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O amor da Sabedoria eterna - São Luís Maria Grignion de Montfort

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2
Sumário
Capa
Folha de rosto
APRESENTAÇÃO
1) O amor da Sabedoria eterna e a Palavra de Deus como fundamentos da ação
evangelizadora e da espiritualidade de São Luís Maria Grignion de Montfort
2) Visão geral da obra
3) Vida e obra de São Luís Maria Grignion de Montfort
INTRODUÇÃO
I. Oração à Sabedoria eterna
II. Advertência da divina Sabedoria aos príncipes e aos grandes da terra no livro da
Sabedoria, capítulo 6
Capítulo I - Para amar e buscar a Sabedoria, é necessário conhecê-la
I. Necessidade do conhecimento da Divina Sabedoria
II. Vários tipos de Sabedoria
Capítulo II - A origem e a excelência da Sabedoria eterna
I. A Sabedoria em relação ao Pai
II. As operações da Sabedoria nas almas
Capítulo III - Maravilhas da potência da divina Sabedoria na criação do mundo e do
homem
I. Na criação do mundo
II. Na criação do homem
Capítulo IV - Maravilhas da bondade e misericórdia da Sabedoria eterna antes da
Encarnação
Conclusão
Capítulo V - A excelência maravilhosa da Sabedoria eterna
I. Uma companheira para a vida
II. Elogio da Sabedoria (capítulo 7)
Capítulo VI - O intenso desejo que a divina Sabedoria tem de se dar aos homens
I. A carta de amor da Sabedoria eterna
II. A Encarnação, a morte e a Eucaristia
III. Ingratidão dos que rejeitam a Sabedoria
IV. Conclusão
Capítulo VII - A escolha da verdadeira sabedoria
I. A sabedoria do mundo
II. A sabedoria natural
III. Conclusão
Capítulo VIII - Efeitos maravilhosos da Sabedoria eterna nas almas daqueles que a
possuem
Capítulo IX - A Encarnação e a vida da Sabedoria eterna
I. A Encarnação da Sabedoria eterna
II. A vida da Sabedoria encarnada
Capítulo X - A beleza encantadora e a doçura inefável da Sabedoria encarnada
3
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I. A Sabedoria é doce em seus princípios
II. Ela é doce segundo os profetas
III. Ela é doce em seu nome
IV. Ela é doce em sua face
V. Ela é doce em suas palavras
Capítulo XI - A doçura da Sabedoria encarnada em seu modo de agir
I. Ela é doce em seu modo de proceder
II. Ela é ainda mais doce na glória
Capítulo XII - Os principais oráculos da Sabedoria encarnada que devemos crer e
praticar para ser salvos
Capítulo XIII - Compêndio das dores inexplicáveis que a Sabedoria encarnada quis
sofrer por nosso amor
I. A razão mais poderosa para amar a Sabedoria
II. As circunstâncias da Paixão da Sabedoria
III. A afeição extrema da Sabedoria em suas dores
Conclusão
Capítulo XIV - O triunfo da Sabedoria eterna na cruz e pela cruz
I. A Sabedoria e a cruz
II. A cruz e nós
III. Conclusões práticas
Capítulo XV - Meios para adquirir a Divina Sabedoria
Primeiro meio: um desejo ardente
1) Necessidade do desejo da Sabedoria
2) Qualidades necessárias desse desejo
3) Exemplos desse desejo
Segundo meio: uma oração contínua
1) Necessidade da oração contínua
2) Qualidades necessárias à oração
3) Oração de Salomão para obter a divina Sabedoria
Capítulo XVI - Meios para obter a Divina Sabedoria
Terceiro meio: uma mortificação universal
1) Necessidade da mortificação
2) Qualidades necessárias à mortificação
Capítulo XVII - Quarto meio: uma terna e verdadeira devoção à Santíssima Virgem
1. Necessidade da verdadeira devoção a Maria
2. Em que consiste a verdadeira devoção a Maria
Consagração a Jesus Cristo, Sabedoria encarnada, pelas mãos de Maria
Coleção
Ficha Catalográfica
Notas
4
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APRESENTAÇÃO
TIAGO JOSÉ RISI LEME
5
1) O amor da Sabedoria eterna e a Palavra de Deus como fundamentos
da ação evangelizadora e da espiritualidade de São Luís Maria Grignion
de Montfort
São Luís Maria Grignion de Montfort escreveu esta obra, que se pode considerar
um verdadeiro e profundo tratado sobre a Sabedoria eterna, provavelmente tendo
como primeiras destinatárias as religiosas de uma das congregações por ele fundadas,
e que constitui um dos ramos da hoje chamada Família Montfortina: as Filhas da
Sabedoria. Essa congregação foi fundada por ele, juntamente com a bem-aventurada
Marie-Louise Trichet, em 1703, com o objetivo de garantir a assistência, a formação
religiosa e a educação das populações menos favorecidas da região ocidental da
França. No início, a congregação atuava no campo hospitalar, passando
posteriormente a trabalhar no campo educacional, junto a crianças carentes. Em 2005,
a congregação possuía aproximadamente 2.000 irmãs espalhadas pelos cinco
continentes, um terço das quais servindo na Igreja da França.[1]
Em 21 de junho de 1997, São João Paulo II dirigiu uma belíssima mensagem à
Família Montfortina por ocasião do 50º aniversário da canonização de seu fundador.
Nessa mensagem, o Santo Padre assim se refere ao testemunho de santidade e vida
apostólica de São Luís Maria Montfort e ao legado de sua obra de imenso valor
teológico e espiritual, com particular referência a seu amor à Sabedoria encarnada:
São Luís Maria tomou por lema estas simples palavras: “Só Deus”. Ele cantava: “Só Deus é a minha
ternura, só Deus é o meu sustentáculo, só Deus é todo o meu bem, a minha vida e a minha riqueza”
(Cântico 55, 11). Nele, o amor por Deus era total. Era com Deus e por Deus que ia ao encontro dos
outros e percorria os caminhos da missão. Continuamente consciente da presença de Jesus e de Maria,
era em todo o seu ser uma testemunha da caridade teologal, que ele desejava fazer partilhar. A sua ação
e a sua palavra não tinham por finalidade senão chamar à conversão e fazer viver de Deus. Os seus
escritos são de igual modo testemunhos e louvores ao Verbo encarnado, e também a Maria, “obra-prima
do Altíssimo, milagre da Sabedoria eterna” (cf. O amor da Sabedoria eterna, n. 106).[2]
É nessa perspectiva, tão bem delineada pelo Papa polonês, que se situa o sentido
fundamental desta obra, qual seja, em outras palavras: incutir nos corações das
mulheres e dos homens de boa vontade – e não unicamente das Filhas da Sabedoria –
o amor pela Sabedoria eterna, a partir do conhecimento, reflexão e meditação sobre o
amor infinito que Ela demonstrou por nós, assumindo a forma humana no seio da
Virgem Santíssima, chegando à consequência extrema de sua Encarnação ao morrer
na cruz do modo mais atroz e humilhante que qualquer ser humano poderia sofrer.
Conforme afirma São João Paulo II, São Luís Maria tem uma “espiritualidade
teocêntrica”, aberta a comunicar-se sobretudo aos mais humildes. Sua intensa vida de
oração e sua capacidade de refletir sobre as verdades apreendidas pelo coração –
através da fé que nos é comunicada pela Igreja – não se restringiam a permanecer
com ele, no âmbito de uma espiritualidade intimista ou individualista, mas
transbordavam em sua atividade apostólica e no impulso a colocar por escrito tudo
aquilo que só poderia lhe vir da oração, escrevendo na perspectiva de que não apenas
os sábios e entendidos pudessem compreendê-lo, mas sobretudo os simples e menos
instruídos:
Ele tem “o gosto de Deus e da Sua verdade” (O amor da Sabedoria eterna, n. 13) e sabe comunicar a sua
6
fé em Deus, do Qual exprime ao mesmo tempo a majestade e a doçura, pois Deus é fonte transbordante
de amor. O Padre de Montfort não hesita em abrir aos mais humildes o mistério da Trindade, que inspira
a sua oração e a sua reflexão sobre a Encarnação redentora, obra das Pessoas divinas. Quer fazer
compreender a atualidade da presença divina no tempo da Igreja [...]. Na nossa época, o seu testemunho
pode ajudar a fundar com vigor a existência cristã sobre a fé no Deus vivo, sobre uma relação calorosa
com Ele e sobre uma sólida experiência eclesial, graças ao Espírito do Pai e do Filho, cujo Reino
continua no presente.[3]
Outros Papas além de São João Paulo II citam São Luís Maria Grignion de
Montfort em seus discursos, encíclicas e exortações, testemunhando a relevância de
seu pensamento para nossos dias. Bento XVI, por exemplo, em sua Audiência Geral
de 19 de agosto de 2009, o exaltou como uma das “personalidades de elevado relevo”
da “escola francesa” de santidade, que “teve entre os seus frutos também São João
Maria Vianney”.[4]
Com Papa Francisco não é diferente. Em seu Discurso aos Participantesno
Capítulo Geral dos Irmãos de São Gabriel e aos membros da Família Monfortina, o
Santo Padre enfatiza o amor da Sabedoria encarnada e a Palavra de Deus como
fundamentos de sua ação evangelizadora e de sua espiritualidade. Tais devem ser
também os pilares da vida não só dos religiosos e religiosas que têm São Luís Maria
como pai e fundador, mas também de todos os homens e mulheres de boa vontade:
Esta é a ocasião para fazer memória, para agradecer e para voltar aos fundamentos lançados, há mais de
trezentos anos, por São Luís Maria Grignion de Montfort — cujo aniversário de morte recordareis
amanhã [...]. Um destes fundamentos é a Palavra de Deus, que deve ser meditada constantemente a fim
de que se encarne na vida e, pouco a pouco, modele os pensamentos e os gestos segundo os de Cristo. O
outro é a Sabedoria, cujo amor e busca incessante inspiraram São Luís Maria a escrever páginas
luminosas. Para alcançá-la, ele convida a “ouvir Deus com submissão humilde; a agir n’Ele e através
d’Ele, com fidelidade perseverante; e, por fim, a obter a luz e a unção necessárias para inspirar nos
outros o amor pela Sabedoria, a fim de os conduzir para a vida eterna” (O amor da Sabedoria eterna, n.
30). Pondo em prática tais conselhos, conseguireis discernir os particulares desafios, que constituem
sempre oportunidades para “recomeçar juntos a partir de Cristo e de Montfort”.[5]
7
2) Visão geral da obra
A obra que temos em mãos pode ser dividida em duas partes: a primeira referente
à Sabedoria eterna conforme revelada no Antigo Testamento (capítulos I a VIII) e a
segunda (IX em diante) relativa à Sabedoria encarnada, conforme revelada no Novo
Testamento, na Pessoa do Verbo que se fez carne no seio da Bem-aventurada Virgem
Maria: Jesus Cristo, Filho Unigênito do Pai, Deus conosco, cujo amor veio revelar-
nos através de sua encarnação, do anúncio do Reino, de sua morte e de sua
ressurreição.
A obra se inicia com uma Oração à divina Sabedoria, exaltada pelo autor como
“soberana do céu e da terra”, a Quem ele suplica perdão por “ousar falar de suas
maravilhas, embora sendo tão ignorante e pecador” (n. 1). É a atitude de alguém que
se dispõe, com coração reto e espírito decidido, a confirmar os irmãos na fé e no
caminho da salvação, tal qual mestre e bom pastor. O autor também reconhece a
atuação da graça santificante em sua vida, numa atitude de gratidão que também se
afigura fundamental nos corações daqueles que Deus escolheu para edificar seu Reino
no mundo e proteger a vinha que é seu povo:
Vós tendes tantas belezas e doçuras, me preservastes de tantos males e me cumulastes de tantas graças, e
mesmo assim ainda sois tão desconhecida e desprezada. Como podereis querer que eu me cale? Não são
apenas a justiça e o reconhecimento que me obrigam a falar de vós, mas também o meu próprio
interesse, e o farei ainda que gaguejando! (n. 1)
São Luís Maria reconhece que sua obra pode parecer desprovida de metodologia,
[6] mas justifica-se por seu “desejo tão grande” de possuir a Sabedoria eterna,
inspirando-se em Salomão nesse modo de “tatear sem método” (n. 2). Por outro lado,
seu esforço por difundir o amor à Sabedoria eterna também justifica seu modo de
proceder na redação da obra. Trata-se, ao contrário, de uma clara disposição a
colocar-se ao sabor do vento do Espírito, que sopra onde quer e como quer (cf. Jo
3,8).
O capítulo I versa sobre a necessidade do conhecimento da Divina Sabedoria e os
vários tipos de Sabedoria. A necessidade de conhecer a Divina Sabedoria se deve
principalmente ao fato de não se poder amar aquilo que não se conhece, de modo que
só se ama pouco a Deus quando não se conhece muito a seu respeito. Por isso a
importância daquela que São Luís Maria designa como “a mais nobre, a mais doce, a
mais útil e a mais necessária de todas as ciências e conhecimentos do céu e da terra”,
qual seja, “a ciência supereminente de Jesus” (n. 8), cujo objeto é “o que há de mais
nobre e mais sublime, a Sabedoria incriada e encarnada, que abriga em si toda a
plenitude da divindade e da humanidade, tudo o que há de grande no céu e na terra,
todas as criaturas visíveis e invisíveis, espirituais e corpóreas” (n. 9).
No capítulo II, o autor apresenta a origem e a excelência da Sabedoria eterna. Tal
origem se situa antes do tempo e da criação do Universo, tendo como princípio a
própria essência e eternidade do Pai e relacionando-se intrinsecamente com o
mistério da Santíssima Trindade. A excelência da Sabedoria eterna, por sua vez, diz
respeito às operações da Sabedoria nas almas; tais operações são a “grande variedade
de estados, funções e virtudes das almas” (n. 29) e se encontram referidas em
Eclesiástico 24, que São Luís Maria cita integralmente.
8
O capítulo III narra as maravilhas da divina Sabedoria na criação do mundo e do
homem. Além de criar, ou seja, trazer ao ser, sendo, portanto “a mãe e a artífice de
todas as coisas” (n. 31), a Sabedoria também é aquela que mantém e conserva as
criaturas no ser: “a Sabedoria eterna permanece em todas as coisas, para sustentá-las,
contê-las e renová-las”. O homem é concebido como a “obra-prima” da Sabedoria
eterna, “a imagem viva de sua beleza e de suas perfeições, o grande vaso de suas
graças, o tesouro admirável de suas riquezas e seu único vicário na terra” (n. 35).
O capítulo IV fala sobre a bondade e misericórdia da Sabedoria eterna antes da
Encarnação, quando Ela se compadece do estado em que Adão e a humanidade se
encontraram lançados após a queda, lançados à própria sorte, privados do estado
original de santidade perfeita e visão beatífica. Nesse capítulo, São Luís Maria
recorre à metáfora – também presente nos Santos Padres da Igreja e cujo fundamento
bíblico se encontra em Gn 1,26 – de algo como uma conferência entre as três Pessoas
da Santíssima Trindade, em que, tendo como pano de fundo “uma espécie de combate
entre a Sabedoria eterna e a Justiça de Deus” (n. 42), a causa do homem é defendida
pela Pessoa do Filho, que se dispõe a resgatar a humanidade decaída:
A Sabedoria eterna, vendo que não havia nada no universo capaz de expiar o pecado do homem, satisfazer
a justiça e apaziguar a ira de Deus – mas querendo salvar o pobre homem que Ela era inclinada a amar
–, encontra um meio admirável, algo inimaginável: em seu amor incompreensível, que vai ao
paroxismo, essa adorável e soberana Princesa se oferece Ela mesma em sacrifício ao Pai, a fim de
satisfazer sua justiça, acalmar sua ira e nos retirar da escravidão do demônio e das chamas do inferno,
alcançando para nós uma eternidade de felicidade (n. 45).
No capítulo V, citando e comentando os capítulos 7 e 8 do livro da Sabedoria, o
autor faz o elogio da Sabedoria eterna, enfatizando, entre outros aspectos, sua
presença em nossa vida, sem a qual não passamos de criaturas indigentes e perdidas,
que não sabem que rumo tomar, desconhecendo o sentido da própria vida:
Quem pode ser pobre com a Sabedoria, que é tão rica e generosa? Quem pode ser triste com a Sabedoria,
que é tão doce, bela e terna? Quem daqueles que buscam a Sabedoria diz sinceramente com Salomão:
Proposui ergo (“Eu, portanto, decidi!”)? A maior parte das pessoas não tomou essa decisão sincera; a
maioria delas não tem senão veleidades ou, pior ainda, decisões oscilantes e indiferentes. Por isso,
jamais encontram a Sabedoria (n. 59).
O capítulo VI trata do desejo da Sabedoria eterna de se dar aos homens. Tal desejo
é uma consequência do vínculo de amizade que os une. De fato, numa consideração
otimista da humanidade, na perspectiva da Encarnação da Sabedoria eterna, São Luís
Maria define o homem com termos que manifestam sua grandeza e preeminência no
conjunto da criação, estando ele, de certo modo, acima até mesmo dos anjos:
“compêndio” das maravilhas da Sabedoria eterna, “seu pequeno e grande mundo, sua
imagem viva e seu representante na terra” (n. 64). A prova maior do desejo que a
Sabedoria teve, desde a eternidade, de estabelecer relação com a humanidade decaída
foi a sua Encarnação; o sinal visível e perene dessa decisão tomada noseio da
Santíssima Trindade é a Eucaristia, memorial permanente de sua Paixão e vínculo
sacramental entre Ela e nós:
Querendo, de um lado, mostrar seu amor ao homem até o extremo de morrer em seu lugar para o salvar, e
não podendo, de outro, decidir-se por deixar o homem, Ela encontra um segredo admirável para morrer
e viver ao mesmo tempo, e permanecer com o homem até o fim dos séculos: a instituição amorosa da
Eucaristia (n. 71).
9
O capítulo VII versa sobre a escolha da verdadeira Sabedoria, em contraposição à
sabedoria terrena, que consiste no “amor pelos bens da terra” (n. 80); à sabedoria
carnal, que “é o amor pelo prazer” (n. 81); à sabedoria diabólica, que “é o amor e a
estima pelas honrarias” (n. 82); e à sabedoria dos filósofos (n. 84). É evidente que
São Luís Maria não rejeita a filosofia, que desde os primórdios do cristianismo
forneceu recursos conceituais importantes para a sistematização da fé. O que ele
deseja, no entanto, é enfatizar a superioridade do conhecimento revelado pela
Sabedoria eterna, antes e depois de sua Encarnação, em relação ao conhecimento
teorético abastecido pelo pensamento filosófico. Essa distinção também se encontra
em Blaise Pascal (1623-1662), outro grande pensador francês e um dos maiores
filósofos modernos, que redigiu, em 23 de novembro de 1654, após uma experiência
mística que marcou profundamente sua vida, um célebre Memorial em que se dirige a
Deus como “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não dos filósofos e dos
sábios”.[7]
No capítulo VIII encontramos os “efeitos maravilhosos da Sabedoria eterna nas
almas dos que a possuem”, dentre os quais destacamos a comunicação de “seu
espírito pleno de luz à alma que a possui” (n. 92), pela qual o homem também se
torna capaz de comunicá-lo aos outros (cf. n. 95).
O capítulo IX apresenta a Encarnação e a vida da Sabedoria eterna. Embora tenha
sido anunciada a Adão, aos patriarcas e aos profetas do Antigo Testamento (cf. n.
104), apenas uma criatura encontrou graça diante de Deus a ponto de merecer tornar-
se uma “habitação digna” da Sabedoria encarnada: a Santíssima Virgem Maria (cf. n.
105). Assim, em virtude da Encarnação, “toda a plenitude da divindade se derrama
em Maria, na medida das capacidades de uma criatura pura” (n. 106).
Os capítulos X e XI refletem sobre a beleza encantadora e a doçura inefável da
Sabedoria encarnada, que se fez um de nós “para atrair os corações dos homens a sua
amizade e imitação”, adornando-se com “todas as amabilidades e doçuras humanas
mais encantadoras e mais sensíveis, sem nenhum defeito nem imperfeição” (n. 117).
O capítulo XII consiste numa coletânea dos principais conselhos proferidos pela
boca da Sabedoria encarnada e necessários a nossa salvação. São frases que integram
seu Testamento de amor, que são os Evangelhos, e que Ela quis nos deixar como
legado de seu amor, juntamente com a instituição da Eucaristia e a efusão do Espírito
Santo, após sua Ascensão ao céu.
Os capítulos XIII e XIV versam sobre as dores atrozes suportadas pela Sabedoria
encarnada por amor de nós. Destaca-se nesses capítulos uma belíssima e profunda
reflexão sobre a cruz. De fato, a realidade da cruz marcou profundamente a missão de
São Luís Maria como apóstolo da região Oeste da França.
Nos capítulos XV, XVI e XVII são apresentados quatro meios para adquirir a
Divina Sabedoria, quais sejam: 1) um desejo ardente; 2) uma oração contínua; 3) uma
mortificação universal; e 4) uma terna e verdadeira devoção à Santíssima Virgem. O
desejo ardente constitui “a recompensa da fiel observância dos mandamentos de
Deus”, tratando-se, portanto, de “um grande dom de Deus” (182). A oração contínua
é uma condição preliminar da obtenção da Sabedoria, uma vez que “quanto maior for
um dom de Deus, mais difícil será obtê-lo” (n. 184); sendo Ela o maior e mais
10
excelente dom de Deus, só com muito empenho e sacrifício pode ser alcançada. As
qualidades necessárias à oração são: uma “fé viva e firme” (n. 185), “uma fé pura” (n.
186), que não dependa de sensações, êxtases e revelações individuais, e, por fim, a
perseverança (n. 188). A mortificação diz respeito a deixar as obras da carne (tudo o
que se relaciona com a busca desenfreada do prazer, da riqueza e do poder), para
abraçar as obras do Espírito, que muitas vezes exigem sacrifício e abnegação (cf. n.
194), pois, conforme disse a mesma Sabedoria encarnada, “é largo e espaçoso o
caminho que leva para a perdição. E são muitos os que tomam esse caminho. Como é
estreita a porta e apertado o caminho que leva para a vida! E são poucos os que o
encontram” (Mt 7,13-14).
Por fim, a verdadeira devoção à Santíssima Virgem Maria, que é o objeto do
último capítulo, é designada como “o mais maravilhoso de todos os segredos para
adquirir e conservar a divina Sabedoria” (n. 203). O capítulo reflete sobre a
necessidade da verdadeira devoção a Maria e em que consiste tal devoção. A
necessidade da verdadeira devoção diz respeito a uma constatação de São Luís Maria
que, para nós católicos romanos, constitui uma verdade de fé:
Jamais houve alguém senão Maria a encontrar graça diante de Deus, para si mesma e para todo o gênero
humano, de modo que só ela teve o poder de encarnar e trazer ao mundo a Sabedoria eterna. Somente
ela também, pela operação do Espírito Santo, tem o poder de encarná-lo, por assim dizer, nos
predestinados (n. 203).
As metáforas do paraíso perdido são transpostas para o contexto novo e
permanente da Encarnação e da redenção, sendo Maria a nova árvore da vida que
produziu o novo e definitivo fruto da vida: Jesus Cristo. Sendo ela a árvore, dela
recebemos o fruto: “quem quiser esse fruto admirável em seu coração deve ter a
árvore que o produz: quem quiser ter Jesus, deve ter Maria” (n. 204).
Maria Santíssima não está acima do Senhor Jesus, o que seria uma heresia. Ela
não deixou de ser uma criatura do Pai após a Encarnação do Verbo. No entanto, é um
fato inegável que a Sabedoria eterna, quando abriu mão de sua divindade para fazer-
se um de nós, assumindo a condição de servo (cf. Fl 2,6-11), quis também submeter-
se a Maria (cf. Jo 2,51). São Luís Maria argumenta que essa submissão de Jesus a
Maria, enquanto submissão do Filho à Mãe, permanece de um modo misterioso e
incompreensível após a ressurreição e ascensão do Filho, e a assunção e coroação da
Mãe:
[...] tendo Deus Filho, a Sabedoria eterna, se submetido perfeitamente a Maria como sua Mãe, Ele deu a
ela, sobre Si próprio, um poder maternal e sobrenatural que é incompreensível, não apenas durante sua
vida na terra, mas também no céu, porquanto a glória, além de não destruir a natureza, a aperfeiçoa.
Disso decorre que, no céu, mais do que nunca, Jesus é Filho de Maria, e Maria, Mãe de Jesus (n. 205).
Por fim, a verdadeira devoção à bem-aventurada Virgem Maria consiste, em
poucas palavras, conforme o próprio São Luís Maria refere, “em ter grande estima
por suas grandezas, um grande reconhecimento por seus benefícios, um grande zelo
por sua glória, em invocar continuamente seu auxílio e depender totalmente de sua
autoridade, como também em apoiar-se firmemente e confiar ternamente em sua
bondade materna” (n. 215). O fim último de tal devoção, bem como seu efeito final, é
conceber Jesus Cristo, a Sabedoria eterna, em nossa alma e conservá-lo nela até o
11
entardecer de nossa existência terrena, para então gozarmos da visão face a face no
céu (n. 220).
No final da obra, São Luís Maria nos dá a fórmula da Consagração a Jesus Cristo,
Sabedoria Encarnada, pelas mãos de Maria, que também constitui o ponto de
culminância do Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem Maria.[8]
12
3) Vida e obra de São Luís Maria Grignion de Montfort
Em seu Discurso aos peregrinos reunidos em Roma para a canonização de Luís
Maria Grignion de Montfort, de 21 de julho de 1947, o Papa Pio XII assim se refere
ao grande missionário do Santo Rosário:
A característica própria a Luís Maria, e pela qual é um autêntico bretão, é sua tenacidade perseverante em
perseguir o santo ideal, o único ideal de suavida: ganhar os homens para dá-los a Deus. Na busca desse
ideal, ele lançou mão de todos os recursos que poderia receber da natureza e da graça, de modo que
pôde ser verdadeiramente, em todos os campos, o apóstolo do Oeste da França. [...] A caridade: eis o
grande, ou mesmo o único segredo dos resultados surpreendentes da vida tão breve, tão múltipla e
movimentada de Luís Maria Grignion de Montfort. [...] A cruz de Jesus, a Mãe de Jesus: os dois polos
de sua vida pessoal e de seu apostolado. E eis como essa vida, em sua brevidade, foi plena; como esse
apostolado, exercido durante apenas doze anos, se perpetua já há mais de dois séculos e se estende sobre
muitas regiões! O fato é que a Sabedoria, à qual ele se entregou, fez frutificar seus labores, coroou seus
trabalhos, que a morte certamente não interrompeu. A obra é toda de Deus, mas também traz consigo a
marca daquele que foi seu fiel cooperador.[9]
São Luís Maria nasceu em Montfort, próximo a Rennes (França), em 31 de janeiro
de 1673, filho mais velho de um advogado bretão. Sua primeira educação esteve a
cargo dos jesuítas. Aos 19 anos, entrou no seminário Saint-Sulpice, em Paris, onde
brilhou por sua inteligência e profunda piedade. Foi na escola de Saint-Sulpice que
pôde se desenvolver sua grande devoção à Virgem Maria e à cruz de Nosso Senhor
Jesus Cristo, dois pilares de sua missão, como acenou Pio XII por ocasião de sua
canonização.
Foi ordenado sacerdote em 1700, aos 27 anos de idade, tornando-se capelão do
hospital de Poitiers, onde divide a mesa com os doentes e reúne, em torno de Marie-
Louise Trichet, filha de um alto magistrado, um grupo de moças que desejavam se
dedicar aos pobres. Assim nasceu a congregação das Filhas da Sabedoria. As
reformas que ele propõe e o embate de ideias com os Jansenistas incomodam a
burguesia local, que consegue retirá-lo do hospital. Ele então se dirige ao papa, a fim
de ser enviado em missão. O papa o envia de volta à França, como pregador das
missões paroquiais, o que também o faz atrair a simpatia de alguns e a cólera de
outros.
Também foram fundadas por ele duas outras congregações: uma conhecida como
Companhia de Maria, dos Padres Missionários Montfortinos, que só terá início após
sua morte, e a congregação dos Irmãos de São Gabriel.
Sua incansável atividade missionária de pregação pelas dioceses do Oeste da
França também o colocou em conflito com as autoridades eclesiásticas. Porém, o
bispo de La Rochelle, dom Etienne de Champfour, tornou-se para ele um protetor
eficaz. A partir de 1711, o padre Luís Maria pregou em sua diocese três missões: uma
para homens, outra para soldados e uma terceira para mulheres. Tendo sido alvo de
uma tentativa de envenenamento, precisou fugir da cidade, indo pregar em outras
dioceses, como Aunis, Thairé, Saint-Vivien, Esnandes e Courçon. Em 1714, pregará
na diocese de Saintes.
Sua atividade apostólica se desenrolou no período de dez anos, por meio de sua
palavra poderosa e a chama de seu zelo, sendo inclusive acompanhada de milagres.
Sua vida espiritual foi alimentada por uma oração contínua e vivificada em retiros
13
prolongados. Uma série de cantos populares completa os frutos de sua pregação.
Plantando a cruz de Cristo por inúmeros povoados e semeando a devoção ao Rosário,
a Divina Providência se serviu dele para preparar os fiéis da parte ocidental da França
para a resistência contra as perseguições que se seguiram à Revolução Francesa.
Após dezesseis anos de apostolado, em 1716, morre em plena atividade
missionária, em Saint-Laurent-sur-Sèvre (Vendée), com apenas quarenta e três anos.
É considerado um dos maiores santos dos tempos modernos e o grande promotor da
devoção à Santíssima Virgem de nosso tempo. Foi beatificado pelo Papa Leão XIII,
em 22 de janeiro de 1888, e canonizado por Pio XII, em 20 de julho de 1947.
Entre suas obras principais, destacam-se: L’Amour de la Sagesse éternelle (O
amor da Sabedoria eterna); Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge Marie
(Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem Maria); Le Secret de Marie (O
segredo de Maria); Lettre circulaire aux Amis de la Croix (Carta circular aos amigos
da cruz); Le Secret admirable du très saint Rosaire pour se convertir et se sauver (O
segredo admirável do santíssimo Rosário para se converter e se salvar); La Prière
embrasée (A oração abrasada) e Les Cantiques (Os cânticos).
14
INTRODUÇÃO
I. Oração à Sabedoria eterna
1. Ó divina Sabedoria, soberana do céu e da terra, humildemente prostrado diante
de vós, peço-vos perdão por ousar falar de vossas maravilhas, embora sendo eu tão
ignorante e pecador.
Não leveis em conta, eu vos suplico, as trevas de meu espírito e as impurezas de
meus lábios, ou então, se vós as olhardes, que seja somente para as destruirdes apenas
com um olhar e um sopro de vossa boca.
Vós tendes tantas belezas e doçuras, me preservastes de tantos males e me
cumulastes de tantas graças, e mesmo assim ainda sois tão desconhecida e
desprezada. Como podereis querer que eu me cale? Não são apenas a justiça e o
reconhecimento que me obrigam a falar de vós, mas também o meu próprio interesse,
e o farei ainda que gaguejando!
Como uma criança, não faço mais do que gaguejar, é verdade, mas isso se deve ao
fato de que sou apenas uma criança e, ao gaguejar, desejo aprender a falar com
desenvoltura, quando eu tiver alcançado a plenitude de vossa idade.[1]
2. Reconheço que poderá parecer que não há qualquer espírito de ordem naquilo
que escrevo, mas a razão disso é que tenho um desejo tão grande de vos possuir que,
a exemplo de Salomão, procuro-vos de todos os lados, tateando sem método.
Se me empenho em vos tornar conhecida neste mundo, foi porque vós mesma
prometeste a vida eterna a todos aqueles que vos tornassem conhecida e alcançável.
Transformai, então, minha amável Princesa, minha gagueira em eminente
discurso. Recebei os movimentos de minha escrita como passos que dou para vos
encontrar. Enviai, do alto de vosso trono, copiosas bênçãos e luzes a tudo aquilo que
desejo fazer e dizer de vós, para que todos os que me ouvirem sejam inflamados de
um desejo renovado de vos amar e vos possuir no tempo e na eternidade.
15
II. Advertência da divina Sabedoria aos príncipes e aos grandes da terra
no livro da Sabedoria, capítulo 6
3. A Sabedoria é mais digna de estima do que a força, e o homem prudente vale
mais que o corajoso.
1Escutem, portanto, reis, e compreendam! Aprendam, juízes de toda a terra!
2Prestem atenção, vocês que governam multidões
e se orgulham do grande número de súditos!
3O governo que vocês têm nas mãos foi-lhes dado pelo Senhor, e o domínio
provém do Altíssimo.
Ele examinará as obras que vocês praticam e sondará em vocês as intenções.
4Pois, embora sejam ministros do Reino dele, vocês não julgaram corretamente,
não observaram a Lei, e não agiram de acordo com a vontade de Deus.
5Ele virá sobre vocês repentinamente e de modo terrível, porque contra os que têm
muito poder cabe um julgamento implacável.
6Os pequenos serão perdoados com misericórdia, mas contra os poderosos o
julgamento será poderoso.
7O Senhor de tudo não recuará diante de ninguém, a grandeza não o
impressionará;
porque ele fez tanto o pequeno como o grande, e ele tem atenção igual para com
todos.
8Mas os poderosos serão rigorosamente investigados.
9Estas minhas palavras são para vocês, soberanos, para que aprendam a sabedoria
e não venham a cair.
10Quem observa santamente as coisas santas será santificado, e quem as aprende
encontrará defesa.
11Portanto, desejem e busquem minhas palavras, e vocês serão instruídos.
4. 12A Sabedoria é resplandecente e não murcha.
Ela se mostra facilmente a quem lhe tem amor,
e se deixa encontrar por aquele que a procura.
13Ela se adianta para ser conhecida por aquele que a deseja.
14Quem por ela madruga não se cansará,
pois a encontrará sentada junto à porta de casa.
15Meditar sobre ela, portanto, é a perfeição da inteligência,
e quem dela cuida estará logo sem preocupações.
16Vai por toda parte buscando aqueles que sejam
dignos dela;mostra-se a eles bondosamente nos caminhos,
e vai a eles em todos os pensamentos.
17Princípio da Sabedoria é o desejo verdadeiro de instrução.
16
A preocupação pela instrução é o amor.
18E o amor é a observância das leis da Sabedoria.
Guardar as leis garante a imortalidade.
19E a imortalidade permite estar perto de Deus.
20Assim, o desejo da sabedoria conduz ao reino.
21Portanto, soberanos dos povos, se vocês gostam de tronos e cetros,
honrem a Sabedoria, para que assim vocês reinem para sempre.
22Vou anunciar a vocês o que é a Sabedoria, e como surgiu.
Não esconderei de vocês os mistérios dela.
Pelo contrário, investigarei desde o início da criação,
e mostrarei o seu conhecimento, sem me afastar da verdade.
23Não estarei acompanhado da inveja devoradora,
pois esta nada tem de comum com a Sabedoria.
24Grande número de sábios é salvação para o mundo,
e rei sensato traz bem-estar ao povo.
25Assim, aprendam com minhas palavras,
e disso vocês tirarão proveito.
5. Eu não quis, meu caro leitor, misturar a fraqueza de minha linguagem com a
autoridade das palavras do Espírito Santo, mas desejo tomar a liberdade de enfatizar
os seguintes pontos:
1) Como a Sabedoria eterna é, por si mesma, doce, leve e estimulante, embora seja
luminosa, excelente e sublime! Ela atrai os seres humanos, para ensinar-lhes os meios
para a felicidade. Ela os interpela, sorri para eles, cumulando-os de mil benefícios.
Ela os previne de mil maneiras diferentes, até sentar-se à porta de suas casas, para
aguardá-los e dar-lhes provas de amizade.
Nós, que temos coração, podemos recusá-lo a essa doce sedutora?
6. 2) Que grande infelicidade a dos poderosos e dos ricos quando não têm amor
pela Sabedoria! Como são dignas de temor – e inexplicáveis em nossa língua – as
palavras que Ela lhes dirige: Horrende et cito apparebit vobis... Judicium durissimum
his qui praesunt fiet... Potentes... potenter tormenta patientur. Fortioribus... fortior
instat cruciato (“Ele virá sobre vocês repentinamente e de modo terrível, porque
contra os que têm muito poder cabe um julgamento implacável. [...] Contra os
poderosos, o julgamento será poderoso. [...] Os poderosos serão rigorosamente
investigados”, Sb 6,5-8).
Acrescentemos a essas palavras algumas daquelas que Ela lhes disse ou mandou
dizer depois de sua Encarnação: Vae vobis, divitibus. Facilius est camelum pere
foramen acus transire quam divitem intrare in regnum caelorum (“Ai de vocês, ricos.
É mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no
Reino dos céus”, Lc 6,24; Mt 19,24; cf. Mc 10,25; Lc 18,25).
Essas últimas palavras foram repetidas tantas vezes pela divina Sabedoria, quando
vivia sobre a terra, que três evangelistas as reproduziram integralmente, sem mudar
uma vírgula. Isso deveria fazer os ricos se derramar em lágrimas, gritar e urrar: Agite
17
nunc, divites, plorate, ululantes in miseriis quae advenient vobis (“E agora vocês,
ricos, chorem e gemam por causa das desgraças que estão para cair sobre vocês”, Tg
5,1). Mas, infelizmente, eles têm neste mundo seu consolo; estão como que
enfeitiçados pelos prazeres comprados com suas riquezas, e não enxergam os
infortúnios que lhes pendem da cabeça.
7. 3) Salomão assegura que fará uma descrição fiel e exata da Sabedoria, e que
nem a inveja nem o orgulho – que são contrários à caridade – o impedirão de
comunicar uma ciência que lhe foi dada do céu, de modo que ele não teme que os
outros o alcancem ou mesmo o ultrapassem no conhecimento dela (cf. Sb 6,24-26).
É a exemplo desse grande homem que vou explicar de maneira simples no que
consiste a Sabedoria antes de sua Encarnação, em sua Encarnação e depois de sua
Encarnação, e os modos de obtê-la e conservá-la.
No entanto, não tendo a abundância dos conhecimentos e das luzes que ele tinha,
não tenho por que temer a inveja e o orgulho, tanto quanto minha insuficiência e
ignorância, que lhe peço, caro leitor, por caridade suportar e desculpar.
18
Capítulo I
Para amar e buscar a Sabedoria, é necessário conhecê-
la
I. Necessidade do conhecimento da Divina Sabedoria
8. Podemos amar aquilo que não conhecemos? Podemos amar com ardor o que
não conhecemos senão imperfeitamente?
Por que amamos tão pouco a Sabedoria eterna e encarnada, o adorável Jesus,
senão porque não o conhecemos, ou o conhecemos tão pouco?
Não há quase ninguém que estude como se deve, com o Apóstolo,[1] essa ciência
supereminente de Jesus, que é, no entanto, a mais nobre, a mais doce, a mais útil e a
mais necessária de todas as ciências e conhecimentos do céu e da terra.
9. 1) Essa é, em primeiro lugar, a mais nobre dentre todas as ciências, porque tem
como objeto o que há de mais nobre e mais sublime, a Sabedoria incriada e
encarnada, que abriga em si toda a plenitude da divindade e da humanidade, tudo o
que há de grande no céu e na terra, todas as criaturas visíveis e invisíveis, espirituais e
corpóreas.
São João Crisóstomo afirma que Nosso Senhor é uma síntese das obras de Deus,
um quadro resumido de todas as suas perfeições e de todas as perfeições que se
encontram nas criaturas (cf. Cl. 1,16; 2,9).
Omnia quae velle potes aut debes est Dominus Jesus Christus. Desidera hunc,
requiere hunc, quia haec est una et pretiosa margarita pro qua emenda etiam
vendenda sunt omnia quae tua sunt (“Jesus Cristo, a Sabedoria eterna, é tudo o que
podes e deves desejar. Deseja-o, busca-o, pois Ele é esta pérola única e preciosa para
a compra da qual não deves colocar nenhum obstáculo a vender tudo o que tens”).[2]
In hoc glorietur qui gloriatur, scire et nosse me (“Se alguém quer gloriar-se, que
se glorie de me conhecer e me compreender”, cf. Jr 9,23). Que o sábio não se glorie
de sua sabedoria, nem o forte de sua força, nem o rico de suas riquezas; mas aquele
que se gloria, encontre sua glória no fato de me conhecer, e não em conhecer outra
coisa.
10. 2) Não há nada de mais doce do que o conhecimento da divina Sabedoria:
Bem-aventurados aqueles que a escutam; mais felizes ainda os que a desejam e a
buscam; mas os mais felizes mesmo são aqueles que seguem seus caminhos,
saboreiam em seu coração essa doçura infinita que é a alegria e a felicidade do Pai
eterno e a glória dos anjos (cf. Pr 2,1-9).
Se soubéssemos qual o prazer experimentado por uma alma que conhece a beleza
da Sabedoria, que suga o leite desse mamilo do Pai (mamilla Patris),[3]
exclamaríamos com a Esposa: Meliora sunt ubera tua vino (“O leite de seus mamilos
é mais doce que o melhor vinho e que todas as doçuras das criaturas”, cf. Ct 1,2),
sobretudo quando Ela faz as almas que a contemplam ouvirem estas palavras:
Gustate et videte. Comedite et bibite; et inebriamini: Saboreai e vede (cf. Sl 33,9). Comei e bebei, e
19
inebriai-vos de minhas delícias eternas (cf. Ct 5,1); pois minha convivência jamais tem nada de
desagradável, nem minha intimidade nada de enfadonho, mas em mim só encontrareis alegria e
satisfação (non enim habet amaritudinem conversatio illius; nec taedium convictus illius, sed laetitiam
et gaudium, cf. Sb 8,16).
11. 3) Esse conhecimento da Sabedoria eterna não é apenas o mais doce e o mais
nobre, mas também o mais útil e o mais necessário, pois a vida eterna consiste em
conhecer Deus e seu Filho Jesus Cristo (cf. Jo 17,3). Exclama o Sábio ao dirigir-se à
Sabedoria: “Conhecer-vos é a perfeita justiça; e compreender vossa equidade e vossa
potência é a raiz da imortalidade” (Sb 15,3).
Se quisermos verdadeiramente ter a vida eterna, que tenhamos de fato o
conhecimento da Sabedoria eterna.
Se quisermos verdadeiramente ter a perfeição da santidade neste mundo,
conheçamos a Sabedoria.
Se quisermos ter em nosso coração a raiz da imortalidade, que tenhamos em nosso
espírito o conhecimento da Sabedoria. Conhecer Jesus Cristo Sabedoria encarnada é
saber tudo o que necessitamos. Presumir que sabemos tudo, mas sem conhecê-lo, é
nada saber de fato.[4]
12. De que adianta a um arqueiro saber atirar flechas na zona periférica de um
alvo quando seu objetivo mesmo é acertar bem no centro? Assim também, de que nos
servirãotodas as outras ciências necessárias à salvação se não conhecemos aquela de
Jesus Cristo, que é a única necessária e o centro para o qual todas as outras devem
convergir? Ainda que o grande apóstolo Paulo soubesse tantas coisas e fosse versado
nas letras humanas, ele dizia, contudo, não saber senão Jesus Cristo Crucificado: Non
judicavi me scire aliquid inter vos, nisi Jesum Christum, et hunc crucifixum (“Pois
entre vocês eu decidi não saber nada além de Jesus Cristo, e Jesus Cristo
crucificado”, 1Cor 2,2).
Digamos, portanto, com ele: Quae mihi fuerunt lucra, haec arbitratus sum propter
Christum detrimenta. Verum tamen [existimo] omnia detrimentum esse, propter
eminentem scientiam Jesu Christi (“Mas tudo o que para mim era lucro, agora
considero como perda, por causa de Cristo. Mais que isso. Considero tudo como
perda, diante do bem superior que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por
causa dele perdi tudo, e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo”, Fl 3,7-8).
Agora vejo e experimento que essa ciência é tão excelente, tão cativante, tão
proveitosa e admirável que já não tenho nenhum interesse pelas outras, que outrora
tanto me agradaram. Elas agora me parecem tão vazias e ridículas que considero
perda de tempo dar-lhes muita importância: Haec autem dico ut nemo vos decipiat in
sublimitate sermonum. Videte ne quis vos decipiat per philosophiam et inanem
fallaciam (“Digo isso, para que ninguém os engane com belos discursos. Tomem
cuidado para que ninguém os escravize com filosofias enganosas e vazias, baseadas
em tradições humanas e elementos do mundo, e não em Cristo”, Cl 2,4.8). Crescite in
gratiam et in cognitione Domini nostri et Salvatoris Jesu Christi (“Cresçam na graça
e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”, 2Pd 3,18).
Ora, a fim de crescermos na graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo, a Sabedoria encarnada, falaremos dela nos capítulos subsequentes,
depois de distinguirmos vários tipos de sabedoria.
20
II. Vários tipos de Sabedoria
13. Em sua acepção geral, a palavra sabedoria significa uma ciência saborosa
(sapida scientia)[5] ou o gosto de Deus e de sua verdade. No entanto, existem vários
tipos de sabedoria.
Primeiramente, elas se distinguem em verdadeira e falsa sabedoria: a verdadeira é
o gosto da verdade, sem falsidade nem disfarce; a falsa é o gosto da mentira, coberta
com a aparência da verdade.
A falsa sabedoria é a sabedoria ou prudência mundana, que o Espírito Santo
classifica em três tipos: Sapientia terrena, animalis, diabolica (“Porque esse tipo de
sabedoria não vem do alto, mas é terrena, psíquica e demoníaca”, Tg 3,15).
A verdadeira sabedoria se distingue em natural e sobrenatural.
A sabedoria natural é o conhecimento das coisas naturais de um modo eminente
em seus princípios. A sabedoria sobrenatural é o conhecimento das coisas
sobrenaturais e divinas em sua origem.
Essa sabedoria sobrenatural se divide em sabedoria substancial e incriada, e em
sabedoria acidental e criada.
A sabedoria acidental e criada é a comunicação que a Sabedoria incriada faz de si
mesma aos homens, ou seja, é o dom da sabedoria. A Sabedoria substancial e incriada
é o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, isto é, a Sabedoria
eterna na eternidade, ou Jesus Cristo no tempo. É exatamente dessa Sabedoria eterna
que vamos falar.
14. Desde a sua origem, nós a contemplaremos na eternidade, residindo no seio do
Pai, como o objeto de suas complacências.
Nós a veremos no tempo, brilhando na criação do universo.
Em seguida, nós a veremos completamente humilhada em sua Encarnação e em
sua vida mortal, e depois a encontraremos gloriosa e triunfante nos céus. Por fim,
veremos quais são os meios dos quais devemos nos servir para alcançá-la e mantê-la.
Assim sendo, deixo aos filósofos os argumentos de sua filosofia como inúteis.
Deixo aos alquimistas os segredos de sua sabedoria mundana.
Sapientiam loquimur inter perfectos (“Aos adultos na fé falamos de sabedoria,
mas não da sabedoria deste mundo, nem dos chefes passageiros deste mundo”, 1Cor
2,6). Portanto, falaremos da verdadeira Sabedoria, da Sabedoria eterna, incriada,
encarnada, às almas perfeitas e predestinadas.
21
Capítulo II
A origem e a excelência da Sabedoria eterna
15. Aqui devemos exclamar com São Paulo: O altitudo... Sapientiae... Dei (“Oh,
profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis
suas decisões e misteriosos seus caminhos!”, Rm 11,33). Generationem ejus quis
enarrabit? (“Quem falará de sua geração?”, Is 53,8; At 8,33). Quem será o anjo
suficientemente esclarecido e o homem temerário o bastante para fazer a tentativa de
nos explicar de modo adequado a origem dela? Pois, diante dela, todos os olhos se
fecham, com medo de serem ofuscados por uma luz tão viva e brilhante.
É aqui que toda língua se emudece, com medo de obliterar uma beleza tão perfeita
ao querer desvendá-la.
É aqui que todo espírito precisa se prostrar e adorar, com medo de ser oprimido
pelo peso imenso da glória da divina Sabedoria, ao querer sondá-la.
22
I. A Sabedoria em relação ao Pai
16. Eis, entretanto, a ideia que o Espírito Santo, para adequar-se a nossa fraqueza,
nos dá no livro da Sabedoria, que Ele compôs para nós:
“[A Sabedoria eterna] é emanação do poder de Deus, emanação pura da glória do Onipotente. Por isso,
mancha alguma nela se infiltra. Ela é reflexo da luz eterna, espelho nítido da ação de Deus e imagem de
sua bondade” (Sb 7,25-26).
17. A ideia substancial e eterna da divina beleza é que foi mostrada a São João na
ilha de Patmos, quando ele escreveu: In principio erat Verbum, et Verbum erat apud
Deum, et Deus erat Verbum (“No princípio existia a Palavra – ou o Filho de Deus, ou
a Sabedoria eterna –, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus”, Jo 1,1).
18. É em referência a Ela que se diz, em vários trechos dos livros de Salomão,[1]
que a Sabedoria foi criada, ou seja, produzida, desde o princípio, antes de todas as
coisas e de todos os séculos. Ela mesma diz a seu próprio respeito: “Fui estabelecida
desde a eternidade, desde o princípio, antes que a terra começasse a existir. Fui
gerada quando as profundezas ainda não existiam, e antes que existissem as nascentes
das águas” (Pr 8,23-24).
19. Foi nessa beleza suprema da Sabedoria que Deus colocou o seu agrado, na
eternidade e no tempo, como o próprio Senhor Deus Altíssimo atestou expressamente
no dia de seu batismo e de sua transfiguração: Hic est Filius meus dilectus, in quo
mihi bene complacui (“Este é o meu Filho amado, em quem encontro o meu agrado.
Ouçam-no”, Mt 17,5; cf. Mt 3,17). Foi dessa luminosa e incompreensível claridade
que os apóstolos [Pedro, Tiago e João] viram uma manifestação fugaz no momento
de sua transfiguração, claridade essa cujos raios os encheram de doçura,
mergulhando-os no êxtase:
Illustre quiddam [cernimus]
Sublime, celsum, interminum,
Antiquius caelo et chao!
Essa eterna Sabedoria é:
Algo de nobre, exaltado, imenso,
Infinito e mais antigo que o universo![2]
Se, de fato, eu não tenho palavras para explicar a única e pálida ideia que tive
dessa beleza e doçura suprema, apesar de minha ideia estar infinitamente aquém de
sua excelência, quem é que poderá ter uma ideia adequada dela e explicá-la como
convém?
Só vós, ó Deus Onipotente – que sabeis no que Ela consiste – podeis revelá-la a
quem quiserdes.
23
II. As operações da Sabedoria nas almas
20. Eis como, no capítulo 24 do livro do Eclesiástico,[3] a própria Sabedoria se
define, no que diz respeito a seus efeitos e a suas operações nas almas. Não misturarei
minhas pobres palavras com as dela, para não diminuir-lhes o fulgor e a sublimidade:
1. A Sabedoria louvará a si mesma;
ela honrará e glorificará a si mesma no Senhor,
no meio de seu povo.
2. Ela abrirá sua boca nas assembleias do Altíssimo
e se glorificará nos exércitos do Senhor.
3. Ela será elevada no meio de seu povo
e será admirada na assembleia de todos os santos.
4. Ela receberá louvores entre a multidão dos eleitose será bendita por aqueles
que forem benditos de Deus.
Ela dirá:[4]
21.
5. Saí da boca do Altíssimo;
nasci antes de todas as criaturas.
6. Fui eu que fiz nascer no céu uma luz que jamais se apagará e que cobriu toda a
terra como uma nuvem.
7. Morei nos lugares mais elevados
e meu trono se encontra numa coluna de nuvem.
8. Percorri sozinha toda a extensão do céu;
penetrei a profundeza dos abismos.
Caminhei sobre as ondas do mar.
9. E percorri toda a terra.[5]
22.
10. Imperei sobre todos os povos e sobre todas as nações.
11. Calquei sob os meus pés, por meu poder,
os corações de todos os homens, grandes e pequenos;
e, entre todas as coisas, procurei um lugar de repouso
e uma morada na herdade do Senhor.[6]
23.
12. Então o Criador do universo me deu ordens e me falou.
Aquele que me criou repousou em meu tabernáculo.
13. E me disse: “Habita em Jacó.
Que Israel seja a tua herança.
Enraíza-te nos meus eleitos”.[7]
24.
24
14. Fui criada desde o princípio e antes de todos os séculos.
Jamais deixarei de estar na sucessão de todas as eras,
e exerci, em sua presença, meu ministério na morada santa.
15. Fui estabelecida em Sião,
encontrei meu repouso na cidade santa,
e meu poder se estabeleceu em Jerusalém.[8]
25.
16. Enraizei-me no povo que o Senhor honrou,
cuja herança é a partilha de meu Deus,
e estabeleci minha morada na assembleia
de todos os santos.
17. Cresci como os cedros do Líbano
e como o cipreste da montanha de Sião.
18. Ergui meus ramos para o alto,
como as palmeiras da montanha de Cades
e os pés de roseira de Jericó.
19. Cresci como uma linda oliveira no campo
e como o plátano que é plantado num grande caminho, à beira das águas.
20. Espalhei um cheiro de perfume como a canela
e o bálsamo mais precioso, e um odor como o da mirra mais pura.
21. Perfumei minha casa como o gálbano, o benjoeiro,
a caixa de perfume, o ônix e a mirra,
como a gota de incenso que cai por si só;
e meu odor é como aquele de um bálsamo puríssimo e sem mistura.
22. Estendi meus ramos como o terebinto,
e meus ramos são ramos de honra e graça.
23. Produzi flores de um agradável odor como a vinha,
e minhas flores são frutos de glória e abundância.[9]
26.
24. Sou a mãe do puro amor, do temor, da ciência e da esperança santa.
25. Em mim se encontra toda a graça do caminho e da verdade; em mim está toda
a esperança da vida e da virtude.[10]
27.
26. Vinde a mim, vós que me desejais com ardor,
e fartai-vos dos frutos por mim produzidos.
27. Pois meu espírito é mais doce que o mel
e minha herança ultrapassa, em doçura, o mel mais excelente.
28. A memória de meu nome atravessará a sucessão de todos os séculos.[11]
28.
25
29. Os que de mim se alimentam ainda sentirão fome
e os que de mim bebem ainda terão sede.
30. Aquele que me escuta não será confundido,
e os que trabalham comigo jamais pecarão.
31. Os que me tornam conhecida terão a vida eterna.
32. Tudo isso é o livro da vida, a aliança do Altíssimo
e o conhecimento da Verdade.[12]
29. Todas essas árvores e todas essas plantas às quais a Sabedoria se compara, que
produzem frutos de qualidades tão diferentes, marcam essa grande variedade de
estados, de funções e virtudes das almas, que se assemelham a cedros, quando têm os
corações elevados para o céu; ou a ciprestes, quando cultivam a meditação contínua
sobre a morte; ou a palmeiras, pelo humilde sofrimento de seus trabalhos; ou a
roseiras, pelo martírio e a efusão de seu sangue. Todas elas estendem seus ramos bem
longe, pelo alcance de sua caridade para com seus irmãos. E todas as outras plantas
odoríferas, como o bálsamo, a mirra e as outras, que são menos notadas pela visão,
representam as almas retiradas, que desejam ser mais conhecidas por Deus do que
pelos homens.
30. Depois de representar-se como a mãe e a fonte de todos os bens, a Sabedoria
exorta todos os homens a deixar tudo para trás, a fim de somente a Ela desejar, pois,
conforme afirma Santo Agostinho, “ela se dá apenas àqueles que a desejam e a
buscam com o mesmo ardor digno de algo tão grandioso”.[13]
A divina Sabedoria assinala, nos versículos 30 e 31, três graus de piedade, cuja
perfeição consiste no primeiro deles:
1) Ouvir a Deus com humilde submissão;
2) Agir nele e por ele com perseverante fidelidade;
3) Por fim, adquirir a luz e a unção necessárias para despertar nos outros o amor
da Sabedoria e, assim, conduzi-los à vida eterna.
26
Capítulo III
Maravilhas da potência da divina Sabedoria na criação
do mundo e do homem
I. Na criação do mundo
31. A Sabedoria eterna começou a resplandecer fora do seio de Deus, quando,
após uma eternidade inteira, fez a luz, o céu e a terra. São João diz que tudo foi feito
pelo Verbo, ou seja, pela Sabedoria eterna: Omnia per ipsum facta sunt (“Tudo foi
feito por meio dela”, Jo 1,3).[1]
Salomão diz que Ela é a mãe e a artífice de todas as coisas: Horum omnium mater
est. Omnium artifex Sapientia (Sb 7,12.21). Observe que ele não a chama somente de
artífice do universo, mas também de mãe, pois o artífice não ama, nem cuida de sua
obra como uma mãe faz com seu filho.
32. Pelo fato de tudo ter criado, a Sabedoria eterna permanece em todas as coisas,
para sustentá-las, contê-las e renová-las: Omnia continet, omnia innovat (“sustenta
tudo o que existe; sendo única, ela tudo pode e tudo renova”, Sb 1,7; 7,27).[2] Foi essa
beleza sumamente perfeita que, depois de criar o mundo, estabeleceu a bela ordem
que nele existe. Ela separou, compôs, pesou, acrescentou e contou tudo o que nele
está. Ela expandiu os céus; dispôs o sol, a lua, as estrelas e os planetas em ordem;
colocou os fundamentos da terra; estabeleceu limites e leis para o mar e os abismos;
formou as montanhas; pesou e equilibrou todas as coisas, inclusive as fontes de água.
Enfim, Ela mesma diz:
Eu estava, junto [de Deus], como mestre de obras. Eu era sua alegria todos os dias, e brincava o tempo
todo em sua presença. Eu brincava com o mundo, sua terra, e me deliciava com a humanidade (Cum eo
eram cuncta componens; et delectabar per singulos dies, ludens coram eo omni tempore, ludens in orbe
terrarum, Pr 8,30-31).
33. Esse divertimento inefável da divina Sabedoria pode ser percebido, de fato,
nas diferentes criaturas que Ela criou no Universo. Pois, sem falar das diferentes
espécies de anjos, que são, por assim dizer, de número infinito; sem falar dos
diferentes tamanhos de estrelas, nem dos diferentes temperamentos dos homens: que
admirável transformação podemos ver nas estações e nos tempos, que variedade de
instintos nos animais, quantas espécies de plantas, que diferentes belezas nas flores,
que diferentes sabores nos frutos!
Quis sapiens, et intelliget haec (“Quem é sábio, entenda essas coisas. Quem é
inteligente, que as compreenda”, Os 14,10; cf. Jr 9,12; Sl 106,43). A quem foi que a
Sabedoria se comunicou? Só essa pessoa terá a inteligência de todos esses mistérios
da natureza!
34. A Sabedoria os revelou aos santos, como podemos ver em suas vidas; e eles
ficavam muitas vezes tão surpresos ao ver a beleza, a doçura e a ordem da divina
Sabedoria nas menores coisas – como uma abelha, uma formiga, uma espiga de trigo,
uma flor, uma pequena minhoca –, que não raro caíam no êxtase e no arrebatamento.
27
II. Na criação do homem
35. Se o poder e a bondade da Sabedoria eterna refulgiram de tal modo na criação,
na beleza e na ordem do universo, eles brilharam ainda mais na criação do homem, o
qual foi constituído como sua obra-prima, a imagem viva de sua beleza e de suas
perfeições, o grande vaso de suas graças, o tesouro admirável de suas riquezas e seu
único vicário na terra: Sapientia tua fecisti hominem, ut dominaretur omni creaturae
quae a te facta est (“E com tua sabedoria preparaste o ser humano para dominar sobre
as criaturas que fizeste existir”, Sb 9,2).
36. Careceria aqui, para a maior glória dessa bela e poderosa trabalhadora,
explicar a beleza e a excelência original que o homem recebeu ao ser criado por Ela;
mas o pecado por ele cometido,[3] cujas trevas e manchas foram transmitidas também
a mim, miserável filho de Eva, obscureceu-mede tal modo o entendimento que só
posso tratar desse assunto de modo imperfeito.
37. Pode-se dizer que Ela fez uma cópia e uma imagem esplendente de seu
entendimento, de sua memória e de sua vontade, dando-as à alma do homem, a fim de
que ele fosse o retrato vivo da divindade.[4] Ela acendeu em seu coração um incêndio
de puro amor por Deus, formando-lhe um corpo pleno de luz, e constituiu nele como
que uma síntese de todas as múltiplas perfeições dos anjos, dos animais e outras
criaturas.
38. Tudo no homem era luminoso e sem trevas, belo e sem torpeza, puro e sem
mancha, regrado e sem desordem alguma, nem mancha ou imperfeição. Ele tinha
como apanágio a luz da Sabedoria em seu espírito, pela qual conhecia perfeitamente
seu Criador e suas criaturas. Tinha a graça de Deus em sua alma, pela qual era
inocente e agradável aos olhos do Altíssimo. Tinha em seu corpo a imortalidade.
Tinha o puro amor de Deus em seu coração – sem temor da morte –, pelo qual O
amava continuamente, sem oscilação, e puramente, pelo amor dele mesmo. Enfim,
ele era tão divino que estava incessantemente fora de si mesmo, transportado em
Deus, sem ter qualquer paixão a ser vencida ou qualquer inimigo contra o qual lutar.
Ó liberalidade da Sabedoria eterna para com o homem! Ó feliz estado do homem
em sua inocência!
39. No entanto, a pior das desgraças se dá quando esse vaso divino se quebra em
mil pedaços; essa bela estrela cai; esse belo sol fica coberto de lama! E isso tudo se
dá quando o homem cai em tentação e, ao pecar, perde a sabedoria, a inocência, a
beleza e a imortalidade. E, por fim, perde todos os bens que recebeu, sendo assaltado
por uma infinidade de males. Assim, seu espírito se torna bestializado e permanece
envolvido em trevas, de modo a não ver mais nada. Seu coração se congela para Deus
e já não O ama mais.
Sua alma fica obscurecida pelo pecado, assemelhando-se ao demônio. Ele então
passa a ter paixões desordenadas, não sendo capaz de dominá-las. A única companhia
que ele tem é a dos demônios, dos quais ele se fez escravo e morada. Ele é atacado
pelas criaturas, prontas para guerreá-lo.
28
Assim o homem se transforma, de uma hora para outra, em escravo dos demônios,
objeto da ira divina[5] e vítima dos infernos!
Ele parece tão horrendo para si próprio que procura se esconder de vergonha.
Torna-se maldito e é condenado à morte. É expulso do paraíso terreno e perde seu
lugar nos céus. Deverá levar uma vida infeliz sobre a terra decaída, sem qualquer
esperança de ser feliz. Ali deverá morrer como criminoso e, após sua morte, ser como
o diabo: condenado para sempre em seu corpo e em sua alma, tanto ele como seus
descendentes.
Essa foi a assustadora desgraça na qual o homem, ao pecar, caiu. Essa foi a
sentença que a justiça divina, equânime, pronunciou contra ele.
40. Adão, nesse estado, fica como que desesperado, não podendo receber remédio
nem dos anjos, nem das outras criaturas. Nada é capaz de repará-lo, uma vez que ele
foi criado belo e perfeito, mas se tornou, por seu pecado, horrendo e imundo. Ele se
vê banido do paraíso e da presença de Deus; vê a justiça de Deus a persegui-lo com
toda a sua posteridade. Vê o céu fechado e o inferno aberto, e ninguém para abrir-lhe
um e fechar-lhe o outro.
29
Capítulo IV
Maravilhas da bondade e misericórdia da Sabedoria
eterna antes da Encarnação
41. A Sabedoria eterna fica profundamente comovida pelo infortúnio do pobre
Adão e de todos os seus descendentes. Ela vê, com grande desprazer, seu vaso de
honra quebrado, seu retrato[1] desfigurado, sua obra-prima destruída, seu vicário na
terra derrubado.
Ela dá ouvidos a sua voz gemente e a seus gritos. Ela vê com compaixão o suor de
seu rosto, as lágrimas de seus olhos, as fadigas de seus braços, a dor de seu coração e
a aflição de sua alma.
42. Parece que estou até vendo essa amável Soberana chamar e reunir uma
segunda vez, por assim dizer, a Santíssima Trindade para reparar o homem, como Ela
havia feito ao criá-lo.[2] Parece que, nesse grande conselho, ocorre uma espécie de
combate entre a Sabedoria eterna e a Justiça de Deus.
43. Parece que estou ouvindo essa Sabedoria discutindo sobre a causa do homem,
e dizendo que, com efeito, o homem verdadeiramente merece, por seu pecado, junto
com toda a sua posteridade, ser condenado para sempre, junto com os anjos rebeldes.
No entanto, é preciso ter piedade dele, pois ele pecou mais por fraqueza e ignorância
do que por malícia. Ela argumenta, de um lado, que se trata de uma grande perda o
fato de uma obra-prima tão bem-acabada permanecer para sempre escrava de seu
inimigo, e de milhões e milhões de seres humanos estarem perdidos para sempre
devido ao pecado de um só. Ela mostra, de outro, os lugares do céu vacantes pela
queda dos anjos apóstatas – e que convém ocupar –[3] e a grande glória que Deus
receberá no tempo e na eternidade se o homem for salvo.
44. Parece que estou ouvindo a Justiça responder que a sentença de morte e de
condenação eterna foi decretada contra o homem e seus descendentes, e que ela deve
ser cumprida sem demora e sem misericórdia, assim como contra Lúcifer e seus
apoiadores; que o homem foi ingrato pelos benefícios recebidos, tendo seguido o
demônio em sua desobediência e em seu orgulho, e que ele deve continuar a ser
castigado, uma vez que é necessário que o pecado seja punido.
45. A Sabedoria eterna, vendo que não havia nada no universo capaz de expiar o
pecado do homem, satisfazer a justiça e apaziguar a ira de Deus – mas querendo
salvar o pobre homem que Ela era inclinada a amar –, encontra um meio admirável,
algo inimaginável: em seu amor incompreensível, que vai ao paroxismo, essa
adorável e soberana Princesa se oferece Ela mesma em sacrifício ao Pai, a fim de
satisfazer sua justiça, acalmar sua ira e nos retirar da escravidão do demônio e das
chamas do inferno, alcançando para nós uma eternidade de felicidade.
46. Seu oferecimento é aceito. Toma-se então uma decisão: a Sabedoria eterna, ou
o Filho de Deus, se fará homem no tempo oportuno e em circunstâncias
determinadas. Durante aproximadamente quatro mil anos, desde a criação do mundo
e o pecado de Adão até a Encarnação da divina Sabedoria, Adão e seus descendentes
30
morreram segundo a lei estabelecida por Deus como punição a eles. Contudo, em
vista da Encarnação do Filho de Deus, eles receberam graças para obedecer a seus
mandamentos e para fazer uma penitência adequada depois de transgredi-los. E
aqueles que morreram na graça e na amizade de Deus tiveram suas almas
transportadas ao limbo, à espera de seu Senhor e Libertador, que virá abrir-lhes a
porta do céu.
47. A Sabedoria eterna, durante todo o tempo que se passou antes de sua
Encarnação, testemunhou aos homens, de inúmeras maneiras, a amizade que lhes
tinha e o grande desejo de comunicar-lhes seus favores e de relacionar-se com eles:
Deliciae meae esse cum filiis hominum (“Eu me deliciava com a humanidade”, Pr
8,31). Ela própria percorreu todos os cantos em busca daqueles que fossem dignos
dela: Quoniam dignos seipsa circuit quaerens (“Vai por toda parte buscando aqueles
que sejam dignos dela”, Sb 6,16), ou seja, pessoas dignas de sua amizade, dignas de
seus tesouros, dignas de sua própria pessoa. Ela se espalhou por diferentes nações,
derramando-se nas almas santas, para nelas formar amigos de Deus e profetas.
Foi Ela que formou todos os santos patriarcas, os amigos de Deus, os profetas e os
santos do Antigo e do Novo Testamento: Et per nationes in animas sanctas se
transfert, amicos Dei et prophetas constituit (“E entrando nas almas santas, através
das gerações, forma os amigos de Deus e os profetas”, Sb 7,27; cf. 7,14). Foi essa
Sabedoria eterna que inspirou os homens de Deus, e que falou pela boca dos profetas.
Ela os dirigiu em seus caminhos, iluminou-os nos momentos de dúvida, sustentou-os
em suas fraquezas e livrou-os de todos os males.
48. Eis como o Espírito Santo se refere a isso no livro da Sabedoria (10,1-21):
1. A Sabedoria protegeu o pai do mundo, o primeiro ser humano, quando foi
criado sozinho. Elao libertou da própria queda.
2. [Ela] deu-lhe força para governar todas as coisas.
3. Mas o injusto, com sua cólera, afastou-se dela,
e com sua ira contra o irmão, encontrou a ruína.
4. Por causa dele a terra foi inundada,
mas novamente a Sabedoria a salvou,
conduzindo o justo numa fraca embarcação.
5. Quando as nações se encontraram na maldade e se confundiram, ela reconheceu
o justo, o manteve sem mancha diante de Deus e o conservou forte na compaixão
pelo filho.
6. Ela salvou o justo que fugia do fogo caído sobre cinco cidades, enquanto os
ímpios pereciam.
7. Como testemunho da maldade desses, o que resta é uma terra devastada e
fumegante, cujas plantas produzem frutos que não amadurecem, e uma estátua de
sal que serve de lembrança de uma alma incrédula.
8. Pois, tendo desprezado a Sabedoria, não apenas se prejudicaram desconhecendo
o bem, mas também deixaram para a vida uma lembrança da sua insensatez,
para que suas faltas não ficassem ocultas.
49.
9. A Sabedoria, porém, livrou da aflição
31
os que lhe eram fiéis.
10. Ela guiou por caminhos retos o justo que fugia da ira do irmão, mostrou-lhe o
reino de Deus e lhe deu o conhecimento das coisas santas, sustentou-o nas tarefas
e o enriqueceu nos trabalhos.
11. Esteve a seu lado diante da cobiça de seus adversários,
e o enriqueceu.
12. Ela o protegeu dos inimigos e o defendeu dos que lhe preparavam ciladas. E
lhe deu a vitória em duro combate,
para ele perceber que a piedade é mais forte que tudo.
13. Ela não abandonou o justo [José] que fora vendido,
e o protegeu do pecado.
14. Desceu com ele para uma cisterna e não o deixou em algemas, até alcançar
para ele o cetro real e o poder sobre aqueles que o dominavam. Desmascarou
aqueles que o haviam caluniado e lhe deu fama eterna.
15. Ela libertou um povo santo, uma semente irrepreensível, do meio de nações de
opressores.
16. Entrou na alma de um servo do Senhor, e com prodígios e sinais enfrentou reis
temíveis.
17. Aos santos deu a recompensa pelos sofrimentos e conduziu-os por um
caminho maravilhoso.Tornou-se para eles abrigo durante o dia e esplendor de
estrelas à noite.
18. Ela os fez atravessar o mar Vermelho e os guiou no meio de muitas águas.
19. Afogou seus inimigos e os vomitou do fundo do abismo.
20. Por isso, os justos despojaram os ímpios e cantaram, Senhor, um hino ao teu
nome santo, louvando juntos tua mão protetora.
21. Porque a Sabedoria abriu a boca dos mudos e soltou a língua dos pequenos.
50. No capítulo 11 do livro da Sabedoria, o Espírito Santo pontua os diferentes
males dos quais a Sabedoria livrou Moisés e os israelitas quando peregrinavam no
deserto. A isso podemos acrescentar que todos os que foram livrados de grandes
perigos, no Antigo e no Novo Testamento – como Daniel na cova dos leões; Suzana,
do falso crime do qual fora acusada; os três jovens da fornalha da Babilônia; São
Pedro, da prisão; São João, da caldeira de óleo fervente; e uma infinidade de mártires
e confessores, dos tormentos que se submetiam a seus corpos, e das calúnias, que
tentavam denegrir sua reputação –, todos eles foram livrados e curados pela
Sabedoria eterna: Nam per Sapientiam sanati sunt quicumque placuerit tibi, Domine,
a principio (“Assim foram endireitados os caminhos de quem está na terra. Os
homens aprenderam o que te agrada e foram salvos pela sabedoria”, Sb 9,19).
32
Conclusão
51. Exclamemos, portanto: “Mil vezes feliz uma alma na qual a Sabedoria entrou
para nela fazer morada! Por mais golpes que a ela se desfiram, ela se manterá
vitoriosa. De todos os perigos que a ameacem, ela será livrada; por mais tristezas que
caiam sobre ela, ela será consolada e rejubilará; e de todas as humilhações nas quais
ela cair, será levantada e glorificada no tempo e na eternidade”.
33
Capítulo V
A excelência maravilhosa da Sabedoria eterna
I. Uma companheira para a vida
52. Tendo o Espírito Santo [no capítulo 8 do livro da Sabedoria] se dado ao
trabalho de nos mostrar a excelência da Sabedoria, em termos tão sublimes e
compreensíveis, não devemos senão referi-los aqui, acrescentando-lhes breves
reflexões.
53. 1) A Sabedoria percorre de um extremo a outro com força, e tudo governa
com doçura.
Nada é tão doce quanto a Sabedoria. Ela é doce em si mesma, sem amargor. Doce
para aqueles que a amam, sem dar-lhes nenhum desgosto. Doce em seu proceder, sem
impor qualquer violência. Você muitas vezes poderá dizer que Ela não está nos
acidentes e tribulações que surgem, por ser tão doce e secreta. Mas como sua força é
invencível, Ela faz tudo chegar a seu fim, de um modo imperceptível e irrefreável,
por caminhos ignorados pelos homens. É preciso que o sábio seja, a seu exemplo:
suaviter fortis et fortiter suavis (docemente forte e fortemente doce).
54. 2) Eu a amei, a procurei desde a minha juventude; tratei de tê-la como
Esposa.
Quem quiser adquirir o grande tesouro da Sabedoria deve, a exemplo de Salomão,
procurá-la:
a) o quanto antes, e mesmo desde a tenra idade, se possível for;
b) de modo puro e espiritual, como um casto esposo busca sua esposa;
c) constantemente, até o fim, até Ela ter sido obtida. É certo que a Sabedoria
eterna tem tanto amor pelas almas, a ponto de desposá-las e contrair com elas um
matrimônio espiritual,[1] porém verdadeiro, que o mundo não conhece – e disso a
história nos legou muitos exemplos.
55. 3) Ela revela a glória de sua origem, pelo fato de estar estreitamente unida a
Deus e ser amada por aquele que é o Senhor de todas as coisas.
A Sabedoria é o próprio Deus: nisso consiste a glória de sua origem. Deus Pai
encontra nela todo o seu agrado, conforme testemunhou [no alto do monte Tabor],[2]
manifestando quanto a ama.
56. 4) Ela é a mestra da ciência de Deus e a diretora de suas obras.
Somente a Sabedoria esclarece todo homem que vem a este mundo (cf. Jo 1,9).
Somente Ela desceu do céu para nos ensinar os segredos de Deus (cf. Jo 1,18; Mt
11,27; 1Cor 2,10) e não temos outro Mestre verdadeiro (cf. Mt 23,8.10) que não a
Sabedoria encarnada, nomeada Jesus Cristo. Somente Ela dirige todas as obras de
Deus a seu fim, de modo particular os santos, fazendo-os conhecer aquilo que devem
realizar, e fazendo-os experimentar e cumprir aquilo que os faz conhecer.
57. 5) Se desejamos as riquezas desta vida, que há de mais rico que a Sabedoria
que faz todas as coisas?
34
6) Se o espírito do homem realiza alguma obra, quem tem maior participação que
Ela na arte pela qual todas as coisas são feitas?
7) Se alguém ama a justiça, as grandes virtudes também são obra dela. É Ela
quem ensina a temperança, a prudência, a justiça e a força, que consistem na coisa
mais útil do mundo ao homem nesta vida.
Salomão demonstrou que, como não se deve amar senão a Sabedoria, é dela
também que se deve tudo esperar: tanto os bens espirituais como os bens materiais, as
virtudes teologais e cardeais.
58. 8) Se alguém deseja alcançar a profundidade da ciência, é Ela que conhece o
passado e opina a respeito do futuro. Ela penetra o que há de mais sutil nos
discursos e de mais difícil a discernir nas parábolas; [Ela conhece os sinais e
prodígios] antes que se manifestem e aquilo que há de ocorrer na sucessão dos
tempos [e] dos séculos.
Quem quiser ter uma ciência dos tesouros da graça e da natureza que não seja
comum, seca, nem superficial,[3] mas extraordinária, santa e profunda, deve fazer
todos os esforços para adquirir a Sabedoria, sem a qual um homem, ainda que sábio
diante dos homens, conta como nada diante de Deus: in nihilum computabitur
(“ninguém lhes dará valor”, Sb 3,17).
59. 9) Portanto, tomei a firme resolução de tê-la como minha companheira,
sabendo que Ela me dará parte de seus bens e será meu consolo em minhas dores e
desânimo.
Quem pode ser pobre com a Sabedoria, que é tão rica e generosa? Quem pode ser
triste com a Sabedoria, que é tão doce, bela e terna? Quem daqueles que buscam a
Sabedoria diz sinceramente com Salomão: Proposui ergo (“Eu, portanto, decidi!”)? A
maior parte das pessoas não tomou essa decisão sincera; a maioria delas não tem
senão veleidades ou, pior ainda,decisões oscilantes e indiferentes. Por isso, jamais
encontram a Sabedoria.
60. 10) Ela me tornará ilustre entre os povos e, por mais jovem que eu seja, serei
honrado até mesmo pelos anciãos.
11) Será notável a acuidade de meu espírito para fazer a justiça. Os mais
poderosos ficarão admirados quando me virem, e os príncipes testemunharão
surpresa em seus rostos.
12) Quando eu me calar, eles esperarão que eu fale; quando eu falar, olharão
para mim com atenção; e quando eu me estender em meus discursos, colocarão a
mão em suas bocas.
13) É Ela que me dará a imortalidade, e é por Ela que tornarei a memória de meu
nome eterna entre aqueles que devem me seguir.
14) Governarei as nações por meio dela, e as nações me serão submissas.
Sobre essas palavras do Sábio, que louva a si mesmo, São Gregório fez esta
reflexão: “Aqueles que Deus escolheu para escrever suas palavras sagradas, estando
cheios do Espírito Santo, saem de certo modo de si mesmos para entrar naquele que
os possui, e, assim, tornando-se a língua de Deus, não consideram senão Deus
naquilo que dizem; falam de si mesmos como falariam de um outro”.[4]
35
61. 15) Os reis mais temidos sentirão temor ao ouvir falar de mim. Mostrarei que
sou bom para meu povo e destemido na guerra.
16) Entrando em minha casa, encontrarei repouso com ela, pois sua conversa não
tem nada de desagradável, nem sua companhia é de modo algum enfadonha, mas
cheia de alegria e satisfação.
17) Pensando, portanto, nessas coisas, meditando-as em meu coração,
considerando que encontrarei a imortalidade na união com a Sabedoria,
18) Um santo prazer em sua amizade, riquezas inesgotáveis nas obras de suas
mãos, a inteligência em suas conferências e entrevistas, e uma grande glória na
comunicação de seus discursos, fui procurá-la de todos os lados, a fim de tê-la como
minha companheira.
O Sábio, depois de ter resumido em poucas palavras o que havia explicado antes,
tira esta conclusão: “Fui procurá-la de todos os lados”. Para adquirir a Sabedoria, é
preciso buscá-la com ardor, ou seja: deve-se estar pronto para deixar tudo, sofrer tudo
e empreender todos os esforços para possuí-la. Somente poucos a encontram, pois
também são poucos os que a procuram da maneira digna dela.
36
II. Elogio da Sabedoria (capítulo 7)
62. O Espírito Santo, no capítulo 7 do livro da Sabedoria, fala ainda da excelência
da Sabedoria nestes termos:
Na Sabedoria existe um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, leve, móvel,
penetrante, sem mancha, límpido, claro, favorável, amigo do bem, penetrante, livre,
que faz o bem, amigo do ser humano, sólido, seguro, sereno, que tudo pode e
abrange, que penetra todos os espíritos inteligentes e puros, os mais sutis. A
Sabedoria é mais ágil que qualquer movimento; atravessa e penetra tudo por causa de
sua pureza (Sb 7,22-24).
Enfim, a Sabedoria “é um tesouro inesgotável para o ser humano: quem a adquire
alcança a amizade de Deus, pois fica recomendado pelos dons da instrução” (Infinitus
enim thesaurus est hominibus, quo qui usi sunt participes facti sunt amicitiae Dei,
propter disciplinae dona commendati, Sb 7,14).
63. Depois dessas palavras tão poderosas e ternas do Espírito Santo para nos
revelar a beleza, a excelência e os tesouros da Sabedoria, qual é o homem que não a
amará e a procurará com todas as forças? Ainda mais porque se trata de um tesouro
infinito, próprio para o homem, e para o qual o homem foi feito, e Ela mesma deseja
infinitamente dar-se ao homem.
37
Capítulo VI
O intenso desejo que a divina Sabedoria tem de se dar
aos homens
64. Existe uma ligação tão profunda de amizade entre a Sabedoria eterna e o
homem, a ponto de ser incompreensível. A Sabedoria é para o homem, e o homem
para a Sabedoria; é um tesouro infinito para os homens (Thesaurus infinitus
hominibus, Sb 7,14), e não para os anjos ou para as outras criaturas.
Essa amizade da Sabedoria pelo homem se deve ao fato de ele ser, em sua criação,
o compêndio de suas maravilhas, seu pequeno e grande mundo, sua imagem viva e
seu representante na terra. E, desde que, pelo excesso do amor que Ela lhe tinha, Ela
se tornou semelhante a ele ao fazer-se homem, e se entregou à morte para salvá-lo.
Ela o ama como seu irmão, seu amigo, seu discípulo, seu aluno, o preço de seu
sangue e o coerdeiro de seu Reino, de modo que a Ela se faz uma violência extrema
quando lhe recusamos ou lhe tiramos o coração de um homem.
38
I. A carta de amor da Sabedoria eterna
65. Essa beleza eterna e sumamente digna de ser amada deseja tanto a amizade
dos homens que fez um livro com o propósito de conquistá-la, revelando-lhes suas
excelências e os desejos que tem dela. Esse livro é como uma carta de uma amada a
seu amado, escrita para ganhar sua afeição. Os desejos pelo coração do homem ali
manifestados são tão urgentes, a busca por sua amizade tão terna, os convites e as
promessas tão apaixonados que, ao ouvi-la falar, você chegaria a dizer que não se
trata da Soberana do céu e da terra, e que Ela precisa do homem para ser feliz.
66. Para encontrar o homem, por vezes Ela corre por grandes caminhos, por vezes
sobe até o cume das grandes montanhas, por vezes vai até as portas das cidades, ou
entra nas praças públicas, no meio das assembleias, gritando o mais alto que pode:
Homens, eu me dirijo a vocês e minha voz se dirige aos filhos de humanos (O viri, ad vos clamito, et vox
mea ad filios hominum, Pr 8,4). Ó homens! Ó filhos dos homens! É a vocês que grito há tanto tempo; é a
vocês que minha voz se dirige; é por vocês que eu anseio; são vocês que eu procuro; é de vocês que eu
pergunto! Ouçam, venham até mim: quero fazê-los felizes.
E para atraí-los de modo poderoso, Ela lhes diz: “É por mim e por minha graça
que os reis governam, que os príncipes comandam e que os potentados e os monarcas
carregam o cetro e a coroa. Sou eu que inspiro aos legisladores a ciência de fazer boas
leis para fiscalizar os Estados, e que dou aos magistrados a força de exercer a justiça
com equidade e sem temor”.
67. “Eu amo os que me amam, e todo aquele que me procura com diligência me
encontrará, e, ao me encontrar, encontrará abundância de todos os bens. Pois as
riquezas, a glória, as honras, as dignidades, os sólidos prazeres e as verdadeiras
virtudes estão comigo; e é incomparavelmente melhor para um homem possuir a mim
do que possuir todo o ouro e toda a prata do mundo, todas as pedras preciosas e todos
os bens de todo o universo. Eu conduzo as pessoas que vêm até mim pelos caminhos
da justiça e da prudência e os enriqueço com a posse dos verdadeiros filhos, suprindo
plenamente seus desejos. E estejam certos de que meus mais doces prazeres e minhas
mais caras delícias são entreter-me e permanecer com os filhos dos homens.”
68. “Agora, filhos, escutai-me. Bem-aventurados os que seguem meus caminhos.
Ouçam minhas instruções, sejam sábios e não as rejeitem. Feliz aquele que me ouve,
que vigia todos os dias à entrada de minha casa e permanece à minha porta.
Aquele que me encontrar, encontrará a vida. E usufruirá da salvação da bondade
do Senhor. Mas aquele que pecar contra mim ferirá sua alma. Todos os que me
odeiam amam a morte” (cf. Pr 8,31-36).
69. Depois de tudo o que Ela disse de mais terno e mais convidativo para atrair a
amizade dos homens, Ela ainda teme que, devido a seu fulgor maravilhoso e a sua
soberana majestade, eles não ousem, em sinal de respeito, aproximar-se dela. Por isso
Ela lhes revela que “se adianta para ser conhecida por aquele que a deseja. Quem por
ela madruga não se cansará, pois a encontrará sentada junto à porta de casa. Meditar
sobre ela, portanto, é a perfeição da inteligência, e quem dela cuida estará logo sem
preocupações” (Sb 6,13-15).
39
II. A Encarnação, a morte e a Eucaristia
70. Por fim, para aproximar-se mais dos homens e testemunhar-lhes de modo mais
sensível seu amor, a Sabedoria eterna fez-se homem, tornando-se criança, tornando-se
pobre e morrendo por eles na cruz.
Quantas vezes Ela exclamou:
Venham a mim. Venham todos a mim. Sou eu. Não tenham medo! (Jo 6,20).

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