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Creio_ A profissão de fé explicada aos catequistas - Humberto Robson de Carvalho

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2
SUMÁRIO
Capa
Rosto
Agradecimentos
Apresentação
Introdução
Artigo 1 - “CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO CRIADOR DO CÉU E DA TERRA”
Artigo 2 - “E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO, NOSSO SENHOR”
Artigo 3 - “JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO, NASCEU DA
VIRGEM MARIA”
Artigo 4 - “JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS, FOI CRUCIFICADO, MORTO E
SEPULTADO”
Artigo 5 - “JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS, RESSUSCITOU AO TERCEIRO DIA”
Artigo 6 - “JESUS SUBIU AOS CÉUS, ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS PAI TODO-PODEROSO”
Artigo 7 - “DE ONDE HÁ DE VIR E JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS”
Artigo 8 - “CREIO NO ESPÍRITO SANTO”
Artigo 9 - “CREIO NA SANTA IGREJA CATÓLICA, NA COMUNHÃO DOS SANTOS”
Artigo 10 - “CREIO NA REMISSÃO DOS PECADOS”
Artigo 11 - “CREIO NA RESSURREIÇÃO DA CARNE”
Artigo 12 - “CREIO NA VIDA ETERNA. AMÉM!”
CONCLUSÃO
Bibliografia
Coleção
Ficha Catalográfica
Notas
3
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In memoriam: D. Paulo Evaristo Arns
4
AGRADECIMENTOS
aos nossos pais, nossos primeiros catequistas;
a todos os catequistas;
e aos amigos colaboradores:
Antonio Wardison C. da Silva
Pe. Jair Marques de Araújo, sdb
Pe. José Antenor Velho, sdb
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
In memoriam:
D. Joaquim Justino Carreira,
D. Joel Ivo Catapan,
D. Paulo Evaristo Arns,
Pe. Gaetano Tarquizio Bonomi
e Pe. Antonio Luiz Cursino dos Santos
5
APRESENTAÇÃO
“Eu não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?” (Jo 11,40). Quem
acredita vê como uma luz que ilumina todo o percurso da estrada, porque nos vem
de Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem ocaso.[1]
O Senhor nosso Deus tomou a iniciativa de revelar-se ao seu Povo e, ao redor da
chama da fé em seu Santo Nome, congregou e formou os que elegeu e constituiu como
seus filhos amados. Ao deixar-se compreender e conhecer pelos que o buscam, Deus
nosso Pai foi iluminando o coração, a mente, a inteligência e todo o ser daqueles que se
dispuseram ao diálogo com Ele.
Nesse movimento de pessoas que buscam a Deus e do Senhor que vem ao encontro
dos que o procuram, a Igreja, Povo de Deus, nascida do Coração de Cristo, procurou
guardar os tesouros da fé como pérola preciosa descoberta no campo da vida que se abre
para o Mistério de Deus revelado na história humana, transformada pela presença do
Senhor, em história de Salvação. Ao longo do tempo, a Igreja se debruçou sobre esse
tesouro para refletir, rezar e organizar com o objetivo de demonstrar a todos os seus filhos
a verdade dos conteúdos de sua fé. Dessa experiência surgiram os Símbolos da Fé ou o
Creio como explicitação completa, sistemática e viva da fé da Igreja, Povo de Deus.
Uma das características do Creio é ser um patrimônio de fé revelado por Deus,
construído e partilhado por todas as comunidades que creem e que foram lapidando sua
experiência de fé à luz do Espírito Santo de Deus para amadurecer a sua fé e propagá-la
com clareza, iluminando a vida dos que respondem ao convite de Jesus como Marta
professou: “Sim, Senhor, eu creio firmemente...” (Jo 11,27). Dessa forma, o Creio é um
instrumento precioso de anúncio que dá firmeza à fé do discípulo-missionário. Onde ele
é proclamado, irradia com clareza e fé comum dos apóstolos de Jesus Cristo. Congrega a
Igreja em torno das verdades reveladas, guiando-as na peregrinação e na missão a que é
chamada por Deus: anunciar a todos a salvação. Oferece, ainda, aos discípulos-
missionários, como também ao mundo, as razões e a constituição de sua fé.
O Creio é expressão da fé viva da Igreja. Isso significa que cada geração das
comunidades da Igreja é chamada a aproximar-se dos seus conteúdos e transformá-los em
experiência de vida, dando-lhes expressões significativas capazes de testemunhar a força
transformadora da fé e despertar em todos o desejo de conhecer e de encontrar-se com
Deus, como também de participar como pedras vivas no Templo do Senhor:
A profissão de fé, a palavra e a união criada por ela são, portanto, parte essencial da
fé; fazem parte dela também a participação da liturgia da comunidade e, finalmente,
aquele existir em conjunto com os outros que chamamos de Igreja. A fé cristã não é
uma ideia, ela é vida; ela não é um espírito que existe para si mesmo, ela é
encarnação, é espírito no corpo da história e do nós que está implícito nela. Ela não é
a mística da autoidentificação do espírito com Deus, e sim obediência e serviço:
6
autossuperação e libertação do “eu” justamente porque este se vê colocado a serviço
daquilo que não foi feito nem pensado por ele; libertação que consiste em ser posto a
serviço do todo.[2]
Por isso, o padre Humberto Robson de Carvalho e o diácono Rafael Spagiari Giron,
ao explicarem os conteúdos do Creio, não estão se referindo a um conjunto de verdades
abstratas que devemos professar, mas querem nos fazer entrar na mais profunda
comunhão com a Verdade concreta, o Deus vivo. O Papa Francisco afirma:
no Credo, o fiel é convidado a entrar no mistério que professa e a deixar-se
transformar por aquilo que confessa. Aquele que confessa a fé sente-se implicado na
verdade que confessa; não pode pronunciar, com verdade, as palavras do Credo, sem
ser por isso mesmo transformado, sem mergulhar na história de amor que o abraça,
que dilata o seu ser, tornando-o parte de uma grande comunhão, do sujeito último
que pronuncia o Credo: a Igreja.[3]
Todos os que lerem esta obra, mas especialmente os catequistas, encontrarão um
instrumento valioso para esclarecer e fortalecer a fé, alavancar a missão e a construção das
comunidades missionárias por meio da iniciação cristã no contexto social e cultural da
atualidade.
Dom Sergio de Deus Borges
Bispo auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Santana
7
INTRODUÇÃO
A construção de uma vida interior marcada pela presença de Deus e o desejo dos
fiéis, particularmente dos catequistas, em traduzir nas próprias atitudes e ações a graça de
Deus, sempre estiveram presentes na experiência de fé do povo cristão.
Nesse trabalho espiritual, a formação é fundamental, pois alicerça o processo de
evangelização e de vivência do discipulado. Por isso, este livro tem o objetivo de
contribuir para aprofundar a profissão de fé que proferimos e confessamos nas
celebrações litúrgicas aos domingos e nas solenidades da Igreja. Ela é como que a
identidade do cristão católico. Podemos afirmar que é a síntese da fé que professamos e
vivemos.
A palavra Credo origina-se do latim: Credo in Deum Patrem omnipotentem, isto é,
“Creio em Deus Pai todo-poderoso”; é por isso que, em português, dizemos Creio.
Chamamos de “Credo”, “Creio”, em razão da primeira palavra com que iniciamos a
nossa profissão de fé.
O Creio é a síntese da fé cristã. É professada na primeira pessoa do singular, pois se
trata de uma afirmação pessoal: sou eu quem acredita. O que é a fé? O que é acreditar? A
palavra fé tem sua origem na expressão grega pistis, e no latim fides. É o acolhimento e a
resposta que damos à revelação de Deus e que se manifesta por meio da confiança e da
total entrega a Ele:[1]
A afirmação de que eu creio não é uma afirmação cognitiva (creio que Deus existe),
mas dinâmica: eu me abandono, me entrego, me fio. Porque, primariamente, a fé
não é um saber, mas um encontro.[2]
Pela própria natureza e formulação, o Creio é uma profissão de fé, e não uma oração.
A oração é sempre um diálogo dirigido a Deus, à sua Mãe ou a um santo. Na oração se
louva, agradece, suplica, pede. No Creio não se pede, não se agradece nem há súplica,
mas se afirmam conteúdos de fé, objetos da nossa crença, verdades em que cremos e
professamos. Profissão de fé e oração são de naturezas completamente diversas.
De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, a Igreja, desde o início, sistematizou
sua própria fé em fórmulas breves e normativas para todos os fiéis cristãos. Os resumos de
fé elaborados desde os primórdios da Igreja são fruto da graça de Deus, obtida através dos
textos da Sagrada Escritura. Estes resumos ou sínteses da fé chamam-se “profissões de fé”,
pois resumem a fé que os cristãosprofessam.[3] A Igreja assim o organizou e sistematizou
devido aos ataques e contradições à fé, surgidas ao longo dos séculos. O Credo é dividido
em doze grandes afirmações, chamadas artigos.
Levando em consideração todos esses aspectos e os desafios que os discípulos-
missionários encontram na formação para o exercício do seu ministério e da proposta da
nova evangelização, propomos um estudo mais aprofundado de cada artigo da profissão
da fé. O livro está estruturado em doze pequenos capítulos, de acordo com os doze
8
artigos de fé professados pela Igreja. A riqueza e a profundidade de cada artigo
mereceriam, sem dúvida, um tratado imenso, porém esta obra quer suscitar em cada
leitor-catequista o desejo de aprofundar-se nas verdades da fé.
Entre todas as profissões ou símbolos da fé, pois existem vários, dois ocupam um
lugar muito especial na vida da Igreja: o primeiro é o símbolo dos apóstolos. Ele é
considerado o resumo fiel da fé dos apóstolos. É o antigo símbolo batismal da Igreja de
Roma. Atribui-se aos cristãos de Roma, por volta do século II, a sua primeira formulação
no Ocidente: “Eu creio em Deus, o Pai, o todo-poderoso; e em Jesus Cristo, seu Filho
Unigênito, nosso Senhor; e no Espírito Santo, na Santa Igreja, na ressurreição da carne”.
Os Concílios, ao longo dos séculos, acrescentaram vários artigos como conhecemos e
professamos atualmente.[4]
O segundo é o símbolo denominado niceno-constantinopolitano. É fruto dos dois
primeiros Concílios ecumênicos realizados nas cidades de Niceia (ano 325) e
Constantinopla (ano 381). O uso desse símbolo é comum entre as Igrejas do Oriente e
do Ocidente.[5] Esse Credo responde mais categoricamente às heresias existentes naquela
época.[6] É também ecumênico: católicos, ortodoxos e protestantes utilizam-no:[7]
O Credo apostólico (o breve) começa com o verbo no singular: “Creio...”. Por outro
lado, o símbolo niceno-constantinopolitano começa no plural: “Cremos”. Do ponto
de vista histórico, é muito provável que isso se deva ao fato de que o Credo niceno é
a proclamação de uma assembleia, ao passo que o Credo breve é uma fórmula que
brotou da prática batismal, onde o convertido devia expressar pessoalmente sua fé
para ser batizado (quem sabe respondendo primeiro a perguntas e, mais tarde,
mediante uma fórmula aceita nas diversas igrejas).[8]
O apóstolo Paulo afirma que “é crendo no coração que se alcança a justiça e é
confessando com a boca que se consegue a salvação” (Rm 10,10). O coração crê naquilo
que amamos e para amar precisamos conhecer nossa fé; só assim nossa boca poderá
pronunciar aquilo de que o coração está cheio: a fé.
A fé é um ato enorme e decisivamente pessoal: é a nossa decisão mais pessoal. Porém,
isso de modo algum a torna menos comunitária; muito pelo contrário, pois, no
campo da fé, quanto mais cresce o pessoal, tanto mais cresce o comunitário.[9]
O aprofundamento do estudo do Creio incentive e motive cada um de nós,
educadores da fé na missão de discípulos-missionários, a fim de viver como Povo de Deus
e Igreja de Jesus Cristo no tempo presente; a olhar para o futuro com maior clareza e
discernimento, com a consciência de que devemos construir aqui e agora “o novo céu e a
nova terra” (cf. Ap 21,1.7,15-17), “em que Deus será tudo em todos” (cf. 1Cor 15,28) e,
sobretudo, dar razões da própria fé (1Pd 3,15).
9
Artigo 1
“CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO CRIADOR DO CÉU E DA
TERRA”[1]
Iniciamos a profissão de fé afirmando que cremos em Deus Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra. Ele é o primeiro e o último, o começo e o fim de tudo (Is 44,6).
O Credo começa com Deus Pai, pois é a primeira pessoa divina da Santíssima Trindade.
Proclamamos que Deus Pai é Criador, que Ele realizou a criação do céu e da terra. A
criação é o começo e o fundamento de todas as obras de Deus. É o seu primeiro ato de
amor para conosco, com o qual inicia os seus desígnios de misericórdia e salvação:
Portanto, quando afirmamos “Creio em Deus Pai todo-poderoso”, nós expressamos a
nossa fé no poder do amor de Deus, que no seu Filho morto e ressuscitado derrota o
ódio, o mal e o pecado, abrindo-nos à vida eterna, à vida dos filhos que desejam
permanecer para sempre na “Casa do Pai”. Dizer “Creio em Deus Pai todo-
poderoso”, no seu poder, na sua maneira de ser Pai, constitui sempre um gesto de fé,
de conversão, de transformação do nosso pensamento, de todo o nosso afeto e de
todo o nosso estilo de vida.[2]
A fé em um único Deus é a confissão cristã existente há mais de dois mil anos,
herdada da profissão de fé do povo judeu. O povo de Israel professa e confessa sua fé em
um único e todo-poderoso Deus (Dt 6,4-5). Para o povo do Novo Testamento, a
revelação torna-se mais familiar e próxima; Jesus, ao referir-se ao Pai, invoca-o como
Abbá, isto é, Pai (Mc 14,36, Rm 8,15 e Gl 4,6):
Essas palavras, pelas quais os cristãos professam a sua fé há mais de dois mil anos, têm
a sua origem em outra história que é ainda mais antiga: por trás delas está a profissão
de fé diária de Israel; trata-se de uma reformulação cristã desta profissão, que diz:
“Escuta, Israel, Javé, teu Deus, é um só. O credo cristão retoma, em suas primeiras
palavras, o Credo de Israel e, com ele, também a luta de Israel, a sua experiência de fé
e a sua contenda por Deus.[3]
A profissão de fé em Deus pressupõe a rejeição de qualquer outra profissão em outros
deuses, sejam eles quais forem. Nesse sentido, a profissão de fé do povo de Israel e a dos
cristãos é uma declaração de amor e de entrega ao único Deus e Senhor. Nosso “Creio” é
uma fé a ser vivida, professada e confessada, não apenas a ser recitada:
“Javé, teu Deus, é um Deus único”, essa profissão de fé fundamental que condiciona,
como pano de fundo, o nosso Credo é, em seu sentido original, uma renúncia aos
deuses da vizinhança. É profissão de fé no sentido pleno da palavra, isto é, não se
trata da constatação de uma opinião ao lado de outras, e sim de uma decisão
existencial. Como rejeição dos deuses, o gesto se opõe tanto ao endeusamento dos
poderes políticos quanto ao endeusamento do movimento cósmico do retorno
10
eterno.[4]
A fé cristã confessa que há um só Deus, por natureza, por substância e por essência.
O próprio Jesus confirma que Deus é “o único Senhor” e que é preciso amá-lo de todo o
coração, com toda a alma, com todo o espírito e todas as forças (Mc 12,29-30).
Deus revelou ao povo de Israel e continua revelando a cada um de nós o seu nome:
“Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14). O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e
o sentido da sua vida. Deus tem um nome que comunica e manifesta sua essência, sua
personalidade, seu poder, suas ações, sua relação pessoal com seu povo eleito. Não é uma
força anônima, mas quer ser conhecido por aqueles com quem estabeleceu uma aliança
de amor. Ele revelou-se progressivamente a seu povo e com diversos nomes, mas foi a
revelação do nome divino feita a Moisés por meio da sarça ardente que significou a
revelação fundamental para a Antiga e a Nova Aliança (Ex 3,6).
Juntamente com o seu nome, o Senhor revela uma de suas principais qualidades: a
sua fidelidade, que é de sempre e para sempre (Ex 3,12). Deus, ao revelar-se ao povo de
Israel como “Aquele que é rico em amor e fidelidade” (Ex 34,6), demonstra as riquezas
de sua pessoa.
Em todas as suas obras, Deus mostra não apenas sua benevolência, bondade, graça,
amor, mas também sua confiabilidade, fidelidade e verdade. Ao percorrermos a história
do povo, é possível descobrir que Deus tinha uma única razão para revelar-se, que
consiste na expressão do seu amor gratuito e generoso (Dt 4,37; 7,8 e 10,15). E Israel
entendeu, graças a seus profetas, que foi também por amor que Deus não cessou de salvá-
lo e de perdoar suas infidelidades e seus pecados (cf. Os 2).
O amor de Deus por Israel é comparado ao amor de um pai por seu filho (Os 11,1).
Este amor é mais forte do que o amor de uma mãe pelos seus filhos (Is 49,14-15). Deus
ama seu povo mais do que um esposo ama sua bem-amada. O amor de Deus é eterno (Is
54,8). Nesse sentido,a expressão de João é mais resumida, simples e nobre ao afirmar:
“Deus é amor” (1Jo 4,8.16).
Crer em Deus Pai é saber olhar para a imensidão do universo e reconhecer que Deus
é o Criador de tudo e de todos. Crer em Deus Pai é estar acima de todos os interesses
pessoais. A Deus o louvor, a honra, a glória e todos os atributos que Ele merece. O Pai é
a primeira Pessoa Divina da Santíssima Trindade. A paternidade de Deus torna-o todo-
poderoso, pois só quem é capaz de criar do nada tem o poder “nas mãos”. O Pai desejou
ardentemente construir sua história não para si, mas para os outros. Criar é a mais
sublime arte do Pai.
Com Abraão, Israel cresceu como nação e com Moisés aprendeu que Deus Pai está
no centro de sua nação. Por isso, ao longo de toda a sua história, Israel soube esperar e
confiar na providência e na paternidade desse Deus infinitamente bondoso e
misericordioso. Israel compreendeu e aceitou a presença amorosa de Deus na vida do seu
povo. Deus é alguém muito presente na vida deles. É alguém com quem eles falam e, ao
mesmo tempo, o escutam.
A invocação de Deus como Pai é conhecida em muitas religiões. Em Israel, Deus é
11
chamado de Pai, pois é o criador do mundo. Jesus revelou que Deus é Pai num sentido
novo: não só como criador, mas eternamente Pai em relação a seu Filho único (Mt
11,27).
É por isso que os apóstolos confessam Jesus como o Verbo, que, no início, estava
junto de Deus e que é Deus (Jo 1,1), como imagem de Deus invisível (Cl 1,15).
Seguindo a tradição apostólica, a Igreja, no ano 325, no primeiro Concílio Ecumênico de
Niceia, professou que o Filho é “consubstancial” ao Pai, isto é, um só Deus com Ele. O
segundo Concílio, reunido em Constantinopla em 381, conservou essa expressão na
formulação do Credo de Niceia e professou: “o Filho Único de Deus, gerado do Pai antes
de todos os séculos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado,
consubstancial ao Pai”.
Dessa maneira, o Concílio de Constantinopla proclama a íntima relação entre o Pai,
o Filho e o Espírito Santo: “Cremos no Espírito Santo, que é Senhor e que dá a vida, ele
procede do Pai”. Com isso a Igreja reconhece o Pai como a fonte e a origem de toda a
divindade. Mas a origem eterna do Espírito Santo não deixa de estar vinculada à do
Filho: “O Espírito Santo, que é a terceira pessoa da Trindade, é Deus, uno e igual ao Pai
e ao Filho, da mesma substância e também da mesma natureza. Ele é, ao mesmo tempo,
o Espírito do Pai e do Filho”:
A fé em Deus Pai requer que acreditemos no Filho, sob a ação do Espírito,
reconhecendo na cruz que salva a revelação definitiva do amor divino. Deus é nosso
Pai, oferecendo-nos o Filho; Deus é nosso Pai, perdoando o nosso pecado e levando-
nos à alegria da vida ressuscitada; Deus é nosso Pai, doando-nos o Espírito, que nos
torna filhos e nos permite chamar-lhe, na verdade, Abbá, Pai! (cf. Rm 8,15). Por isso,
Jesus, ensinando-nos a rezar, convida-nos a dizer: Pai nosso... (cf. Mt 6,9-13; Lc
11,2-4).[5]
A Trindade é Una. Não professamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: as
pessoas divinas não dividem entre si a única divindade, mas cada uma delas é Deus por
inteiro: O Pai é aquilo que é o Filho, o Filho é aquilo que é o Pai, o Espírito Santo é
aquilo que são o Pai e o Filho, isto é, um só Deus quanto à natureza.
Não podemos pensar a Trindade de forma dividida, ou seja, o Pai como só aquele
que cria, ou o Filho como só aquele que salva, e o Espírito como o ser que santifica. Eles
são um em três pessoas. Um não delega um tipo de “serviço” para o outro, mas os três
realizam tudo.
Os cristãos são batizados “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt
28,19). A fé de todos os cristãos consiste na Trindade. O mistério da Santíssima
Trindade é o mistério central da fé da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. É,
portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé.
O Pai é o todo-poderoso. Sua paternidade e seu poder iluminam-se mutuamente. Ele
mostra a sua onipotência paterna pela maneira como cuida de nossas necessidades (Mt
6,32). Pela sua infinita misericórdia, mostra o seu poder no mais alto grau, perdoando
12
livremente os pecados. Somente mediante a fé podemos aderir aos caminhos misteriosos
da onipotência de Deus:
Somente quem é verdadeiramente poderoso pode suportar o mal e mostrar-se
misericordioso; só quem é autenticamente poderoso pode exercer de modo pleno a
força do amor. E Deus, a quem pertencem todas as coisas, porque tudo foi feito por
Ele, revela a sua força amando tudo e todos, numa expectativa paciente da nossa
conversão, de nós homens, que Ele deseja ter como filhos. Deus espera a nossa
conversão. O amor todo-poderoso de Deus não conhece limites, a tal ponto que “não
poupou seu próprio Filho, mas o entregou a todos nós” (Rm 8,32).[6]
Nosso Pai infinitamente bondoso e misericordioso, em seu amor que não conhece
limites, na força de sua caridade, chamou o universo à existência: “No princípio, Deus
criou o céu e a terra” (Gn 1,1). Essas são as primeiras palavras das Sagradas Escrituras.
Elas foram escritas na época em que o povo de Deus, Israel, estava no exílio da Babilônia.
Lá onde os astros e as estrelas eram adorados como deuses, Israel proclama sua fé em
Deus, criador de todas as coisas.
Somos filhos do Criador, que nos ama e construiu uma casa comum para habitarmos
e sermos, um universo para existirmos. Com essas solenes palavras inicia-se a narração da
Sagrada Escritura. A criação é revelação do amor de Deus que vai alcançar em Cristo a
sua plena força e realização. Criando o universo, o Senhor nosso Pai inaugura seus
desígnios de amor e salvação e nos convida a participar da sua aliança eterna, fazendo-nos
seus filhos em Cristo Jesus.
Essa afirmação de fé em Deus Pai Criador – que, ao criar o mundo e a nós mesmos,
nos convida à comunhão com Ele em Cristo, em um ato de puro amor e liberdade,
chamou a nós seres humanos e também a todos do universo criado, a participar de sua
vida e partilhar de sua existência – fundamenta a origem e o sentido da vida humana e
responde às perguntas mais profundas de nossa experiência na terra: De onde viemos?
Para onde vamos? Qual é nossa origem? Qual é nossa meta?
A verdade da criação é tão importante para a vida humana que Deus, na sua infinita
bondade e ternura, quis revelar ao seu povo tudo a respeito da criação e do Criador.
Entre todas as palavras da Sagrada Escritura sobre a criação, os três primeiros capítulos do
Gênesis ocupam um lugar único:
A Bíblia sempre usa um verbo especial (barah) para designar a atividade causativa de
Deus e distingui-la de nossa produção ou fabricação humana. Os homens sempre
produzem ou fabricam alguma coisa a partir de uma matéria prévia. De Deus se diz
que produz “a partir do nada”. Isso quer dizer: “criar”.[7]
“O céu e a terra” constituem para os hebreus e para os cristãos o universo material,
embora a Bíblia também mencione com frequência o “céu” ou os “céus” em oposição à
terra, isto é, referindo-se a Deus. Nesse sentido, o céu é a casa de Deus, invisível, que
envolve o mundo, as aves do céu, os justos e os injustos com sua inesgotável bondade
13
(Mt 5,7). Não se trata de lugar geográfico, espaço físico ou material, mas de comunhão
eterna com o Senhor (1Ts 4,17; 2Cor 5,8 e Fl 1,23).
Para falar da criação da humanidade, os autores sagrados utilizaram a linguagem
popular, própria da época, para descrever a ação criadora de Deus. O texto bíblico a
respeito da criação foi escrito por volta de 586-538 a.C., e nele os autores afirmam que
Deus modelou a criatura humana com o pó da terra (Gn 2,7).
A palavra pó, poeira ou barro, na língua hebraica, de modo particular nesse texto,
indica a poeira fina do campo, usada pelos oleiros na fabricação dos vasos preciosos, das
peças mais delicadas. Isso significa que a criatura humana foi criada com o maior carinho
possível. Deus a modelou com suas próprias mãos.
Entende-se também que o autor do livro do Gênesis não se referiu ao barro para
descrever o modo concreto como a criatura humanafoi feita, mas chamar a atenção para
a sua fragilidade; para dizer que a criatura humana vem e depende de Deus, sendo frágil e
limitada.[8]
Não cabe discutir se o homem foi feito de barro ou se a mulher foi ou não tirada da
costela de Adão. É uma discussão inútil, porque está fora da intenção dos autores, que
não são cientistas, mas teólogos/catequistas. Não é essa a preocupação nem é isso que se
está ensinando. O que se faz é uma observação teológica, usando comparações populares
e adequadas à época.
A expressão Adão e Eva refere-se a todos os primeiros casais viventes no início da raça
humana. A palavra Adão, em hebraico adam, não é nome próprio, significa “ser
humano”. Podemos dizer que todas as pessoas são “Adão”. Aliás, adam vem de outra
palavra hebraica, adamah, que significa “solo fértil”. Adamah era símbolo da vida, isto é,
da fecundidade.
A palavra Eva, em hebraico havvah, também não é nome próprio. É palavra ligada a
um verbo hebraico hayah, que significa “viver”. Os autores do livro do Gênesis associam
o nome Eva ao fato de ela ser a mãe de todos os viventes. À medida que o tempo foi
passando, adam e havvah se tornaram nomes próprios.[9]
Quanto à formação da mulher, tal questão só pode ser compreendida dentro do
esquema literário da sabedoria popular. Não se trata de fazer uma leitura no sentido
estrito da palavra, de que a mulher foi tirada da costela do homem, mas que foi criada,
como o homem, por Deus.
Supõe-se que o autor sagrado tenha recorrido a tais palavras, reafirmadas com a
expressão “ossos dos meus ossos”, “carne da minha carne” (Gn 2,22), de modo a acentuar
a igualdade, a solidariedade e o companheirismo entre os dois. O fato central em questão
é que Deus é o Criador. Criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança.[10]
O mundo, as coisas visíveis e invisíveis, particularmente os seres humanos, foram
criados para a maior glória de Deus. Deus cria por sabedoria, por amor, e do “nada” para
o bem comum de todos. Deus jamais abandona a sua criação, mas sustenta, protege e dá
liberdade.
Sabemos que Deus criou todas as coisas, as visíveis e as invisíveis. No que se refere às
14
visíveis, já estudamos anteriormente. E as invisíveis, como, por exemplo, os anjos? Quem
são eles? Os anjos são servidores e mensageiros de Deus; contemplam constantemente a
face de Deus (Mt 18,10); são poderosos executores da Palavra de Deus. E, enquanto
criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e de vontade. São criaturas
imortais. Eles estão a serviço de Deus, desde a criação e ao longo de toda a História da
Salvação.
Nas Sagradas Escrituras, os anjos testemunham a realidade criatural de seres
espirituais. São apresentados como mensageiros de Deus (Gn 16,7.9-11; 21,17; 22,11;
Ex 14,19; Nm 22,22-35; Jz 13,3-21). Por meio de seus anjos, Deus se faz presente em
diversas circunstâncias da realidade humana. Em alguns textos da Palavra de Deus,
alguns anjos são chamados por seus nomes: Rafael (Tb 3,16s), Miguel (Dn 12,1),
Gabriel (Dn 10-12). A terminação “el” dos nomes indica justamente essa comunicação
do Deus Criador com sua criação.[11]
Diante das coisas boas e santas que Deus criou, nos perguntamos: “De onde vêm o
pecado e o mal?”. Para essas perguntas, não há respostas rápidas e nem sempre
suficientes.
Como consequência do pecado original, ou seja, do pecado das origens, a natureza
humana tornou-se enfraquecida, submetida à ignorância, ao sofrimento e à dominação
da morte e inclinada ao pecado. Porém Jesus Cristo, o Filho de Deus, por sua morte e
ressurreição, nos salvou e libertou de todo aprisionamento do pecado, tornando-nos
novamente livres para a construção de um mundo mais humano, solidário e fraterno.
O que é de fato o pecado original ou o pecado das origens? Trata-se do pecado da
desobediência, da autossuficiência e da arrogância. Nossos primeiros pais caíram na
tentação de querer igualar-se a Deus, esquecendo-se de que eram apenas criaturas, e não
o Criador. Esse é o pecado que carregamos até hoje; muito embora não tendo sido
praticado por nós. Herdamos um mundo marcado pela realidade do pecado, do mal
praticado em escalas pessoal e social, e isso condiciona nossa liberdade e atitudes,
exigindo compromisso com a graça de Deus para podermos superá-lo.
Ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, Deus o constituiu na sua
amizade; contudo, nossos primeiros pais traíram a confiança de Deus, desobedecendo-o
pela sua arrogância e pela sua autossuficiência. Neste pecado, os seres humanos
preferiram a si mesmos e, com isso, menosprezaram a Deus, contrariando as exigências
do seu estado de criatura e, consequentemente, de seu próprio bem.
Criados em estado de santidade, os seres humanos estavam destinados a ser
“divinizados”. A partir do primeiro pecado, uma verdadeira “invasão” do pecado inunda
o mundo e as pessoas. A transmissão do pecado original é um mistério que não somos
capazes de compreender plenamente. Embora próprio de cada um, o pecado original é
um pecado “contraído”, e não “cometido”. O batismo, ao conferir a vida da graça em
Cristo, faz toda criatura humana voltar para Deus, cancelando, assim, o pecado.
Mesmo sabendo que o pecado original tem sua origem na desobediência a Deus, há
uma tendência em interpretá-lo como sendo sexual. A Bíblia deixa claro não haver nada
15
que relacione esse pecado à sexualidade. A serpente, a fruta e a nudez relatadas no livro
do Gênesis (3,1-6), nada tem a ver com a sexualidade. O texto quer fazer o leitor
confrontar-se com o mistério do mal que está presente em cada um. Nada tem a ver com
o teor do pecado, apenas serve para evidenciar a tomada de consciência sobre o pecado
cometido.[12]
Paralelamente ao pecado dos nossos primeiros pais no paraíso, podemos acrescentar o
pecado e a queda dos anjos. A Bíblia e a tradição da Igreja entendem que o anjo decaído,
isto é, Satanás ou diabo, e outros demônios foram criados bons por Deus, mas, por
orgulho e desobediência, tornaram-se maus por sua própria iniciativa.
O poder de Satanás não é infinito. Ele não passa de uma criatura. Embora atue no
mundo por ódio contra Deus e o seu Reino em Jesus Cristo, e embora sua ação cause
graves danos de natureza espiritual e, indiretamente, até de natureza física, sempre será
vencido por Deus, autor e Senhor da vida.
Enfim, a categórica profissão de fé em Deus Pai, criador do céu e da terra, leva o
cristão a sustentar, apoiar e incentivar uma vida como a de Abraão, Jesus, Maria, Pedro,
Paulo e tantos outros modelos de fé autêntica e compromissada com Aquele que nos
criou e continua recriando nossas ações e realizando transformações.
16
Para refletir e responder:
1. O que significa confessar e professar a fé em um único Deus?
2. Por que professamos e confessamos que Deus é Pai e Criador?
3. Por que confessamos e professamos que Ele é o todo-poderoso?
4. Como entender o significado da criação do homem e da mulher?
5. O que significa a expressão Adão e Eva?
6. O que entendemos por pecado original?
17
Artigo 2
“E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO, NOSSO SENHOR”[1]
O nome Jesus, de origem hebraica, significa “Deus salva”. Para o povo da Bíblia, o
nome expressava, ao mesmo tempo, a identidade e a missão de uma pessoa. Ele é o
salvador, sua missão é salvar a humanidade. Ele veio para nos libertar, curar, dar a vida
em plenitude e partilhar conosco a sua humanidade e divindade. A palavra salvar tem sua
origem na terminologia salus, que significa saúde e vida.[2]
Falar de Jesus é refletir sobre o seu mistério. Nem sempre conseguiremos responder
às nossas curiosidades, principalmente aos fatos da sua infância e adolescência. A
preocupação dos evangelistas não foi relatar jornalisticamente os episódios como
aconteceram, mas fazer uma catequese para o aprofundamento da nossa fé e da nossa
íntima, profunda e comunitária vivência dos seus ensinamentos. Por isso, não
encontraremos dados e fatos peculiares de sua vida:
Em que sentido toda a vida de Cristo é mistério? Toda a vida de Cristo é
acontecimento de revelação: o que é visívelna vida terrena de Jesus conduz ao seu
mistério invisível, sobretudo ao mistério da sua filiação divina: “quem me vê, vê o
Pai” (Jo 14,9). Além disso, embora a salvação provenha plenamente da cruz e da
ressurreição, toda a vida de Cristo é mistério de salvação, porque tudo o que Jesus
fez, disse e sofreu tinha como objetivo salvar o homem caído e restabelecê-lo na sua
vocação de filho de Deus.[3]
A vinda de Jesus no meio de nós, por graça e misericórdia do Pai, é um
acontecimento extraordinário que foi preparado durante muitos séculos. O Antigo
Testamento já nos evidencia, particularmente por meio dos profetas, que Ele será o Filho
único de Deus. Mesmo sendo Deus, o seu nascimento revela para nós a sua identidade e
maneira pela qual conduziria a humanidade a realizar o projeto do Pai. Tendo nascido de
família pobre em um humilde estábulo revelou e manifestou a glória do Céu aos seus. A
Igreja, em sua liturgia, não se cansa de cantar o mistério dessa noite santa: “Hoje nasceu
para nós o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (cf. Lc 2,11).
O seu nascimento, isto é, a Encarnação de Deus criança entre nós, expressa a
condição para fazer parte do Reino: “E disse: Eu lhes garanto: se vocês não se
converterem, e não se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu”
(Mt 18,3).
Quando e onde nasceu Jesus? Ele nasceu no tempo do imperador Augusto (37 a.C. –
14 d.C.), na cidade de Nazaré. Não há uma data precisa do dia do nascimento. Os
evangelistas Marcos e Mateus concordam em afirmar que Ele nasceu durante a vida de
Herodes (Mt 2,1ss.; Lc 1,5), de acordo com o historiador Flávio Josefo, isto é, 4 a.C.[4]
Qual é a origem da celebração do Natal em 25 de dezembro? Após o decreto de
Constantino em 313, em que dava liberdade de culto a todas as religiões, algumas festas
18
pagãs foram substituídas por cristãs. A festa do nascimento do deus sol da religião pagã
tornou-se a do nascimento de Jesus.[5] Recordamos também que, no dia 25 de
dezembro, o dia começa a ter maior duração de tempo no Hemisfério Norte. Jesus é o
Sol nascente que veio visitar-nos (cf. Lc 1,78). Jesus é a Luz, o Sol que vence as trevas.
Alguns episódios relatados pelos evangelistas têm profundo sinal catequético-
mistagógico; por exemplo, a circuncisão de Jesus, no oitavo dia depois de seu
nascimento, evidencia que Ele fazia parte da descendência de Abraão, que era obediente à
Lei e que estaria apto para participar do culto prestado em Israel.
A epifania o apresenta como Messias de Israel, Filho de Deus e Salvador de toda a
humanidade. A vinda dos magos do Oriente para adorá-lo e presenteá-lo representa
todos os povos, além de Israel, como adoradores em espírito e verdade. A sua
apresentação no templo mostra-o como o primeiro pertencente ao Senhor. Ele é a luz das
nações e a glória de Israel.
A fuga para o Egito e o massacre dos inocentes simbolizam a oposição das trevas à
luz. O retorno do Egito recorda o Êxodo e apresenta Jesus como o novo Moisés, o
libertador definitivo. Os textos bíblicos mencionam a submissão aos seus pais. Tal
submissão está relacionada com a vivência do quarto mandamento da Lei de Deus e da
submissão e obediência extrema ao Pai, sobretudo na hora do sofrimento e da morte.
Há um período da vida de Jesus que a Igreja chama de “vida oculta” de Jesus. Trata-
se da fase da adolescência até o batismo no rio Jordão. Nesse tempo, Ele viveu como a
maioria dos jovens da sua época. A vida oculta de Jesus nos ajuda a estar unidos a Ele no
caminho de todo dia e fazer da cotidianidade, da rotina de nossa vida, dos desafios
pessoais, familiares e profissionais que enfrentamos no anonimato uma experiência de
vida espiritual.
Os mistérios da vida pública de Jesus iniciam-se com seu batismo por João no rio
Jordão. O batismo do Senhor inaugura sua total entrega ao projeto de Deus a seu
respeito, inclusive a aceitação da missão de servo sofredor, antecipando o seu “batismo”
de sangue, isto é, a sua morte sangrenta. A essa adesão responde a voz do Pai, que coloca
toda a sua complacência em seu Filho (Lc 3,22; Is 42,1).
O Espírito Santo que paira sobre Ele no dia do batismo é o mesmo Espírito que o
concebeu no seio de Maria e será derramado para toda a humanidade no dia de
Pentecostes. O seu batismo abre-nos de novo a porta do céu, uma vez fechada com o
pecado de Adão, e mais uma vez somos santificados e renovados.
Os evangelistas apresentam-nos um período de solidão de Jesus. Período
imediatamente após o seu batismo. Relatam que Ele permaneceu quarenta dias sem
comer vivendo com animais selvagens e sendo alimentado pelos anjos e que, no final
desses dias, é tentado por Satanás. Os escritores sagrados querem com isso manifestar a
maneira pela qual o Filho de Deus se opõe aos planos maléficos, indicando-nos que
também nós, seguidores de Jesus, temos de aprender com ele a vencer todas as tentações
que a vida nos apresenta.
Todos os sinais apresentados por Jesus durante sua vida testemunham que Ele é o
19
único mensageiro, portador e intermediário do Pai. A sua vinda ao meio de nós é a
certeza da derrota do poder do mal. Toda a sua vida desde o seu nascimento, seus
ensinamentos, gestos, oração, amor, milagres, sua predileção pelos pequenos e pobres,
constitui um ato de profunda obediência e sintonia com o Pai.
Ao professarmos e confessarmos que Jesus Cristo é o único Filho e nosso Senhor,
queremos afirmar que é totalmente Deus e homem. Não é resultado de uma mistura de
Deus e de homem, é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O nome de Jesus significa
que o próprio nome de Deus está presente na pessoa de seu filho:
A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de
Deus, que a assumiu e a fez sua desde a concepção. Por isso o Concílio de Éfeso
proclamou, em 431, que Maria se tornou de verdade Mãe de Deus pela concepção
humana do Filho de Deus em seu seio: “Mãe de Deus não porque o Verbo de Deus
tirou dela sua natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado dotado
de uma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu
segundo a carne” [...] A Igreja confessa, assim, que Jesus é inseparavelmente
verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é verdadeiramente o Filho de Deus que se
fez homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor.[6]
O título de Senhor que damos a Jesus é o nome de Deus, Iahweh, traduzido do grego
Kyrios. Esse título e o significado de “Jesus”, Deus salva, demonstram que o próprio Deus
está presente na pessoa de seu Filho.
A Palavra de origem grega Kyrios, Senhor, era aplicada também a divindades,
particularmente no meio dos povos semíticos e outros povos orientais no período greco-
romano.
No fim do século I, é usado frequentemente em relação ao imperador. Os primeiros
cristãos adotam esse título para se referir a Jesus Cristo. Os cristãos tomam esse nome
Kyrios para expressar que o Senhor não é o imperador, mas o Cristo, Filho de Deus. Ao
mesmo tempo que o título confere autoridade, honra e adoração, exprime também amor
e afeição. “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28), “Jesus Cristo é o Senhor!” (Fl 2,11), “É
o Senhor!” (Jo 21,7).[7]
A palavra Cristo, de origem grega, é herança da palavra hebraica Messias, e significa
“ungido”. Jesus é o ungido do Pai, por isso, Jesus Cristo. Não se trata de um sobrenome,
mas de um título, alguém que é consagrado, ungido para realizar o plano do Pai, isto é,
sua missão divina.
Por ocasião do seu nascimento, os pastores foram avisados por Deus, por meio dos
seus mensageiros, de que “na cidade de Davi havia nascido o Salvador que é o Cristo
Senhor” (cf. Lc 2,11). No dia de seu batismo no rio Jordão, Deus o ungiu com o Espírito
Santo e poder (At 10,38), a fim de que fosse manifestado a Israel como seu Messias (Jo
1,31).
A expressão Jesus Cristo traduz a confissão de fé em Jesus, o nazareno, o filho de
Maria, que foi concebido, nasceu, viveu, morreu e ressuscitou.
20
O complemento “de Nazaré”, no nome Jesus, nos mostra que Jesus viveu num local e
numa época. Não é uma invenção humanaou uma vida fora do mundo. O Jesus da
história é o mesmo que o glorificado. Ele avança por toda a eternidade. Ele é o princípio
e o fim. Nada abalará a identidade de Jesus, o Cristo, o Ungido, o Messias e o
Ressuscitado.
Todos nós somos filhos de Deus, porém, no sentido bíblico-teológico em relação a
Jesus Cristo, professamos que Ele é o único Filho de Deus, gerado por Deus Pai e tendo
igual natureza divina. A expressão Filho de Deus, de acordo com o entendimento do
Antigo Testamento, compreende o título dado aos anjos e ao povo eleito, aos filhos de
Israel e a seus reis. Trata-se de uma filiação adotiva que estabelece entre Deus e sua
criatura relações de uma intimidade especial.
Em português, dizemos “único” no Símbolo Apostólico – unicus em latim – e
“unigênito” no Símbolo Niceno-Constantinopolitano – em latim, unigenitus, “o
único gerado”. É filho por “geração” e não por “adoção”.[8]
No Novo Testamento, particularmente nos Evangelhos, a filiação de Jesus é
abordada de modo muito carinhoso e significativo. Recordemos dois episódios: o
Batismo e a Transfiguração; em ambos os episódios, o Pai o chama de “Filho bem-
amado” (Jo 3,16). Não podemos esquecer a profissão de fé dos primeiros cristãos
retratada na figura do centurião após o episódio da cruz: “Verdadeiramente, este homem
era filho de Deus” (Jo 3,18).
A Igreja primitiva soube expressar a grandiosidade de Jesus em um dos seus hinos
que, em sua Carta aos Filipenses (2,6-9), o apóstolo Paulo traduziu da seguinte maneira:
Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo
contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se
semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se
a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o
exaltou grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome;
para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob a terra: e toda
língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai. [9]
Como já mencionamos acima, os evangelistas apresentaram a pessoa de Jesus cada
um a seu modo. É necessário levar em consideração que esses escritos não são de caráter
técnico-científico-histórico, mas teológico-catequético. Os Evangelhos têm a
preocupação de anunciar Jesus Cristo como Redentor e Salvador da humanidade.
Os textos foram redigidos posteriormente à morte e ressurreição do Senhor. Afirmam
os estudiosos na Sagrada Escritura que o Evangelho de João, por exemplo, foi escrito
depois de 50 anos do episódio da cruz e ressurreição. Para uma compreensão ainda maior
a respeito dele, mencionaremos resumidamente o que os evangelistas disseram a respeito
de Jesus Cristo, único Filho de Deus.
Marcos, o primeiro Evangelho escrito, por volta do ano 70 d.C., acentua que a vida
21
de Jesus é semelhante à do cristão que passa toda a vida lutando contra o mal. Marcos
descreve-nos Jesus como aquele que vence o inimigo. Utiliza a linguagem do tempo em
que o demônio era visto como uma entidade física que atrapalhava o bem-estar das
pessoas.
Usou muitas vezes as realidades da intimidade com Deus, o deserto, a provação, a
tentação, a tempestade, entre outras realidades, para apresentar a pessoa de Jesus. O
evangelista nos ensina que toda realização de Jesus deve ser continuada pelos seus
discípulos missionários, com o objetivo de trazer o Reino de Deus para dentro da
humanidade e da história em que vivemos.
Mateus organizou a mensagem de Jesus a partir de seus sermões. Ele vê Jesus como o
Emanuel, que significa Deus-conosco. Jesus se encarnou no mundo e na história para nos
ensinar o caminho da justiça. De acordo com Mateus, Jesus é o Mestre da justiça, o novo
Moisés.
Em Mateus, o modo de Jesus agir, falar e comportar-se vai ensinando os seus
discípulos missionários a lutar contra todo tipo de injustiça a ponto de todos se
libertarem e viverem dignamente como filhos e filhas de Deus. Mateus apresenta a pessoa
de Jesus em comparação com a figura de Moisés. Se Moisés foi o grande libertador do
seu povo, Jesus o é ainda mais. O Reino de Deus apresentado por Jesus é baseado,
sobretudo, na justiça e na verdade.
Lucas escolheu apresentar Jesus como aquele que dedica especialmente sua vida e sua
missão em favor dos menos favorecidos. De acordo com Lucas, Jesus está sempre ao lado
dos pobres, dos humildes, dos pequenos, das viúvas etc. Lucas quer ressaltar a ação de
Jesus em favor de todos esses, mostrando que por Ele veio a salvação e a libertação. Quer
ensinar também que, ao libertá-los da pobreza e do sofrimento, deverão construir nova
sociedade onde a justiça produza partilha e fraternidade.
João apresenta Jesus como aquele Filho que vive em comunhão com Deus Pai e que
assumiu a nossa humanidade. Segundo João, o modo de agir de Jesus revelava o projeto
de Deus. Quem o vê, vê o Pai. Ele é aquele que caminha no meio dos seus, porém, é
divino. É o Filho único de Deus Pai, cheio de graça e verdade (1,14). Ninguém jamais
viu o Pai, mas como Jesus está junto do Pai, ele deu-nos a graça de conhecê-lo (1,18).
João mostra que a prática de Jesus se resume no compromisso contínuo e pleno com a
vida do povo que sofre. Ele, o mestre e Senhor, é aquele que serve e que oferece a sua
vida até a morte, e morte de cruz, em favor dos seus.
Para compreendermos que Jesus é Filho único de Deus, não há dificuldade. Nós já
nascemos dentro da cultura cristã. Porém, no início, não foi tão fácil assim. Para definir
Jesus no meio judaico, os primeiros cristãos utilizaram-se do recurso bíblico. Basta
percorrer os Evangelhos e tantos outros textos do Novo Testamento para percebermos os
títulos a Ele conferidos. Seu próprio nome, a associação entre Ele e Moisés, outros títulos
como Kyrios, Messias, Filho de Davi, profeta, Rabi, Leão da Tribo de Judá, Senhor dos
Senhores, Emanuel etc.
No ambiente grego, o conhecimento de Jesus se deu por meio dos ensinamentos dos
22
padres da Igreja e por meio das definições dos Concílios. Os gregos possuíam vasta
cultura filosófica, por isso, foi necessário buscar o recurso da filosofia para uma melhor
compreensão e adesão à identidade de Jesus:
Para compreender a fundo a mensagem de Jesus, não basta conhecer o que ele disse e
o que ele fez. Além do que, mais do que isso e mesmo antes disso, é necessário
igualmente saber quem foi Jesus de Nazaré, o filho de Maria, o filho de carpinteiro
[...] Analisando os Evangelhos, neles se podem descobrir, com suficiente clareza, os
traços mais característicos da personalidade desse homem com quem as primeiras
testemunhas conviveram e que depois será por elas confessado e proclamado como
Filho de Deus [...].[10]
Que este texto nos ajude a compreender os mistérios de Jesus e a crer com a
inteligência, com o coração, com a alma e com a vida que, de fato, Ele é o único Mestre e
Senhor.
23
Para refletir e responder:
1. Qual é o significado do nome Jesus?
2. O que significa a palavra Cristo?
3. O que significa afirmar que Jesus Cristo é o Filho único?
4. O que devemos entender por Kyrios?
5. Qual é a compreensão de cada evangelista sobre Jesus Cristo?
24
Artigo 3
“JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO
SANTO, NASCEU DA VIRGEM MARIA”[1]
Quando afirmamos que Jesus Cristo foi concebido pelo Espírito Santo, temos a
plena certeza de que Ele não foi gerado como todos nós humanos somos gerados, ou seja,
pela união de homem e mulher, mas tão somente por obra de Deus Pai, por intermédio
do Espírito Santo agindo sobre a Virgem Maria. Ele também é Deus, tendo só a Deus
por Pai e nenhum outro homem. A Encarnação é, portanto, o Mistério da admirável
união da natureza divina e da natureza humana na única pessoa do verbo encarnado e
feito homem (ser humano):
A Encarnação ultrapassa, evidentemente, as capacidades de uma geração humana
normal: nem São José, nem qualquer outro homem, por mais virtude que tenha,
poderia realizar a Encarnação no seio de Maria. É obra exclusivamente de Deus. Só
Ele poderia realizá-la. É isso oque significa a expressão “encarnou pelo Espírito
Santo”, seguindo de perto o relato da anunciação a Maria, no qual o anjo Gabriel
afirma-lhe expressamente: O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te
cobrirá com a sua sombra; por isso, o Santo que nascer será chamado Filho de Deus
(Lc 1,35).[2]
Tal acontecimento é único e exclusivo. Não há nenhum outro fato semelhante. Jesus
Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Não há mistura, ou seja, em parte Deus e
em parte homem. Não, em hipótese alguma. Ele se fez verdadeiramente homem
permanecendo verdadeiro Deus:
Professando no Credo: “encarnou-se, pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria”,
nós afirmamos que o Espírito Santo, como força de Deus Altíssimo, realizou de
forma misteriosa na Virgem Maria a concepção do Filho de Deus.[3]
No início do cristianismo, apareceram algumas heresias afirmando que Jesus, em
determinado momento de sua vida, era somente Deus ou somente homem. No terceiro
século, a Igreja reunida em Antioquia teve de afirmar que Jesus Cristo é Filho de Deus
por natureza, e não por adoção.
O I Concílio Ecumênico de Niceia, em 325, confessou e professou em seu Credo
que o Filho de Deus é “gerado, não criado, consubstancial ao Pai”, isto é, da mesma
substância do Pai e não gerado do nada, de uma substância diferente do Pai. O Concílio
de Éfeso, no ano de 431, afirmou que a humanidade de Cristo não tem outro sujeito
senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde a concepção.
Afirmou também que Maria se tornou de verdade Mãe de Deus pela concepção humana
do Filho de Deus em seu seio: “Mãe de Deus não porque o Verbo de Deus tirou dela sua
natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma
25
racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”.
Outras heresias surgiram na Igreja, como até hoje, de vez em quando, aparecem. A
Igreja confessa e professa, de forma clara, objetiva e real, que Jesus é verdadeiramente o
Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isto sem deixar de ser Deus, nosso único
Senhor e Salvador.
Ao firmar que Jesus nasceu da Virgem Maria, a profissão de fé quer dizer que Maria é
verdadeiramente Mãe de Deus, por ser ela a Mãe do Filho Eterno feito homem, que é Ele
mesmo Deus. É por meio de Maria que o Filho de Deus torna-se também humano.[4]
Para ser a Mãe de Jesus, nosso Salvador e Redentor, Maria foi presenteada por Deus
com dons compatíveis com a missão que ela desempenharia ao longo da vida como mãe e
senhora do Filho do Altíssimo.
Ao longo de toda a história da salvação, particularmente no que se refere à vinda de
Jesus Cristo, o Antigo Testamento foi preparando a humanidade para aceitar e receber
aquela que seria a Mãe do Filho Salvador e Redentor de todos.
Maria é a mulher bem-aventurada que resgataria a dignidade perdida pelos nossos
primeiros pais, no paraíso (cf. Gn 3,15). Ela é a Virgem que gerará em seu ventre o único
Filho, o Emanuel, o Deus-conosco, sempre presente na história e na vida de todos nós
(cf. Is 7,14; Mq 5,2-3; Mt 1,22-23). A Mãe do Senhor, a Virgem Maria, a humilde moça
de Nazaré, será a querida filha de Sião. Com o seu sim generoso, cumpre-se a promessa
do Pai em relação à salvação oferecida em resgate de nossos pecados.
Maria nasceu como as demais pessoas, filha de Joaquim e Ana, segundo a tradição da
Igreja. Não foi concebida como Jesus, por obra do Espírito Santo. Em sua infinita
bondade e misericórdia, Deus livrou Maria desde a sua concepção de todos os pecados.
Trata-se de um dom de Deus a ela concedido. Por isso a chamamos de Imaculada
Conceição. Ela foi preservada imune de toda mancha do pecado original desde o
primeiro instante de sua conceição.
Ela, pelos méritos do Filho, foi remida e eleita como esposa e sacrário do Espírito
Santo. Diferentemente de toda a criação, o Pai a “abençoou com toda a sorte de bênçãos
espirituais, desde antes da fundação do mundo, para ser santa e imaculada em sua
presença, no amor” (Ef 1,4).
A Mãe de Jesus é saudada pelo anjo na anunciação como “cheia de graça” (Lc 1,28).
Poderíamos afirmar que o primeiro título que recebeu foi de “Nossa Senhora das
Graças”. Maria sempre obedeceu a Deus e prontamente abraçou o projeto que Deus
havia preparado para ela: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua
palavra” (Lc 1,37-38). Pela obediência, Maria tornou-se a Mãe do Salvador e a mãe de
todos os viventes. Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus (Theotókos), a Mãe da Igreja e
a Mãe de todos nós.
Ao afirmar que Jesus nasceu da Virgem Maria, a Igreja quer ressaltar a sua
virgindade. Desde o início do cristianismo, os cristãos, particularmente os Padres da
Igreja, defendem sua virgindade. Eles veem na conceição virginal o sinal de que Jesus foi
concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, o que
26
inclui o aspecto corporal deste acontecimento, isto é, não houve intervenção humana,
não houve relação sexual. Foi uma intervenção de Deus, foi uma gestação gerada pela
ação do Espírito Santo.
Em se tratando da Palavra de Deus, os evangelistas afirmam que a virgindade de
Maria é uma obra divina e que ultrapassa toda compreensão intelectual (cf. Mt 1,18-12;
Lc 1,26-38). A Igreja compreende, afirma e defende que a sua virgindade é o
cumprimento da promessa de Deus feita ao seu povo desde os tempos mais antigos,
conforme afirma o profeta Isaías: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is
7,14).
Ao longo dos séculos, a Igreja sempre defendeu a virgindade de Maria antes, durante
e depois do parto. O nascimento de Jesus Cristo não tirou a sua virgindade, ao contrário,
conferiu um caráter sagrado para a sua integridade virginal. Por isso a Igreja apresenta
Maria como a “sempre virgem”.
Jesus é o único Filho de Maria. Em algumas ocasiões, alguns textos da Sagrada
Escritura mencionam irmãos e irmãs de Jesus. A Igreja sempre entendeu que não se trata
de outros irmãos de sangue de Jesus. São filhos de outra Maria, discípula de Cristo (cf.
Mt 27,56).
É necessário compreender também que a língua hebraica não possui muitos
sinônimos. Por isso a palavra irmão pode significar também “primo”, “parente”,
“próximo”, “colega”, “compadre”, “amigo” etc. Há ainda outras peculiaridades no que se
refere ao aspecto literário dos textos, porém, essas duas explicações são suficientes para
compreendermos a questão acima mencionada.
É o próprio Deus que interfere na Encarnação, concepção e virgindade de Maria.
Jesus é o único Filho de Deus concebido pelo poder do Espírito Santo e nascido da
Virgem Maria. Ele é o novo Adão que inicia a nova criação. Por sua vez, Maria é a nova
Mãe da humanidade. Por sua concepção virginal, Jesus, o novo Adão, inaugura o novo
nascimento dos filhos de adoção no Espírito pela fé:
Maria é virgem porque sua virgindade é o sinal de sua fé, “absolutamente livre de
qualquer dúvida”, e de sua doação sem reservas à vontade de Deus. É sua fé que lhe
concede tornar-se a Mãe do Salvador: Maria é mais bem-aventurada recebendo a fé
de Cristo do que concebendo a carne de Cristo. Maria é, ao mesmo tempo, Virgem e
Mãe por ser a figura e a mais perfeita realização da Igreja. “A Igreja torna-se, também
ela, Mãe por meio da palavra de Deus que ela recebe na fé, pois, pela pregação e pelo
Batismo, ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e
nascidos de Deus. Ela é também a virgem que guarda, íntegra e puramente, a fé dada
a seu Esposo.”[5]
A presença da Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus foi, é e será sempre
muito querida pela Igreja. Ela é a representante mais fiel de todo discípulo missionário.
Sendo ela a Mãe do Filho, Senhor e Cabeça da Igreja, a Virgem Maria torna-se também
mãe de todos os seus membros.
27
Podemos afirmar que, por meio da santidade de Maria, pela imitação de sua caridade
e pela obediência a Deus na escuta da Palavra, a Igreja torna-se também virgem e mãe. A
Virgem Mãe de Deus, a Senhora de Nazaré, já atingiu o máximo grau de santidade e
perfeição,enquanto nós cristãos ainda buscamos tal santidade e perfeição em meio aos
sofrimentos e dificuldades deste mundo.
Ela é o modelo mais perfeito de Igreja que um dia encontraremos na Jerusalém
Celeste. Sendo ela glorificada em corpo e alma, verdade que professamos pelo dogma da
Assunção, é o sinal mais sublime de amor, esperança e caridade. É a imagem espetacular
que brilha e irradia generosidade, disponibilidade e santidade. É a estrela da
evangelização e a motivadora dos seus missionários. É a Mãe do Evangelho e a
intercessora junto ao seu Filho na condução de uma Igreja mais santa e comprometida
com todos aqueles que buscam viver plenamente a vocação de discípulos missionários,
particularmente a vocação de catequistas.
28
Para refletir e responder:
1. O que significa afirmar que Jesus Cristo foi concebido pelo poder do Espírito
Santo?
2. O que o Concílio de Niceia, em 325, e o Concílio de Éfeso, em 431, definiram
sobre a natureza de Jesus?
3. Qual é a contribuição de Maria na história da salvação?
29
Artigo 4
“JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS, FOI
CRUCIFICADO, MORTO E SEPULTADO”[1]
Por que anunciar na profissão de fé que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos? É um
cuidado da Igreja para dar veracidade ao acontecimento histórico-salvífico. É uma
maneira de dizer que o cristianismo é uma religião histórica, e não uma filosofia de vida
ou um mito, no sentido negativo de fábula:
A menção a Pilatos parece buscar uma delimitação concreta: tudo o que foi dito antes
sobre Jesus não é uma exortação ética nem uma lenda celestial, mas sim episódios
dessa nossa história que podem datar-se em um tempo e lugar bem-determinados: ali
onde governava um procurador romano conhecido pela história.[2]
A salvação veio por Jesus, num contexto real e concreto da história. Da mesma forma
que nasceu na Judeia, no tempo do rei Herodes, padeceu, foi crucificado, morto e
sepultado quando Pôncio Pilatos foi prefeito da região da Judeia entre os anos 26 e 36
d.C., segundo os relatos históricos. A fé que professamos em Jesus morto e ressuscitado
está inserida no tempo e no espaço. É uma fé contextualizada, uma fé que passa pelo
contexto cultural, político, econômico, social e religioso. É uma fé viva, exigente e
transformadora.
O termo “padecer” nos indica que Jesus deu livremente sua vida. Foi uma entrega
total de seu ser por amor. Só assim é possível entendermos o verdadeiro sentido da
doação. Jesus padeceu e morreu. Decidiu experimentar livremente a fraqueza inerente ao
corpo de todo ser humano. De livre e espontânea vontade, doou sua vida padecendo por
todos nós, demonstrando sua nova e eterna aliança com a humanidade:
Não cabe aqui descrever e explicar todos os padecimentos a que Jesus foi sujeito:
coroação de espinhos, flagelação, açoites [...] E além destes sofrimentos ou
padecimentos físicos corporais, os outros sofrimentos morais e afetivos por que
passou [...] O que importa é fixar, e é essa a intenção do Credo, que, em seu corpo e
em sua alma, Jesus padeceu mesmo e com inimaginável intensidade. E padeceu por
nós, por amor [...].[3]
O núcleo central da fé cristã está inserido no mistério pascal de Jesus, isto é, sua
morte, ressurreição e glorificação. A salvação oferecida por Deus veio por meio de seu
Filho, que deu a vida para nos salvar (cf. Hb 9,26).
As autoridades constituídas no tempo de Jesus compreendiam que Ele agia contra as
instituições essenciais e até mesmo contra Deus. O que não é verdade. Por isso pagou o
preço de suas ações, sendo crucificado. Perguntamos: Quem, de fato, o condenou e
crucificou? Não podemos generalizar, dizendo que foram os judeus, mas sim alguns
chefes religiosos, sobretudo Anás e Caifás, os anciãos, chefes dos sacerdotes, escribas,
30
entre outros (Mc 8,31).
Jesus não escolheu morrer na cruz. Os que o assassinaram o fizeram pela opção que
Ele tomou em defesa da justiça, da verdade e dos que mais precisavam d’Ele. Para ser fiel
ao projeto do Pai e a Ele mesmo, teve de lutar contra os poderosos do seu tempo. Ele
sempre teve muitos opositores (cf. Mt 26,3-4). Por causa disso acabou sendo condenado
a morrer na cruz. Isso não significa que todos os judeus foram culpados pela sua morte:
A cruz não fala apenas de uma condenação à morte, mas de uma morte ignominiosa:
suplício de escravos e dos piores malfeitores e terroristas. Era essa exemplaridade que
se buscava com a condenação de Jesus [...]. Trata-se, pois, do fato de que Jesus, o
único Filho e único Senhor, morreu, e morreu como maldito.[4]
O único Filho de Deus foi crucificado. Tal mistério, às vezes incompreensível para
nós, fazia parte do projeto do Pai. Na sacralidade desse projeto, o justo, o servo sofredor,
Jesus Cristo, nosso Salvador, desde a sua concepção já havia sido prometido pelo Pai
como resgate para libertação dos pecados de toda humanidade. Sua morte redentora é
realização e cumprimento da profecia do Servo Sofredor (cf. Is 53,7-8; At 8,32-35). O
Pai não queria que Jesus fosse crucificado, mas que cumprisse sua missão até as últimas
consequências.
Ele não cometeu pecado algum, mas pelo fato de sua união íntima com o Pai
assumiu nossos pecados e por nós morreu na cruz. O justo morreu pelos injustos (cf. 1Pd
3,18). Deus em sua infinita bondade e misericórdia entrega seu Filho em resgate de
nossos pecados (1Jo 4,10). O amor de Deus é concretamente demonstrado em nosso
favor quando seu Filho dá seu último suspiro defendendo nossa causa. A morte de Jesus
beneficiou a todos, sem exceção (2Cor 5,15; 1Jo 2,2). A Igreja, depositária da fé dos
apóstolos, ensina que “não há, não houve e não haverá nenhum homem pelo qual Cristo
não tenha sofrido”.
Jesus ao dar sua vida em benefício de todos nós, abraça livremente o amor redentor
do Pai. O seu amor foi ilimitado, deu-nos o que tinha de mais precioso, sua vida em
favor dos seus (Jo 13,11; Jo 15,13). Ao dar sua vida, aceitou, de livre e espontânea
vontade, assumir as dores e os sofrimentos da humanidade. Neste ato supremo de
doação, a humanidade de Jesus mais uma vez se tornou divina, como lhe era peculiar em
tudo aquilo que fazia.
Na última ceia com seus discípulos, antecipou livremente sua entrega total e radical
ao Pai em favor de toda a humanidade. A Eucaristia que instituiu naquele momento será
a lembrança, o “memorial” de seu sacrifício (1Cor 11,15). Ao instituir a Eucaristia e
incluir os apóstolos em sua própria oferta, insistindo que eles dessem continuidade a este
mistério, instituiu também os apóstolos como sacerdotes da Nova Aliança (Jo 17,19).
Uma vez que o Filho de Deus, Jesus Cristo, sacrificou-se, dando a sua vida em favor
de todos, esse sacrifício pascal torna-se único e irrepetível. É Ele o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo. Ele torna-se o sacrifício da nova e eterna aliança. Por sua morte,
Ele reconcilia o mundo consigo. A partir d’Ele, não haverá necessidade de nenhum outro
31
sacrifício. Toda vez que celebramos a Eucaristia, por força do Espírito Santo, torna-se
presente para nós hoje aquele único e eterno sacrifício oferecido pelo Senhor na Cruz
bem como sua ressurreição; tornamo-nos contemporâneos de sua Páscoa! Por isso, a
Eucaristia é a fonte e o ápice da vida cristã.
Jesus, verdadeiro homem, morreu na cruz. E Jesus, verdadeiro Deus, também
morreu? Essa é uma pergunta que os cristãos fizeram desde o início e continuamos
fazendo. Baseando-se no Concílio de Calcedônia, realizado em 451, a teologia assim
define:
O mistério de Jesus Cristo é o mistério de duas naturezas em uma só pessoa.
Inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o Filho de Deus sofreria e
morreria como ser humano. Na cruz, a natureza humana sofre e morre. O próprio
Filho de Deus morre, também como Deus, porque nele o humano e o divino são
inseparáveis. No entanto, mais que a morte de Deus, temos na cruz a morte em
Deus, o poder da morte vencido em Deus, no amor divino por nós.[5]
Os mistérios da morte e paixão de Jesus, como também da Encarnação e ressurreição
devem ser vividos por nós como dados da mais profunda aceitação e adesão dafé, o que
inclui a aceitação pela razão.
Nossos pais pecaram no paraíso pela desobediência e autossuficiência. Na cruz, Jesus
substitui nossa desobediência por sua obediência. Pela sua extrema obediência, Jesus
consertou e reparou o que nossos antepassados transgrediram no paraíso. Somos livres,
pois Ele nos libertou e nos resgatou do pecado.
A cruz é o lugar onde Jesus fez a sua entrega total. Para os judeus, a cruz era sinal de
loucura e vergonha; para os gregos, era sinal de estupidez; porém, para nós cristãos,
tornou-se sinal de salvação (1Cor 1,18-23; 1Cor 1,17-25). Assim:
Na cruz estão a esperança e a salvação da humanidade, porque, na cruz, a perdição e
o abandono totais estão em Deus. Deus mesmo está na cruz, abandonado, sofrendo,
morto. Deus passou pela morte “fora da porta”, morreu a última das mortes, tinha de
sofrer e morrer assim (Lc 24,46) para que ninguém mais, jamais, esteja fora de Deus.
Não há nenhuma situação humana, por mais negativa e horrível que seja, que não
tenha sido tocada, assumida e redimida por Deus [...].[6]
A cruz torna-se, para nós, referencial e portadora de vida transformada e redimida.
Na pessoa de Jesus de Nazaré, somos convocados a dar a nossa vida em favor dos outros,
aliás, como diz a frase atribuída a São João Bosco, “o Senhor colocou-nos neste mundo
para os outros”.
Morto na cruz pelos nossos pecados, nosso Mestre e Senhor é sepultado, segundo as
Escrituras (Jo 19,31-42). Outra realidade experimentada por Jesus: o sepulcro. Sendo
Filho de Deus, Ele mesmo conheceu o estado de separação entre sua alma e seu corpo. É
o mistério do Sábado Santo, tempo em que Jesus permaneceu no túmulo:
A permanência de Cristo no túmulo constitui o vínculo real entre o estado passível
32
de Cristo antes da Páscoa e seu atual estado glorioso de Ressuscitado. É a mesma
pessoa do “Vivente”, que pode dizer: “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos
séculos dos séculos” (Ap 1,18).[7]
Como afirmamos acima, Jesus morreu, foi enterrado, porém sua alma, mesmo
separada do corpo, ficou unida à sua pessoa Divina. A Igreja reconhece que, no tempo
em que o corpo de Jesus ficou sepultado, a sua natureza divina continuou a assumir tanto
a alma como o corpo, apesar de separados entre si pela morte. O corpo de Jesus Cristo
morto não sofreu a corrupção (At 13,37) e por isso no sepulcro estava presente o Filho de
Deus, nosso Salvador e Redentor.
Jesus, o homem de Nazaré, o Filho único de Deus, nascido da Virgem Maria,
realmente morreu. Sua morte é real e verdadeira. Porém, sabemos que o corpo morto de
Jesus é diferente de todos os demais. A morte não será a última coisa em sua vida. O Pai
jamais o abandonaria nesta hora cruel. De acordo com as Escrituras, essa foi “a hora de
Jesus”, aquela de que tanto falou em sua pregação missionária entre os seus (cf. Jo 17,15).
33
Para refletir e responder:
1. Por que anunciar na profissão de fé que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos?
2. Quais foram os verdadeiros culpados pela morte de Jesus?
3. Jesus, verdadeiro homem, morreu na cruz. E Jesus, verdadeiro Deus, também
morreu?
34
Artigo 5
“JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS, RESSUSCITOU
AO TERCEIRO DIA”[1]
As pessoas que viveram antes de Jesus já possuíam algumas ideias a respeito da vida
após a morte. Manifestavam, por meio de certas expressões, a maneira como entendiam a
continuidade da vida após a passagem pela morte. O estudo dessas expressões nos ajuda a
compreender com mais precisão esse artigo do Creio.
Gregos, judeus e latinos utilizavam palavras específicas para definir o lugar onde
habitam os mortos. Os gregos davam o nome Hades ou Tártaro, os judeus Sheol e os
latinos Infernos. De modo especial para os judeus, o Sheol significava sepultura, o lugar
para onde iam os mortos. Essas expressões são tentativas para explicar ou materializar o
que, na verdade, é uma realidade espiritual, isto é, dado de fé, coisas inexplicáveis
cientificamente. O cristianismo herdou dos judeus alguns elementos no que se refere à
compreensão da vida após a morte:
O artigo que fala da descida do Senhor aos infernos serve para lembrar-nos de que a
revelação de Deus não se compõe apenas das palavras de Deus, mas também de seu
silêncio. Deus não é somente a Palavra inteligível que vai ao nosso encontro, ele é
também aquele fundo sigiloso e inacessível, incompreendido e incompreensível que
foge à nossa percepção. Certamente, no cristianismo, prevalece o primado do logos,
da palavra, sobre o silêncio: Deus falou. Deus é Palavra. Mas nem por isso devemos
esquecer a verdade da obscuridade permanente de Deus. Só quando o descobrimos
no silêncio podemos nutrir a esperança de ouvir também as suas palavras que se
manifestam no silêncio.[2]
Os judeus usavam também a expressão gehena para designar “buraco”, “vala” onde se
depositavam os lixos da cidade para nele colocar fogo. Talvez daí tenha nascido a
compreensão inequívoca do que habitualmente entendemos como inferno, “lugar” cheio
de fogo, onde alguns perecem eternamente.
O que o Credo quer dizer ao afirmar que Jesus desceu à mansão dos mortos? A
descida à “mansão dos mortos”, ou à “morada dos mortos” ou ainda aos “infernos” fez
Jesus conhecer a morte como todos os seres humanos. Ele provou em sua própria pele o
que significa morrer para este mundo e para toda realidade material.
O sentido cristão da descida de Jesus “à mansão dos mortos” ou “aos infernos” indica
a realidade além-túmulo, independentemente do destino dos que lá se encontram sem a
presença de Cristo ressuscitado. Foi para lá que Jesus foi se encontrar com os bilhões de
seres humanos falecidos antes dele, como Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Davi, patriarcas,
profetas etc.
Para lá Jesus foi como Salvador, libertador dos cativos, isto é, de todos os que
necessitavam da graça e do toque da mão poderosa do Filho Santo de Deus. A questão
35
central está na salvação de todos os justos que morreram antes dele. Ao mesmo tempo em
que Ele desceu, também subiu (Ef 4,9-10).
A descida de Jesus à mansão dos mortos é o cumprimento das antigas promessas
messiânicas. Cristo, o Senhor da vida e da história, destruiu o poder da morte e nela o
poder do mal. Libertou os que passaram toda a vida em estado de servidão (cf. 1Pd 4,6;
Jo 5,25). Esta é a última fase da missão de Jesus na terra. Ele desceu para que os mortos
pudessem ouvir a voz do Pai, por meio dele (cf. Jo 5,25). Realizada essa obra por ordem
do Pai, Jesus, o Ressuscitado, possui também o poder de comandar a vida e a morte, pois
Ele é o Senhor de tudo e de todos (Ap 1,18, Rm 14,9, Fl 2,10).
Desceu à mansão dos mortos e no terceiro dia ressuscitou. Desde a primeira
comunidade cristã, o episódio da ressurreição tornou-se a realidade central e principal da
vida deles e continuará a ser para a vida dos cristãos de todos os tempos. O evento e o
mistério da ressurreição de Cristo são dados que se situam na história, mas vão além dela.
São também dados de fé e de profunda adesão e compreensão ao mistério da vida e da
morte:
A ressurreição é um acontecimento dentro da história que, todavia, rompe o âmbito
da história e a ultrapassa [...]. A ressurreição descerra o espaço novo que abre a
história para além de si mesma e cria o definitivo. Nesse sentido, é verdade que a
ressurreição não é um acontecimento histórico do mesmo gênero que o nascimento
ou a crucifixão de Jesus. É algo novo, um gênero novo de acontecimento. Ao mesmo
tempo, porém, é preciso não esquecer que ela não está simplesmente fora ou acima
da história. Como erupção para fora da história e para além dela, a ressurreição tem,
contudo, o seu início na própria história e até certo ponto pertence a ela. [3]
A ressurreição de Jesus constitui para o cristianismo o artigo fundamental da fé: “E,
se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé” (1Cor
15,14). No Cristo ressuscitado tudo foi transformado, isto é, não existe mais separação
entre o agora, o depois, o tempo, o espaço, a distância etc. Ele quebrou todas as barreiras,
Ele superou todas as dificuldades.Toda a história da salvação tem o seu ponto
culminante na morte e ressurreição de Jesus Cristo:
O essencial da nossa fé pode ser sintetizado de forma muito bonita por três palavras
fundamentais: Revelação, Redenção e Recapitulação. Elas nos fazem compreender a
História da salvação conduzida a termo por Jesus, de acordo com o plano do Pai e na
força do Espírito Santo.[4]
Ele glorificou, santificou e superou a morte. Ele tornou-se Senhor da vida e da morte.
A morte já não se torna mais problema, pois Ele a superou. Temos de compreender
também que, na visão cristã, a ressurreição de Cristo não foi a revivificação de seu corpo
morto, como na ressurreição de Lázaro, mas sim a transformação da sua realidade corpo-
alma em realidade glorificada. Alguns elementos como o túmulo vazio e as aparições de
Jesus ressuscitado nos ajudam a compreender o evento histórico e transcendente da
36
ressurreição.
O túmulo vazio é um episódio importante para a compreensão da ressurreição. Não é
prova material. Poderiam ter roubado ou sumido com o corpo do Senhor. Porém, para
os dados da fé, o sepulcro vazio constitui um sinal de grande importância: significa que o
lugar da morte está vazio; que a morte é incapaz de reter ou dominar o Salvador, o Filho
de Deus. O reino da morte não tem mais nada. Jesus esvaziou o seu domínio, o seu
poder. Ele desceu à mansão dos mortos e trouxe consigo todos os que lá estavam,
deixando a morte de mãos vazias. É a partir da narração sobre o túmulo vazio que os
discípulos iniciam o reconhecimento da ressurreição (Jo 20,1-10):
No sepulcro, que simboliza a morte, Deus, pelo seu anjo, anunciou à comunidade
que ressuscitou Jesus dos mortos. A perspectiva dominante é cultual. Não se está
preocupado em provar nada, mas sim mostrar a fé da comunidade que venera o
sepulcro vazio de Jesus. Jon Sobrino fala em sepulcro aberto. O Novo Testamento
nunca fundamenta a ressurreição de Jesus no fato de que o sepulcro estivesse vazio,
mas sim, no encontro com o Ressuscitado: “os relatos sobre o sepulcro vazio não
estão escritos para provar a ressurreição, mas estão escritos a partir da fé já existente
no Ressuscitado”.[5]
Outro dado importante no que se refere à ressurreição são as aparições do
Ressuscitado para os seus. As mulheres foram as primeiras a receber a graça das aparições
(Jo 20,11-18). Os relatos das aparições têm a ver com a sua íntima ligação com a
realidade histórica do seu povo e de todos nós. No que diz respeito a aparecer em
primeiro lugar às mulheres, quer com certeza ressaltar o protagonismo das mulheres no
episódio da ressurreição.
Em outras circunstâncias, apareceu para os demais (Jo 20,19-23, Jo 21,1-14, Lc
24,13-50). Ele espontaneamente retornou ressuscitado para o meio daqueles que com Ele
fizeram a caminhada em busca de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna. A
iniciativa é dele. É Ele que quer se aproximar e animar os seus:
A iniciativa do Ressuscitado, ou seja, o fato de ser Ele que se mostra vivo (cf. At 1,3),
que “aparece” a eles, significa que a experiência dos homens das origens cristãs teve
um caráter de “objetividade”, foi algo que lhes aconteceu de fato, algo que “veio” a
eles, não algo que “aconteceu” neles. Não foi comoção da fé e do amor que criou o
seu objeto, mas foi o Vivente que suscitou de novo a fé e o amor.[6]
As aparições do Ressuscitado para os seus amigos são maneiras apropriadas que o Pai
encontrou para demonstrar sua bondade, generosidade e poder, pois é o Pai quem
ressuscita Jesus. É obra do Pai a ressurreição do Filho. Ressuscitando o Filho, Ele o
devolve aos seus, agora com a plenitude total de poder e glória. Jesus ressuscitado
continuará presente na vida dos seus, porém agora de maneira diferenciada. O
Ressuscitado está presente no meio de nós, animando-nos e impulsionando-nos para
darmos continuidade ao projeto do Pai:
37
Como a própria ressurreição, as aparições pascais são apresentadas como o efeito de
uma iniciativa de Deus a respeito de Cristo: ele o ressuscitou, ele lhe deu o poder de
se manifestar. A ressurreição devolve Jesus aos discípulos. Não no mesmo aspecto.
Não para o mesmo tipo de relações [...]. As aparições, assim como a ressurreição de
Cristo, escapam ao domínio humano; são da mesma ordem: elas são uma graça [...].
[7]
Não podemos deixar de abordar a questão trinitária da ressurreição. Os diversos
textos do Novo Testamento atestam a dimensão trinitária da ressurreição, isto é, que a
ressurreição é obra da Santíssima Trindade. O Filho único de Deus foi ressuscitado pelo
Pai. Foi Deus Pai quem o ressuscitou. É pelo poder dele que o Filho ressuscitou (At
2,24):
O Espírito não é o Pai. É dado por ele. O Espírito não é o Filho, mas é dado e
recebido pelo Filho ressuscitado. É alguém jamais separado do Pai e do Filho,
distinto e autônomo em sua ação (cf. Mt 28,19; 2Cor 13,13). É aquele que, após a
ressurreição de Jesus, não deixa a humanidade órfã, mas habita em cada ser humano,
dando-lhe a possibilidade de crer, amar e seguir a Jesus Cristo.[8]
O Pai ressuscitou Jesus e introduziu de maneira espetacular sua humanidade – com
seu corpo ressuscitado – na Trindade. Na ressurreição, o Pai se revela e se oferece como
Pai misericordioso e bondoso para com o Filho crucificado e morto na cruz. O Filho
recebe de presente do Pai o seu Espírito, pois aquele que fora humilhado e crucificado
torna-se ressuscitado e glorificado, plenificado pelo Espírito do Pai; por isso, a história do
mistério pascal de Cristo é a história da salvação na qual somos todos imersos. Podemos
afirmar categoricamente: sua ressurreição é a nossa ressurreição: “Se Cristo ressuscitou,
nós também ressuscitaremos”:
A ressurreição de Jesus é evento da história trinitária de Deus. Na Trindade está a
unidade do ressuscitante (o Pai), do ressuscitado (o Filho), do Espírito de
ressurreição e vida, Espírito dado e recebido. Nela está igualmente a unidade do
Deus dos pais, Deus de Israel, que dá vida no seu Espírito ao crucificado,
proclamando-o Senhor e Cristo, Filho de Deus – e do ressuscitado, que, acolhendo o
Espírito de vida dado pelo Pai, o dá aos seres humanos para que participem da
comunhão de vida com ele e com o Pai.[9]
O mistério pascal de Cristo, sobretudo sua ressurreição-glorificação, prolonga-se no
tempo e na história da humanidade. Sua glorificação santifica e transforma o mundo, as
pessoas, o cosmo, enfim, toda a realidade, o que inclui de modo muito particular sua
Igreja:
A ressurreição só tem sentido se revela o futuro do sem-esperança, daqueles que são
feitos “o lixo do mundo e a escória da terra (cf. 1Cor 4,13) [...]. Cristo morto e
ressuscitado faz a síntese do sentido humano. Por isso ele é o primeiro homem, digno
38
e merecedor deste nome, porque chegou à completa hominização passando pela
aniquilação. O futuro de Jesus Cristo é o futuro de cada homem.[10]
As primeiras comunidades fundadas a partir do Ressuscitado por meio dos seus
apóstolos e discípulos foram capazes de transformar e iluminar a vida de tantas pessoas.
Hoje somos convocados a dinamizar à luz do Espírito do Ressuscitado a propagação da
fé, do Evangelho e da caridade em todas as circunstâncias e realidades nas quais estamos
inseridos, tornando-nos sinais visíveis do amor infinitamente misericordioso de Jesus
Cristo, Mestre e Senhor ressuscitado.
39
Para refletir e responder:
1. Qual é o sentido que a Igreja dá para a descida de Jesus à mansão dos mortos?
2. Por que a ressurreição é uma realidade tão essencial para a vida e a fé da Igreja?
3. Quais compromissos religiosos e sociais a ressurreição de Cristo nos faz viver como
cristãos, sobretudo, como catequistas e autênticos discípulos-missionários do Filho
de Deus ressuscitado?
40
Artigo 6
“JESUS SUBIU AOS CÉUS, ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS PAI
TODO-PODEROSO”[1]
Ao afirmar que Jesus subiu aos céus, estamos anunciando, confessando e professando
a verdade sobre a ascensão de Jesus. O Filho unigênito de Deus leva para junto de seu Pai
a sua humanidade. A ascensão é a entrada da humanidade ressuscitada e

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