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Razão e sensibilidade - Jane Austen

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Sumário
Uma família
Assuntos financeiros
Uma agradável surpresa
Mudando de vida
Casamentos e amores
Um encontro arrebatador
Um casal apaixonado
Partida repentina
Reviravolta e desconfiança
Uma visita aguardada
Uma amiga" inconveniente
Uma estação em Londres
O segredo de Willoughby
Encontro constrangedor
Reviravolta
Perigo de vida
Um coração puro
Voltando para casa
Encontros e desencontros
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J ane Austen é considerada uma das grandes escritoras inglesas, destacando-sepor seu enfoque social e pela visão aguda dos relacionamentos humanos. Seus
romances são tão lidos hoje quanto na época em que foram escritos, no século XIX.
A sétima criança de um pároco anglicano que vivia no campo, Jane Austen nasceu
em 16 de dezembro de 1775 em Hampshire. Seu pai, o reverendo George Austen, era
um homem inteligente e sensível que incentivava a filha, que amara ler desde cedo.
Seus primeiros trabalhos como escritora foram romances burlescos e populares.
Quando o pai se aposentou, em 1801, a família se mudou para Bath, onde se passa
o romance Northanger Abbey (publicado postumamente em 1818). Depois da morte
do pai em 1805, a família mudou-se para Southampton e depois para Hampshire, em
1809, onde Jane escreveu seus três últimos romances: Mansfield Park (1814), Emma
(1816) e Persuasão (também publicado postumamente em 1818). Razão e
sensibilidade só foi publicado em 1811, e Orgulho e preconceito, publicado em 1813,
era protagonizado pela heroína favorita de Jane, Elizabeth Bennet.
Cercada pela família animada e carinhosa, e totalmente imersa em seus escritos,
Jane Austen levou uma vida pacata. Mesmo assim, atraiu muitos pretendentes e
aceitou até mesmo uma proposta de casamento de um admirador. Logo na manhã
seguinte, porém, mudou de ideia e voltou atrás. Sua vida circunscrita sempre aparece
refletida em seus romances, povoados de famílias empobrecidas, grandes
propriedades rurais, esnobes tolos e mulheres à caça de maridos, ou seja, o próprio
mundo à sua volta, que conhecia tão bem. O escritor romântico Walter Scott elogiou
Jane Austen por seu “toque extraordinário, que rende interesse ao lugar comum e aos
personagens”, e Somerset Maugham, importante autor inglês do século XX, declarou
que Jane “possuía o dom mais precioso dos escritores”, que era manter o interesse
dos leitores. Jane morreu em 1817, aos 42 anos de idade.
Razão e sensibilidade foi o primeiro romance de Jane Austen. Por meio do drama
sentimental de duas irmãs, a autora traça um painel irônico da hipócrita sociedade
inglesa da época, criando um romance que, no fundo, é um admirável estudo do
comportamento humano de todos os tempos e lugares.
4
A
UMA FAMÍLIA
família Dashwood havia muito tempo se estabelecera em Sussex. Sua
propriedade era vasta, e a residência em Norland Park abrigou muitas
gerações que ali viveram de forma respeitável, gozando de boa reputação entre seus
vizinhos. O último proprietário das terras foi um homem solteiro que viveu até idade
avançada e teve como única companheira a irmã. Mas a morte dela, dez anos antes da
morte dele, alterou muito a vida naquela casa. Para compensar a ausência da irmã, ele
convidou e recebeu o sobrinho, Henry Dashwood, o herdeiro legal da propriedade.
Na companhia da família de Henry, sua esposa e filhas, os dias do velho senhor eram
agradáveis e eles se tornavam cada vez mais próximos. A atenção constante de Henry
e sua esposa, satisfazendo todas as vontades do ancião, não por interesse, mas pelo
bom coração que tinham, dava-lhe todo o conforto que alguém da idade dele poderia
receber. E a alegria das crianças acrescentava um sabor especial à sua existência.
De um casamento anterior, Henry Dashwood tinha um filho; do último, três filhas.
O filho, John, um jovem respeitável, estava muito bem assegurado pela fortuna da
mãe e pelo bom casamento que fizera. Por isso, receber como herança a propriedade
em Norland não era para ele tão relevante quanto era para suas irmãs, pois a herança a
que tinham direito, além da propriedade, era muito pequena.
Quando o velho senhor faleceu, a leitura de seu testamento causou tanto
desapontamento quanto deleite. Ele não foi tão injusto nem tão ingrato. Mas deixou
quase todos os seus bens para o neto de Henry Dashwood, um menino de apenas
quatro anos, filho de John Dashwood. O menino acalentou o coração do velho.
Henry, seu herdeiro, ficou profundamente desapontado. Mas não por muito tempo:
sobreviveu ao tio somente por um ano. Na hora da morte, mandou chamar seu filho,
John, e o fez prometer, perante seu leito de morte, que cuidaria das mulheres da
família, dando-lhes tudo de que necessitassem, além das mil libras anuais previstas
em testamento.
John não tinha um temperamento ruim, embora fosse um pouco frio e egoísta.
Cuidava dos negócios com autoridade e era respeitado por todos. Se tivesse se casado
com uma mulher mais amorosa, seria admirado e talvez ele mesmo tivesse se tornado
mais afetuoso. Casara-se muito cedo e adorava a esposa. Mas a mulher, Fanny, tinha
um gênio forte e era egoísta e mesquinha.
Quando prometeu ao pai que ajudaria suas irmãs, tinha em mente acrescentar mil
libras para cada uma delas. Sentiu que seu coração ficou acalentado diante de tanta
generosidade. “Três mil libras! É o suficiente para deixá-las confortáveis para o resto
da vida!”, pensava, dia após dia, sem se arrepender.
Assim que o pai de John foi enterrado, Fanny chegou para tomar posse da casa
com seus empregados. Ela estava em pleno direito, afinal, a casa era do marido.
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Fanny nunca fora querida na família dele e até aquele momento não tinha usado
nenhuma situação para demonstrar o menor interesse possível em confortar outras
pessoas.
A viúva, a Sra. Dashwood, ficou tão indignada com esse comportamento
indelicado que quase partiu imediatamente da casa, e, se não fosse pela filha mais
velha, teria rompido também com o meio-irmão de suas filhas.
Elinor, a mais velha, tinha uma força de caráter e frieza de julgamento que a
qualificavam como conselheira de sua mãe, embora tivesse apenas 19 anos. Em
benefício de todos, sempre impedia que os rompantes da mãe levassem a qualquer ato
de imprudência. A jovem também tinha um excelente coração, era carinhosa e
afetuosa. Mas sabia perfeitamente governar suas emoções, conhecimento que sua mãe
ainda precisava aprender e que uma de suas irmãs tinha decidido ignorar.
Marianne era como a irmã, sensível e inteligente. Mas levava tudo aos extremos:
seus lamentos, suas alegrias, nada era moderado. Era generosa e amável, dedicada e
sensível. Tudo, menos prudente. Isso a tornava muito parecida com a mãe.
Elinor se preocupava com as emoções exacerbadas da irmã, mas a mãe as
valorizava. Ambas se entregaram à agonia do luto, renovando seus lamentos vez após
vez, rebelando-se contra qualquer tipo de consolo. Elinor também estava
profundamente aflita, mas esforçava-se ao máximo. Conversava com o irmão, recebia
com atenção a esposa dele e ainda conseguia encorajar a mãe a aguentar o fardo de
ser sociável.
Margaret, a mais nova, era bem-humorada e bem-disposta. Tinha um pouco da
personalidade romântica de Marianne e um pouco de sensatez. Mas, com 13 anos,
ainda estava muito distante da realidade das irmãs.
6
F
ASSUNTOS FINANCEIROS
anny Dashwood agora era a senhora de Norland, e a viúva e as filhas tinham
sido rebaixadas à condição de hóspedes. Eram tratadas, porém, com uma
civilidade velada, especialmente por John, que insistia para que se sentissem em casa
até arranjarem alguma outra moradia na vizinhança.
Enquanto isso, Fanny se preocupava com coisas mais práticas. Como seu marido
poderia pensar em tirar três mil libras da fortuna do pequeno Harry, único filho que
tinham, e dar para suas meias-irmãs? Não deveria existir nem mesmo um
relacionamento de afeto entre parentes tão distantes!
– Eu prometi ao meu pai – disse John, quando indagado pela mulher.
– Ora, ele podia não estar em seu juízo perfeito! Senão, como poderia pedir que
você se desfizesse de metade da fortuna de seu próprio filho?
– Ele não disse quanto deveriadar, minha querida... Apenas pediu que eu não as
deixasse desamparadas. Eu prometi e devo cumprir. Devemos prover o necessário
quando deixarem Norland e forem para uma nova casa.
– O necessário não precisa ser três mil libras. Lembre-se de que não podemos
pedir o dinheiro de volta. Quando elas se casarem, então, perderemos tudo para
sempre! Nosso pobre garoto...
– Bem, é certo que fará uma grande diferença para ele. Quem sabe, no futuro, ele
pode até me culpar por não ter deixado mais dinheiro em nossas mãos. Se ele tiver
uma família numerosa, será ainda pior...
– Certamente...
– Bem, então será metade. Quinhentos a mais para cada uma será um grande dote.
– Ora, que irmão faria isso por três irmãs? E elas nem são realmente irmãs... Que
espírito generoso!
– Prefiro dar mais do que menos. E não quero que elas pensem que não fiz o
suficiente por elas. Elas não podem esperar mais do que isso.
– Não sabemos o que elas podem esperar... Mas também não podemos nos guiar
pelo que elas esperam. A questão é quanto podemos dar.
– Creio que podemos dar as quinhentas libras. Afinal, as irmãs já vão herdar três
mil libras cada uma no caso da morte da mãe. É uma fortuna confortável para
qualquer jovem.
– Claro que é! Tanto que acredito que não precisam de nada além disso! Terão as
três mil libras para dividir entre si. Quando se casarem, ficarão com o dinheiro do
marido. Se não se casarem, viverão confortavelmente.
– Então, se eu der cem libras por ano para a mãe, todas viverão muito bem.
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A esposa hesitou por alguns instantes, pensando no que fazer.
– É melhor dar as cem libras por ano do que despejar quinhentas libras de uma
vez. Mas se a Sra. Dashwood viver por mais quinze anos, estaremos arruinados.
– Imagine! Quinze anos é muito mais do que ela suportaria viver!
– Não se engane! As pessoas vivem muito mais do que imaginamos quando há
dinheiro em jogo. Uma anuidade é uma coisa muito séria. Todos os anos, a mesma
coisa, pense no que você está fazendo!
– Hum, é verdade, é bem desagradável ter uma saída anual de tanto dinheiro. É
como perder a independência financeira.
– Sem dúvida. Mesmo assim, elas estarão seguras e você não fez mais do que o
esperado, e elas nem precisariam ser gratas. Se eu fosse você, faria tudo com muita
discrição e não me comprometeria a pagar qualquer soma anualmente. Pode ser muito
inconveniente tirar cem ou mesmo cinquenta libras das nossas próprias necessidades.
– Acredito que você tenha razão, meu amor. Melhor não me comprometer todos
os anos. O que eu der ocasionalmente será muito melhor do que qualquer pensão
anual porque elas teriam um padrão de vida mais caro se contassem com esse fluxo
regular de dinheiro. Um presente de cinquenta libras de vez em quando prevenirá que
se preocupem com dinheiro e, eu acho, terá cumprido muito bem a promessa feita ao
meu pai.
– Certamente. E estou convencida de que seu pai não planejava lhes dar dinheiro
algum. Acho que sua ajuda seria mais bem empregada em auxiliar na busca da nova
casa, fazer a mudança e enviar presentes de acordo com a estação. Aposto minha vida
que ele não queria mais do que isso. Elas já têm conforto demais. E têm um custo de
vida tão barato! Além de já terem garantidas as cinquenta libras todos os anos. Que
mais podem querer além disso? Elas é que deveriam lhe dar algum dinheiro!
– Você está perfeitamente certa! – disse John. – Entendo tudo o que meu pai disse,
agora.
Ele então finalmente resolveu que não daria à viúva e às filhas de seu pai mais do
que daria um bom vizinho.
8
A
UMA AGRADÁVEL SURPRESA
Sra. Dashwood continuou em Norland por vários meses, não por desejo
próprio, pois as memórias e lembranças em cada canto eram aflitivas, mas a
melancolia não era maior do que o amor que sentia por cada parede do lugar.
Outro fator muito importante para que a Sra. Dashwood decidisse suportar a
presença de sua nora Fanny foi o sentimento que nasceu entre o irmão dela, Edward
Ferrars, e sua filha mais velha, durante as várias semanas em que ele se hospedou em
Norland.
Algumas mães incentivariam essa intimidade, pois Edward era o filho mais velho
de um homem que morrera muito rico. Mas, para a Sra. Dashwood, era suficiente que
ele fosse gentil e afetuoso, que amasse sua filha e que Elinor também o amasse.
Edward Ferrars não era bonito, e seus modos não agradavam à primeira vista. Era
tímido, mas quando se abria mostrava um coração afetuoso. Era muito educado, mas
não tinha habilidades suficientes para impressionar a mãe e a irmã, que tinham planos
ambiciosos para ele. Edward queria uma vida doméstica e tranquila. Felizmente, para
elas, Robert, o irmão mais novo de Edward, era muito mais promissor.
Várias semanas se passaram antes que Elinor e Edward começassem a passar mais
tempo juntos. A quietude dele a agradava, pois assim sua mente entristecida não era
perturbada por conversas inúteis. A Sra. Dashwood passou também a conhecê-lo
melhor e encantou-se ao perceber que, por baixo de toda aquela educação e reserva,
havia um coração.
Assim que percebeu o mais sutil sinal de amor entre ele e Elinor, já considerou
como certa a ligação entre os dois e esperou ansiosamente pelo anúncio de um
casamento próximo.
Marianne estava muito feliz em ver a irmã tão satisfeita com Edward. Claro que
ela mesma o considerava morno, educado e contido demais. Nunca seria feliz com
uma pessoa como ele. Mas a irmã parecia gostar da expressão tranquila de seu olhar e
da doçura que se escondia sob o manto pesado da timidez.
– Posso até considerá-lo simpático, Elinor – disse Marianne à irmã. – Mas se você
quiser que eu o ame como um irmão, não verei nenhuma imperfeição do lado de fora,
assim como não vejo do lado de dentro.
Elinor se assustou com essa declaração e sentiu que sua afeição ao falar dele
tivesse ultrapassado as barreiras da discrição. Acreditava que Edward também sentia
o mesmo por ela. Mas tinha que impedir que Marianne pensasse que aquilo fosse
maior do que apenas uma afeição entre amigos.
– Eu não nego que o estimo muito – disse Elinor.
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– Eu gosto muito dele.
Marianne ficou indignada ao ouvir isso.
– Estimo? Gosto? Que coração frio, Elinor! Use essas palavras novamente e eu
saio imediatamente daqui!
Elinor não conseguiu segurar o riso.
– Desculpe-me – disse ela. – Não se impressione com minha forma de falar, mas
esteja certa de que meus sentimentos são mais fortes do que posso expressar. Mas não
sei o que Edward sente por mim. Até que eu tenha certeza sobre os seus sentimentos,
não posso declarar nada. E ele não está sozinho nessa decisão. A mãe dele e Fanny
criarão muitas dificuldades caso Edward decida se casar com uma mulher que tenha
menos fortuna do que ele.
Elinor não podia estar mais certa. Nesse exato momento, Fanny e a Sra.
Dashwood conversavam sobre a presença de Edward na casa, o que fez Fanny
comentar as expectativas da mãe dela sobre o casamento dos filhos, deixando claro
que, se Edward ou Robert decidissem se casar com mulheres inferiores à sua posição,
seriam deserdados sem nenhum centavo. E que a mulher que quisesse aproveitar a
boa índole de qualquer um deles estaria em perigo.
Diante disso, a Sra. Dashwood resolveu que sairia o mais rapidamente possível
dali, poupando sua querida Elinor de qualquer insinuação maldosa ou sofrimento
futuro.
Justamente nessa ocasião, a Sra. Dashwood recebeu uma carta de seu primo, Sir
John Dashwood, um rico e distinto senhor de Devonshire. Sabendo que ela e as filhas
precisavam de um lugar para morar, oferecia-lhes um chalé na sua propriedade, em
Barton Park. Ele as convidava para irem até lá e conhecerem a casa. Se elas
gostassem, poderiam ficar ali, pagando um aluguel módico. Seu tom era tão amável
que a Sra. Dashwood não precisou pensar muito e tomou a decisão de partir assim
que acabou de ler a carta. Barton era distante, mas deixar Norland já não era mais um
fardo tão pesado. Elinor não queria partir naquele momento, mas o aluguel era tão
baixo, e as condições, tão favoráveis à mudança, que ela nem quis tentar convencer a
mãe de fazer algotão contrário ao bom senso.
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A
MUDANDO DE VIDA
ssim que a resposta de aceitação estava a caminho, a Sra. Dashwood
comunicou aos donos da casa que partiria assim que arrumasse tudo e não os
incomodaria mais. E o anúncio da mudança para Devonshire fez com que Edward
reagisse com surpresa e preocupação.
– Devonshire! Mas é tão longe!
– É apenas um chalé, mas tenho certeza de que, se os amigos não se importarem
em ir tão longe para me visitar, também não terei problemas em arrumar um lugar
onde possam ficar.
Em seguida, convidou John e Fanny para visitarem seu novo lar e fez um convite
ainda mais amável para Edward. Separar sua filha dele era a última coisa que gostaria
de fazer, mas as circunstâncias não permitiriam aquela união.
Apenas o mordomo e uma das empregadas foram enviados à nova casa e todos os
outros se despediram das mulheres em lágrimas. Lágrimas foram derramadas por
Marianne e pela Sra. Dashwood ao olharem pela última vez a moradia tão querida.
A primeira parte da viagem até Devonshire foi melancólica, mas, ao avistarem a
beleza da verde propriedade, foram tomadas por uma grande alegria.
O chalé era pequeno, mas confortável. Os criados estavam sorridentes, e a
animação era geral. Era o começo de setembro, o tempo estava agradável, e ter tido a
primeira impressão numa tarde tão agradável favoreceu a simpatia pelo lugar.
Havia colinas na parte de trás da casa, que estava em boas condições. Ao longe,
algumas casas podiam ser vistas das janelas do chalé, formando uma bela paisagem.
Na frente, dominava o vale até as fronteiras da propriedade.
A Sra. Dashwood ficou bem satisfeita com os móveis. Ela sabia que sua nova vida
requereria novos modos e contentou-se em esperar a primavera para construir mais
cômodos para hóspedes e para a própria família. Enquanto isso, teria que economizar
os rendimentos de quinhentas libras por ano, algo inédito para alguém que nunca
economizara na vida. Mas estavam todas decididas a transformar aquele lugar num
lar: o cravo de Marianne já estava na sala, e os desenhos de Elinor cobriam as
paredes.
Depois do café da manhã do dia seguinte, receberam a visita do dono de Barton
Park, Sir John Middleton, um simpático senhor de uns quarenta anos. Era bem-
humorado e amigável, como elas puderam sentir pela carta que lhes escrevera. Fazia
questão de que jantassem em sua casa todas as noites. Mandava-lhes frutas e também
ferramentas para jardinagem como presentes. Além disso, encarregava-se da
correspondência delas e lhes entregava o jornal diariamente.
Lady Middleton veio no outro dia e, assim como Sir John, parecia ansiosa em
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agradar as novas hóspedes, demonstrando como a chegada delas tinha alegrado sua
vida. Era bela e alta. Levou consigo o filho de seis anos, seu mais velho, que era sua
cópia fiel.
Barton Park, o lar dos Middletons, ficava a um quilômetro do chalé e era grande e
belo. Os Middletons levavam uma vida elegante e eram hospitaleiros. Ele gostava de
caçar e viajar; ela entretinha as crianças.
A Sra. Jennings, mãe de Lady Middleton, chegou para o jantar daquela noite. Era
bem-humorada e gorda, falava muito e parecia feliz demais, até mesmo um pouco
vulgar. Contava piadas e fazia brincadeiras o tempo todo, e antes que o jantar tivesse
terminado já tinha conseguido envergonhar Marianne e Elinor com piadas sobre
namorados e maridos.
O coronel Brandon, amigo de Sir John, era sério e silencioso. Sua aparência não
era das piores, mas, na opinião de Marianne e Margaret, ele parecia um velho
solteirão de trinta e cinco anos. Embora não tivesse um rosto bonito, suas maneiras
eram delicadas e ele agia como um cavalheiro.
O comportamento reservado de Lady Middleton contrastava com a alegria efusiva
da Sra. Jennings e do Sr. John. Juntando-se a empáfia do coronel e o barulho das
quatro crianças, que rasgavam as roupas da mãe e impediam qualquer conversa de
chegar ao final, qualquer jantar parecia uma noite perdida.
Marianne foi convidada a tocar cravo depois do jantar e, como era uma excelente
cantora, foi muito aplaudida. O coronel prestou apenas a atenção devida, mas
Marianne considerou um elogio que alguém numa idade tão avançada pudesse ainda
ter um ouvido sensível.
12
A
CASAMENTOS E AMORES
Sra. Jennings era viúva, com duas filhas bem-casadas. Só lhe restava,
portanto, tentar casar todas as outras moças solteiras que encontrava e para
isso era zelosamente ativa, projetando casamentos entre todos os jovens que
conhecia. Elogiando o poder de sedução das damas e as vantagens da união aos
senhores, unia casais rapidamente. Logo que chegou a Barton Park, declarou que o
coronel estava apaixonado por Marianne, pela forma atenta com que ele a ouviu
tocar. Era um casamento perfeito, pois ele era rico e ela era linda. A Sra. Jennings
ansiava em ver o coronel bem-casado desde que o conhecera. E, claro, estava sempre
ansiosa em procurar um bom marido para uma linda moça.
Em todo Barton Park, o assunto tornou-se o alvo de inúmeras piadas. A Sra.
Dashwood não conseguia acreditar que um homem apenas cinco anos mais novo do
que ela mesma seria objeto de afeição da filha.
– O coronel é velho o suficiente para ser meu pai! – disse Marianne, quando a
família se encontrava na privacidade do chalé. – E não acredito que ele ainda tenha
qualquer energia sobrando para sentir uma gota de amor! É ridículo!
– Ora, minha querida! – respondeu a mãe, rindo. – Se você pensar assim, é um
milagre que minha vida tenha se estendido tanto! Quarenta anos!
– Mamãe, você não me entendeu! Não acho que os amigos do coronel temam que
ele morra de velhice, mas trinta e cinco anos não é mais idade para pensar em
casamento.
– Talvez trinta e cinco e dezessete não sejam uma boa combinação. Mas se uma
mulher tivesse vinte e sete anos, acredito que não se oporia a essa união.
– Uma mulher de vinte e sete... – Marianne fez uma pausa. – Não pode esperar
sentir ou inspirar a afeição de alguém. Se ela for se casar, talvez seja para cuidar de
um homem velho. Seria um casamento de conveniência: dele e dela. Para os meus
olhos, isso não seria um casamento, mas um acordo comercial, onde cada um se
beneficiaria dos recursos do outro.
– Eu sei que seria impossível convencer você de que uma mulher de vinte e sete
pode sentir amor pelo seu companheiro de trinta e cinco – interrompeu Elinor, antes
de deixar a sala.
– Mamãe, por falar em doentes, preocupo-me com Edward – disse Marianne. – Já
faz quase um mês que estamos aqui, e ele não veio nos visitar. Tenho certeza de que
apenas uma doença causaria uma ausência tão prolongada. O que mais pode detê-lo
em Norland?
– Você acreditava mesmo que ele viria logo? – perguntou a Sra. Dashwood. – Eu
não. Pelo contrário. Elinor está esperando por ele?
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– Não lhe perguntei isso, mas tenho certeza que sim.
– Acho que você está enganada, pois estávamos conversando ontem sobre arrumar
o quarto de hóspedes e ela disse que não havia pressa.
– Que estranho! Ela é tão fria! E Edward também! Ele se despediu de Elinor do
mesmo jeito que se despediu de mim, como um irmão. E Elinor, deixando para trás
Norland e Edward, não chorou nem metade do que eu chorei. Quando ela demonstra
tristeza? Quando demonstra que está sentindo alguma coisa?
14
A
UM ENCONTRO ARREBATADOR
família Dashwood estava agora acomodada com relativo conforto. A casa, o
jardim e todos os objetos ao redor agora eram familiares, e o dia a dia era
mais prazeroso do que os dias em Norland sem a presença do pai. Sir John, que tinha
visitado as inquilinas todos os dias desde que tinham se mudado havia duas semanas,
não conseguia esconder seu espanto em encontrá-las sempre ocupadas.
Além dos moradores de Barton Park, recebiam poucos visitantes. Sir John insistia
que elas deviam conhecer a vizinhança e fazia questão de lembrar que sua carruagem
estava sempre à disposição, mas a Sra. Dashwood abdicou da vida social em prol das
filhas e se recusou a visitar qualquer um que estivesse a uma distância maior do que
poderiam andar.
Em Allenham Court, não muito longe de Barton Park,havia uma imponente
mansão antiga chamada Combe Magna, que atiçou a curiosidade das meninas por se
tratar de uma construção muito semelhante à antiga casa delas em Norland Park. Ali
morava uma senhora muito idosa, de bom caráter, mas infelizmente adoentada
demais para receber visitas.
Essa região era belíssima e as convidava todos os dias pelas janelas do chalé para
um passeio pelos vales e pequenos montes. Numa manhã, Marianne e Margaret foram
caminhar por ali, atraídas por um raio de sol no meio de um céu nublado, que não
conseguiu conter a chuva que já ameaçava cair. Mas Marianne insistia que não
choveria e que as nuvens ameaçadoras seriam levadas para além das montanhas.
Subiram alegremente os montes, entretidas com o resto de céu azul. E quando o
vento soprou em seus rostos, lamentaram a ausência de Elinor e sua mãe.
– Há alguma felicidade no mundo que seja maior do que esta? – declarou
Marianne. – Margaret, vamos andar por aqui por pelo menos mais duas horas!
Margaret concordou, e as duas abriram caminho contra o vento, rindo com prazer
por uns vinte minutos, até que as nuvens se reuniram e despejaram uma forte chuva.
Surpresas, foram obrigadas a dar meia-volta, pois não havia onde se abrigar. Uma
última felicidade lhes seria permitida: correr o mais rápido possível barranco abaixo,
diretamente para o portão de casa.
Partiram. Marianne estava na frente, mas, de repente, pisou em falso e caiu.
Margaret, embalada como estava, não conseguiu parar até se apoiar no portão.
Um cavalheiro, portando uma arma, com dois cachorros brincando ao seu redor,
passava por perto no exato momento do acidente de Marianne. Largou a arma e
correu para socorrê-la. Ela conseguiu se levantar, mas não podia andar. Sem pensar
duas vezes, o cavalheiro ergueu-a do chão e a carregou barranco abaixo, passando
pelo portão deixado aberto por Marianne e colocando-a sentada numa cadeira na
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varanda.
Elinor e a mãe se assustaram com a cena, arregalando os olhos para saber se
Marianne estava bem e para ver melhor toda a beleza do jovem cavalheiro, que se
expressava com franqueza e graça, com uma voz que adicionava ainda mais charme à
sua pessoa. Se fosse velho, feio e vulgar, a gratidão da Sra. Dashwood seria restrita
ao fato de ter socorrido a filha. Mas a influência da juventude, da beleza e da
elegância despertava nela muito mais do que gratidão.
Agradeceu ao rapaz inúmeras vezes, com tanta doçura quanto conseguia pôr na
voz. Ele se recusou a ficar, mas antes de partir disse que seu nome era Willoughby,
que morava em Allenham e que gostaria de retornar no dia seguinte para ver como
estava a senhorita. Foi-lhe garantido que estariam esperando por ele, e ele partiu no
meio da chuva, tornando-se ainda mais interessante.
Todas ficaram admiradas com a beleza e a graciosidade dele. Mas a imaginação de
Marianne já estava indo longe, junto com seu herói. O tornozelo já não doía tanto.
Sir John chegou logo após a chuva ter parado e ficou sabendo do acidente de
Marianne e do herói que a salvara.
– Willoughby! – gritou Sir John. – Ora, ele está aqui? Isso é uma boa notícia. Irei
lá amanhã e o convidarei para jantar.
– Então, você o conhece? – perguntou a Sra. Dashwood.
– Claro! Ele vem todos os anos.
– E que tipo de homem ele é?
– É um jovem decente. E não há cavaleiro melhor na Inglaterra.
– Ora, isso é tudo que sabe sobre ele? – indignou-se Marianne. – Quem é ele de
verdade? Quais são seus desejos, seus talentos, suas habilidades?
Sir John ficou um pouco confuso.
– Não o conheço tanto assim. Mas ele é um sujeito agradável e bem-humorado.
Herdará Allenham Court de sua tia, a Sra. Smith, além de ter uma bela propriedade
em Somersetshire. É um bom partido, senhorita Dashwood, e, se eu fosse você, não
desistiria dele nem pela queda da minha irmã mais nova. Marianne não deve esperar
conquistar todos os homens sozinha. O coronel ficará com ciúmes. Eu me lembro do
Natal do ano passado, em que ele dançou das oito da noite até as quatro da manhã
sem se sentar nem uma única vez.
– É mesmo? – espantou-se Marianne, com os olhos brilhando. – É assim que um
jovem deve ser em tudo: incansável.
– Pois é – disse Sir John. – Pobre Brandon, ninguém pensará nele agora?
No dia seguinte, a Sra. Dashwood recebeu Willoughby com um sorriso de
satisfação. Marianne estava radiante. E transpareceu ainda mais a felicidade que
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sentia no decorrer da conversa, quando descobriram que tinham muitos gostos em
comum, especialmente em relação aos livros e autores preferidos. Conheciam as
mesmas passagens de cor. E quando Willoughby partiu, ficou a impressão de que era
um velho conhecido.
– Bem, Marianne – disse Elinor, assim que ele saiu. – Para apenas uma manhã,
você conseguiu falar de todos os assuntos e autores mais importantes, e logo não
haverá mais nada para conversarem.
– Elinor, como você pode dizer isso? – gritou Marianne. – Perdoe-me por ser feliz
demais, falar demais e me exceder além da discrição!
– Minha querida – disse a mãe. – Sua irmã estava apenas brincando. Eu mesma
lhe daria uma bronca se achasse que ela seria capaz de se ofender com a alegre
conversa que teve com seu novo amigo!
Marianne se acalmou por um instante.
Willoughby, por sua vez, fornecia todas as provas que podia de que se encantava
com os encontros e com as possibilidades futuras que poderiam aparecer daquelas
afinidades. Vinha todos os dias. Perguntar por Marianne tinha sido sua primeira
desculpa, mas logo que ela se recuperou totalmente, as desculpas deram lugar à
familiaridade. Willoughby era um jovem habilidoso, de imaginação fértil, caloroso e
afável com todos. Era perfeito para conquistar o coração de Marianne: não era apenas
uma pessoa cativante, mas tinha uma natureza inquieta e apaixonada que ficava ainda
mais evidente diante da presença dela.
Liam, conversavam e cantavam juntos. Os talentos musicais dele eram
consideráveis, e ele lia com toda a sensibilidade e entrega que faltavam em Edward.
A Sra. Dashwood o considerava um par perfeito para Marianne. E Elinor apenas o
repreendia por falar o que pensava em alto e bom som, independentemente da ocasião
e das pessoas presentes. Formar e emitir opiniões apressadamente, correndo o risco
de causar antipatias, era algo que Elinor não aprovava.
Marianne começou a perceber que o desespero que sentia aos dezesseis anos e
meio, achando que nunca encontraria um homem que pudesse satisfazer seus ideais
de perfeição, tinha sido precipitado e injustificado. Willoughby era tudo o que
desejava e, melhor ainda, ele também a desejava.
A mãe das meninas estava esperançosa com as perspectivas das filhas,
congratulando-se em segredo por terem conseguido para ela dois genros como
Willoughby e Edward.
A afeição do coronel Brandon por Marianne, antes percebida pelos amigos da
família, agora ficava clara para Elinor. Ele dirigia as atenções para seu rival. Mas o
que podia fazer um homem tímido de trinta e cinco contra um galante jovem de vinte
e cinco? Elinor gostava dele, mas nem podia lhe desejar sorte, pois não era esse o
17
caso. Ela o encarava com respeito e compaixão, especialmente depois do relato de Sir
John sobre os infortúnios que ele sofrera no passado. Também sentia pena dele
porque Willoughby e Marianne faziam questão de diminuir quaisquer méritos que
podiam engrandecê-lo, só por ele ser “quieto e velho”, e consideravam um privilégio
não gostar dele.
18
N
UM CASAL APAIXONADO
em a Sra. Dashwood nem as filhas poderiam prever que teriam tantas
ocupações e tantos encontros no novo lar. Além disso, os bailes em Barton
Park começaram, e festas e piqueniques eram constantes. Willoughby sempre estava
presente, e a informalidade de tais festas permitia que o rapaz se aproximasse cada
vez mais da família Dashwood, apreciasse e conhecesse cada vez mais os talentos de
Marianne, demonstrasse sua admiração e recebesse em troca as provas da afeição
mútua que sentiam.
Elinor não estava surpresa com o desenrolar dos fatos. Ela apenas tinha
aconselhado a irmã que não se expusesse tanto. Mas Marianne abominavaqualquer
forma de fingimento e restringir os sentimentos era um esforço desnecessário, uma
sujeição absurda ao lugar-comum. Willoughby pensava o mesmo, e o comportamento
dos dois ilustrava muito bem o que pensavam.
Quando ele estava presente, ela não tinha olhos para mais ninguém. Tudo o que
ele fazia estava certo. Tudo que ele dizia era inteligente. Se estavam jogando cartas,
ele trapaceava para lhe dar a melhor mão. Se era um baile, dançavam sempre juntos e,
se fossem obrigados a se separar por uma música ou duas, não falavam com mais
ninguém. Todos riam deles por causa disso. Mas o papel ridículo que faziam parecia
que não os envergonhava.
A Sra. Dashwood não os incomodava nem repreendia. Para ela, isso era apenas o
comportamento de um casal jovem e espontâneo.
Marianne nunca tinha sido tão feliz. Seu coração estava completamente devotado
a Willoughby. Elinor não sentia o mesmo. Norland ainda trazia muitas lembranças e
nem Lady Middleton nem a Sra. Jennings lhe faziam a companhia que precisava,
mesmo a primeira sendo tão bondosa, e a segunda, tão boa de prosa. Lady Middleton
parecia apática e insípida: seu humor estava sempre imutável. Concordava com as
festas promovidas por seu marido, contanto que fossem sempre do jeito que ela
queria e que seus dois filhos mais velhos estivessem presentes, mas nunca parecia se
divertir. E também não divertia ninguém pois só era notada quando uma das crianças
fazia alguma travessura e chamavam por ela.
Apenas o coronel Brandon era alguém que Elinor considerava digno de amizade e
tinha prazer em sua companhia. Willoughby estava fora de questão. Pensava apenas
em si próprio ou, no máximo, em Marianne. O coronel não era tão egoísta e,
conversando com Elinor, encontrava consolo pela total indiferença de Marianne.
Elinor sentia uma grande compaixão por ele e, pelas conversas, conseguiu
perceber que o sentimento de rejeição amorosa não lhe era estranho. Essa suspeita foi
confirmada uma noite em Barton Park, quando estavam sentados juntos enquanto os
outros dançavam. Os olhos dele estavam fixos em Marianne.
19
– Sua irmã, pelo que vejo, acredita que o primeiro amor seja verdadeiro e eterno –
disse ele depois de alguns minutos, com um sorriso sem graça.
– Creio que hoje, sim – respondeu Elinor. – É que ela é muito romântica. Será
mais fácil para ela aceitar um segundo amor mais tarde, quando for mais experiente e
madura.
– Provavelmente sim – concordou ele. – Mas há algo de tão amável nas ilusões de
uma mente jovem que é quase triste desistir delas pelo bom-senso.
– Nisso eu não concordo com você – disse Elinor. – Os sentimentos de Marianne
são, por vezes, inconvenientes, e o charme do entusiasmo e ignorância pode
rapidamente ser substituído por infortúnio. Quanto mais rápido ela aprender como
funciona o mundo, melhor.
Depois de uma pequena pausa, ele voltou a falar.
– E aqueles que se decepcionaram nas suas primeiras escolhas, tanto pela
inconstância de seus parceiros quanto das circunstâncias, deveriam ser infelizes pelo
resto da vida?
– Juro que desconheço a opinião dela sobre isso. Sei apenas que ela nunca me
disse em que circunstância poderia ser aceitável uma segunda união.
– Uma mente jovem muda muito de opinião, especialmente diante de ímpetos
românticos. E isso é tão perigoso! Falo por experiência própria: conheci uma dama
cujo temperamento e espírito se pareciam muito com os de sua irmã. Ela pensava e
julgava como Marianne e, por causa de uma série de infelicidades...
Ele fez uma pausa repentina, aparentando desconforto por ter falado demais.
Elinor não forçou o coronel a revelar mais nada. Mas Marianne, no lugar dela, não
teria se contentado com tão pouco. Toda a história teria rapidamente um começo, um
meio e um fim na sua mente imaginativa, e o palco estaria pronto para a encenação
mais melancólica de um amor trágico.
Na manhã seguinte, Elinor e Marianne foram dar um passeio. Para espanto da
irmã, Marianne contou que Willoughby tinha lhe presenteado com um cavalo criado
na propriedade que ele mantinha em Somersetshire, que tinha o tamanho exato para
carregar uma mulher. Sem considerar que não estava nos planos da mãe manter um
cavalo – afinal, teria que contratar mais um empregado para mantê-lo e outro para
exercitá-lo, além de ter que construir um estábulo –, ela aceitou o presente sem
hesitar, demonstrando muita animação.
– Ele irá enviá-lo imediatamente – acrescentou ela. – E, quando ele chegar,
cavalgaremos todos os dias. Você poderá cavalgar também, Elinor. Imagine como
deve ser gostoso galopar nessas montanhas!
Marianne estava resoluta em não acordar desse sonho de felicidade para
compreender tudo o que estava envolvido nisso. Um empregado a mais não seria
20
nada. Um estábulo, imagine! Um simples barracão seria o suficiente. Elinor não
conseguia aceitar que um homem tão pouco conhecido desse um presente desses à
sua irmã.
– Você está enganada, Elinor – disse Marianne, com ternura – em supor que
conheço pouco de Willoughby. Não o conheço há muito tempo, mas estou mais
familiarizada com ele do que com qualquer outra criatura no mundo, exceto você e
mamãe. Não é o tempo que determina a intimidade, mas a vontade. Sete anos podem
não ser suficientes para algumas pessoas, enquanto outras se conhecem plenamente
em sete dias.
Elinor não insistiu. Ela conhecia os pensamentos da irmã. Mas apelou para a
compaixão pela mãe, que faria qualquer sacrifício para mimá-la. Marianne cedeu,
prometendo nem mencionar o assunto à mãe e dizer a Willoughby que não poderia
aceitar o presente da próxima vez que o visse.
Ela se manteve fiel à promessa, e quando Willoughby apareceu no chalé, no
mesmo dia, Elinor escutou a irmã expressando em voz baixa seu desapontamento ao
recusar o presente, explicando todas as razões. O rapaz ficou visivelmente
consternado, mas conseguiu acrescentar em voz baixa:
– Marianne, o cavalo ainda é seu. Apenas ficará comigo até que você se estabeleça
na sua casa definitiva.
Quando Elinor escutou isso, da maneira com que ele falou e como disse o nome
dela, imediatamente viu uma intimidade entre os dois que só podia ser conseguida
através de um comprometimento formal. Margaret, que no dia anterior tinha passado
a tarde com Willoughby e Marianne, também tinha dito a ela que a irmã tinha dado a
ele um cachinho de cabelo, que ele beijou no momento que recebera e guardara com
carinho. A caçula teve certeza de que eles se casariam logo e então, diante de seus
olhos e ouvidos, Elinor não tinha razões para duvidar do fato.
21
E
PARTIDA REPENTINA
m alguns dias, os Middleton convidaram todos os vizinhos para uma visita à
famosa mansão de Whitwell, o que tinha sido possível graças aos bons
relacionamentos do coronel Brandon. A manhã estava agradável, embora tivesse
chovido na noite anterior: as nuvens estavam se dispersando, e o sol começava a
aparecer. Estavam todos de bom humor e ansiosos pelo passeio.
Enquanto estavam tomando o café da manhã, em Barton Park, chegaram as cartas.
Uma delas era para o coronel Brandon. Ele pegou o envelope, olhou para o
remetente, mudou de cor e imediatamente deixou a sala.
– Qual é o problema com Brandon? – perguntou Sir John.
– Espero que não sejam notícias ruins – disse Lady Middleton. – Mas deve ser
algo extraordinário para fazer com que o coronel deixe a mesa dessa forma.
Em cinco minutos, ele estava de volta.
– Espero que não sejam más notícias, coronel – disse a Sra. Jennings, assim que
ele entrou na sala.
– Não, senhora. É apenas uma carta de negócios.
– Não é possível que uma carta de negócios tenha mexido tanto com você! Ora,
coronel, conte-nos a verdade!
O coronel continuou em silêncio enquanto Lady Middleton repreendia a mãe pela
indelicadeza.
– Bem – disse, finalmente, a Sra. Jennings. – Eu sei de quem é, coronel. E espero
que ela esteja bem.
– A quem a senhora se refere? – perguntou ele, corando.
– Ora, você sabe quem.
– Eu sinto muito – disse ele para Lady Middleton.
– Esta carta requer que eu cuide imediatamente de alguns negócios na cidade.
– Na cidade? – gritoua Sra. Jennings. – O que você vai fazer na cidade nesta
época do ano?
– É uma pena deixar um grupo tão animado, mas é ainda pior saber que sem mim
não poderão entrar em Whitwell.
Todos ficaram extremamente desapontados ao ouvir isso!
– Mas, coronel – disse Marianne, ansiosa. – Se o senhor escrever uma carta para o
responsável, não será suficiente para entrarmos?
Ele balançou a cabeça, negando.
– Ora, vá para a cidade amanhã! – disse Sir John.
22
– Não posso adiar minha ida nem por mais um minuto.
Elinor escutou Willoughby dizendo a Marianne que algumas pessoas não
aguentavam estar na presença de pessoas alegres e animadas. Ela concordou
veementemente.
– Eu já o conheço suficientemente bem para saber que não consigo dissuadi-lo de
nada que esteja determinado a fazer – disse Sir John.
O coronel se desculpou mais uma vez e declarou novamente ser inevitável sua
partida.
– Apareça em Barton, coronel – disse Lady Middleton. – Iremos a Whitwell assim
que você voltar.
– Muito obrigado, mas ainda não sei quando voltarei.
– Se você não voltar até o final da semana, iremos buscá-lo! – disse Sir John.
– Isso mesmo, Sir John – gritou a Sra. Jennings. – E por favor descubra o que ele
foi correndo fazer lá.
– Não me intrometo nos assuntos dos outros – respondeu Sir John. – Boa viagem,
coronel!
– Há alguma chance de ver você e suas irmãs na cidade neste inverno, senhorita
Dashwood?
– Temo que não – respondeu Elinor.
– Então, nosso adeus durará mais do que eu gostaria.
Marianne apenas cumprimentou-o de longe, sem dizer nada.
O coronel deixou então a sala, acompanhado de sir John.
Os lamentos e reclamações, antes educadamente restritos, tomaram a sala. E todos
concordavam em como tudo isso tinha se tornado uma grande decepção.
– Mas acho que posso adivinhar o que ele foi fazer – disse a Sra. Jennings,
exultante.
– Pode? – perguntaram todos juntos.
– Sim, tenho certeza de que envolve a senhorita Williams.
– E quem é a senhorita Williams? – perguntou Marianne.
– Ora, você não sabe? Tenho certeza de que já ouviu falar dela. Ela tem uma
relação muito próxima com o coronel. Próxima o bastante para não entrarmos em
detalhes que poderiam chocar as mais novas – dirigiu-se em seguida a Elinor,
baixando a voz. – Ela é filha dele.
– É mesmo?
– Oh, sim. Ouso dizer ainda que o coronel deixará para ela toda a sua fortuna.
Quando Sir John voltou, tratou logo de propor outro passeio. Chamou as
23
carruagens para que todos pudessem dar uma volta pela propriedade. Willoughby foi
o primeiro a embarcar, e Marianne estava mais feliz do que nunca quando se juntou a
ele. Saíram a toda velocidade e logo desapareceram de vista. Só voltaram após o
retorno de todas as outras carruagens e pareciam bem felizes com o passeio, embora
ninguém soubesse aonde eles tinham ido.
No baile daquela noite, Willoughby sentou-se, como de costume, entre as duas
irmãs Dashwood. A Sra. Jennings sentou-se à direita de Elinor e, pouco depois que
tinha se acomodado, inclinou-se na direção de Marianne e falou em alto e bom som,
para que Willoughby e Elinor escutassem:
– Mesmo você tendo se escondido tanto, sei muito bem onde você passou a
manhã.
Marianne corou e respondeu rapidamente.
– Onde?
– Ora, você não viu que andávamos com a carruagem aberta? – perguntou
Willoughby.
– Sei muito bem, exibido, e estava determinada a descobrir aonde vocês tinham
ido. Espero que tenha gostado da sua casa, senhorita Marianne. É uma casa bem
grande, e espero que, quando eu for visitá-la, você já tenha trocado a mobília, pois há
seis anos ela já estava velha.
Marianne virou-se, confusa. A Sra. Jennings caiu na risada. Elinor tinha
perguntado ao criado de Willoughby onde eles estavam e tinha sido informada de que
os dois tinham ido até Allenham Court e passado muito tempo andando pelos jardins
e por Combe Magna.
Elinor não acreditou nisso, pois Willoughby não pediria que Marianne entrasse
numa casa onde mal conhecia a dona, a Sra. Smith.
Assim que acabou o jantar, Elinor perguntou à irmã se aquilo era verdade e, para
sua grande surpresa, descobriu que a Sra. Jennings falara a mais pura verdade.
Marianne ficou muito brava ao perceber que a irmã duvidava.
– Por que você duvida, Elinor, que entramos na casa? Você mesma já não me
disse que gostaria de conhecê-la?
– Sim, Marianne, mas eu nunca entraria lá sabendo que a Sra. Smith estava ali e
acompanhada somente do Sr. Willoughby.
– O Sr. Willoughby, entretanto, é a única pessoa que pode ter o direito de mostrar
a casa, além da Sra. Smith. E eu nunca tive uma manhã tão divertida em toda a minha
vida.
– Ter sido divertido não torna certo o que fez.
– Não consigo me divertir quando estou fazendo algo errado. Essa é a maior prova
24
de que não fiz nada reprovável. E se os comentários impertinentes da Sra. Jennings
são prova de uma conduta reprovável, então não passamos um momento impunes.
Não acredito que fiz nada errado ao andar nos jardins e ver a casa da Sra. Smith.
Afinal, um dia, tudo aquilo será de Willoughby e...
– Mesmo que um dia seja tudo seu, Marianne, não justifica sua conduta.
Ela corou, mas gostou de ouvir isso. Depois de pensar por uns minutos, voltou a
falar com a irmã.
– Talvez você esteja certa, Elinor. Talvez eu não tenha agido bem aceitando ir a
Allenham. Mas Willoughby queria tanto me mostrar o lugar! É encantador! Há um
recanto no andar de cima que com mobílias modernas ficaria lindo! É uma sala com
janelas em duas paredes. Do outro lado da casa se veem a igreja e a vila e, atrás delas,
aquelas montanhas que tanto admiramos. As mobílias estragam tudo! Mas
Willoughby disse que, com umas duzentas libras em mobílias novas, ela se tornaria o
lugar mais agradável da Inglaterra!
Se Elinor não tivesse mais que fazer, teria ouvido a descrição de todos os outros
cômodos da casa descritos com o mesmo entusiasmo.
Por dois ou três dias, a Sra. Jennings ainda pensava no que poderia ter arrancado o
coronel Brandon da presença do grupo. Tinha certeza de que eram péssimas notícias e
que ele não conseguiria escapar das consequências.
– Podia ver no rosto dele que era algo terrível – disse ela. – O irmão dele deve ter
pedido dinheiro. O que mais pode ser? Daria tudo para saber a verdade. Mas talvez
seja algo sobre a senhorita Williams, pois ele ficou consternado quando a mencionei.
Talvez ela esteja doente, pois está sempre adoentada. Mas também pode ser a irmã
dele em Avignon. Ele estava com tanta pressa... Bem, espero que ele resolva todos os
problemas, do fundo do meu coração, e ainda saia dessa com uma boa esposa.
A Sra. Jennings não parava de conjecturar, e Elinor, embora estivesse curiosa
sobre o assunto, não gostaria de continuar a especular. Curioso também era o silêncio
de sua irmã e Willoughby, que pareciam particularmente interessados. O silêncio dos
dois continuou por dias, o que não era muito compatível com o comportamento de
ambos.
Elinor podia perceber que o casamento não era uma possibilidade imediata, pois
Willoughby era independente, mas não era rico. Havia uma incerteza quanto ao nível
de comprometimento entre eles, embora não se preocupassem em esconder seu nível
de intimidade. O chalé parecia um lugar estimado e amado por ele, pois passava mais
tempo ali do que em Allenham.
Numa tarde, cerca de uma semana após o coronel deixar o campo, a Sra.
Dashwood mencionou que tinha planos para reformar o chalé na primavera, e
Willoughby reagiu enfaticamente.
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– Por favor! – gritou Willoughby. – Nunca permitirei que faça nada! Nem uma
pedra nem um centímetro devem ser alterados sem mexer com os meus sentimentos.
Para mim, é perfeito. Este lugar é mais querido para mim do que qualquer outro.
A srta. Dashwood olhou encantada para Marianne, cujos olhos brilhantes estavam
fixos em Willoughby, demonstrando que o entendia perfeitamente.
A Sra. Dashwood prometeu que não faria nenhuma alteração que pudesse mudar o
que ele sentia, e Willoughby não escondeu pelo resto da noite sua afeição e
felicidade.
– Veremos você amanhã no jantar?
Ele prometeu que estaria ali às quatro horas.26
A
REVIRAVOLTA E DESCONFIANÇA
Sra. Dashwood e duas de suas filhas foram visitar Lady Middleton no dia
seguinte. Marianne ficou em casa, alegando que tinha algo a fazer, mas sua
mãe sabia que era uma desculpa para encontrar-se sozinha com Willoughby e ficou
muito satisfeita com a perspectiva de que algo estava para acontecer.
Quando voltaram, viram a carruagem aberta e o criado de Willoughby à espera do
lado de fora. A Sra. Dashwood concluiu que suas suspeitas estavam corretas. Mas ela
nunca teria previsto o que encontraria em seguida, pois, ao entrar na casa, Marianne
passou correndo por elas, o lenço cobrindo o rosto, e subiu correndo as escadas.
Surpresas e assustadas, as três foram direto para a sala de onde ela tinha saído e
encontraram Willoughby apoiado na lareira, de costas para a entrada. Assim que ele
se virou para encará-las, viu-se que ele também compartilhava as mesmas emoções
que dominavam Marianne.
– Qual é o problema com ela? – gritou a Sra. Dashwood. – Está passando mal?
– Espero que não – respondeu ele, forçando um sorriso e tentando parecer
simpático. – Sou eu quem deveria estar passando mal, pois acabo de sofrer um grande
desapontamento.
– Desapontamento?
– Sim, pois minha tia, a Sra. Smith, exerceu o privilégio dos ricos sobre um
parente dependente e está me enviando para Londres. Então, ficarei longe de
Allenham e também de vocês.
– Londres? Você está indo agora pela manhã?
– Agora mesmo, neste instante.
– Isso é muito triste. Mas espero que volte logo.
– Não sei quando poderei voltar – disse ele, corando. – Só venho a Allenham no
verão.
– Ora, Willoughby, você não pode vir para nos visitar?
Ele ficou ainda mais corado e, com os olhos fixos no chão, sussurrou:
– Vocês são boas demais.
A Sra. Dashwood olhou para Elinor, surpresa. E Elinor também sentia o mesmo.
Por alguns instantes, ninguém falou nada.
– Você sempre será bem-vindo ao nosso lar, Willoughby – disse a Sra. Dashwood,
quebrando o silêncio.
– Eu tenho que... – respondeu Willoughby, confuso. – Quer dizer, meu
compromisso é...
27
Ele parou. A Sra. Dashwood estava atônita demais para falar, e outro momento de
silêncio se seguiu. Dessa vez, foi Willoughby que o rompeu.
– É tolice continuar aqui – disse ele, com um sorriso. – Não vou me atormentar
nem por mais um momento!
Apressadamente, ele deixou a casa, entrou em sua carruagem e partiu.
A Sra. Dashwood ficou sem palavras e se retirou. Elinor estava igualmente
chocada, pensando na cena com ansiedade e desconfiança: a vergonha e os sorrisos
constrangidos dele, além da falta de comprometimento de retornar o mais breve
possível, não era o que podia se esperar de alguém que ama, ou de alguém como
Willoughby. Elinor pensava que ele realmente não tinha formado um laço sério com a
irmã ou que eles podiam ter brigado, pois o estado em que Marianne se encontrava só
podia ser ocasionado por uma briga séria. Mas a irmã o amava tanto, como podia ter
brigado com ele?
Meia hora mais tarde, a mãe reapareceu. Os olhos estavam vermelhos, mas seu
rosto estava com uma expressão serena.
– Pobre Willoughby! – disse ela, sentando-se para trabalhar. – Como viaja com o
coração pesado!
– Isso é tudo muito estranho. Ontem à noite, ele estava tão feliz, tão carinhoso! E
agora, parte sem saber se voltará. Aconteceu mais do que ele nos falou.
– Era claro que ele queria ficar, mas a Sra. Smith deve ter suspeitado da afeição
dele por Marianne e desaprova essa união. Assim, deve ter arranjado alguma desculpa
para mandá-lo embora. Ele não deve ter tido oportunidade de confessar-lhe o amor
que sente por Marianne e o compromisso assumido por ele. Isso é o que eu acho.
Você suspeita de alguma coisa?
– Não sei, só acredito que Willoughby não é do tipo que guarda segredos. Seria
compreensível que ele escondesse o compromisso com Marianne da Sra. Smith, mas
ele nos falaria. Tanto de suas apreensões quanto de seu compromisso.
– Você acha que os dois estão escondendo o noivado de nós? Você está
procurando motivos para desaprovar a união deles!
– Não, estou apenas querendo uma prova.
– Eu estou satisfeita.
– Mesmo que nenhum dos dois tenha lhe falado nada.
– É visível o amor entre eles. E Willoughby não deixaria Marianne aqui por meses
sem lhe dar a certeza de sua afeição.
– De que se amam, tenho certeza.
– Pelo menos essa verdade você não ignorou! Mas Willoughby não merece as suas
suspeitas. Se ele escolheu manter algo em segredo, tenho certeza de que tem boas
28
razões para isso.
A conversa foi interrompida pela entrada de Margaret, o que deu a Elinor o tempo
necessário para pensar sobre o que a mãe tinha dito. Marianne só apareceu no jantar,
com os olhos vermelhos e inchados. Mal levantava o rosto, não comia nem falava e
acabou explodindo em lágrimas e deixando a mesa quando a mãe lhe apertou a mão
com ternura.
29
M
UMA VISITA AGUARDADA
arianne passou a noite acordada, chorando. No dia seguinte, estava com dor
de cabeça, incapaz de falar ou comer, e ignorou todas as tentativas da mãe
e das irmãs de alegrá-la.
Depois do café da manhã, foi andar em Allenham, chorando pelas lembranças
amorosas e pelos momentos de solidão agora presentes. Até a noite, seu
comportamento foi o mesmo: tocou todas as melodias que costumava tocar com
Willoughby e cantou todas as canções que tinham cantado juntos. Só lia os poemas
favoritos do casal. Fazia passeios solitários e meditava melancolicamente. A cada dia,
seu coração ficava mais pesado.
Uma manhã, depois de uma semana da partida de Willoughby, Elinor convenceu
Marianne a fazer um passeio por Barton Park junto com ela e Margaret, a fim de
controlar seus passos, já que não podia controlar seus pensamentos. Em uma elevação
onde nunca tinham estado antes, avistaram um cavaleiro vindo na direção delas.
– Oh, é ele! – exclamou Marianne. – É ele, eu sei!
– Marianne, você está enganada!
– É ele, sim! É ele!
Marianne correu ao encontro do cavaleiro. Elinor correu atrás da irmã, mais para
socorrê-la quando ela sofresse o choque do desapontamento, o que não demorou a
acontecer. A uns trinta metros, Marianne viu que não era Willoughby e voltou
correndo. Mas a voz de suas irmãs e uma terceira pediram que parasse. Era Edward
Ferrars.
Ele era a única pessoa no mundo que poderia ser perdoada por não ser
Willoughby. Em nome da felicidade da irmã, Marianne sorriu e se esqueceu por
alguns momentos da própria frustração.
Todos o receberam com muita alegria, mas Edward foi um pouco frio ao lidar com
Elinor, segundo a opinião de Marianne. Não era assim que se cumprimentavam duas
pessoas que se amavam.
– Você veio direto de Londres? – perguntou Marianne.
– Não, eu estava em Devonshire nas últimas duas semanas, depois de passar por
Plymouth. Antes disso, passei por Norland.
– Oh, querida Norland!
– Deve estar com todos os caminhos cobertos por folhas secas – disse Elinor.
– Adoro ver as folhas caírem!
– Nem todos gostam de ver as folhas secas caindo, Marianne.
– Alguns compartilham esses sentimentos – disse ela, mergulhando num devaneio
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por alguns minutos.
– Mas Edward, veja estes montes e planícies. Aqui é Barton Park! E ali, depois da
maior montanha, fica nossa casa.
– É lindo aqui – respondeu ele.
– É uma pena que não tivemos tanta sorte com os vizinhos.
– Marianne! – gritou Elinor. – Como você pode ser tão injusta? Os Middletons são
uma família respeitável e sempre foram muito simpáticos. Você já se esqueceu,
Marianne, de quantos dias agradáveis tivemos na companhia deles?
– Não – disse Marianne, em voz baixa. – Nem desses dias nem dos muitos
momentos desagradáveis.
Elinor desconsiderou essa resposta e preferiu prestar atenção ao visitante. A frieza
e reserva dele a feriam profundamente, mas ela preferiu se comportar de acordo com
o passado a se ressentir com o presente.
A Sra. Dashwood lhe deu as mais animadas boas-vindas e dissipou de vez a
timidez e a frieza que Edward apresentava desde o momento em que chegara. Elinor
ficou satisfeita ao perceber que ele era ainda o mesmo Edward que conhecera.
Embora simpático, não pareciamuito feliz, e a família toda percebeu isso.
– O que a Sra. Ferrars planeja para você, Edward? – perguntou a Sra. Dashwood
depois do jantar, quando todos se sentaram ao redor da lareira. – Ela ainda ambiciona
que seja um grande orador?
– Não, ela agora sabe que não posso ser forçado a ser um gênio ou um orador
eloquente. Tenho ambições moderadas e quero, como qualquer um, ser apenas feliz.
E quero fazer isso do meu jeito. Não preciso de grandeza ou dinheiro.
– Grandeza pode não trazer felicidade – disse Elinor. – Mas dinheiro, sim.
– Elinor! – gritou Marianne. – Como você pode dizer isso? Dinheiro só traz a
felicidade onde não há outro meio de consegui-la. Eu, por exemplo, consigo ser feliz
só de me lembrar do passado.
– Ser feliz assim nunca fez parte da minha natureza – disse Edward.
– Nem da natureza de Elinor – disse Marianne.
– Sempre tão discreta, tão subserviente...
– Confesso que sempre tentei influenciar seu comportamento a ser mais discreto –
respondeu Elinor.
– Mas nunca quis que moldasse seus sentimentos e pensasse como os outros.
– Mas pelo jeito ainda não conseguiu convencer sua irmã a ser tão civilizada
quanto você, não é mesmo? – interrompeu Edward. – Queria ter a transparência de
Marianne! Às vezes, minha timidez acaba se tornando uma esquisitice que me
impede de ter muitos amigos.
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– Além disso, você é extremamente reservado – acrescentou Marianne. – E isso é
ainda pior.
– Reservado? Sou reservado?
– Sim, muito.
– Não entendo – respondeu ele, corando. – Reservado! O que posso dizer?
Edward não falou mais o resto da noite e sua seriedade e gravidade voltaram a se
estabelecer com ainda mais poder sobre ele. Elinor ficou incomodada com o
desconforto do amigo. Era evidente que havia alguma coisa errada.
A visita de Edward durou uma semana, e nunca uma semana passou tão
rapidamente.
– Acredito, Edward, que você seria muito feliz em qualquer profissão que casasse
com seu estilo quieto e tranquilo – disse a Sra. Dashwood no último café da manhã
que partilhariam juntos.
– Sempre preferi o clero. Mas minha família sempre preferiu o exército. E isso não
tem nada a ver comigo. Também não me sinto atraído pelas leis, que é o que estudam
muitos jovens aristocratas. Desde que saí de Oxford, não fiz mais nada.
– Tenha paciência – respondeu a Sra. Dashwood.
– Melhor ainda, chame-a de esperança. Sua mãe não deixará que passe a juventude
descontente!
– Ainda passarão muitos meses até que eu encontre minha felicidade!
Quando Edward partiu, Elinor empenhou-se em não parecer triste, ocupando-se o
dia todo com tarefas. Comportamento exatamente oposto ao de Marianne, que
embalava sua tristeza na solidão e na ociosidade. Elinor pensava constantemente em
Edward durante seus afazeres e deixava sua mente livre para considerar com cautela
cada um de seus atos e palavras.
Numa tarde, recebeu a visita de Sir John e Lady Middleton, acompanhados do
casal Palmer. Charlotte Palmer, a irmã mais nova de Lady Middleton, era
completamente diferente dela. Era baixa e gordinha, e estava sempre sorrindo, de
ótimo humor. Seu marido era sério e devia ter 25 ou 26 anos. Depois de entrarem, ele
cumprimentou as damas sem dizer uma única palavra e, assim que examinou
brevemente a sala, sentou-se e abriu um jornal.
A Sra. Palmer, entretanto, não parou de andar e falar até ter elogiado a casa inteira
e todos os móveis.
– Eles vieram de Londres resolver um assunto – disse a Sra. Jennings. – Mas acho
que ela não deveria viajar nessas condições – disse, apontando para a barriga da filha
e balançando enfaticamente a cabeça. – Mas ela queria tanto conhecer vocês!
– Aqui vem Marianne! – gritou Sir John. – Agora, Palmer, você vai ver o que é
32
uma moça bonita!
Assim que Marianne entrou na sala, o Sr. Palmer levantou os olhos do jornal por
alguns instantes e logo voltou a ler. A atenção da Sra. Palmer estava voltada aos
desenhos pendurados nas paredes.
– Oh, como são lindos! Poderia olhar eternamente para eles!
E, assim que se sentou, esqueceu-se completamente deles.
– Então, Marianne, não conseguiu fazer seu passeio por Allenham hoje? – disse
Sir John, para deleite de Charlotte, que caiu na risada.
Poucos minutos depois, a Sra. Palmer levantou-se para ir embora e foi seguida
apressadamente pelo marido, que dobrou o jornal, levantou-se e deu uma longa
espreguiçada.
– Oh, meu amor, você estava dormindo? – perguntou a esposa, rindo.
Ele não respondeu, apenas fez uma reverência e partiu. Sir John pediu
encarecidamente que jantassem em Barton Park. Mas nem a Sra. Dashwood nem suas
filhas tinham a menor curiosidade de ver como os Palmers jantavam. Enquanto a mãe
conseguiu dar uma boa desculpa e dizer que ficaria em casa, as filhas não tiveram
tanta sorte. A carruagem viria buscá-las naquela noite.
– O aluguel é baixo, mas o que temos que aguentar! – comentou Marianne assim
que o grupo deixou a casa.
– Eles só querem ser simpáticos – respondeu Elinor.
33
N
UMA “AMIGA” INCONVENIENTE
ão foi muito tempo depois de os Palmers voltarem para a cidade que Sir
John recebeu outras visitas. Entre elas, as irmãs Steele, Anne e Lucy.
Marianne, que não tolerava impertinência, vulgaridade e até mesmo um gosto que
fosse diferente do seu, estava particularmente disposta a não gostar delas. A frieza de
Marianne fez com que chegassem mais perto de Elinor, especialmente Lucy, que não
perdia uma oportunidade de conversar com ela e esforçava-se para se tornar sua
amiga.
Lucy era esperta. Seus comentários eram quase sempre divertidos, e Elinor a
considerava uma boa companhia por alguns minutos. Mas seus atributos não foram
decorados com nenhum tipo de educação, e sua ignorância em quase todos os
assuntos fazia com que Elinor sentisse pena dela, ao mesmo tempo em que a
desprezava por juntar ignorância e arrogância, dada a falsidade de seus elogios.
– Você vai achar que essa pergunta é muito estranha – disse Lucy a Elinor num
dia em que estavam andando até o chalé. – Mas você conhece a Sra. Ferrars, mãe de
Fanny?
Elinor achou que a pergunta era estranha mesmo, e sua expressão mostrou isso
quando ela respondeu que nunca tinha se encontrado com ela.
– Eu queria saber que tipo de pessoa ela é, pois achava que você já tivesse se
encontrado com ela em Norland.
– Sinto muito, mas não sei nada dela – respondeu Elinor, tomando cuidado para
não dizer nada sobre a mãe de Edward.
– Eu que sinto por estar perguntando isso – disse Lucy, olhando Elinor
atentamente enquanto falava. – Mas há razões... Espero que você não me considere
impertinente. Não tenho medo de confiar plenamente em você. Não conheço a Sra.
Ferrars, mas chegará um tempo em que estaremos intimamente ligadas.
Ela olhou para baixo ao dizer isso com um olhar rápido para ver o efeito de suas
palavras em Elinor.
– Meu Deus! – gritou Elinor. – O que você quer dizer com isso? Você conhece o
Sr. Robert Ferrars?
Elinor não se entusiasmava com a ideia de ter uma cunhada dessas.
– Não, eu nunca vi Robert – respondeu Lucy, com os olhos fixos em Elinor. – Mas
conheço o irmão mais velho dele.
O que Elinor sentiu naquele momento? Espanto tão doloroso quanto o descrédito
pelo que acabara de ouvir. Ela desviou os olhos, incapaz de perceber o que aquela
declaração significava.
34
– Você deve estar surpresa – continuou Lucy.
– Pois ele nunca disse nada para você ou sua família. Sempre foi um grande segredo.
E eu nunca mencionaria isso a você sem confiar plenamente que meu segredo estaria
a salvo. E acredito que Edward não terá motivos para se ressentir, pois ele a considera
como uma irmã – ela fez uma pausa. – Estamos noivos há quatro anos.
– Quatro anos!
Elinor estava chocada e não conseguia acreditar.
– Nós nos conhecemos em Plymouth – continuou ela. – Ele estudou quatro anos
com meu tio. Foi quando nos aproximamos. Eu não queria assumir esse compromisso
sem o consentimento da mãe dele, mas eu era jovem demais e o amava demais para
ser prudente. Embora você não o conheça tão bem quanto eu, srta. Dashwood, é
capaz de imaginar como ele consegue fazer uma mulher se apaixonarpor ele.
– Certamente – respondeu Elinor, sem saber o que dizer. – Mas deve haver algum
engano. Não podemos estar falando do mesmo Sr. Ferrars.
– É o mesmo! – gritou Lucy, sorrindo. – Edward Ferrars, o filho mais velho da
Sra. Ferrars, de Park Street, o irmão de Fanny. Não me engano quanto à identidade do
homem responsável pela minha felicidade.
– É estranho – disse Elinor, perplexa – que eu nunca tenha escutado seu nome.
– Considerando nossa situação, não é nada estranho. Você não sabia quem eu era
nem conhecia minha família, e ele estava sempre com medo de que a irmã dele
pudesse desconfiar de alguma coisa. E a mãe dele nunca aprovaria nossa união, pois
não tenho fortuna.
– Seu segredo está seguro comigo.
– Tenho sofrido tanto nesses quatro anos! Nós nos encontramos apenas duas vezes
por ano!
Lucy tirou o lenço e enxugou as lágrimas. Elinor não se compadeceu.
– Às vezes, penso que deveria terminar tudo, mas não posso aguentar o sofrimento
que causaria em Edward. O que você faria, srta. Dashwood? Seu julgamento é tão
importante para mim que, se você dissesse que eu deveria acabar meu noivado
imediatamente, eu o faria!
– Seu próprio julgamento deve orientá-la – respondeu Elinor, corando, surpresa
com a pergunta.
– Trocar correspondências é o único conforto que temos durante essas separações.
Você não notou como ele estava triste quando veio visitá-las há algumas semanas?
Ele tinha ficado conosco por uns quinze dias e me ver tão triste o deixou tão abatido
que me deu pena.
– É verdade – reconheceu Elinor. – Todas nós percebemos como ele estava frio e
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distante.
– E você notou o anel que ele usava?
– Sim – respondeu Elinor, lembrando-se de ter visto em seu dedo um anel especial
que deixava ver um cachinho de cabelo. Ele disse que o cabelo era de sua irmã,
Fanny.
– O amor de Edward por mim já foi testado diversas vezes durante todo esse
tempo, e eu nunca suspeitei de nada, mesmo sendo ciumenta. Ele nunca me deu
motivos e nunca mudou o comportamento que tem comigo.
Felizmente, as duas chegaram ao chalé, e a conversa acabou. Elinor estava
chocada, confusa e paralisada. Seu coração estava em pedaços, e ela mal conseguia
ficar em pé, mas continuou resoluta em não aparentar o desespero que tomava-lhe o
corpo e a mente. As perguntas continuavam sem parar: Edward a enganara? Sua mãe
e irmãs e até mesmo Fanny tinham percebido a afeição que ele nutria por ela. Ele a
amava. O compromisso com Lucy, assumido quando ele tinha apenas 19 anos, devia
ser pior para ele do que o que ela sentia naquele momento. Será que ele poderia ser
feliz com Lucy Steele?
36
E
UMA ESTAÇÃO EM LONDRES
mbora a Sra. Jennings passasse a maior parte do ano com seus filhos e
amigos, ela herdara de seu falecido marido uma casa confortável em Londres,
perto de Portman Square. No começo de janeiro, convidou Elinor e Marianne para
uma temporada na cidade. Elinor imediatamente recusou o convite, alegando que as
duas não poderiam deixar a mãe sozinha com Margaret.
– Oh, tenho certeza de que sua mãe deixará que me acompanhem! – insistiu a Sra.
Jennings. – Vocês me farão companhia, além de terem a liberdade de sair quando e
com quem quiserem, não somente comigo. Acredito que sua mãe me considere uma
pessoa capacitada para cuidar de vocês. E se eu não conseguir que pelo menos uma
de vocês se case, não será por culpa minha!
Mesmo que Marianne detestasse a maneira vulgar com que a Sra. Jennings tratava
os assuntos e estivesse farta daquele tipo de companhia, estava disposta a colocar
qualquer inconveniente de lado e esquecer todas as irritações que sentia em prol do
objetivo que tinha: reencontrar Willoughby. Elinor podia ver o entusiasmo nos olhos
da irmã e da mãe, que não só concordou com o plano de passarem um tempo em
Londres, como também acrescentou que era indispensável para qualquer moça
conhecer a vida e os divertimentos da cidade.
– Além disso, vocês devem visitar Fanny e o meio-irmão de vocês. É importante
que conheçam a família – acrescentou a mãe. – Vou aproveitar para ficar um tempo
com Margaret. Poderemos tocar e ler à vontade!
– Eu gosto muito de Edward Ferrars – disse Elinor. – Mas quanto ao resto da
família, é perfeitamente indiferente para mim que eu os conheça ou não.
A Sra. Dashwood sorriu e não disse nada. Marianne arregalou os olhos, surpresa, e
Elinor pensou que talvez tivesse sido melhor ter segurado a língua.
Assim que foi confirmado que iriam, todos ficaram muito satisfeitos. Sir John, que
detestava ficar sozinho, achou duas pessoas a mais na casa de Londres algo
extraordinário. Até mesmo Lady Middleton se deu ao trabalho de ficar satisfeita. E as
senhoritas Steele nunca ficaram tão felizes na vida.
Durante o trajeto de três dias, Elinor não conseguia se sentir radiante como a irmã.
Embora ainda duvidasse ocasionalmente do comportamento de Willoughby, só
conseguia pensar que sua situação era ainda pior. A Marianne, ainda restava
esperança em relação a Willoughby, caso ele se provasse íntegro e sincero.
A casa de Londres era linda e decorada com bom gosto, e as irmãs foram alojadas
na bela suíte que tinha sido de Charlotte. Logo após o primeiro jantar, Elinor sentou-
se para escrever para a mãe, enquanto Marianne ocupava-se escrevendo uma carta
que Elinor pôde deduzir que seria para Willoughby, porque a única coisa que
37
conseguiu enxergar foi a letra W.
No dia seguinte, na hora do chá, Marianne não conseguia parar quieta diante de
cada barulho que ouvia perto da porta, mesmo que fosse a porta do vizinho. Até que
alguém efetivamente bateu e entrou. Elinor tinha certeza de tratar-se de Willoughby,
e Marianne, ansiosa, levantou-se e correu até a porta. Alguns segundos se passaram
em silêncio. Marianne abriu a porta, foi até as escadas e tentou escutar as vozes lá
embaixo. Depois de ouvir por meio minuto, voltou correndo agitada, sem fazer a
menor questão de esconder seu entusiasmo.
– Oh, Elinor, é Willoughby! É ele mesmo!
Estava pronta para se jogar nos braços do visitante quando viu tratar-se do coronel
Brandon.
Foi um choque demasiadamente grande para que ela pudesse recuperar a calma.
Teve que deixar a sala imediatamente. Elinor também ficou um pouco desapontada,
mas recebeu o coronel com muita simpatia e ficou magoada por ele ter percebido que
a irmã, a quem o coronel mais tinha afeição, demonstrara tamanha decepção ao vê-lo.
– Sua irmã está doente? – perguntou ele.
Consternada, Elinor respondeu que sim e falou que ela estava com dor de cabeça,
triste e fatigada, e tudo o mais que pudesse justificar o comportamento mal-educado
da irmã.
Ele não tocou mais no assunto e disse apenas que era um prazer encontrá-las em
Londres. Pensativo, despediu-se. Naquela noite, Elinor, Marianne e a Sra. Jennings
foram dormir cedo.
No dia seguinte, além do bom humor inesperado de Marianne, todas foram
surpreendidas com a chegada da Sra. Palmer, que entrou rindo, muito feliz de ver
novamente as senhoritas Dashwood. Naquele dia, a convite da Sra. Palmer, Elinor e
Marianne, além da Sra. Jennings, passaram a manhã passeando pelas lojas de
Londres. Marianne estava sempre vigiando, olhando e reparando, especialmente na
rua da moda, Bond Street, à procura de Willoughby. Sua mente também estava
ocupada demais para ajudar a irmã a procurar alguma coisa para comprar, mesmo que
fosse algo para a família toda. Estava impaciente para voltar para casa e não
conseguia esconder o tédio que a Sra. Palmer lhe despertava, olhando tudo que fosse
bonito, caro ou novo, ficando louca para comprar tudo, mas não conseguindo
escolher nada, passando o tempo todo entre o desejo e a indecisão.
Já era quase hora do almoço quando elas voltaram para casa. Marianne subiu
correndo e perguntou ao mordomo se alguma carta tinha sido deixada. Ao virar-se
para olhar para Elinor, seu rosto não mentia: nem Willoughby nem carta.
– É mesmo muito estranho que Willoughby não tenha vindo fazer uma visita ou
escrito uma resposta ao seu bilhete! – exclamou Elinor.
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Em segredo, pensava que a mãe tinha cometido um erro ao deixar que umafilha
tão jovem assumisse um compromisso tão envolto em mistérios com um homem
desconhecido!
Uma semana depois, chegou o tão esperado cartão: Willoughby estava em
Londres. Vendo a felicidade da irmã, Elinor ousou dizer que uma visita pessoal não
demoraria a acontecer.
Mas os dias passaram, e a visita não acontecia. Elinor viu a irmã passar de um
estado de euforia para um estado de torpor produzido por uma ansiedade extrema e
adiada. Enquanto Marianne escrevia compulsivamente para Willoughby, Elinor
escreveu para a mãe, preocupada com a saúde da irmã, detalhando tudo que se
passava: suas suspeitas em relação à inconstância dele mereciam uma conversa séria
com Marianne, para que ela relatasse qual era de fato sua relação com Willoughby.
Marianne, entre uma carta e outra, andava de janela em janela ou se sentava na frente
da lareira numa meditação melancólica.
Assim que Elinor acabou de escrever, foi anunciada a chegada do coronel
Brandon. Marianne deixou a sala antes que ele a visse. Ele estava com uma expressão
ainda mais séria e disse que estava satisfeito de encontrar Elinor sozinha, pois
precisava conversar com ela em particular sobre um assunto muito grave.
– Fiquei sabendo pelos Palmer, pela Sra. Jennings e pelos Middletons – disse ele,
tentando sorrir. – Mas todos na cidade já sabem do compromisso de sua irmã com
Willoughby.
– Não pode ser – respondeu Elinor. – Pois nem mesmo a família dela sabe o que
se passa.
Ele pareceu surpreso.
– Desculpe, mas posso perguntar se está mesmo tudo resolvido?
Elinor respondeu que, mesmo não tendo sido informada sobre a decisão dos dois,
não tinha dúvida da mútua afeição que nutriam. Ele ouviu com atenção e, assim que
ela acabou de falar, levantou-se e disse, com uma voz emocionada:
– Para sua irmã, desejo toda a felicidade possível. Para Willoughby, que ele possa
merecê-la.
Elinor não entendeu direito o que o coronel quis dizer, mas percebeu claramente a
tristeza melancólica demonstrada por ele.
39
N
O SEGREDO DE WILLOUGHBY
ada ocorreu nos três ou quatro dias seguintes. Willoughby não escreveu nem
apareceu. No final do dia, foram convidadas para uma festa, para a qual
iriam acompanhadas de Lady Middleton. Marianne, totalmente desanimada e
desleixada com a aparência, preparou-se com certa esperança para o evento.
Assim que chegaram e se sentaram à mesa do jantar, Elinor viu Willoughby um
pouco distante, conversando animadamente com uma jovem muito bem vestida.
Assim que ele a viu, fez uma reverência e não saiu do lugar, virando-se
imediatamente e continuando a conversar com a jovem. Elinor virou-se
involuntariamente para olhar para Marianne para ver se ela tinha percebido a
presença dele. Naquele exato momento, ela o vira e estava radiante. Teria corrido até
ele se a irmã não a impedisse.
– Meu Deus! – exclamou ela. – Ele está aqui! Ele está aqui! Oh, por que ele não
me vê? Por que não posso falar com ele?
– Por favor, seja discreta – implorou Elinor. – Talvez ele ainda não tenha visto
você.
Marianne sentou-se, sem conseguir esconder a ansiedade. Ele se virou novamente
e, dessa vez, viu Marianne. Ela se levantou, falou seu nome com um suspiro amoroso
e estendeu a mão para cumprimentá-lo. Ele ignorou a mão estendida e, evitando olhá-
la nos olhos, apenas perguntou para Elinor se a família estava bem. Elinor ficou tão
consternada que não conseguiu responder. Marianne, então, exclamou numa voz
emocionada:
– Meu Deus, Willoughby! O que significa isso? Não recebeu minhas cartas? Não
vai me cumprimentar?
Ele não falou nada, apertou a mão dela rapidamente e, olhando para a jovem com
quem conversava antes, se recompôs, agradeceu as cartas de Marianne, virou-se
rapidamente e se afastou.
Marianne estava mais branca do que nunca e Elinor achou que ela fosse desmaiar.
Assim, pediu que Lady Middleton as levasse para casa. Durante o trajeto, Marianne
estava numa agonia silenciosa, oprimida demais até para chorar. Assim que
chegaram, ela foi para a cama e pediu para ficar sozinha.
Elinor estava convencida de que os dois tinham um compromisso e que
Willoughby tinha se cansado dele. Talvez pela separação, talvez pela alteração total
do que sentia. Mas Marianne sentia como nunca o que se mostrava ser a separação
definitiva entre ela e Willoughby.
No dia seguinte, muito abatida, Marianne mal tocou no café da manhã,
40
especialmente após receber do mordomo uma carta de Willoughby. A Sra. Jennings
achou tudo muito divertido, pensando em se tratar de uma briguinha de namorados.
Assim que Marianne subiu para o quarto para ler a carta, Elinor pediu licença e foi
atrás da irmã.
Marianne estava esticada sobre a cama, quase se afogando de chorar, a carta na
mão, outras ao seu redor. Elinor chegou perto, mas, sem dizer uma palavra, pegou a
mão da irmã e a beijou ternamente várias vezes e chorou junto com ela. Marianne
sentiu o carinho da irmã e, levantando-se com dificuldade, colocou as cartas no colo
de Elinor.
Elinor leu a carta dele, que pedia desculpas pelo comportamento que levou à
dúvida do que ele podia realmente sentir por Marianne, pois já estava comprometido
antes de conhecê-la. Mandava de volta as cartas escritas por ela e o cacho de cabelo.
Ela fez uma pausa para conter a indignação que a carta lhe provocara e depois a releu
várias vezes; a cada linha, seu ódio por ele aumentava.
– Marianne – disse ela. – Por favor, não se abata tanto. Pense em sua mãe, pense
na tristeza dela enquanto você sofre. Por favor, recomponha-se!
– Não posso! Não posso! – gritava Marianne. – Vá embora se você não consegue
me ver assim! Esqueça que eu existo! Como você é feliz, Elinor, sem sofrer por
amor! Edward ama você!
– Não consigo ser feliz vendo você sofrer assim!
– Nunca mais serei feliz!
– Não fale assim, Marianne! E seus amigos? Sua família? Podia ser pior! Imagine
se seu noivado tivesse durado meses e meses até...
– Noivado! – gritou Marianne. – Não estávamos noivos!
– Não?
– Ele não é tão canalha quanto você acha. Não quebrou nenhum compromisso.
– Ele disse que a amava?
– Sim... Não... Estava implícito, mas nunca foi declarado. Penso ter ouvido, mas,
não, nunca. Oh, Elinor, como posso justificar o comportamento dele?
– Não há justificativa, Marianne. Não há.
– Quero ir para casa, Elinor. Não há mais nada para mim aqui. Quero partir
amanhã!
Marianne deitou-se novamente e ficou imóvel. Elinor sabia que ainda demorariam
alguns dias para partir, já que não tinham como se deslocar até Barton e teriam que
esperar que a Sra. Jennings voltasse de sua temporada na cidade.
Quando a Sra. Jennings chegou, mais tarde, contou o que tinha ouvido da Sra.
Taylor: Willoughby estava noivo da senhorita Grey, uma moça elegante e inteligente,
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embora não fosse bonita, mas extremamente rica. O casamento aconteceria em
algumas semanas.
– Agora, o caminho está livre para o coronel – finalizou a Sra. Jennings. – Não
demorará muito para que eles se casem. Oh, ele ficará exultante com essa notícia!
Será um casamento muito melhor para a sua irmã. Temos que tirar Willoughby do
coração dela!
– Faremos isso com ou sem o coronel – respondeu Elinor.
No chá daquela tarde, o coronel apareceu. Mais sério do que nunca, olhou ao redor
da sala, como se procurasse por Marianne, ao mesmo tempo consciente de que ela
não estaria ali. Mesmo assim, perguntou para Elinor como ela estava, acrescentando
que já sabia de tudo: do noivado de Willoughby, da riqueza da noiva e da tristeza de
Marianne.
– Ela está péssima, mas não para de tentar justificar as atitudes dele.
Com isso, o coronel ficou ainda mais sério.
– Quero apenas trazer um pouco de conforto para sua família com o que tenho a
dizer – disse ele.
– Serei grata por qualquer coisa que tenha a dizer sobre Willoughby que me ajude
a compreender seu caráter. Por favor, fale.
– Preciso começar falando um pouco sobre mim mesmo. Você se lembra de
quando mencionei que conheci uma jovem com o mesmo temperamento de
Marianne?
– Sim, eu me lembro.
– Essa moça era alguém muito íntimo, pois era órfã e foi criada pelo meu pai.
Tínhamos a

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