploaded by Caroline Cristina Souza Silva on 24 July 2019.
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https://www.researchgate.net/publication/334643782_Os_conceitos_de_memoria_impedida_memoria_manipulada_e_esquecimento_de_reserva_em_A_memoria_a_historia_o_esquecimento_de_Paul_Ricoeur_entre_o_trauma_e_a_conciliacao?enrichId=rgreq-5d11ef8f4b964a08c68e321d4da978f9-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzNDY0Mzc4MjtBUzo3ODM5OTE2NTc0ODgzODRAMTU2MzkyOTU4NTA1OQ%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf
https://www.researchgate.net/publication/334643782_Os_conceitos_de_memoria_impedida_memoria_manipulada_e_esquecimento_de_reserva_em_A_memoria_a_historia_o_esquecimento_de_Paul_Ricoeur_entre_o_trauma_e_a_conciliacao?enrichId=rgreq-5d11ef8f4b964a08c68e321d4da978f9-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzNDY0Mzc4MjtBUzo3ODM5OTE2NTc0ODgzODRAMTU2MzkyOTU4NTA1OQ%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf
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https://www.researchgate.net/project/Perdao-e-Historia-Odisseias-do-conceito-de-perdao-na-obra-de-Paul-Ricoeur-a-partir-de-La-memoire-lhistoire-loubli?enrichId=rgreq-5d11ef8f4b964a08c68e321d4da978f9-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzNDY0Mzc4MjtBUzo3ODM5OTE2NTc0ODgzODRAMTU2MzkyOTU4NTA1OQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf
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https://www.researchgate.net/profile/Caroline-Cristina-Souza-Silva?enrichId=rgreq-5d11ef8f4b964a08c68e321d4da978f9-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzNDY0Mzc4MjtBUzo3ODM5OTE2NTc0ODgzODRAMTU2MzkyOTU4NTA1OQ%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf
https://www.researchgate.net/profile/Caroline-Cristina-Souza-Silva?enrichId=rgreq-5d11ef8f4b964a08c68e321d4da978f9-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzNDY0Mzc4MjtBUzo3ODM5OTE2NTc0ODgzODRAMTU2MzkyOTU4NTA1OQ%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf
https://www.researchgate.net/institution/University-of-Sao-Paulo?enrichId=rgreq-5d11ef8f4b964a08c68e321d4da978f9-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzNDY0Mzc4MjtBUzo3ODM5OTE2NTc0ODgzODRAMTU2MzkyOTU4NTA1OQ%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf
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 1 
Os conceitos de memória impedida, memória manipulada e esquecimento de reserva em 
“A memória, a história, o esquecimento” de Paul Ricoeur: entre o trauma e a 
conciliação 
 Caroline Cristina Souza Silva∗ 
Juliana Ventura de Souza Fernandes∗∗ 
Mateus Henrique de Faria Pereira*** 
 
I. Introdução 
 
Sustentando-nos sobre a categoria da justa memória de Paul Ricoeur, propomo-nos a 
discutir os conceitos de memória impedida, memória manipulada e esquecimento de 
reserva, compreendidos por este autor na perspectiva dos usos e abusos da memória. A 
questão revela-se importante diante de suas implicações à prática historiográfica e à análise 
dos usos que o tempo presente possa fazer de seu passado histórico. Para tanto, retomaremos 
as discussões conceituais e referências a outros autores, destacando seus apontamentos acerca 
do lugar da historiografia na cultura. Os efeitos da memória impedida serão tratados 
contiguamente à possibilidade de repetição de experiências traumáticas e à necessidade de 
trabalho de luto na história. O campo da memória manipulada será retomado por sua 
dimensão mais ampla de abuso da memória e o esquecimento de reserva por sua relação 
com a transmissão e o indizível na história. Este último parece ligado àquilo que no 
esquecimento estaria mais próximo à reversibilidade, podendo se constituir em alternativa 
para elaboração histórica, no limiar entre o que há de destruidor e fundador no esquecimento. 
As relações entre memória impedida, manipulada e esquecimento situar-se-ão, deste 
modo, no campo da impossibilidade de narrativização completa e nos conduzirá à questão de 
como o presente pode falar de seu passado e de que forma se pode transmitir determinada 
experiência. Por fim, discutiremos em que medida o horizonte ideal, sugerido pelo autor, de 
 
∗ Aluna do Curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto. Integrante do Grupo de Estudos Ler 
Ricoeur. Participante do Projeto de Pesquisa Perdão e História? Odisséias do conceito de perdão na obra de Paul 
Ricoeur. Financiamento: FAPEMIG. 
∗∗ Aluna do Curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto. Bacharel em Psicologia e Psicóloga pela 
Universidade Federal de São Carlos. Integrante do Grupo de Estudos Ler Ricoeur. Participante do Projeto de 
Pesquisa Perdão e História? Odisséias do conceito de perdão na obra de Paul Ricoeur. Financiamento: 
FAPEMIG. 
*** Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto. Orientador. 
Coordenador do Projeto de Pesquisa Perdão e História? Odisséias do conceito de perdão na obra de Paul 
Ricoeur. Financiamento: FAPEMIG. 
 
 2 
uma memória apaziguada bem como do esquecimento feliz é possível e desejável na 
elaboração da narrativa histórica. 
 
II. A Memória Impedida 
 
Antes de adentrarmos nas discussões acerca de usos de abusos da memória, é relevante 
ter em consideração o lugar destacado, que Paul RICOEUR (2008) confere à memória em seu 
livro “A memória, A história, O esquecimento”. Não são poucas as passagens, 
particularmente na primeira parte de seu livro intitulada “Da memória e da reminiscência” em 
que a memória é tratada como o ponto de enraizamento da historiografia. Entretanto, pode-se 
supor que Ricoeur compreende algumas conseqüências e perigos implícitos nesta opção 
teórica e metodológica. Diante disto, dedica parte de sua narrativa1 ao esclarecimento das 
dimensões abusivas da apropriação da memória para o tratamento dos vestígios e testemunhos 
visando uma escrita historiográfica. 
Os abusos da memória são tratados pelo autor a partir de três chaves interpretativas. 
Referente à memória impedida, Paul Ricoeur recorre a categorias clínicas e terapêuticas 
provenientes principalmente da psicanálise freudiana, procurando vincular essa “patologia”, 
para utilizarmos seu termo, a experiências humanas e históricas fundamentais. Quanto à 
manipulação da memória, retomará o conceito de instrumentalização, dependente da crítica às 
ideologias, destacando que é neste ponto que as noções de abuso da memória e abuso do 
esquecimento são mais pertinentes. A terceira chave, que não será alvo de nossa discussão 
pormenorizada, é o deverde memória, categoria fundamental para a discussão da memória 
obrigada. 
Dito isto, tratemos da patologia da memória impedida. 
Paul Ricoeur, ao fazer uso de categorias forjadas pelo debate analítico, questiona em 
que medida é autorizável a aplicação destas à análise de memórias coletivas (RICOEUR, 
2008: 83). Embora não nos pareça conclusivo quanto à resposta, seu debate posterior acerca 
das relações entre memória coletiva e memória individual2 parece autenticar a existência 
dessas duas dimensões da memória como entidades próprias; que seriam aproximáveis pelo 
conceito de “próximos” que ligaria o eu e os coletivos. Desta maneira, Ricoeur, ainda que 
 
1 Para esta discussão, ver principalmente “A memória exercitada: uso e abuso” (p. 71-104) e “O esquecimento” 
(p. 423-462), do mesmo título. 
2 “A Memória Coletiva” (p.105-142), do mesmo título. 
 3 
reconheça seus problemas, utiliza-se dessas categorias analíticas para fundamentar sua 
discussão sobre a memória, particularmente a memória impedida. 
Para isto, apropria-se de dois textos fundamentais de Freud: “Recordar, Repetir e 
Elaborar” (1914) e “Luto e Melancolia” (1915). 
Quanto ao primeiro, Ricoeur evidencia logo ao início de sua análise que a imposição 
destes três verbos seqüenciais sugere que, quando se trata da memória fala-se em um trabalho. 
Trabalho do analista e trabalho do analisando. “Freud enuncia duas propostas terapêuticas que 
serão para nós da maior importância no momento de transpormos a análise clínica ao plano de 
memória coletiva, como nos consideramos autorizados a fazer nesse estágio da discussão” 
(RICOEUR, 2008: 84). Ao analista caberia, por meio da transferência, proporcionar o espaço 
para que a manifestação patológica pudesse ocorrer. Ao analisando, disposição para se 
aproximar de dimensões mórbidas, não considerando desprezíveis suas ocorrências. É essa a 
condição para que haja “reconciliação”, termo que retomamos de Ricoeur. Assim, estamos 
diante de um trabalho, trabalho este que depende ativamente do analisando. 
Em relação ao “Luto e Melancolia”, Ricoeur apontou uma dificuldade maior ainda na 
transposição da memória individual para a coletiva. Se no primeiro artigo, o trabalho poderia 
ser uma dimensão sugestiva dessa ligação do sujeito ao coletivo, em “Luto e Melancolia” essa 
aproximação pode ser menos evidente. Entretanto, aos propósitos argumentativos de Ricoeur, 
parece fundamental a categoria de “luto” elaborada por Sigmund Freud. Na apropriação do 
autor, a perda de um objeto concreto não se refere a sua perda instantânea no plano psíquico. 
Em um primeiro momento após a perda, conduz-se um superinvestimento na representação do 
objeto em uma tentativa de mantê-lo vivo em sua representação. Está-se, a partir daí, diante 
de duas possibilidades: a primeira refere-se à impossibilidade de abandono desse investimento 
no objeto perdido, conduzindo à melancolia; a segunda é a realização de um trabalho de luto, 
que embora doloroso, promove, ao final a liberação da energia psíquica para investimento em 
outros campos. 
Ricoeur, nos parece, encontrou nesta discussão duas categorias fundamentais para o 
desenvolvimento de suas teses posteriores sobre o perdão: o trabalho de elaboração e o 
trabalho de luto. A discussão em bases teóricas freudianas retoma também a questão 
indestrutibilidade do passado vivido, cabendo, diante desta impossibilidade, a criação de 
arranjos para lidar com o passado. A menção à teoria freudiana do recalque pôde levar à 
sustentação conceitual sobre as teses acerca da dimensão traumática do vivido, caracterizada 
por uma repetição que não pode ser interpretada como mera manifestação de lembrança. 
 4 
Portanto, é possível compreender que o recalcado emergente no sujeito marcado pelo 
trauma tem como principal função a substituição de lembranças, e provavelmente será através 
da repetição da descrição dos fatos traumáticos e na resistência à elaboração que o analisando 
se apoiará. Para Freud, a reprodução dos relatos de fatos traumáticos é interpretada como 
ação, ou seja, o analisando, ao descrever o acontecimento não reproduz uma lembrança. Em 
verdade, há todo um processo de trabalho pelo qual passa a memória na busca de 
rememoração. O relato é, ativamente, modificado a partir da ocasião traumática. Ricoeur 
apropria-se dessas formulações de Freud com o objetivo de superar o problema do recalque e 
da compulsão pela repetição, chaves para elucidar problemas encontrados com relação à 
memória coletiva. Em resposta a estes problemas, a categoria de “elaboração” seria evocada 
para fazer frente às questões mencionadas. Por meio deste processo, a lembrança recalcada 
será liberada e o analisando finalmente poderá construir uma relação de conformidade com 
seu passado. 
É com relação ao “passado indestrutível” a qual Freud menciona que Ricoeur faz uso 
do trabalho “Psicopatologia da Vida Cotidiana” para explicar melhor o fator de desligamento 
entre o presente e o passado. Os desenvolvimentos freudianos neste último, apoiados 
principalmente no tema do esquecimento, serviriam à análise daquilo que ocorre nas relações 
em espaço público, tendo, portanto, alguma função para a análise da memória coletiva. As 
manifestações inconscientes cotidianas, por vezes quase imperceptíveis, seriam o elo que 
representa essa indestrutibilidade do passado, afirmando suas permanências no tempo 
presente. No entanto, o que haveria de patológico residiria no esquecimento consciente de 
impressões de um passado distante associado à formação de alterações nas lembranças, 
podendo ser consideradas, em alguma medida, como falsas lembranças, medida usada em 
defesa do inconsciente. 
Para Paul RICOUER (2008:452-455), essas defesas são também possíveis de serem 
observadas na vida cotidiana pública e se apresentam como questões à memória coletiva. É 
nesse contexto que autor defende a possibilidade de transposição das categorias psicanalíticas 
ao âmbito público e procura lançar luz à problemática encontrada com relação aos usos e 
abusos da memória coletiva, tendo por base categorias de repetição e demanda de luto na 
história. E lança mais um argumento: se as identidades constituem-se em dois pólos, o público 
e o privado, a análise da construção das mesmas não poderia deixar de contemplar estas duas 
vertentes discursivas quando se trata da discussão do trauma. 
Ricoeur, com relação à memória coletiva, ressalta que não se pode desagregar o luto 
da melancolia, pois o trabalho de luto é a principal forma de elaboração e evitação da última. 
 5 
Com isso, contextualiza a diferença entre o luto considerado uma experiência natural à perda, 
e a melancolia, vista como patológica. A melancolia, além disso, seria mais avassaladora que 
o luto, pois conduz a auto-condenações e culpa. O trabalho de luto, deste modo, quando bem 
sucedido, tem como resultado aquilo que Ricoeur denomina “memória feliz”, a qual 
proporciona, a partir de seu reconhecimento, a reconciliação com as lembranças traumáticas 
com a minimização de danos psicológicos (RICOEUR, 2008: 425, 437-438, 453). Desse 
modo, Ricoeur constrói um paralelo entre melancolia e compulsão à repetição e da elaboração 
e o trabalho de luto. 
Traumas desenvolvidos ao longo do processo histórico de uma comunidade podem, de 
acordo com o autor, afetar a memória coletiva, tornando a construção dos sentidos do passado 
um trabalho árduo e doloroso. É neste particular que a demanda de luto se insere. Como se 
pode notar, o impedimento da memória é um obstáculo a elaboração de experiências 
históricas traumáticas. Adverte Ricoeur que a ligação entre memória impedida e 
esquecimento seria lesiva na medida em que impede que novas versões possam vir à 
consciência e que no espaço público possam ser reconstruídas, conferindo sentidos outros ao 
passado. O trauma não é apagável, mas podeser conciliável. 
 
III. A Memória Manipulada 
 
Quando tratamos da memória manipulada, está-se no campo das relações de poder. 
Poder na medida em que por meio das relações de força, versões da memória e esquecimento 
são construídas e forjadas. Está-se no plano da instrumentalização da memória. De acordo 
com o autor, “a especificidade dessa segunda abordagem situa-se no cruzamento entre a 
problemática da memória e da identidade tanto coletiva como pessoal” (RICOEUR, 2008: 
94). O problema aqui reside na consideração de que a mobilização de memórias está a serviço 
da demanda e da reivindicação de identidades. Cognitivamente, a fragilidade que é cara a esta 
discussão é a aproximação entre imaginação e memória. 
As identidades se estabelecem em uma relação conflitiva com o tempo, tendo-se em 
vista que, se identidade é aquilo que define, pode-se perguntar como ela pode ser garantida ao 
longo do tempo. Outra questão reside na fragilidade que a identidade assume em confronto 
com o outro, sendo que esta não pode ser presumida exclusivamente por seu possuidor; em 
vez disso, ela é forjada nas relações sociais. Mencionamos a terceira causa de fragilidade da 
identidade apontada por Ricoeur: 
 6 
“A terceira fragilidade é a herança da violência fundadora. É fato não existir 
comunidade histórica alguma que não tenha nascido de uma relação, a qual se pode 
chamar de original, com a guerra. O que celebramos com o nome de acontecimentos 
fundadores, são essencialmente atos violentos legitimados posteriormente por um 
Estado de direito precário, legitimados, no limite, por sua própria antiguidade, por sua 
vetustez. Assim, os mesmos acontecimentos podem significar glória para uns e 
humilhação para outros” (RICOEUR, 2008: 95) 
 
As manipulações da memória são inseridas, desta maneira, nas tentativas de 
expressões públicas de identidades e memórias. Estão expressas, de acordo com o autor, em 
processos ideológicos, opacos por dois motivos. Primeiro, porque permanecem dissimulados. 
Depois, porque se tratam de processos profundamente complexos em sua apreensão. As 
ideologias são fundamentais à construção de narrativas e o papel da narrativa é indispensável 
para a constituição e modificação da identidade. Entre narrativa e memória encontramos 
assim uma problemática comum: a impossibilidade de memória e narração completas, o que 
conduz sempre à seletividade, que se sustenta em determinados sistemas simbólicos vigentes. 
A ideologia, segundo Ricoeur, exerce sua função de legitimação de sistemas de poder 
veiculando ações à cultura social. O autor conclui que a narrativa pode ser uma armadilha 
para a formação das lembranças, pois é a partir desse domínio que a memória tem a 
possibilidade de ser reconstruída. 
A memória como organização do esquecimento é ponto chave para entender a questão 
da manipulação, pois é em relação a este último que a memória manipulada pode ser mais 
bem compreendida. Entramos no campo dos abusos de memória e do esquecimento. Podem-
se nomear dois tipos de esquecimento: passivo e ativo. O primeiro é considerado como a 
forma patológica de esquecimento (mais aproximado à memória impedida). O segundo 
constitui-se por meio das relações sociais marcadas pela ideologia, políticas e relações de 
poder, estando em aproximação à dimensão manipulativa. A indissociabilidade das dimensões 
da memória e do esquecimento coloca-nos na extensão dos abusos a este último. 
Em relação à escrita da história, Ricoeur atenta aos perigos da narrativa. As 
manipulações da memória servem-se da história formal, conduzindo a que memórias 
construídas por determinados grupos sejam tornadas “oficiais”. Sua implicação à construção 
de memórias coletivas e das identidades é evidente. É importante que a história seja, de fato, 
problematizadora preocupando-se com a veiculação de narrativas mais amplas, atentando 
 7 
criticamente às dimensões manipulativas. Redimensionar os sentidos do passado, por meio da 
análise dos abusos de memória, é fundamental ao ofício. 
 
 
 
IV. Esquecimento de Reserva 
 
Para tratar do esquecimento, Ricoeur faz alusão à dimensão de profundidade. 
 “O esquecimento propõe uma nova significação dada à idéia de profundidade 
que a fenomenologia da memória tende a identificar como distância, como o 
afastamento, segundo uma fórmula horizontal da profundidade; o esquecimento 
propõe, no plano existencial, uma espécie de perspectivação a que metáfora da 
profundidade vertical tenta exprimir” (RICOEUR, 2008: 424). 
É diante da questão da profundidade que o esquecimento de reserva é tratado. Em 
oposição ao esquecimento por apagamento de rastros, o esquecimento de reserva contém em 
si algo da ordem da reversibilidade. Neste sentido, ele se aproximaria de maneira mais 
positiva à dimensão de elaboração histórica. O esquecimento de reserva é sustentado pela 
hipótese de preservação da memória, por meio de mecanismos de latência, colocando-se 
como a dimensão feliz do esquecimento proposta por Ricoeur. 
O esquecimento de reserva está relacionado àquilo que o autor considerou o pequeno 
milagre da memória feliz: o reconhecimento. Reconhecimento que pode assumir formas 
distintas: daquilo que se teve e “retornou” e daquilo que parece da ordem do inédito. 
 “Reconhecer uma lembrança é reencontrá-la. Reencontrá-la é presumi-la 
principalmente disponível, se não acessível. Disponível, como à espera de recordação, 
mas não ao alcance da mão, como as aves do pombal de Platão que é possível possuir, 
mas não agarrar. Cabe assim à experiência do reconhecimento remeter a um estado de 
latência da lembrança da impressão primeira cuja imagem teve de se constituir ao 
mesmo tempo em que a afecção originária” (RICOEUR, 2008: 441-442). 
O que apontamos até aí sugere uma aproximação das dimensões do esquecimento e da 
rememoração, proporcionando reconhecimento. Mas em que sentido se pode dizer que a 
sobrevivência da lembrança tem valor de esquecimento? De acordo com Ricoeur, neste caso 
não se trata mais de dizer do esquecimento que a ausência de materialidade nos coloca, o 
esquecimento por apagamento dos rastros, mas o esquecimento por assim dizer de reserva ou 
de recurso; esquecimento que designa o caráter despercebido da perseverança da lembrança, 
sua subtração à vigilância da consciência. Em síntese, apropriando-nos dos desenvolvimentos 
 8 
do autor, “o esquecimento reveste-se de uma significação positiva na medida em que o tendo-
sido prevalece sobre o não mais ser na significação vinculada à idéia de passado. O tendo-sido 
faz do esquecimento o recurso imemorial oferecido ao trabalho da lembrança” (RICOEUR, 
2008: 448-451). 
Chegamos então a uma questão crucial: o esquecimento é destruidor ou fundador 
quando se trata de pensar a história? Ao tratar do esquecimento de reserva Paul Ricoeur 
redimensiona o estatuto do esquecimento destacamento seu papel cooperador. Poderíamos 
dizer que o esquecimento é feliz na medida em que não se refere à eliminação dos rastros, 
mas no sentido de situar-se na fronteira da reversibilidade. Isto quer dizer que o trabalho de 
luto de experiências históricas traumáticas pode conduzir não a uma negação da lembrança, 
mas a uma elaboração que permita que essa memória perca a qualidade intrusiva da repetição. 
Neste horizonte, a lembrança não insiste em se fazer colocar a todo instante. Já elaborada ela 
pode cessar de irromper, sem estar, no entanto, completamente perdida. É sob este prisma que 
a instauração do novo pode acontecer no presente. A recordação é a prova de que o 
esquecimento de reserva não extingue os rastros, apenas os aloca nas profundezas da 
memória. É nesta perspectiva que Ricoeur projeta um horizonte ideal da memória apaziguada. 
A problemática do esquecimento tem papel de importância na questão dos abusos da 
memória. Quando falamos em memória manipulada podemos aludir, igualmente, a certo tipo 
de esquecimentoque denominaríamos “artificial”. Em relação à memória impedida podemos 
nos referir ao esquecimento na forma de um arquivamento da memória. Na manipulação da 
memória através do esquecimento camuflam-se fatos, experiências, acontecimentos que 
podem ser também excluídos da escrita autorizada da história. Isto nos coloca em um debate 
ético e político de primeira grandeza: até que ponto o esquecimento, em suas formas 
patológicas, não vem sendo utilizado para a construção de uma política da memória coletiva? 
E finalmente: é possível à história restituir o lugar de certas memórias não de uma maneira 
que conduza a uma repetição, mas a uma verdadeira elaboração do traumático? Os abusos da 
memória e esquecimento são o ponto mais curto para o apagamento de memórias incômodas 
socialmente. No entanto, podem-se elencar uma série de experiências históricas mal sucedidas 
a partir desses mecanismos. A escrita da história pode, quem sabe, ter papel importante para a 
elaboração do luto. Seu papel pode ser o de restaurar perdas totais de rastros e narrativas, 
evitando que continuem, por vias desfavoráveis, a ser executadas no tempo presente. 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
 9 
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. São 
Paulo: Editora da UNICAMP,2008. 
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https://www.researchgate.net/publication/334643782

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