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2 SUMÁRIO Capa Rosto Agradecimentos Apresentação Introdução Artigo 1 - “CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO CRIADOR DO CÉU E DA TERRA” Artigo 2 - “E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO, NOSSO SENHOR” Artigo 3 - “JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO, NASCEU DA VIRGEM MARIA” Artigo 4 - “JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS, FOI CRUCIFICADO, MORTO E SEPULTADO” Artigo 5 - “JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS, RESSUSCITOU AO TERCEIRO DIA” Artigo 6 - “JESUS SUBIU AOS CÉUS, ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS PAI TODO-PODEROSO” Artigo 7 - “DE ONDE HÁ DE VIR E JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS” Artigo 8 - “CREIO NO ESPÍRITO SANTO” Artigo 9 - “CREIO NA SANTA IGREJA CATÓLICA, NA COMUNHÃO DOS SANTOS” Artigo 10 - “CREIO NA REMISSÃO DOS PECADOS” Artigo 11 - “CREIO NA RESSURREIÇÃO DA CARNE” Artigo 12 - “CREIO NA VIDA ETERNA. AMÉM!” CONCLUSÃO Bibliografia Coleção Ficha Catalográfica Notas 3 kindle:embed:000A?mime=image/jpg In memoriam: D. Paulo Evaristo Arns 4 AGRADECIMENTOS aos nossos pais, nossos primeiros catequistas; a todos os catequistas; e aos amigos colaboradores: Antonio Wardison C. da Silva Pe. Jair Marques de Araújo, sdb Pe. José Antenor Velho, sdb Pe. Luiz Alves de Lima, sdb In memoriam: D. Joaquim Justino Carreira, D. Joel Ivo Catapan, D. Paulo Evaristo Arns, Pe. Gaetano Tarquizio Bonomi e Pe. Antonio Luiz Cursino dos Santos 5 APRESENTAÇÃO “Eu não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?” (Jo 11,40). Quem acredita vê como uma luz que ilumina todo o percurso da estrada, porque nos vem de Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem ocaso.[1] O Senhor nosso Deus tomou a iniciativa de revelar-se ao seu Povo e, ao redor da chama da fé em seu Santo Nome, congregou e formou os que elegeu e constituiu como seus filhos amados. Ao deixar-se compreender e conhecer pelos que o buscam, Deus nosso Pai foi iluminando o coração, a mente, a inteligência e todo o ser daqueles que se dispuseram ao diálogo com Ele. Nesse movimento de pessoas que buscam a Deus e do Senhor que vem ao encontro dos que o procuram, a Igreja, Povo de Deus, nascida do Coração de Cristo, procurou guardar os tesouros da fé como pérola preciosa descoberta no campo da vida que se abre para o Mistério de Deus revelado na história humana, transformada pela presença do Senhor, em história de Salvação. Ao longo do tempo, a Igreja se debruçou sobre esse tesouro para refletir, rezar e organizar com o objetivo de demonstrar a todos os seus filhos a verdade dos conteúdos de sua fé. Dessa experiência surgiram os Símbolos da Fé ou o Creio como explicitação completa, sistemática e viva da fé da Igreja, Povo de Deus. Uma das características do Creio é ser um patrimônio de fé revelado por Deus, construído e partilhado por todas as comunidades que creem e que foram lapidando sua experiência de fé à luz do Espírito Santo de Deus para amadurecer a sua fé e propagá-la com clareza, iluminando a vida dos que respondem ao convite de Jesus como Marta professou: “Sim, Senhor, eu creio firmemente...” (Jo 11,27). Dessa forma, o Creio é um instrumento precioso de anúncio que dá firmeza à fé do discípulo-missionário. Onde ele é proclamado, irradia com clareza e fé comum dos apóstolos de Jesus Cristo. Congrega a Igreja em torno das verdades reveladas, guiando-as na peregrinação e na missão a que é chamada por Deus: anunciar a todos a salvação. Oferece, ainda, aos discípulos- missionários, como também ao mundo, as razões e a constituição de sua fé. O Creio é expressão da fé viva da Igreja. Isso significa que cada geração das comunidades da Igreja é chamada a aproximar-se dos seus conteúdos e transformá-los em experiência de vida, dando-lhes expressões significativas capazes de testemunhar a força transformadora da fé e despertar em todos o desejo de conhecer e de encontrar-se com Deus, como também de participar como pedras vivas no Templo do Senhor: A profissão de fé, a palavra e a união criada por ela são, portanto, parte essencial da fé; fazem parte dela também a participação da liturgia da comunidade e, finalmente, aquele existir em conjunto com os outros que chamamos de Igreja. A fé cristã não é uma ideia, ela é vida; ela não é um espírito que existe para si mesmo, ela é encarnação, é espírito no corpo da história e do nós que está implícito nela. Ela não é a mística da autoidentificação do espírito com Deus, e sim obediência e serviço: 6 autossuperação e libertação do “eu” justamente porque este se vê colocado a serviço daquilo que não foi feito nem pensado por ele; libertação que consiste em ser posto a serviço do todo.[2] Por isso, o padre Humberto Robson de Carvalho e o diácono Rafael Spagiari Giron, ao explicarem os conteúdos do Creio, não estão se referindo a um conjunto de verdades abstratas que devemos professar, mas querem nos fazer entrar na mais profunda comunhão com a Verdade concreta, o Deus vivo. O Papa Francisco afirma: no Credo, o fiel é convidado a entrar no mistério que professa e a deixar-se transformar por aquilo que confessa. Aquele que confessa a fé sente-se implicado na verdade que confessa; não pode pronunciar, com verdade, as palavras do Credo, sem ser por isso mesmo transformado, sem mergulhar na história de amor que o abraça, que dilata o seu ser, tornando-o parte de uma grande comunhão, do sujeito último que pronuncia o Credo: a Igreja.[3] Todos os que lerem esta obra, mas especialmente os catequistas, encontrarão um instrumento valioso para esclarecer e fortalecer a fé, alavancar a missão e a construção das comunidades missionárias por meio da iniciação cristã no contexto social e cultural da atualidade. Dom Sergio de Deus Borges Bispo auxiliar de São Paulo Vigário Episcopal para a Região Santana 7 INTRODUÇÃO A construção de uma vida interior marcada pela presença de Deus e o desejo dos fiéis, particularmente dos catequistas, em traduzir nas próprias atitudes e ações a graça de Deus, sempre estiveram presentes na experiência de fé do povo cristão. Nesse trabalho espiritual, a formação é fundamental, pois alicerça o processo de evangelização e de vivência do discipulado. Por isso, este livro tem o objetivo de contribuir para aprofundar a profissão de fé que proferimos e confessamos nas celebrações litúrgicas aos domingos e nas solenidades da Igreja. Ela é como que a identidade do cristão católico. Podemos afirmar que é a síntese da fé que professamos e vivemos. A palavra Credo origina-se do latim: Credo in Deum Patrem omnipotentem, isto é, “Creio em Deus Pai todo-poderoso”; é por isso que, em português, dizemos Creio. Chamamos de “Credo”, “Creio”, em razão da primeira palavra com que iniciamos a nossa profissão de fé. O Creio é a síntese da fé cristã. É professada na primeira pessoa do singular, pois se trata de uma afirmação pessoal: sou eu quem acredita. O que é a fé? O que é acreditar? A palavra fé tem sua origem na expressão grega pistis, e no latim fides. É o acolhimento e a resposta que damos à revelação de Deus e que se manifesta por meio da confiança e da total entrega a Ele:[1] A afirmação de que eu creio não é uma afirmação cognitiva (creio que Deus existe), mas dinâmica: eu me abandono, me entrego, me fio. Porque, primariamente, a fé não é um saber, mas um encontro.[2] Pela própria natureza e formulação, o Creio é uma profissão de fé, e não uma oração. A oração é sempre um diálogo dirigido a Deus, à sua Mãe ou a um santo. Na oração se louva, agradece, suplica, pede. No Creio não se pede, não se agradece nem há súplica, mas se afirmam conteúdos de fé, objetos da nossa crença, verdades em que cremos e professamos. Profissão de fé e oração são de naturezas completamente diversas. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, a Igreja, desde o início, sistematizou sua própria fé em fórmulas breves e normativas para todos os fiéis cristãos. Os resumos de fé elaborados desde os primórdios da Igreja são fruto da graça de Deus, obtida através dos textos da Sagrada Escritura. Estes resumos ou sínteses da fé chamam-se “profissões de fé”, pois resumem a fé que os cristãosprofessam.[3] A Igreja assim o organizou e sistematizou devido aos ataques e contradições à fé, surgidas ao longo dos séculos. O Credo é dividido em doze grandes afirmações, chamadas artigos. Levando em consideração todos esses aspectos e os desafios que os discípulos- missionários encontram na formação para o exercício do seu ministério e da proposta da nova evangelização, propomos um estudo mais aprofundado de cada artigo da profissão da fé. O livro está estruturado em doze pequenos capítulos, de acordo com os doze 8 artigos de fé professados pela Igreja. A riqueza e a profundidade de cada artigo mereceriam, sem dúvida, um tratado imenso, porém esta obra quer suscitar em cada leitor-catequista o desejo de aprofundar-se nas verdades da fé. Entre todas as profissões ou símbolos da fé, pois existem vários, dois ocupam um lugar muito especial na vida da Igreja: o primeiro é o símbolo dos apóstolos. Ele é considerado o resumo fiel da fé dos apóstolos. É o antigo símbolo batismal da Igreja de Roma. Atribui-se aos cristãos de Roma, por volta do século II, a sua primeira formulação no Ocidente: “Eu creio em Deus, o Pai, o todo-poderoso; e em Jesus Cristo, seu Filho Unigênito, nosso Senhor; e no Espírito Santo, na Santa Igreja, na ressurreição da carne”. Os Concílios, ao longo dos séculos, acrescentaram vários artigos como conhecemos e professamos atualmente.[4] O segundo é o símbolo denominado niceno-constantinopolitano. É fruto dos dois primeiros Concílios ecumênicos realizados nas cidades de Niceia (ano 325) e Constantinopla (ano 381). O uso desse símbolo é comum entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.[5] Esse Credo responde mais categoricamente às heresias existentes naquela época.[6] É também ecumênico: católicos, ortodoxos e protestantes utilizam-no:[7] O Credo apostólico (o breve) começa com o verbo no singular: “Creio...”. Por outro lado, o símbolo niceno-constantinopolitano começa no plural: “Cremos”. Do ponto de vista histórico, é muito provável que isso se deva ao fato de que o Credo niceno é a proclamação de uma assembleia, ao passo que o Credo breve é uma fórmula que brotou da prática batismal, onde o convertido devia expressar pessoalmente sua fé para ser batizado (quem sabe respondendo primeiro a perguntas e, mais tarde, mediante uma fórmula aceita nas diversas igrejas).[8] O apóstolo Paulo afirma que “é crendo no coração que se alcança a justiça e é confessando com a boca que se consegue a salvação” (Rm 10,10). O coração crê naquilo que amamos e para amar precisamos conhecer nossa fé; só assim nossa boca poderá pronunciar aquilo de que o coração está cheio: a fé. A fé é um ato enorme e decisivamente pessoal: é a nossa decisão mais pessoal. Porém, isso de modo algum a torna menos comunitária; muito pelo contrário, pois, no campo da fé, quanto mais cresce o pessoal, tanto mais cresce o comunitário.[9] O aprofundamento do estudo do Creio incentive e motive cada um de nós, educadores da fé na missão de discípulos-missionários, a fim de viver como Povo de Deus e Igreja de Jesus Cristo no tempo presente; a olhar para o futuro com maior clareza e discernimento, com a consciência de que devemos construir aqui e agora “o novo céu e a nova terra” (cf. Ap 21,1.7,15-17), “em que Deus será tudo em todos” (cf. 1Cor 15,28) e, sobretudo, dar razões da própria fé (1Pd 3,15). 9 Artigo 1 “CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO CRIADOR DO CÉU E DA TERRA”[1] Iniciamos a profissão de fé afirmando que cremos em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra. Ele é o primeiro e o último, o começo e o fim de tudo (Is 44,6). O Credo começa com Deus Pai, pois é a primeira pessoa divina da Santíssima Trindade. Proclamamos que Deus Pai é Criador, que Ele realizou a criação do céu e da terra. A criação é o começo e o fundamento de todas as obras de Deus. É o seu primeiro ato de amor para conosco, com o qual inicia os seus desígnios de misericórdia e salvação: Portanto, quando afirmamos “Creio em Deus Pai todo-poderoso”, nós expressamos a nossa fé no poder do amor de Deus, que no seu Filho morto e ressuscitado derrota o ódio, o mal e o pecado, abrindo-nos à vida eterna, à vida dos filhos que desejam permanecer para sempre na “Casa do Pai”. Dizer “Creio em Deus Pai todo- poderoso”, no seu poder, na sua maneira de ser Pai, constitui sempre um gesto de fé, de conversão, de transformação do nosso pensamento, de todo o nosso afeto e de todo o nosso estilo de vida.[2] A fé em um único Deus é a confissão cristã existente há mais de dois mil anos, herdada da profissão de fé do povo judeu. O povo de Israel professa e confessa sua fé em um único e todo-poderoso Deus (Dt 6,4-5). Para o povo do Novo Testamento, a revelação torna-se mais familiar e próxima; Jesus, ao referir-se ao Pai, invoca-o como Abbá, isto é, Pai (Mc 14,36, Rm 8,15 e Gl 4,6): Essas palavras, pelas quais os cristãos professam a sua fé há mais de dois mil anos, têm a sua origem em outra história que é ainda mais antiga: por trás delas está a profissão de fé diária de Israel; trata-se de uma reformulação cristã desta profissão, que diz: “Escuta, Israel, Javé, teu Deus, é um só. O credo cristão retoma, em suas primeiras palavras, o Credo de Israel e, com ele, também a luta de Israel, a sua experiência de fé e a sua contenda por Deus.[3] A profissão de fé em Deus pressupõe a rejeição de qualquer outra profissão em outros deuses, sejam eles quais forem. Nesse sentido, a profissão de fé do povo de Israel e a dos cristãos é uma declaração de amor e de entrega ao único Deus e Senhor. Nosso “Creio” é uma fé a ser vivida, professada e confessada, não apenas a ser recitada: “Javé, teu Deus, é um Deus único”, essa profissão de fé fundamental que condiciona, como pano de fundo, o nosso Credo é, em seu sentido original, uma renúncia aos deuses da vizinhança. É profissão de fé no sentido pleno da palavra, isto é, não se trata da constatação de uma opinião ao lado de outras, e sim de uma decisão existencial. Como rejeição dos deuses, o gesto se opõe tanto ao endeusamento dos poderes políticos quanto ao endeusamento do movimento cósmico do retorno 10 eterno.[4] A fé cristã confessa que há um só Deus, por natureza, por substância e por essência. O próprio Jesus confirma que Deus é “o único Senhor” e que é preciso amá-lo de todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito e todas as forças (Mc 12,29-30). Deus revelou ao povo de Israel e continua revelando a cada um de nós o seu nome: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14). O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome que comunica e manifesta sua essência, sua personalidade, seu poder, suas ações, sua relação pessoal com seu povo eleito. Não é uma força anônima, mas quer ser conhecido por aqueles com quem estabeleceu uma aliança de amor. Ele revelou-se progressivamente a seu povo e com diversos nomes, mas foi a revelação do nome divino feita a Moisés por meio da sarça ardente que significou a revelação fundamental para a Antiga e a Nova Aliança (Ex 3,6). Juntamente com o seu nome, o Senhor revela uma de suas principais qualidades: a sua fidelidade, que é de sempre e para sempre (Ex 3,12). Deus, ao revelar-se ao povo de Israel como “Aquele que é rico em amor e fidelidade” (Ex 34,6), demonstra as riquezas de sua pessoa. Em todas as suas obras, Deus mostra não apenas sua benevolência, bondade, graça, amor, mas também sua confiabilidade, fidelidade e verdade. Ao percorrermos a história do povo, é possível descobrir que Deus tinha uma única razão para revelar-se, que consiste na expressão do seu amor gratuito e generoso (Dt 4,37; 7,8 e 10,15). E Israel entendeu, graças a seus profetas, que foi também por amor que Deus não cessou de salvá- lo e de perdoar suas infidelidades e seus pecados (cf. Os 2). O amor de Deus por Israel é comparado ao amor de um pai por seu filho (Os 11,1). Este amor é mais forte do que o amor de uma mãe pelos seus filhos (Is 49,14-15). Deus ama seu povo mais do que um esposo ama sua bem-amada. O amor de Deus é eterno (Is 54,8). Nesse sentido,a expressão de João é mais resumida, simples e nobre ao afirmar: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). Crer em Deus Pai é saber olhar para a imensidão do universo e reconhecer que Deus é o Criador de tudo e de todos. Crer em Deus Pai é estar acima de todos os interesses pessoais. A Deus o louvor, a honra, a glória e todos os atributos que Ele merece. O Pai é a primeira Pessoa Divina da Santíssima Trindade. A paternidade de Deus torna-o todo- poderoso, pois só quem é capaz de criar do nada tem o poder “nas mãos”. O Pai desejou ardentemente construir sua história não para si, mas para os outros. Criar é a mais sublime arte do Pai. Com Abraão, Israel cresceu como nação e com Moisés aprendeu que Deus Pai está no centro de sua nação. Por isso, ao longo de toda a sua história, Israel soube esperar e confiar na providência e na paternidade desse Deus infinitamente bondoso e misericordioso. Israel compreendeu e aceitou a presença amorosa de Deus na vida do seu povo. Deus é alguém muito presente na vida deles. É alguém com quem eles falam e, ao mesmo tempo, o escutam. A invocação de Deus como Pai é conhecida em muitas religiões. Em Israel, Deus é 11 chamado de Pai, pois é o criador do mundo. Jesus revelou que Deus é Pai num sentido novo: não só como criador, mas eternamente Pai em relação a seu Filho único (Mt 11,27). É por isso que os apóstolos confessam Jesus como o Verbo, que, no início, estava junto de Deus e que é Deus (Jo 1,1), como imagem de Deus invisível (Cl 1,15). Seguindo a tradição apostólica, a Igreja, no ano 325, no primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, professou que o Filho é “consubstancial” ao Pai, isto é, um só Deus com Ele. O segundo Concílio, reunido em Constantinopla em 381, conservou essa expressão na formulação do Credo de Niceia e professou: “o Filho Único de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”. Dessa maneira, o Concílio de Constantinopla proclama a íntima relação entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo: “Cremos no Espírito Santo, que é Senhor e que dá a vida, ele procede do Pai”. Com isso a Igreja reconhece o Pai como a fonte e a origem de toda a divindade. Mas a origem eterna do Espírito Santo não deixa de estar vinculada à do Filho: “O Espírito Santo, que é a terceira pessoa da Trindade, é Deus, uno e igual ao Pai e ao Filho, da mesma substância e também da mesma natureza. Ele é, ao mesmo tempo, o Espírito do Pai e do Filho”: A fé em Deus Pai requer que acreditemos no Filho, sob a ação do Espírito, reconhecendo na cruz que salva a revelação definitiva do amor divino. Deus é nosso Pai, oferecendo-nos o Filho; Deus é nosso Pai, perdoando o nosso pecado e levando- nos à alegria da vida ressuscitada; Deus é nosso Pai, doando-nos o Espírito, que nos torna filhos e nos permite chamar-lhe, na verdade, Abbá, Pai! (cf. Rm 8,15). Por isso, Jesus, ensinando-nos a rezar, convida-nos a dizer: Pai nosso... (cf. Mt 6,9-13; Lc 11,2-4).[5] A Trindade é Una. Não professamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: as pessoas divinas não dividem entre si a única divindade, mas cada uma delas é Deus por inteiro: O Pai é aquilo que é o Filho, o Filho é aquilo que é o Pai, o Espírito Santo é aquilo que são o Pai e o Filho, isto é, um só Deus quanto à natureza. Não podemos pensar a Trindade de forma dividida, ou seja, o Pai como só aquele que cria, ou o Filho como só aquele que salva, e o Espírito como o ser que santifica. Eles são um em três pessoas. Um não delega um tipo de “serviço” para o outro, mas os três realizam tudo. Os cristãos são batizados “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19). A fé de todos os cristãos consiste na Trindade. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. É, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé. O Pai é o todo-poderoso. Sua paternidade e seu poder iluminam-se mutuamente. Ele mostra a sua onipotência paterna pela maneira como cuida de nossas necessidades (Mt 6,32). Pela sua infinita misericórdia, mostra o seu poder no mais alto grau, perdoando 12 livremente os pecados. Somente mediante a fé podemos aderir aos caminhos misteriosos da onipotência de Deus: Somente quem é verdadeiramente poderoso pode suportar o mal e mostrar-se misericordioso; só quem é autenticamente poderoso pode exercer de modo pleno a força do amor. E Deus, a quem pertencem todas as coisas, porque tudo foi feito por Ele, revela a sua força amando tudo e todos, numa expectativa paciente da nossa conversão, de nós homens, que Ele deseja ter como filhos. Deus espera a nossa conversão. O amor todo-poderoso de Deus não conhece limites, a tal ponto que “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou a todos nós” (Rm 8,32).[6] Nosso Pai infinitamente bondoso e misericordioso, em seu amor que não conhece limites, na força de sua caridade, chamou o universo à existência: “No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1). Essas são as primeiras palavras das Sagradas Escrituras. Elas foram escritas na época em que o povo de Deus, Israel, estava no exílio da Babilônia. Lá onde os astros e as estrelas eram adorados como deuses, Israel proclama sua fé em Deus, criador de todas as coisas. Somos filhos do Criador, que nos ama e construiu uma casa comum para habitarmos e sermos, um universo para existirmos. Com essas solenes palavras inicia-se a narração da Sagrada Escritura. A criação é revelação do amor de Deus que vai alcançar em Cristo a sua plena força e realização. Criando o universo, o Senhor nosso Pai inaugura seus desígnios de amor e salvação e nos convida a participar da sua aliança eterna, fazendo-nos seus filhos em Cristo Jesus. Essa afirmação de fé em Deus Pai Criador – que, ao criar o mundo e a nós mesmos, nos convida à comunhão com Ele em Cristo, em um ato de puro amor e liberdade, chamou a nós seres humanos e também a todos do universo criado, a participar de sua vida e partilhar de sua existência – fundamenta a origem e o sentido da vida humana e responde às perguntas mais profundas de nossa experiência na terra: De onde viemos? Para onde vamos? Qual é nossa origem? Qual é nossa meta? A verdade da criação é tão importante para a vida humana que Deus, na sua infinita bondade e ternura, quis revelar ao seu povo tudo a respeito da criação e do Criador. Entre todas as palavras da Sagrada Escritura sobre a criação, os três primeiros capítulos do Gênesis ocupam um lugar único: A Bíblia sempre usa um verbo especial (barah) para designar a atividade causativa de Deus e distingui-la de nossa produção ou fabricação humana. Os homens sempre produzem ou fabricam alguma coisa a partir de uma matéria prévia. De Deus se diz que produz “a partir do nada”. Isso quer dizer: “criar”.[7] “O céu e a terra” constituem para os hebreus e para os cristãos o universo material, embora a Bíblia também mencione com frequência o “céu” ou os “céus” em oposição à terra, isto é, referindo-se a Deus. Nesse sentido, o céu é a casa de Deus, invisível, que envolve o mundo, as aves do céu, os justos e os injustos com sua inesgotável bondade 13 (Mt 5,7). Não se trata de lugar geográfico, espaço físico ou material, mas de comunhão eterna com o Senhor (1Ts 4,17; 2Cor 5,8 e Fl 1,23). Para falar da criação da humanidade, os autores sagrados utilizaram a linguagem popular, própria da época, para descrever a ação criadora de Deus. O texto bíblico a respeito da criação foi escrito por volta de 586-538 a.C., e nele os autores afirmam que Deus modelou a criatura humana com o pó da terra (Gn 2,7). A palavra pó, poeira ou barro, na língua hebraica, de modo particular nesse texto, indica a poeira fina do campo, usada pelos oleiros na fabricação dos vasos preciosos, das peças mais delicadas. Isso significa que a criatura humana foi criada com o maior carinho possível. Deus a modelou com suas próprias mãos. Entende-se também que o autor do livro do Gênesis não se referiu ao barro para descrever o modo concreto como a criatura humanafoi feita, mas chamar a atenção para a sua fragilidade; para dizer que a criatura humana vem e depende de Deus, sendo frágil e limitada.[8] Não cabe discutir se o homem foi feito de barro ou se a mulher foi ou não tirada da costela de Adão. É uma discussão inútil, porque está fora da intenção dos autores, que não são cientistas, mas teólogos/catequistas. Não é essa a preocupação nem é isso que se está ensinando. O que se faz é uma observação teológica, usando comparações populares e adequadas à época. A expressão Adão e Eva refere-se a todos os primeiros casais viventes no início da raça humana. A palavra Adão, em hebraico adam, não é nome próprio, significa “ser humano”. Podemos dizer que todas as pessoas são “Adão”. Aliás, adam vem de outra palavra hebraica, adamah, que significa “solo fértil”. Adamah era símbolo da vida, isto é, da fecundidade. A palavra Eva, em hebraico havvah, também não é nome próprio. É palavra ligada a um verbo hebraico hayah, que significa “viver”. Os autores do livro do Gênesis associam o nome Eva ao fato de ela ser a mãe de todos os viventes. À medida que o tempo foi passando, adam e havvah se tornaram nomes próprios.[9] Quanto à formação da mulher, tal questão só pode ser compreendida dentro do esquema literário da sabedoria popular. Não se trata de fazer uma leitura no sentido estrito da palavra, de que a mulher foi tirada da costela do homem, mas que foi criada, como o homem, por Deus. Supõe-se que o autor sagrado tenha recorrido a tais palavras, reafirmadas com a expressão “ossos dos meus ossos”, “carne da minha carne” (Gn 2,22), de modo a acentuar a igualdade, a solidariedade e o companheirismo entre os dois. O fato central em questão é que Deus é o Criador. Criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança.[10] O mundo, as coisas visíveis e invisíveis, particularmente os seres humanos, foram criados para a maior glória de Deus. Deus cria por sabedoria, por amor, e do “nada” para o bem comum de todos. Deus jamais abandona a sua criação, mas sustenta, protege e dá liberdade. Sabemos que Deus criou todas as coisas, as visíveis e as invisíveis. No que se refere às 14 visíveis, já estudamos anteriormente. E as invisíveis, como, por exemplo, os anjos? Quem são eles? Os anjos são servidores e mensageiros de Deus; contemplam constantemente a face de Deus (Mt 18,10); são poderosos executores da Palavra de Deus. E, enquanto criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e de vontade. São criaturas imortais. Eles estão a serviço de Deus, desde a criação e ao longo de toda a História da Salvação. Nas Sagradas Escrituras, os anjos testemunham a realidade criatural de seres espirituais. São apresentados como mensageiros de Deus (Gn 16,7.9-11; 21,17; 22,11; Ex 14,19; Nm 22,22-35; Jz 13,3-21). Por meio de seus anjos, Deus se faz presente em diversas circunstâncias da realidade humana. Em alguns textos da Palavra de Deus, alguns anjos são chamados por seus nomes: Rafael (Tb 3,16s), Miguel (Dn 12,1), Gabriel (Dn 10-12). A terminação “el” dos nomes indica justamente essa comunicação do Deus Criador com sua criação.[11] Diante das coisas boas e santas que Deus criou, nos perguntamos: “De onde vêm o pecado e o mal?”. Para essas perguntas, não há respostas rápidas e nem sempre suficientes. Como consequência do pecado original, ou seja, do pecado das origens, a natureza humana tornou-se enfraquecida, submetida à ignorância, ao sofrimento e à dominação da morte e inclinada ao pecado. Porém Jesus Cristo, o Filho de Deus, por sua morte e ressurreição, nos salvou e libertou de todo aprisionamento do pecado, tornando-nos novamente livres para a construção de um mundo mais humano, solidário e fraterno. O que é de fato o pecado original ou o pecado das origens? Trata-se do pecado da desobediência, da autossuficiência e da arrogância. Nossos primeiros pais caíram na tentação de querer igualar-se a Deus, esquecendo-se de que eram apenas criaturas, e não o Criador. Esse é o pecado que carregamos até hoje; muito embora não tendo sido praticado por nós. Herdamos um mundo marcado pela realidade do pecado, do mal praticado em escalas pessoal e social, e isso condiciona nossa liberdade e atitudes, exigindo compromisso com a graça de Deus para podermos superá-lo. Ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, Deus o constituiu na sua amizade; contudo, nossos primeiros pais traíram a confiança de Deus, desobedecendo-o pela sua arrogância e pela sua autossuficiência. Neste pecado, os seres humanos preferiram a si mesmos e, com isso, menosprezaram a Deus, contrariando as exigências do seu estado de criatura e, consequentemente, de seu próprio bem. Criados em estado de santidade, os seres humanos estavam destinados a ser “divinizados”. A partir do primeiro pecado, uma verdadeira “invasão” do pecado inunda o mundo e as pessoas. A transmissão do pecado original é um mistério que não somos capazes de compreender plenamente. Embora próprio de cada um, o pecado original é um pecado “contraído”, e não “cometido”. O batismo, ao conferir a vida da graça em Cristo, faz toda criatura humana voltar para Deus, cancelando, assim, o pecado. Mesmo sabendo que o pecado original tem sua origem na desobediência a Deus, há uma tendência em interpretá-lo como sendo sexual. A Bíblia deixa claro não haver nada 15 que relacione esse pecado à sexualidade. A serpente, a fruta e a nudez relatadas no livro do Gênesis (3,1-6), nada tem a ver com a sexualidade. O texto quer fazer o leitor confrontar-se com o mistério do mal que está presente em cada um. Nada tem a ver com o teor do pecado, apenas serve para evidenciar a tomada de consciência sobre o pecado cometido.[12] Paralelamente ao pecado dos nossos primeiros pais no paraíso, podemos acrescentar o pecado e a queda dos anjos. A Bíblia e a tradição da Igreja entendem que o anjo decaído, isto é, Satanás ou diabo, e outros demônios foram criados bons por Deus, mas, por orgulho e desobediência, tornaram-se maus por sua própria iniciativa. O poder de Satanás não é infinito. Ele não passa de uma criatura. Embora atue no mundo por ódio contra Deus e o seu Reino em Jesus Cristo, e embora sua ação cause graves danos de natureza espiritual e, indiretamente, até de natureza física, sempre será vencido por Deus, autor e Senhor da vida. Enfim, a categórica profissão de fé em Deus Pai, criador do céu e da terra, leva o cristão a sustentar, apoiar e incentivar uma vida como a de Abraão, Jesus, Maria, Pedro, Paulo e tantos outros modelos de fé autêntica e compromissada com Aquele que nos criou e continua recriando nossas ações e realizando transformações. 16 Para refletir e responder: 1. O que significa confessar e professar a fé em um único Deus? 2. Por que professamos e confessamos que Deus é Pai e Criador? 3. Por que confessamos e professamos que Ele é o todo-poderoso? 4. Como entender o significado da criação do homem e da mulher? 5. O que significa a expressão Adão e Eva? 6. O que entendemos por pecado original? 17 Artigo 2 “E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO, NOSSO SENHOR”[1] O nome Jesus, de origem hebraica, significa “Deus salva”. Para o povo da Bíblia, o nome expressava, ao mesmo tempo, a identidade e a missão de uma pessoa. Ele é o salvador, sua missão é salvar a humanidade. Ele veio para nos libertar, curar, dar a vida em plenitude e partilhar conosco a sua humanidade e divindade. A palavra salvar tem sua origem na terminologia salus, que significa saúde e vida.[2] Falar de Jesus é refletir sobre o seu mistério. Nem sempre conseguiremos responder às nossas curiosidades, principalmente aos fatos da sua infância e adolescência. A preocupação dos evangelistas não foi relatar jornalisticamente os episódios como aconteceram, mas fazer uma catequese para o aprofundamento da nossa fé e da nossa íntima, profunda e comunitária vivência dos seus ensinamentos. Por isso, não encontraremos dados e fatos peculiares de sua vida: Em que sentido toda a vida de Cristo é mistério? Toda a vida de Cristo é acontecimento de revelação: o que é visívelna vida terrena de Jesus conduz ao seu mistério invisível, sobretudo ao mistério da sua filiação divina: “quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Além disso, embora a salvação provenha plenamente da cruz e da ressurreição, toda a vida de Cristo é mistério de salvação, porque tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha como objetivo salvar o homem caído e restabelecê-lo na sua vocação de filho de Deus.[3] A vinda de Jesus no meio de nós, por graça e misericórdia do Pai, é um acontecimento extraordinário que foi preparado durante muitos séculos. O Antigo Testamento já nos evidencia, particularmente por meio dos profetas, que Ele será o Filho único de Deus. Mesmo sendo Deus, o seu nascimento revela para nós a sua identidade e maneira pela qual conduziria a humanidade a realizar o projeto do Pai. Tendo nascido de família pobre em um humilde estábulo revelou e manifestou a glória do Céu aos seus. A Igreja, em sua liturgia, não se cansa de cantar o mistério dessa noite santa: “Hoje nasceu para nós o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (cf. Lc 2,11). O seu nascimento, isto é, a Encarnação de Deus criança entre nós, expressa a condição para fazer parte do Reino: “E disse: Eu lhes garanto: se vocês não se converterem, e não se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu” (Mt 18,3). Quando e onde nasceu Jesus? Ele nasceu no tempo do imperador Augusto (37 a.C. – 14 d.C.), na cidade de Nazaré. Não há uma data precisa do dia do nascimento. Os evangelistas Marcos e Mateus concordam em afirmar que Ele nasceu durante a vida de Herodes (Mt 2,1ss.; Lc 1,5), de acordo com o historiador Flávio Josefo, isto é, 4 a.C.[4] Qual é a origem da celebração do Natal em 25 de dezembro? Após o decreto de Constantino em 313, em que dava liberdade de culto a todas as religiões, algumas festas 18 pagãs foram substituídas por cristãs. A festa do nascimento do deus sol da religião pagã tornou-se a do nascimento de Jesus.[5] Recordamos também que, no dia 25 de dezembro, o dia começa a ter maior duração de tempo no Hemisfério Norte. Jesus é o Sol nascente que veio visitar-nos (cf. Lc 1,78). Jesus é a Luz, o Sol que vence as trevas. Alguns episódios relatados pelos evangelistas têm profundo sinal catequético- mistagógico; por exemplo, a circuncisão de Jesus, no oitavo dia depois de seu nascimento, evidencia que Ele fazia parte da descendência de Abraão, que era obediente à Lei e que estaria apto para participar do culto prestado em Israel. A epifania o apresenta como Messias de Israel, Filho de Deus e Salvador de toda a humanidade. A vinda dos magos do Oriente para adorá-lo e presenteá-lo representa todos os povos, além de Israel, como adoradores em espírito e verdade. A sua apresentação no templo mostra-o como o primeiro pertencente ao Senhor. Ele é a luz das nações e a glória de Israel. A fuga para o Egito e o massacre dos inocentes simbolizam a oposição das trevas à luz. O retorno do Egito recorda o Êxodo e apresenta Jesus como o novo Moisés, o libertador definitivo. Os textos bíblicos mencionam a submissão aos seus pais. Tal submissão está relacionada com a vivência do quarto mandamento da Lei de Deus e da submissão e obediência extrema ao Pai, sobretudo na hora do sofrimento e da morte. Há um período da vida de Jesus que a Igreja chama de “vida oculta” de Jesus. Trata- se da fase da adolescência até o batismo no rio Jordão. Nesse tempo, Ele viveu como a maioria dos jovens da sua época. A vida oculta de Jesus nos ajuda a estar unidos a Ele no caminho de todo dia e fazer da cotidianidade, da rotina de nossa vida, dos desafios pessoais, familiares e profissionais que enfrentamos no anonimato uma experiência de vida espiritual. Os mistérios da vida pública de Jesus iniciam-se com seu batismo por João no rio Jordão. O batismo do Senhor inaugura sua total entrega ao projeto de Deus a seu respeito, inclusive a aceitação da missão de servo sofredor, antecipando o seu “batismo” de sangue, isto é, a sua morte sangrenta. A essa adesão responde a voz do Pai, que coloca toda a sua complacência em seu Filho (Lc 3,22; Is 42,1). O Espírito Santo que paira sobre Ele no dia do batismo é o mesmo Espírito que o concebeu no seio de Maria e será derramado para toda a humanidade no dia de Pentecostes. O seu batismo abre-nos de novo a porta do céu, uma vez fechada com o pecado de Adão, e mais uma vez somos santificados e renovados. Os evangelistas apresentam-nos um período de solidão de Jesus. Período imediatamente após o seu batismo. Relatam que Ele permaneceu quarenta dias sem comer vivendo com animais selvagens e sendo alimentado pelos anjos e que, no final desses dias, é tentado por Satanás. Os escritores sagrados querem com isso manifestar a maneira pela qual o Filho de Deus se opõe aos planos maléficos, indicando-nos que também nós, seguidores de Jesus, temos de aprender com ele a vencer todas as tentações que a vida nos apresenta. Todos os sinais apresentados por Jesus durante sua vida testemunham que Ele é o 19 único mensageiro, portador e intermediário do Pai. A sua vinda ao meio de nós é a certeza da derrota do poder do mal. Toda a sua vida desde o seu nascimento, seus ensinamentos, gestos, oração, amor, milagres, sua predileção pelos pequenos e pobres, constitui um ato de profunda obediência e sintonia com o Pai. Ao professarmos e confessarmos que Jesus Cristo é o único Filho e nosso Senhor, queremos afirmar que é totalmente Deus e homem. Não é resultado de uma mistura de Deus e de homem, é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa de seu filho: A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde a concepção. Por isso o Concílio de Éfeso proclamou, em 431, que Maria se tornou de verdade Mãe de Deus pela concepção humana do Filho de Deus em seu seio: “Mãe de Deus não porque o Verbo de Deus tirou dela sua natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne” [...] A Igreja confessa, assim, que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é verdadeiramente o Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor.[6] O título de Senhor que damos a Jesus é o nome de Deus, Iahweh, traduzido do grego Kyrios. Esse título e o significado de “Jesus”, Deus salva, demonstram que o próprio Deus está presente na pessoa de seu Filho. A Palavra de origem grega Kyrios, Senhor, era aplicada também a divindades, particularmente no meio dos povos semíticos e outros povos orientais no período greco- romano. No fim do século I, é usado frequentemente em relação ao imperador. Os primeiros cristãos adotam esse título para se referir a Jesus Cristo. Os cristãos tomam esse nome Kyrios para expressar que o Senhor não é o imperador, mas o Cristo, Filho de Deus. Ao mesmo tempo que o título confere autoridade, honra e adoração, exprime também amor e afeição. “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28), “Jesus Cristo é o Senhor!” (Fl 2,11), “É o Senhor!” (Jo 21,7).[7] A palavra Cristo, de origem grega, é herança da palavra hebraica Messias, e significa “ungido”. Jesus é o ungido do Pai, por isso, Jesus Cristo. Não se trata de um sobrenome, mas de um título, alguém que é consagrado, ungido para realizar o plano do Pai, isto é, sua missão divina. Por ocasião do seu nascimento, os pastores foram avisados por Deus, por meio dos seus mensageiros, de que “na cidade de Davi havia nascido o Salvador que é o Cristo Senhor” (cf. Lc 2,11). No dia de seu batismo no rio Jordão, Deus o ungiu com o Espírito Santo e poder (At 10,38), a fim de que fosse manifestado a Israel como seu Messias (Jo 1,31). A expressão Jesus Cristo traduz a confissão de fé em Jesus, o nazareno, o filho de Maria, que foi concebido, nasceu, viveu, morreu e ressuscitou. 20 O complemento “de Nazaré”, no nome Jesus, nos mostra que Jesus viveu num local e numa época. Não é uma invenção humanaou uma vida fora do mundo. O Jesus da história é o mesmo que o glorificado. Ele avança por toda a eternidade. Ele é o princípio e o fim. Nada abalará a identidade de Jesus, o Cristo, o Ungido, o Messias e o Ressuscitado. Todos nós somos filhos de Deus, porém, no sentido bíblico-teológico em relação a Jesus Cristo, professamos que Ele é o único Filho de Deus, gerado por Deus Pai e tendo igual natureza divina. A expressão Filho de Deus, de acordo com o entendimento do Antigo Testamento, compreende o título dado aos anjos e ao povo eleito, aos filhos de Israel e a seus reis. Trata-se de uma filiação adotiva que estabelece entre Deus e sua criatura relações de uma intimidade especial. Em português, dizemos “único” no Símbolo Apostólico – unicus em latim – e “unigênito” no Símbolo Niceno-Constantinopolitano – em latim, unigenitus, “o único gerado”. É filho por “geração” e não por “adoção”.[8] No Novo Testamento, particularmente nos Evangelhos, a filiação de Jesus é abordada de modo muito carinhoso e significativo. Recordemos dois episódios: o Batismo e a Transfiguração; em ambos os episódios, o Pai o chama de “Filho bem- amado” (Jo 3,16). Não podemos esquecer a profissão de fé dos primeiros cristãos retratada na figura do centurião após o episódio da cruz: “Verdadeiramente, este homem era filho de Deus” (Jo 3,18). A Igreja primitiva soube expressar a grandiosidade de Jesus em um dos seus hinos que, em sua Carta aos Filipenses (2,6-9), o apóstolo Paulo traduziu da seguinte maneira: Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob a terra: e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai. [9] Como já mencionamos acima, os evangelistas apresentaram a pessoa de Jesus cada um a seu modo. É necessário levar em consideração que esses escritos não são de caráter técnico-científico-histórico, mas teológico-catequético. Os Evangelhos têm a preocupação de anunciar Jesus Cristo como Redentor e Salvador da humanidade. Os textos foram redigidos posteriormente à morte e ressurreição do Senhor. Afirmam os estudiosos na Sagrada Escritura que o Evangelho de João, por exemplo, foi escrito depois de 50 anos do episódio da cruz e ressurreição. Para uma compreensão ainda maior a respeito dele, mencionaremos resumidamente o que os evangelistas disseram a respeito de Jesus Cristo, único Filho de Deus. Marcos, o primeiro Evangelho escrito, por volta do ano 70 d.C., acentua que a vida 21 de Jesus é semelhante à do cristão que passa toda a vida lutando contra o mal. Marcos descreve-nos Jesus como aquele que vence o inimigo. Utiliza a linguagem do tempo em que o demônio era visto como uma entidade física que atrapalhava o bem-estar das pessoas. Usou muitas vezes as realidades da intimidade com Deus, o deserto, a provação, a tentação, a tempestade, entre outras realidades, para apresentar a pessoa de Jesus. O evangelista nos ensina que toda realização de Jesus deve ser continuada pelos seus discípulos missionários, com o objetivo de trazer o Reino de Deus para dentro da humanidade e da história em que vivemos. Mateus organizou a mensagem de Jesus a partir de seus sermões. Ele vê Jesus como o Emanuel, que significa Deus-conosco. Jesus se encarnou no mundo e na história para nos ensinar o caminho da justiça. De acordo com Mateus, Jesus é o Mestre da justiça, o novo Moisés. Em Mateus, o modo de Jesus agir, falar e comportar-se vai ensinando os seus discípulos missionários a lutar contra todo tipo de injustiça a ponto de todos se libertarem e viverem dignamente como filhos e filhas de Deus. Mateus apresenta a pessoa de Jesus em comparação com a figura de Moisés. Se Moisés foi o grande libertador do seu povo, Jesus o é ainda mais. O Reino de Deus apresentado por Jesus é baseado, sobretudo, na justiça e na verdade. Lucas escolheu apresentar Jesus como aquele que dedica especialmente sua vida e sua missão em favor dos menos favorecidos. De acordo com Lucas, Jesus está sempre ao lado dos pobres, dos humildes, dos pequenos, das viúvas etc. Lucas quer ressaltar a ação de Jesus em favor de todos esses, mostrando que por Ele veio a salvação e a libertação. Quer ensinar também que, ao libertá-los da pobreza e do sofrimento, deverão construir nova sociedade onde a justiça produza partilha e fraternidade. João apresenta Jesus como aquele Filho que vive em comunhão com Deus Pai e que assumiu a nossa humanidade. Segundo João, o modo de agir de Jesus revelava o projeto de Deus. Quem o vê, vê o Pai. Ele é aquele que caminha no meio dos seus, porém, é divino. É o Filho único de Deus Pai, cheio de graça e verdade (1,14). Ninguém jamais viu o Pai, mas como Jesus está junto do Pai, ele deu-nos a graça de conhecê-lo (1,18). João mostra que a prática de Jesus se resume no compromisso contínuo e pleno com a vida do povo que sofre. Ele, o mestre e Senhor, é aquele que serve e que oferece a sua vida até a morte, e morte de cruz, em favor dos seus. Para compreendermos que Jesus é Filho único de Deus, não há dificuldade. Nós já nascemos dentro da cultura cristã. Porém, no início, não foi tão fácil assim. Para definir Jesus no meio judaico, os primeiros cristãos utilizaram-se do recurso bíblico. Basta percorrer os Evangelhos e tantos outros textos do Novo Testamento para percebermos os títulos a Ele conferidos. Seu próprio nome, a associação entre Ele e Moisés, outros títulos como Kyrios, Messias, Filho de Davi, profeta, Rabi, Leão da Tribo de Judá, Senhor dos Senhores, Emanuel etc. No ambiente grego, o conhecimento de Jesus se deu por meio dos ensinamentos dos 22 padres da Igreja e por meio das definições dos Concílios. Os gregos possuíam vasta cultura filosófica, por isso, foi necessário buscar o recurso da filosofia para uma melhor compreensão e adesão à identidade de Jesus: Para compreender a fundo a mensagem de Jesus, não basta conhecer o que ele disse e o que ele fez. Além do que, mais do que isso e mesmo antes disso, é necessário igualmente saber quem foi Jesus de Nazaré, o filho de Maria, o filho de carpinteiro [...] Analisando os Evangelhos, neles se podem descobrir, com suficiente clareza, os traços mais característicos da personalidade desse homem com quem as primeiras testemunhas conviveram e que depois será por elas confessado e proclamado como Filho de Deus [...].[10] Que este texto nos ajude a compreender os mistérios de Jesus e a crer com a inteligência, com o coração, com a alma e com a vida que, de fato, Ele é o único Mestre e Senhor. 23 Para refletir e responder: 1. Qual é o significado do nome Jesus? 2. O que significa a palavra Cristo? 3. O que significa afirmar que Jesus Cristo é o Filho único? 4. O que devemos entender por Kyrios? 5. Qual é a compreensão de cada evangelista sobre Jesus Cristo? 24 Artigo 3 “JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO, NASCEU DA VIRGEM MARIA”[1] Quando afirmamos que Jesus Cristo foi concebido pelo Espírito Santo, temos a plena certeza de que Ele não foi gerado como todos nós humanos somos gerados, ou seja, pela união de homem e mulher, mas tão somente por obra de Deus Pai, por intermédio do Espírito Santo agindo sobre a Virgem Maria. Ele também é Deus, tendo só a Deus por Pai e nenhum outro homem. A Encarnação é, portanto, o Mistério da admirável união da natureza divina e da natureza humana na única pessoa do verbo encarnado e feito homem (ser humano): A Encarnação ultrapassa, evidentemente, as capacidades de uma geração humana normal: nem São José, nem qualquer outro homem, por mais virtude que tenha, poderia realizar a Encarnação no seio de Maria. É obra exclusivamente de Deus. Só Ele poderia realizá-la. É isso oque significa a expressão “encarnou pelo Espírito Santo”, seguindo de perto o relato da anunciação a Maria, no qual o anjo Gabriel afirma-lhe expressamente: O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso, o Santo que nascer será chamado Filho de Deus (Lc 1,35).[2] Tal acontecimento é único e exclusivo. Não há nenhum outro fato semelhante. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Não há mistura, ou seja, em parte Deus e em parte homem. Não, em hipótese alguma. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus: Professando no Credo: “encarnou-se, pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria”, nós afirmamos que o Espírito Santo, como força de Deus Altíssimo, realizou de forma misteriosa na Virgem Maria a concepção do Filho de Deus.[3] No início do cristianismo, apareceram algumas heresias afirmando que Jesus, em determinado momento de sua vida, era somente Deus ou somente homem. No terceiro século, a Igreja reunida em Antioquia teve de afirmar que Jesus Cristo é Filho de Deus por natureza, e não por adoção. O I Concílio Ecumênico de Niceia, em 325, confessou e professou em seu Credo que o Filho de Deus é “gerado, não criado, consubstancial ao Pai”, isto é, da mesma substância do Pai e não gerado do nada, de uma substância diferente do Pai. O Concílio de Éfeso, no ano de 431, afirmou que a humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde a concepção. Afirmou também que Maria se tornou de verdade Mãe de Deus pela concepção humana do Filho de Deus em seu seio: “Mãe de Deus não porque o Verbo de Deus tirou dela sua natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma 25 racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”. Outras heresias surgiram na Igreja, como até hoje, de vez em quando, aparecem. A Igreja confessa e professa, de forma clara, objetiva e real, que Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isto sem deixar de ser Deus, nosso único Senhor e Salvador. Ao firmar que Jesus nasceu da Virgem Maria, a profissão de fé quer dizer que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, por ser ela a Mãe do Filho Eterno feito homem, que é Ele mesmo Deus. É por meio de Maria que o Filho de Deus torna-se também humano.[4] Para ser a Mãe de Jesus, nosso Salvador e Redentor, Maria foi presenteada por Deus com dons compatíveis com a missão que ela desempenharia ao longo da vida como mãe e senhora do Filho do Altíssimo. Ao longo de toda a história da salvação, particularmente no que se refere à vinda de Jesus Cristo, o Antigo Testamento foi preparando a humanidade para aceitar e receber aquela que seria a Mãe do Filho Salvador e Redentor de todos. Maria é a mulher bem-aventurada que resgataria a dignidade perdida pelos nossos primeiros pais, no paraíso (cf. Gn 3,15). Ela é a Virgem que gerará em seu ventre o único Filho, o Emanuel, o Deus-conosco, sempre presente na história e na vida de todos nós (cf. Is 7,14; Mq 5,2-3; Mt 1,22-23). A Mãe do Senhor, a Virgem Maria, a humilde moça de Nazaré, será a querida filha de Sião. Com o seu sim generoso, cumpre-se a promessa do Pai em relação à salvação oferecida em resgate de nossos pecados. Maria nasceu como as demais pessoas, filha de Joaquim e Ana, segundo a tradição da Igreja. Não foi concebida como Jesus, por obra do Espírito Santo. Em sua infinita bondade e misericórdia, Deus livrou Maria desde a sua concepção de todos os pecados. Trata-se de um dom de Deus a ela concedido. Por isso a chamamos de Imaculada Conceição. Ela foi preservada imune de toda mancha do pecado original desde o primeiro instante de sua conceição. Ela, pelos méritos do Filho, foi remida e eleita como esposa e sacrário do Espírito Santo. Diferentemente de toda a criação, o Pai a “abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais, desde antes da fundação do mundo, para ser santa e imaculada em sua presença, no amor” (Ef 1,4). A Mãe de Jesus é saudada pelo anjo na anunciação como “cheia de graça” (Lc 1,28). Poderíamos afirmar que o primeiro título que recebeu foi de “Nossa Senhora das Graças”. Maria sempre obedeceu a Deus e prontamente abraçou o projeto que Deus havia preparado para ela: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,37-38). Pela obediência, Maria tornou-se a Mãe do Salvador e a mãe de todos os viventes. Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus (Theotókos), a Mãe da Igreja e a Mãe de todos nós. Ao afirmar que Jesus nasceu da Virgem Maria, a Igreja quer ressaltar a sua virgindade. Desde o início do cristianismo, os cristãos, particularmente os Padres da Igreja, defendem sua virgindade. Eles veem na conceição virginal o sinal de que Jesus foi concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, o que 26 inclui o aspecto corporal deste acontecimento, isto é, não houve intervenção humana, não houve relação sexual. Foi uma intervenção de Deus, foi uma gestação gerada pela ação do Espírito Santo. Em se tratando da Palavra de Deus, os evangelistas afirmam que a virgindade de Maria é uma obra divina e que ultrapassa toda compreensão intelectual (cf. Mt 1,18-12; Lc 1,26-38). A Igreja compreende, afirma e defende que a sua virgindade é o cumprimento da promessa de Deus feita ao seu povo desde os tempos mais antigos, conforme afirma o profeta Isaías: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7,14). Ao longo dos séculos, a Igreja sempre defendeu a virgindade de Maria antes, durante e depois do parto. O nascimento de Jesus Cristo não tirou a sua virgindade, ao contrário, conferiu um caráter sagrado para a sua integridade virginal. Por isso a Igreja apresenta Maria como a “sempre virgem”. Jesus é o único Filho de Maria. Em algumas ocasiões, alguns textos da Sagrada Escritura mencionam irmãos e irmãs de Jesus. A Igreja sempre entendeu que não se trata de outros irmãos de sangue de Jesus. São filhos de outra Maria, discípula de Cristo (cf. Mt 27,56). É necessário compreender também que a língua hebraica não possui muitos sinônimos. Por isso a palavra irmão pode significar também “primo”, “parente”, “próximo”, “colega”, “compadre”, “amigo” etc. Há ainda outras peculiaridades no que se refere ao aspecto literário dos textos, porém, essas duas explicações são suficientes para compreendermos a questão acima mencionada. É o próprio Deus que interfere na Encarnação, concepção e virgindade de Maria. Jesus é o único Filho de Deus concebido pelo poder do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria. Ele é o novo Adão que inicia a nova criação. Por sua vez, Maria é a nova Mãe da humanidade. Por sua concepção virginal, Jesus, o novo Adão, inaugura o novo nascimento dos filhos de adoção no Espírito pela fé: Maria é virgem porque sua virgindade é o sinal de sua fé, “absolutamente livre de qualquer dúvida”, e de sua doação sem reservas à vontade de Deus. É sua fé que lhe concede tornar-se a Mãe do Salvador: Maria é mais bem-aventurada recebendo a fé de Cristo do que concebendo a carne de Cristo. Maria é, ao mesmo tempo, Virgem e Mãe por ser a figura e a mais perfeita realização da Igreja. “A Igreja torna-se, também ela, Mãe por meio da palavra de Deus que ela recebe na fé, pois, pela pregação e pelo Batismo, ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e nascidos de Deus. Ela é também a virgem que guarda, íntegra e puramente, a fé dada a seu Esposo.”[5] A presença da Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus foi, é e será sempre muito querida pela Igreja. Ela é a representante mais fiel de todo discípulo missionário. Sendo ela a Mãe do Filho, Senhor e Cabeça da Igreja, a Virgem Maria torna-se também mãe de todos os seus membros. 27 Podemos afirmar que, por meio da santidade de Maria, pela imitação de sua caridade e pela obediência a Deus na escuta da Palavra, a Igreja torna-se também virgem e mãe. A Virgem Mãe de Deus, a Senhora de Nazaré, já atingiu o máximo grau de santidade e perfeição,enquanto nós cristãos ainda buscamos tal santidade e perfeição em meio aos sofrimentos e dificuldades deste mundo. Ela é o modelo mais perfeito de Igreja que um dia encontraremos na Jerusalém Celeste. Sendo ela glorificada em corpo e alma, verdade que professamos pelo dogma da Assunção, é o sinal mais sublime de amor, esperança e caridade. É a imagem espetacular que brilha e irradia generosidade, disponibilidade e santidade. É a estrela da evangelização e a motivadora dos seus missionários. É a Mãe do Evangelho e a intercessora junto ao seu Filho na condução de uma Igreja mais santa e comprometida com todos aqueles que buscam viver plenamente a vocação de discípulos missionários, particularmente a vocação de catequistas. 28 Para refletir e responder: 1. O que significa afirmar que Jesus Cristo foi concebido pelo poder do Espírito Santo? 2. O que o Concílio de Niceia, em 325, e o Concílio de Éfeso, em 431, definiram sobre a natureza de Jesus? 3. Qual é a contribuição de Maria na história da salvação? 29 Artigo 4 “JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS, FOI CRUCIFICADO, MORTO E SEPULTADO”[1] Por que anunciar na profissão de fé que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos? É um cuidado da Igreja para dar veracidade ao acontecimento histórico-salvífico. É uma maneira de dizer que o cristianismo é uma religião histórica, e não uma filosofia de vida ou um mito, no sentido negativo de fábula: A menção a Pilatos parece buscar uma delimitação concreta: tudo o que foi dito antes sobre Jesus não é uma exortação ética nem uma lenda celestial, mas sim episódios dessa nossa história que podem datar-se em um tempo e lugar bem-determinados: ali onde governava um procurador romano conhecido pela história.[2] A salvação veio por Jesus, num contexto real e concreto da história. Da mesma forma que nasceu na Judeia, no tempo do rei Herodes, padeceu, foi crucificado, morto e sepultado quando Pôncio Pilatos foi prefeito da região da Judeia entre os anos 26 e 36 d.C., segundo os relatos históricos. A fé que professamos em Jesus morto e ressuscitado está inserida no tempo e no espaço. É uma fé contextualizada, uma fé que passa pelo contexto cultural, político, econômico, social e religioso. É uma fé viva, exigente e transformadora. O termo “padecer” nos indica que Jesus deu livremente sua vida. Foi uma entrega total de seu ser por amor. Só assim é possível entendermos o verdadeiro sentido da doação. Jesus padeceu e morreu. Decidiu experimentar livremente a fraqueza inerente ao corpo de todo ser humano. De livre e espontânea vontade, doou sua vida padecendo por todos nós, demonstrando sua nova e eterna aliança com a humanidade: Não cabe aqui descrever e explicar todos os padecimentos a que Jesus foi sujeito: coroação de espinhos, flagelação, açoites [...] E além destes sofrimentos ou padecimentos físicos corporais, os outros sofrimentos morais e afetivos por que passou [...] O que importa é fixar, e é essa a intenção do Credo, que, em seu corpo e em sua alma, Jesus padeceu mesmo e com inimaginável intensidade. E padeceu por nós, por amor [...].[3] O núcleo central da fé cristã está inserido no mistério pascal de Jesus, isto é, sua morte, ressurreição e glorificação. A salvação oferecida por Deus veio por meio de seu Filho, que deu a vida para nos salvar (cf. Hb 9,26). As autoridades constituídas no tempo de Jesus compreendiam que Ele agia contra as instituições essenciais e até mesmo contra Deus. O que não é verdade. Por isso pagou o preço de suas ações, sendo crucificado. Perguntamos: Quem, de fato, o condenou e crucificou? Não podemos generalizar, dizendo que foram os judeus, mas sim alguns chefes religiosos, sobretudo Anás e Caifás, os anciãos, chefes dos sacerdotes, escribas, 30 entre outros (Mc 8,31). Jesus não escolheu morrer na cruz. Os que o assassinaram o fizeram pela opção que Ele tomou em defesa da justiça, da verdade e dos que mais precisavam d’Ele. Para ser fiel ao projeto do Pai e a Ele mesmo, teve de lutar contra os poderosos do seu tempo. Ele sempre teve muitos opositores (cf. Mt 26,3-4). Por causa disso acabou sendo condenado a morrer na cruz. Isso não significa que todos os judeus foram culpados pela sua morte: A cruz não fala apenas de uma condenação à morte, mas de uma morte ignominiosa: suplício de escravos e dos piores malfeitores e terroristas. Era essa exemplaridade que se buscava com a condenação de Jesus [...]. Trata-se, pois, do fato de que Jesus, o único Filho e único Senhor, morreu, e morreu como maldito.[4] O único Filho de Deus foi crucificado. Tal mistério, às vezes incompreensível para nós, fazia parte do projeto do Pai. Na sacralidade desse projeto, o justo, o servo sofredor, Jesus Cristo, nosso Salvador, desde a sua concepção já havia sido prometido pelo Pai como resgate para libertação dos pecados de toda humanidade. Sua morte redentora é realização e cumprimento da profecia do Servo Sofredor (cf. Is 53,7-8; At 8,32-35). O Pai não queria que Jesus fosse crucificado, mas que cumprisse sua missão até as últimas consequências. Ele não cometeu pecado algum, mas pelo fato de sua união íntima com o Pai assumiu nossos pecados e por nós morreu na cruz. O justo morreu pelos injustos (cf. 1Pd 3,18). Deus em sua infinita bondade e misericórdia entrega seu Filho em resgate de nossos pecados (1Jo 4,10). O amor de Deus é concretamente demonstrado em nosso favor quando seu Filho dá seu último suspiro defendendo nossa causa. A morte de Jesus beneficiou a todos, sem exceção (2Cor 5,15; 1Jo 2,2). A Igreja, depositária da fé dos apóstolos, ensina que “não há, não houve e não haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido”. Jesus ao dar sua vida em benefício de todos nós, abraça livremente o amor redentor do Pai. O seu amor foi ilimitado, deu-nos o que tinha de mais precioso, sua vida em favor dos seus (Jo 13,11; Jo 15,13). Ao dar sua vida, aceitou, de livre e espontânea vontade, assumir as dores e os sofrimentos da humanidade. Neste ato supremo de doação, a humanidade de Jesus mais uma vez se tornou divina, como lhe era peculiar em tudo aquilo que fazia. Na última ceia com seus discípulos, antecipou livremente sua entrega total e radical ao Pai em favor de toda a humanidade. A Eucaristia que instituiu naquele momento será a lembrança, o “memorial” de seu sacrifício (1Cor 11,15). Ao instituir a Eucaristia e incluir os apóstolos em sua própria oferta, insistindo que eles dessem continuidade a este mistério, instituiu também os apóstolos como sacerdotes da Nova Aliança (Jo 17,19). Uma vez que o Filho de Deus, Jesus Cristo, sacrificou-se, dando a sua vida em favor de todos, esse sacrifício pascal torna-se único e irrepetível. É Ele o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ele torna-se o sacrifício da nova e eterna aliança. Por sua morte, Ele reconcilia o mundo consigo. A partir d’Ele, não haverá necessidade de nenhum outro 31 sacrifício. Toda vez que celebramos a Eucaristia, por força do Espírito Santo, torna-se presente para nós hoje aquele único e eterno sacrifício oferecido pelo Senhor na Cruz bem como sua ressurreição; tornamo-nos contemporâneos de sua Páscoa! Por isso, a Eucaristia é a fonte e o ápice da vida cristã. Jesus, verdadeiro homem, morreu na cruz. E Jesus, verdadeiro Deus, também morreu? Essa é uma pergunta que os cristãos fizeram desde o início e continuamos fazendo. Baseando-se no Concílio de Calcedônia, realizado em 451, a teologia assim define: O mistério de Jesus Cristo é o mistério de duas naturezas em uma só pessoa. Inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o Filho de Deus sofreria e morreria como ser humano. Na cruz, a natureza humana sofre e morre. O próprio Filho de Deus morre, também como Deus, porque nele o humano e o divino são inseparáveis. No entanto, mais que a morte de Deus, temos na cruz a morte em Deus, o poder da morte vencido em Deus, no amor divino por nós.[5] Os mistérios da morte e paixão de Jesus, como também da Encarnação e ressurreição devem ser vividos por nós como dados da mais profunda aceitação e adesão dafé, o que inclui a aceitação pela razão. Nossos pais pecaram no paraíso pela desobediência e autossuficiência. Na cruz, Jesus substitui nossa desobediência por sua obediência. Pela sua extrema obediência, Jesus consertou e reparou o que nossos antepassados transgrediram no paraíso. Somos livres, pois Ele nos libertou e nos resgatou do pecado. A cruz é o lugar onde Jesus fez a sua entrega total. Para os judeus, a cruz era sinal de loucura e vergonha; para os gregos, era sinal de estupidez; porém, para nós cristãos, tornou-se sinal de salvação (1Cor 1,18-23; 1Cor 1,17-25). Assim: Na cruz estão a esperança e a salvação da humanidade, porque, na cruz, a perdição e o abandono totais estão em Deus. Deus mesmo está na cruz, abandonado, sofrendo, morto. Deus passou pela morte “fora da porta”, morreu a última das mortes, tinha de sofrer e morrer assim (Lc 24,46) para que ninguém mais, jamais, esteja fora de Deus. Não há nenhuma situação humana, por mais negativa e horrível que seja, que não tenha sido tocada, assumida e redimida por Deus [...].[6] A cruz torna-se, para nós, referencial e portadora de vida transformada e redimida. Na pessoa de Jesus de Nazaré, somos convocados a dar a nossa vida em favor dos outros, aliás, como diz a frase atribuída a São João Bosco, “o Senhor colocou-nos neste mundo para os outros”. Morto na cruz pelos nossos pecados, nosso Mestre e Senhor é sepultado, segundo as Escrituras (Jo 19,31-42). Outra realidade experimentada por Jesus: o sepulcro. Sendo Filho de Deus, Ele mesmo conheceu o estado de separação entre sua alma e seu corpo. É o mistério do Sábado Santo, tempo em que Jesus permaneceu no túmulo: A permanência de Cristo no túmulo constitui o vínculo real entre o estado passível 32 de Cristo antes da Páscoa e seu atual estado glorioso de Ressuscitado. É a mesma pessoa do “Vivente”, que pode dizer: “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” (Ap 1,18).[7] Como afirmamos acima, Jesus morreu, foi enterrado, porém sua alma, mesmo separada do corpo, ficou unida à sua pessoa Divina. A Igreja reconhece que, no tempo em que o corpo de Jesus ficou sepultado, a sua natureza divina continuou a assumir tanto a alma como o corpo, apesar de separados entre si pela morte. O corpo de Jesus Cristo morto não sofreu a corrupção (At 13,37) e por isso no sepulcro estava presente o Filho de Deus, nosso Salvador e Redentor. Jesus, o homem de Nazaré, o Filho único de Deus, nascido da Virgem Maria, realmente morreu. Sua morte é real e verdadeira. Porém, sabemos que o corpo morto de Jesus é diferente de todos os demais. A morte não será a última coisa em sua vida. O Pai jamais o abandonaria nesta hora cruel. De acordo com as Escrituras, essa foi “a hora de Jesus”, aquela de que tanto falou em sua pregação missionária entre os seus (cf. Jo 17,15). 33 Para refletir e responder: 1. Por que anunciar na profissão de fé que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos? 2. Quais foram os verdadeiros culpados pela morte de Jesus? 3. Jesus, verdadeiro homem, morreu na cruz. E Jesus, verdadeiro Deus, também morreu? 34 Artigo 5 “JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS, RESSUSCITOU AO TERCEIRO DIA”[1] As pessoas que viveram antes de Jesus já possuíam algumas ideias a respeito da vida após a morte. Manifestavam, por meio de certas expressões, a maneira como entendiam a continuidade da vida após a passagem pela morte. O estudo dessas expressões nos ajuda a compreender com mais precisão esse artigo do Creio. Gregos, judeus e latinos utilizavam palavras específicas para definir o lugar onde habitam os mortos. Os gregos davam o nome Hades ou Tártaro, os judeus Sheol e os latinos Infernos. De modo especial para os judeus, o Sheol significava sepultura, o lugar para onde iam os mortos. Essas expressões são tentativas para explicar ou materializar o que, na verdade, é uma realidade espiritual, isto é, dado de fé, coisas inexplicáveis cientificamente. O cristianismo herdou dos judeus alguns elementos no que se refere à compreensão da vida após a morte: O artigo que fala da descida do Senhor aos infernos serve para lembrar-nos de que a revelação de Deus não se compõe apenas das palavras de Deus, mas também de seu silêncio. Deus não é somente a Palavra inteligível que vai ao nosso encontro, ele é também aquele fundo sigiloso e inacessível, incompreendido e incompreensível que foge à nossa percepção. Certamente, no cristianismo, prevalece o primado do logos, da palavra, sobre o silêncio: Deus falou. Deus é Palavra. Mas nem por isso devemos esquecer a verdade da obscuridade permanente de Deus. Só quando o descobrimos no silêncio podemos nutrir a esperança de ouvir também as suas palavras que se manifestam no silêncio.[2] Os judeus usavam também a expressão gehena para designar “buraco”, “vala” onde se depositavam os lixos da cidade para nele colocar fogo. Talvez daí tenha nascido a compreensão inequívoca do que habitualmente entendemos como inferno, “lugar” cheio de fogo, onde alguns perecem eternamente. O que o Credo quer dizer ao afirmar que Jesus desceu à mansão dos mortos? A descida à “mansão dos mortos”, ou à “morada dos mortos” ou ainda aos “infernos” fez Jesus conhecer a morte como todos os seres humanos. Ele provou em sua própria pele o que significa morrer para este mundo e para toda realidade material. O sentido cristão da descida de Jesus “à mansão dos mortos” ou “aos infernos” indica a realidade além-túmulo, independentemente do destino dos que lá se encontram sem a presença de Cristo ressuscitado. Foi para lá que Jesus foi se encontrar com os bilhões de seres humanos falecidos antes dele, como Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Davi, patriarcas, profetas etc. Para lá Jesus foi como Salvador, libertador dos cativos, isto é, de todos os que necessitavam da graça e do toque da mão poderosa do Filho Santo de Deus. A questão 35 central está na salvação de todos os justos que morreram antes dele. Ao mesmo tempo em que Ele desceu, também subiu (Ef 4,9-10). A descida de Jesus à mansão dos mortos é o cumprimento das antigas promessas messiânicas. Cristo, o Senhor da vida e da história, destruiu o poder da morte e nela o poder do mal. Libertou os que passaram toda a vida em estado de servidão (cf. 1Pd 4,6; Jo 5,25). Esta é a última fase da missão de Jesus na terra. Ele desceu para que os mortos pudessem ouvir a voz do Pai, por meio dele (cf. Jo 5,25). Realizada essa obra por ordem do Pai, Jesus, o Ressuscitado, possui também o poder de comandar a vida e a morte, pois Ele é o Senhor de tudo e de todos (Ap 1,18, Rm 14,9, Fl 2,10). Desceu à mansão dos mortos e no terceiro dia ressuscitou. Desde a primeira comunidade cristã, o episódio da ressurreição tornou-se a realidade central e principal da vida deles e continuará a ser para a vida dos cristãos de todos os tempos. O evento e o mistério da ressurreição de Cristo são dados que se situam na história, mas vão além dela. São também dados de fé e de profunda adesão e compreensão ao mistério da vida e da morte: A ressurreição é um acontecimento dentro da história que, todavia, rompe o âmbito da história e a ultrapassa [...]. A ressurreição descerra o espaço novo que abre a história para além de si mesma e cria o definitivo. Nesse sentido, é verdade que a ressurreição não é um acontecimento histórico do mesmo gênero que o nascimento ou a crucifixão de Jesus. É algo novo, um gênero novo de acontecimento. Ao mesmo tempo, porém, é preciso não esquecer que ela não está simplesmente fora ou acima da história. Como erupção para fora da história e para além dela, a ressurreição tem, contudo, o seu início na própria história e até certo ponto pertence a ela. [3] A ressurreição de Jesus constitui para o cristianismo o artigo fundamental da fé: “E, se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé” (1Cor 15,14). No Cristo ressuscitado tudo foi transformado, isto é, não existe mais separação entre o agora, o depois, o tempo, o espaço, a distância etc. Ele quebrou todas as barreiras, Ele superou todas as dificuldades.Toda a história da salvação tem o seu ponto culminante na morte e ressurreição de Jesus Cristo: O essencial da nossa fé pode ser sintetizado de forma muito bonita por três palavras fundamentais: Revelação, Redenção e Recapitulação. Elas nos fazem compreender a História da salvação conduzida a termo por Jesus, de acordo com o plano do Pai e na força do Espírito Santo.[4] Ele glorificou, santificou e superou a morte. Ele tornou-se Senhor da vida e da morte. A morte já não se torna mais problema, pois Ele a superou. Temos de compreender também que, na visão cristã, a ressurreição de Cristo não foi a revivificação de seu corpo morto, como na ressurreição de Lázaro, mas sim a transformação da sua realidade corpo- alma em realidade glorificada. Alguns elementos como o túmulo vazio e as aparições de Jesus ressuscitado nos ajudam a compreender o evento histórico e transcendente da 36 ressurreição. O túmulo vazio é um episódio importante para a compreensão da ressurreição. Não é prova material. Poderiam ter roubado ou sumido com o corpo do Senhor. Porém, para os dados da fé, o sepulcro vazio constitui um sinal de grande importância: significa que o lugar da morte está vazio; que a morte é incapaz de reter ou dominar o Salvador, o Filho de Deus. O reino da morte não tem mais nada. Jesus esvaziou o seu domínio, o seu poder. Ele desceu à mansão dos mortos e trouxe consigo todos os que lá estavam, deixando a morte de mãos vazias. É a partir da narração sobre o túmulo vazio que os discípulos iniciam o reconhecimento da ressurreição (Jo 20,1-10): No sepulcro, que simboliza a morte, Deus, pelo seu anjo, anunciou à comunidade que ressuscitou Jesus dos mortos. A perspectiva dominante é cultual. Não se está preocupado em provar nada, mas sim mostrar a fé da comunidade que venera o sepulcro vazio de Jesus. Jon Sobrino fala em sepulcro aberto. O Novo Testamento nunca fundamenta a ressurreição de Jesus no fato de que o sepulcro estivesse vazio, mas sim, no encontro com o Ressuscitado: “os relatos sobre o sepulcro vazio não estão escritos para provar a ressurreição, mas estão escritos a partir da fé já existente no Ressuscitado”.[5] Outro dado importante no que se refere à ressurreição são as aparições do Ressuscitado para os seus. As mulheres foram as primeiras a receber a graça das aparições (Jo 20,11-18). Os relatos das aparições têm a ver com a sua íntima ligação com a realidade histórica do seu povo e de todos nós. No que diz respeito a aparecer em primeiro lugar às mulheres, quer com certeza ressaltar o protagonismo das mulheres no episódio da ressurreição. Em outras circunstâncias, apareceu para os demais (Jo 20,19-23, Jo 21,1-14, Lc 24,13-50). Ele espontaneamente retornou ressuscitado para o meio daqueles que com Ele fizeram a caminhada em busca de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna. A iniciativa é dele. É Ele que quer se aproximar e animar os seus: A iniciativa do Ressuscitado, ou seja, o fato de ser Ele que se mostra vivo (cf. At 1,3), que “aparece” a eles, significa que a experiência dos homens das origens cristãs teve um caráter de “objetividade”, foi algo que lhes aconteceu de fato, algo que “veio” a eles, não algo que “aconteceu” neles. Não foi comoção da fé e do amor que criou o seu objeto, mas foi o Vivente que suscitou de novo a fé e o amor.[6] As aparições do Ressuscitado para os seus amigos são maneiras apropriadas que o Pai encontrou para demonstrar sua bondade, generosidade e poder, pois é o Pai quem ressuscita Jesus. É obra do Pai a ressurreição do Filho. Ressuscitando o Filho, Ele o devolve aos seus, agora com a plenitude total de poder e glória. Jesus ressuscitado continuará presente na vida dos seus, porém agora de maneira diferenciada. O Ressuscitado está presente no meio de nós, animando-nos e impulsionando-nos para darmos continuidade ao projeto do Pai: 37 Como a própria ressurreição, as aparições pascais são apresentadas como o efeito de uma iniciativa de Deus a respeito de Cristo: ele o ressuscitou, ele lhe deu o poder de se manifestar. A ressurreição devolve Jesus aos discípulos. Não no mesmo aspecto. Não para o mesmo tipo de relações [...]. As aparições, assim como a ressurreição de Cristo, escapam ao domínio humano; são da mesma ordem: elas são uma graça [...]. [7] Não podemos deixar de abordar a questão trinitária da ressurreição. Os diversos textos do Novo Testamento atestam a dimensão trinitária da ressurreição, isto é, que a ressurreição é obra da Santíssima Trindade. O Filho único de Deus foi ressuscitado pelo Pai. Foi Deus Pai quem o ressuscitou. É pelo poder dele que o Filho ressuscitou (At 2,24): O Espírito não é o Pai. É dado por ele. O Espírito não é o Filho, mas é dado e recebido pelo Filho ressuscitado. É alguém jamais separado do Pai e do Filho, distinto e autônomo em sua ação (cf. Mt 28,19; 2Cor 13,13). É aquele que, após a ressurreição de Jesus, não deixa a humanidade órfã, mas habita em cada ser humano, dando-lhe a possibilidade de crer, amar e seguir a Jesus Cristo.[8] O Pai ressuscitou Jesus e introduziu de maneira espetacular sua humanidade – com seu corpo ressuscitado – na Trindade. Na ressurreição, o Pai se revela e se oferece como Pai misericordioso e bondoso para com o Filho crucificado e morto na cruz. O Filho recebe de presente do Pai o seu Espírito, pois aquele que fora humilhado e crucificado torna-se ressuscitado e glorificado, plenificado pelo Espírito do Pai; por isso, a história do mistério pascal de Cristo é a história da salvação na qual somos todos imersos. Podemos afirmar categoricamente: sua ressurreição é a nossa ressurreição: “Se Cristo ressuscitou, nós também ressuscitaremos”: A ressurreição de Jesus é evento da história trinitária de Deus. Na Trindade está a unidade do ressuscitante (o Pai), do ressuscitado (o Filho), do Espírito de ressurreição e vida, Espírito dado e recebido. Nela está igualmente a unidade do Deus dos pais, Deus de Israel, que dá vida no seu Espírito ao crucificado, proclamando-o Senhor e Cristo, Filho de Deus – e do ressuscitado, que, acolhendo o Espírito de vida dado pelo Pai, o dá aos seres humanos para que participem da comunhão de vida com ele e com o Pai.[9] O mistério pascal de Cristo, sobretudo sua ressurreição-glorificação, prolonga-se no tempo e na história da humanidade. Sua glorificação santifica e transforma o mundo, as pessoas, o cosmo, enfim, toda a realidade, o que inclui de modo muito particular sua Igreja: A ressurreição só tem sentido se revela o futuro do sem-esperança, daqueles que são feitos “o lixo do mundo e a escória da terra (cf. 1Cor 4,13) [...]. Cristo morto e ressuscitado faz a síntese do sentido humano. Por isso ele é o primeiro homem, digno 38 e merecedor deste nome, porque chegou à completa hominização passando pela aniquilação. O futuro de Jesus Cristo é o futuro de cada homem.[10] As primeiras comunidades fundadas a partir do Ressuscitado por meio dos seus apóstolos e discípulos foram capazes de transformar e iluminar a vida de tantas pessoas. Hoje somos convocados a dinamizar à luz do Espírito do Ressuscitado a propagação da fé, do Evangelho e da caridade em todas as circunstâncias e realidades nas quais estamos inseridos, tornando-nos sinais visíveis do amor infinitamente misericordioso de Jesus Cristo, Mestre e Senhor ressuscitado. 39 Para refletir e responder: 1. Qual é o sentido que a Igreja dá para a descida de Jesus à mansão dos mortos? 2. Por que a ressurreição é uma realidade tão essencial para a vida e a fé da Igreja? 3. Quais compromissos religiosos e sociais a ressurreição de Cristo nos faz viver como cristãos, sobretudo, como catequistas e autênticos discípulos-missionários do Filho de Deus ressuscitado? 40 Artigo 6 “JESUS SUBIU AOS CÉUS, ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS PAI TODO-PODEROSO”[1] Ao afirmar que Jesus subiu aos céus, estamos anunciando, confessando e professando a verdade sobre a ascensão de Jesus. O Filho unigênito de Deus leva para junto de seu Pai a sua humanidade. A ascensão é a entrada da humanidade ressuscitada e
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