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Romeu e Julieta - William Shakeaspeare

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2
Sumário
Capa
Rosto
Introdução
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
Coleção
Créditos
3
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INTRODUÇÃO
Século XVI. O cenário é renascentista, protagonizado por nobres, donzelas, reis e
artistas.
Duas poderosas famílias da cidade de Verona, na Itália, prometeram se envolver em
muitas batalhas. São eles os Montecchios e os Capuletos, personagens principais
deste libreto1 cheio de ódio, dor e sangue.
No seio das duas gangues, um casal de jovens apaixonados lançou a sorte de um amor
proibido.
Esse labor,2 fadado à morte e à censura de seus pais, será detalhado ao longo deste
livro, adaptado de um dos maiores clássicos do planeta: a história de amor entre
Romeu e Julieta.
1Libretto: em italiano, significa literalmente “livrinho”. Também se diz “libreto” o texto encenado em
musicais e óperas.
2 Labor: Mão de obra, trabalho, esforço.
4
I
– Vocês são inimigos da paz! – gritou o jovem príncipe de Verona, um rapaz assaz
respeitável. – Montecchios e Capuletos, esse ódio não será mais aceito. Vejo que os
habitantes de Verona, antes apaziguados, hoje se batem com metal enferrujado.
Tudo havia começado com uma simples ofensa:
– Não levo desaforo para casa – disse Benvólio, em brasa. – Essa é a minha crença.
Quando fico enraivecido, puxo logo a minha espada.
Tebaldo deu uma gargalhada:
– Mas, se nós o atacamos, você bate em retirada.
– Até um cachorro de sua casa me deixa irritado.
– Mas não se irrita prontamente para o ataque.
– Pare com esse achaque!3 Aviso adiantado, que, se eu tiver que matá-lo, a lei ficará
ao meu lado.
– Não, pois estará fadado à morte.
– Empunhe então a sua espada e tente a sorte.
Foi assim que tudo começou. A violência tomou conta da praça e, para desgraça do
povo, mais gente se aproximou para a luta.
– Quem aqui me insulta? – indagou o senhor Capuleto, vestido com seu roupão. –
Traga já a minha espada, oh criada.
– Muletas, meu patrão? – indagou sua esposa, de prontidão.
– Não, mulher! Assim me desqualifica, torna-me um qualquer! Quero a minha espada
caso Montecchio apareça para me fazer acinte.
Dito isso, apareceu o líder da outra família ao lado de sua esposa e de sua filha:
– Já que insiste, venha se ater comigo!
– Não dará um passo em direção ao inimigo! – ordenou a senhora Montecchio. – Não
quero perder meu marido para o cemitério.
O impropério transformara-se em um evento. Foi nesse momento que o príncipe
chegou com os seus seguidores, para apartar as brigas e apaziguar todas as dores:
– Capuleto – disse o regente –, venha comigo e traga toda a sua gente. Depois virão
os Montecchios ao Palácio da Justiça com a premissa4 de me explicar o que
aconteceu... Povo meu, já é a terceira briga deste ano! Meu Deus, estou ficando
insano!5 Vão todos embora, ou mandarei prendê-los agora!
3 Achaque: assunto.
5
4 Premissa: fato que serve a uma conclusão.
5 Insano: Maluco.
6
II
Montecchio conversava a sós com seu sobrinho Benvólio:
– Como começou tamanho imbróglio?6
– Quando cheguei para apartar a briga, encontrei gente inimiga junto com Tebaldo,
aquele Capuleto insolente. Ele me golpeou com a espada, e a danada passou rente ao
meu rosto.
– Oh, que desgosto! E onde está Romeu, meu amado filho?
– Uma hora antes do sol sagrado cortar a franja dourada do horizonte, vi seu filho
num exílio voluntário, caminhando no bosque, perto da fonte, durante toda a
madrugada.
Montecchio deu uma longa suspirada:
– Todos os dias, quando nasce o sol, meu filho corre para o quarto e se enfia debaixo
do lençol.
– E o meu tio sabe o motivo dessa tristeza?
– Não. Senão cura-lo-ia com certeza.
Romeu aproximava-se.
– Deixe comigo – disse Benvólio a Montecchio. – Além de primo, Romeu é meu
amigo e certamente se abrirá!
– Assim espero. Agora vá! Converse com ele e descubra o motivo de tanta amargura.
Benvólio aproximou-se de Romeu.
– Bom dia, primo meu! Para que essa armadura de homem triste, se nada lhe falta?
Você é rico e amado por sua família!
– Como assim? Já é dia? – indagou o jovem sem alegria.
– Sim. São nove horas.
– A dor é um tardo guia!7 Foi meu pai quem partiu ainda há pouco?
– Sim.
– Parecia um louco!
– Diga-me, Romeu, por que seu coração exala tanta tristeza?
– Por conta das asperezas8 do amor.
Romeu olhou em volta e viu tudo destruído. Ficou de coração partido:
– Não me diga que aqui aconteceu mais uma luta.
7
– Sim, uma disputa!
– Oh, se o ódio dá tanto trabalho nesta casa, imagine o amor... Terei que criar asas e
partir com a minha dor.
– Romeu, quero chorar!
– Por que, se motivo não há?
– Não consigo vê-lo com essa enorme opressão no coração.
– Do amor é sempre assim a transgressão, Benvólio. As dores que pesam no meu
peito não devem lhe fazer efeito. O amor é dos suspiros a fumaça. É puro fogo que os
olhos ameaça! É revolto como um mar de lágrimas dos amantes... e o que acontecerá
adiante? Loucura temperada, fel ingrato, doçura refinada?
Benvólio sorriu:
– Fale-me o nome da bandida que roubou o seu coração!
– Não – respondeu o jovem Romeu. – Antes fazer o meu testamento do que causar
esse enorme desalento, essa confusão!
– Diga quem é ela! É uma jovem bela?
– Sim, é uma donzela. É jovem, é catita... Mas a seta do Cupido não cogita bater nela.
De fato, Romeu havia se apaixonado por uma moça que prometera manter-se virgem
até o fim de sua vida. Benvólio propôs-lhe então uma saída:
– Esqueça-a!
– Oh, por que não pensei nisso? – indagou Romeu, fingindo estar enfermiço.9 – É
mais fácil dizer do que agir... Ensine-me então a esquecer... Parar de chorar e
começar a rir!
– Liberte seus olhos, Romeu! Existem outras belezas nesta mesa!
– Oh, pois seria uma surpresa! Esta mulher foi por mim eleita e, como desalento, lhe
digo, Benvólio, que jamais poderá ensinar-me a arte do esquecimento.
– Pois saiba que nisso empregarei todo o meu talento.
Romeu sorriu confortado. Benvólio era primo amado, confidente ideal para os dias de
tristeza. Porém, mal sabia o jovem galante que as asperezas10 persistiriam noite e dia,
a partir daquele instante.
6 Imbróglio: do italiano, “confusão”, “trapalhada”.
7 Um tardo guia: um guia atrasado.
8 Aspereza: Rigidez.
9 Enfermiço: Adoentado.
10 Aspereza: Escabrosidade, amargor.
8
III
Ao caminhar pelas ruas da cidade, Capuleto disse para Tebaldo:
– O príncipe aplicou-nos a mesma penalidade dada aos Montecchios. Este foi o saldo!
Dos males, o menor.
Páris, o mais jovem conde de Verona, estava na caravana e indagou ao chefe da
família:
– O senhor já pensou em minha proposta de casar--me com sua filha?
Capuleto continuou seguindo sua trilha:
– Meu jovem, não seja persistente. Repito o que já lhe disse anteriormente: minha
filha é estrangeira neste mundo, pois não conhece a vida a fundo! Tem apenas treze
anos de idade.
– Não sei por que tanto alarde,11 meu senhor – replicou o conde. – Já existem mães
com idade inferior, gozando de imenso prestígio e dignidade!
– As moças que iniciam cedo demais gozam de pouca paz! – fez discurso o homem. –
Não tenho mais esperanças na vida, tenho apenas essa criança que já está ficando
crescida. Mas, oh, jovem Páris, esta noite darei uma festa! Fora os Montecchios, lá
estará toda a população que em Verona resta! Muitas moças bonitas virão! Observe
todas com atenção e seja elegante com a moça que lhe parecer mais bem prendada.12
Dentre muitas, a minha filha também poderá ser examinada.
Páris se contentou com a resposta. Capuleto lhe virou as costas e pediu a um
empregado:
– Você, maroto, entregue os convites!
O criado partiu com a lista de nomes na mão. Mas logo percebeu que tudo seria em
vão, pois não sabia ler o que estava escrito:
– Ai, terei um atrito com o meu patrão! – disse o pobre coitado. – Oh, meu Deus, me
dê uma solução!
Por ali passavam Benvólio e Romeu. O primeiro dizia com alegria:
– Deixa os olhos pegarem nova infecção, para que da velha você possa ficar são.13
Muitas mulheres serão cativas14 de seu coração!
– Por favor – interrompeu o empregado dos Capuletos –, o senhor por acaso sabe ler?– Sim – respondeu Romeu com a feição séria. – Principalmente a minha própria
miséria.
– Mas eu lhe pergunto se é capaz de ler tudo o que vê? – disse o criado, um tanto
mal-humorado.
9
– Se eu conhecer o idioma...
– Então tome! – disse o empregado. – Leia!
– “Estamos convidando para a ceia o senhor Martino, Mercúcio, Valentino, Helena,
Lúcio e Valêncio...”
– Ai, obrigado, agora sei quem devo convidar! – disse o empregado.
– E onde esse povo todo vai ficar hospedado? – indagou Romeu entusiasmado.
– Na casa dos Capuletos. Se vocês não são Montecchios devem saber algo a respeito.
Com efeito, já sabiam. Quando o criado partiu, Benvólio insistiu:
– Quando comparar o rosto de sua amada com o de quantas eu lhe mostrar nesta
festa, verá sem estorvo15 seu cisne se transformar em corvo!
– Mais linda do que ela, impossível! – duvidou Romeu. – Nunca o sol radiante
conhecerá tão bela amante.
– Após ver as moças desta festa, a sua amada ficará indigesta! – zombou Benvólio.
Romeu achou graça das brincadeiras do primo e, ganhando nova vida, disse de
maneira decidida:
– Irei para ver tal resplendor e, quem sabe assim, conquistar um novo amor!
11 Alarde: ostentar, chamar a atenção.
12 Prendada: aquela que possui aptidões domésticas e talentos.
13 São: curado.
14 Cativas: prisioneiras.
15 Estorvo: empecilho, dificuldade.
10
IV
À noite, uma centena de convidados chegou à mansão dos Capuletos. As flautas
tocavam em dueto e enquanto isso era servida uma grande variedade de alimentos.
A senhora Capuleto, em polvorosa, procurava por sua formosa filha:
– Julieta! Onde estará essa menina?
Ali por perto estava a dama de companhia:
– Oh, minha patroa... Eu não estou à toa! Já cansei de chamar por minha ovelhinha!
– Jura, oh, dama de companhia?
– Sim, pela minha virgindade, quando eu tinha doze anos... Se Julieta não aparecer,
dirão que estou caducando. Oh Julieta, onde você está?
– Aqui – respondeu a jovem. – Aqui estou!
A senhora Capuleto a pegou pelo braço e, ansiosa, indagou:
– Filha minha, qual é sua opinião sobre o casamento?
A jovem pensou um pouco e respondeu:
– É uma honra na qual nunca parei para pensar.
– Oh, tão casta, tão pura para casar! – chorou a dama de companhia.
– Calma, mulher! – bronqueou a senhora Capuleto. – Não pense que casaria minha
filha com um qualquer.
A dama de companhia de Julieta abraçou sua protegida e disse, com lágrimas nos
olhos:
– Conheço essa menina desde neném... É meu sonho vê-la bem! Perderia um dente
para cada ano por ela vivido, mas só tenho quatro na boca... Oh, meu coração fica
constrangido! Não seja louca, Julieta! Ainda não completou catorze primaveras!
– Ama, cale-se! – disse a matrona. – Não sou nenhuma megera, mas afirmo que está
na hora de ela pensar em casamento. Pare com este lamento! Muitas donzelas aqui de
Verona, mais jovens do que minha filha, já seguiram por esta trilha! Enfim, vou
direto ao assunto: Páris requer o seu amor.
– Oh, meu bom Senhor! – gritou a dama. – Menina! Dois desse não existem no
mundo. Se existissem, você casaria com o primeiro e eu, com o segundo.
– Dama, pensei que você fosse contra o meu matrimônio16 – estranhou Julieta.
– Oh, depois de conhecer a identidade de seu senhor, lhe digo, senhorita, que está
findo17 o meu pavor!
– O que me diz? – indagou a mãe. – Acha que com ele poderia ser feliz? Hoje à noite,
11
analise-o com discrição. Folheie o livro de seu jovem rosto e nele encontrará doces
encantos, escritos pela pena da beleza.
– Prestarei atenção – disse Julieta. – Mas não dou certeza de meus encantos.
Um criado interrompeu a conversa:
– Oh, por todos os santos, os convidados reclamam a presença da senhora... a
senhorita também é esperada lá fora... Na copa, maldizem a dama... Tenho que voltar
para servir. O povo me chama. Preciso partir!
– Vá, Julieta! – disse a senhora Capuleto. – O seu prometido a espera.
– Belas noites lhe almejo18 – disse a dama de forma sincera. – Que este rapaz seja
seu melhor presente de primavera!
16 Matrimônio: casamento.
17 Findo: terminado, acabado.
18 Almejo: desejo.
12
V
Reunidos perto da mansão, Romeu, Benvólio e o amigo Mercúcio apagaram suas
tochas e sussurraram para não chamar a atenção:
– Entraremos fazendo barulho, ou sem nenhum discurso? – indagou Romeu,
mascarado.
– Tanto faz, meu rapaz – disse Mercúcio igualmente fantasiado. – Para eles será um
fardo pesado ter-nos em seu festim.
– Enfim, na minha opinião, muito falar destoará19 nossa intenção – disse Benvólio. –
Não precisamos fazer medo, como o espantalho, no mulherio. Não! Nem ser
anunciados como convidados sem alvedrio.20 Entraremos escondidos e já teremos
conhecido o prazer de invadir a casa.
– Digo-lhes que, para cupido, só me faltam as asas – disse Mercúcio. – Terão que
dançar!
– Eu tenho alma de chumbo que me impede até mesmo de andar – esquivou-se
Romeu.
– Vamos sair deste breu... – disse Benvólio sem paciência. – Uma vez lá dentro, que
cada um use as pernas como bem entender. O corpo é seu!
Romeu sentiu-se inseguro:
– Por clemência, me deixem aqui, no escuro. Como dizia meu avô que sabia de tudo:
“lá fora, muita algazarra; aqui, triste e mudo”.
– Deixe de ser covarde! – Mercúcio puxou Romeu pelo braço. – Cedo ou tarde você
terá que enfrentar o seu medo.
Romeu, vencido pelo cansaço, entrou com os dois jovens no solar.21 Os três rapazes
estavam fantasiados para não levantar quaisquer suspeitas. Porém, Tebaldo estava à
espreita e, reconhecendo os inimigos, quis impor-lhes um castigo. Para sua decepção,
o senhor Capuleto, ao vê-lo puxando um punhal, chamou a sua atenção:
– Não, Tebaldo! Hoje é dia de festa e não de confusão!
– Mas veja, meu tio, quem acaba de entrar no salão! Por obséquio,22 deixe-me
colocá-los para fora, junto ao arboreto!23
– Não, meu sobrinho, deixe-os em paz! – respondeu o senhor daquela casa.
– Mas senhor, nada nisso nos compraz!24 Aquele rapaz é Romeu, o predileto de seu
inimigo! Entrou aqui por pura zombaria e deseja, com seus amigos, boicotar o nosso
baile à fantasia.
– Ele está de máscara... só você descobriu a sua verdadeira identidade. Ele tem se
13
mostrado muito gentil com todos os habitantes desta cidade. Eu odiaria que ele fosse
ofendido em minha casa. Acalme-se, portanto, e fique bem, pois essa é a minha
vontade. E desfaça essa cara feia, que não combina com a nossa alacridade.25
Enquanto isso, Romeu observava, a distância, a prendada Julieta, dançando
amargurada nos braços de um jovem qualquer... um jovem que nem de longe merecia
estar perto daquela mulher.
– Oh, como ela é bela! – disse Romeu, – Veja como ensina o fogo a ser fulgente!26
Sua face, pertencente à noite, é como uma joia preciosa que pende27 na orelha de
uma etíope mimosa. Bela demais para este uso, muito importante para a vida terrena.
Ao seu lado, as demais donzelas tornam-se gralhas tagarelas. Vou abordá-la no final
desta dança, para que a minha mão possa ter esperança de tocar nela e, assim, ficar
bendita. Benvólio tinha razão. Meu coração até hoje não havia recebido a visita do
verdadeiro amor. Oh, que louvor! Que sutileza! Nunca soube até agora o que era a
verdadeira beleza.
Tebaldo continuava amargurado:
– Pela honra do meu sangue e nobreza de meu estado, matar Romeu ainda hoje não
seria nenhum pecado.
Capuleto respondeu-lhe chateado:
– Vá embora passear, seu petulante! Vai nos prejudicar se continuar com essa história
angustiante. Vai me contrariar? Logo você, um fedelho? Vá se acalmar!
Tebaldo retirou-se ruminando28 o seu ódio:
– A calma e o furor,29 equilibrados, deixarão em mim seus verdadeiros brados.30
Vou sair, mas o intruso que hoje tem o mel provará amanhã de um amargo fel.31
Desconhecedor do perigo, Romeu atravessou o antigo salão para beijar a mão de sua
princesa. Ao encontrá-la, distraída, bebendo um pouco d’água, perto da saída dos
casais, disse-lhe:
– Se a minha mão profana32 o seu relicário,33 em troca do perdão aceito a
penitência: que meu lábio peregrino34 e solitário lhe faça uma reverência!
Para ouvidos pouco acostumados à poesia, a frasepoderia ter qualquer outro
ensejo.35 Mas a moça era prendada e sabia que o rapaz lhe pedia um beijo. Eis que
ela retrucou com seus olhos envolventes:
– Suas mãos são devotas e reverentes. Mas saiba que os beijos mais sábios são os dos
santos.
– No entanto, poderá me convencer que os santos não têm boca?
14
– Não para loucas aventuras... Apenas para orações.
– Deixe que minha boca lhe mostre com candura o caminho certo para o encontro de
nossos corações.
– Sem que se mexa, o santo exaltará seu voto!
– Então fique quietinha, pois sou seu devoto. Em sua boca me limpo dos pecados.
Romeu segurou a moça pelos ombros e deu-lhe um beijo roubado. A moça abriu os
olhos e disse com ar apaixonado:
– Seus pecados agora são meus. Qual é o seu nome?
– Romeu. Se os pecados não são seus, quero-os retornados!
Ela, de sobressalto, esticou-se nos calcanhares e devolveu-lhe o beijo roubado.
– Você beija como os sábios – disse a moça com as mãos nos lábios.
Romeu sentiu o peito transbordar, como se não houvesse lugar na vida para a paixão
que por ele era sentida. A moça, sem saída, pediu licença e voltou para o meio do
salão, onde havia prometido dançar com mais alguns rapazes. Romeu, por ali, viu a
dama de companhia perguntar:
– A filha do dono da casa, onde está?
– Não a conheço – respondeu o jovem. – Mas tanto faz... Já encontrei alguém a quem
admirar.
– Quem?
– Aquela moça dançando com outro.
– Ah, aquela é a jovem que procuro! Oh, que futuro promissor terá essa menina. Veja
que ela dança com Páris, um jovem de nobreza genuína.36
– Esta moça é uma Capuleto? – indagou Romeu assistindo ao minueto.37
– Oh, sim... se chama Julieta e é linda como um enfeite! É minha protegida. Servi-lhe
de ama de leite e por ela sou capaz de dar a vida.
Romeu ouviu a frase como se fosse um castigo:
– Por Deus, minha vida estará dividida, a partir de agora, no livro de meu inimigo.
Benvólio aproximou-se e puxou Romeu:
– A festa acabou. Já passa da hora de irmos embora.
– Pois saiba que, para mim, a festa começa agora! – disse Romeu sendo arrastado
para fora.
Ao longe, Julieta o admirou:
15
– Quem é ele, querida dama? Como aqui entrou? É nobre, é rico, é pobre, é plebeu?
Sei apenas que seu nome é Romeu...
– Oh! – exclamou a dama! – Se esse é quem você diz... minha nossa senhora, sua
vida estará por um triz!
– Se for casado, o túmulo será meu!
– Não, menina, não existem muitos rapazes com graça38 tão parecida! Este é o filho
único de Montecchio... o mais novo da família inimiga!
Julieta sentiu seu estômago congelar e, vendo o rapaz sair do solar, murmurou:
– Como ter sucesso o amor diante de tanta inimizade? Como esse monstro, o amor,
brinca comigo: apaixonada ver-me do inimigo!
– Como assim, como assim? – indagou a dama sentindo algo ruim.
– Não é nada – disse Julieta tentando disfarçar a imagem de mulher apaixonada.
– Então vamos subir, pois os hóspedes foram embora e a senhorita, cansada, precisa
dormir.
19 Destoar: desafinar, discordar.
20 Alvedrio: vontade própria.
21 Solar: mansão, morada.
22 Por obséquio: por favor.
23 Arboreto: local onde há árvores, floresta, ou mata.
24 Comprazer: gostar de, ter prazer em, ser agradável.
25 Alacridade: bem-estar, alegria.
26 Fulgente: brilhante.
27 Pender: balançar.
28 Ruminar: mastigar.
29 Furor: ódio.
30 Brados: berros, alaridos.
31 Fel: veneno.
32 Profanar: poluir.
33 Relicário: objeto que guarda relíquias.
34 Peregrino: ambulante, nômade.
35 Ensejo: motivo.
36 Genuína: verdadeira.
37 Minueto: dança francesa muito comum na época.
38 Graça: nome.
16
VI
Romeu, herdeiro de um amor proibido, é amado pela jovem Julieta. Em ambos os
olhos encontram-se o mesmo feitiço: queixa-se ele desse amor declarado inimigo; na
mais terrível dor, cria ela uma espécie de viço.39 Afastados pelo ódio, não têm acesso
ao amor um do outro e, portanto, não podem medir o compromisso através das
juras40 costumeiras. Mas o amor, em sua verdadeira manifestação, sabe transformar,
em qualquer ocasião, a dor da tempestade em chuva fina de felicidade.
– Não posso me afastar dessa casa, pois aqui mora o meu coração – disse Romeu,
tentando escalar o muro que protegia a mansão.
– Romeu, seja prudente! – gritou Benvólio do lado de fora. – Vai acordar toda a
gente!
– Romeu, – disse Mercúcio – estou com você... Vá, amigo! Rime “amor” com
“trovador” e tudo estará realizado! Diga algo agradável à comadre Afrodite, pois seu
filho Eros é cego! Siga seu prumo, oh, senhor dos apaixonados!
– Como pode alimentar-lhe o ego? – indagou Benvólio chateado.
– Se o amor é cego – respondeu Mercúcio –, ele nunca acertará o seu alvo. Sentar-se-
á a salvo sob a copa de um nespeiro e desejará que sua amada seja a fruta, ou o ramo
do limoeiro.
– Ficarei de guarda, caso ele necessite de ajuda – disse Benvólio preocupado. –
Temos que ajudá-lo em caso de luta.
– Veja – disse Mercúcio, – ele se escondeu entre as árvores para ficar próximo da
noite. Essa paixão combina bem com a escuridão.
No jardim dos Capuletos, Romeu colocava em risco a própria vida.
– Só ri das cicatrizes quem nunca teve feridas – disse o jovem, se esgueirando pelos
cantos.
Mas, por desmando das desventuras, Romeu avistou a formosura de Julieta no balcão
que dava acesso ao seu quarto.
– Que luz é esta que surge pela janela? – indagou o rapaz. – Será que é ela? É Julieta
o sol daquele oriente farto de tanto amor?
Julieta olhou para a lua, que estava enternecida41 com sua dor, e indagou, sofrida:
– O que faço da minha vida?
Romeu percebeu que ali existiam traços de melancolia e disse, tomado pela poesia:
– Pergunta de novo, anjo brilhante, pois você é glorioso demais para esta noite sobre
a minha fronte!42 Diante de tal emissário alado das alturas, sou um mortal, abrasado
por sua figura.
17
– Romeu! – disse Julieta com uma mistura de temor e surpresa. – Por favor, se quiser
ficar comigo, renegue seu pai, ou abra mão de seu nome... Se não puder, jure ao
menos que ama esta mulher e deixarei esta família que me consome. Saiba que meu
inimigo é apenas o seu nome. E o que é um nome? Não é parte de você. Uma rosa
deixaria de ter o seu perfume peculiar se em seu lugar eu a chamasse de margarida?
– Não, amor da minha vida.
– Se é assim, risque seu nome e, em troca dele, serei toda sua. Que a lua seja nossa
testemunha.
– Pois a partir de agora, “Amor” será a minha alcunha.43 Estou rebatizado. Não me
chamo mais Romeu.
– Então quem é o senhor que durante a noite entra em meu jardim tão apressado?
Minhas orelhas ainda não beberam cem palavras sequer de sua boca, mas já
reconheço o seu passado.
– Se meu nome fosse escrito na minha frente, o rasgaria. Não me chamo Romeu nem
Montecchio, pois isso a chatearia.
– O muro é alto! Como conseguiu pular?
– Com um salto. As asas do amor me fizeram transvoar,44 pois barreira alguma
conseguirá deter o seu curso.
– Belo discurso. Mas o que seria de você se fosse encontrado por alguns dos meus
parentes? Defender-se-ia com unhas e dentes?
– Em seus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de sua gente. Olhe-me com
doçura e apenas isso bastará para deixar-me à altura do ódio deles.
– Dito isto, não desejaria que fosse visto, meu belo Romeu!
– A capa da noite me oculta dos meus algozes.45 Mas basta que você não me ame e
eles, ferozes, me vejam. Prefiro morrer pelas mãos do ódio deles a ter uma morte
longa faltando-me o seu amor.
A máscara da noite cobria o rosto de Julieta, disfarçando um rubor46 virginal:
– Oh, meu gentil Romeu, se me ama, proclame seu amor incondicional. Se pensa que
foi fácil a minha conquista, vou tornar-me ríspida para que você me faça a corte com
total sinceridade. Se não, por nada me entregarei neste mundo, pois gosto de
honestidade. Belo Montecchio, o meu amor por você é facundo!47 Daí poder pensar
que o meu procedimento é precipitado, mas pode crer em mim cavalheiro, eu não
poderia ter evitado a gana desta veraz48 paixão.
– Farei então uma jura de amor que chamará a sua atenção! Eu juro pela lua...
– Não. Esta muda a cada mês... Não quero que seu amor seja variável,revelando
18
insensatez.49 Jure por sua nobre pessoa que é alvo de minha idolatria, pois nada me
trará mais alegria.
De repente, Romeu lançou-se com violência na escuridão. Julieta logo entendeu o
motivo, pois a sua dama de companhia apareceu perto do balcão:
– Julieta, toda a sarjeta pode enxergá-la. Venha já para cá, senhorita! Onde está a sua
etiqueta? Não sabe que espiar é coisa do capeta?
– Já vou, querida dama... A lua clama por minha visita.
A dama de companhia acreditou em sua protegida e voltou para os seus aposentos.
Romeu saiu do breu e disse:
– Se Deus abrisse a porta do paraíso e me pedissem algo em troca, nem para Ele eu
entregaria tudo o que tenho para lhe entregar, moça bonita. Não vá ou ficarei
insatisfeito.
Julieta respondeu:
– Meu belo Romeu, qual feito espera de mim?
– Uma jura de amor, mesmo de longe... você no balcão, e eu na escuridão de seu
jardim.
– Já a possui, meu belo querubim!50 Minha paixão é como o mar: sem fim, e tão
funda quanto ele. Posso dar-lhe sem medida, que muito mais me restará: ambos são
infinitos.
– Que esse momento bendito não se revele um sonho lisonjeiro demais para a
realidade...
– Deixe de alarde... apenas três palavrinhas: adeus, até amanhã e bons sonhos!
A dama de companhia chamou por Julieta. Esta entrou no quarto, deixando Romeu
tristonho:
– Haverei de ter bons sonhos quando enfim estiver na sua companhia – suspirou o
rapaz.
Julieta tornou a aparecer no balcão, surpreendendo Romeu:
– Amor meu, a seus pés vou depor minha ventura,51 para segui-lo pelo mundo todo
como a senhor e esposo. Enviarei alguém de bem para falar-lhe. Responda a essa
pessoa e marcaremos a cerimônia.
– Este será o motivo de minha insônia. Até amanhã passarão vinte anos!
– Esqueceria o que tenho a dizer só para que ficasse aí parado, recordando-me o
quanto gosto de sua companhia. Mas veja, Romeu, já é dia! Desejaria que já tivesse
partido, não para muito longe... mas como um meigo passarinho que das mãos da
menina travessa é libertado, até ser puxado novamente pela corda amarrada ao
19
colarinho.
– Quisera poder fazer aqui o meu ninho.
– Desejaria o mesmo querido, mas de tanto acariciá-lo, poderia, até mesmo matá-lo.
Adeus. Impõe-me a saudade com tanto afã52 que ao invés de “boa noite”, eu diria
“até amanhã”. Que o sono invada seu peito como se a própria noite dormisse desse
jeito.
– Vou procurar meu pai espiritual, para lhe pedir um conselho leal.
– Adeus, Romeu... Boa noite mil vezes!
Apenas treze primaveras contava a jovem que proclamara tal maravilha... O jovem
casal sonhava com o matrimônio, mas teria que transpor com o maleável ardor dos
apaixonados o ódio latente soletrado pelas duas famílias.
39 Viço: frescor, juventude, nova vida.
40 Juras: promessas.
41 Enternecida: comovida.
42 Fronte: cabeça, rosto.
43 Alcunha: nome, apelido.
44 Transvoar: transpor voando.
45 Algoz: capataz, carrasco.
46 Rubor: vermelhidão.
47 Facundo: eloquente, expressivo.
48 Veraz: verdadeiro.
49 Insensatez: delírio, loucura.
50 Querubim: anjo.
51 Ventura: destino.
52 Afã: fadiga.
20
VII
Romeu apareceu logo de manhã na igreja, portador de emoções benfazejas53 e, ao
mesmo tempo, angustiantes. Frei Lourenço parou por um instante assustado por ver o
jovem Montecchio assim tão cedo:
– Minha nossa, o que seu coração lhe disse para lhe causar tamanho medo? Sua
aparência nesta hora matutina configura que algo esconde de grave postura. Certo
estou que esta noite Romeu não se deitou!
– Conhece-me bem, Frei... mas tive um sono de rei.
– Deus lhe perdoe... esteve com Rosalina?!
– Não, seu padre, até esqueci-me desta menina. Fui à casa de meu inimigo e lá fui
brutalmente ferido. Por seu intermédio, poderá vir o meu remédio!
– Meu filho, seja mais claro, pois confissão não é jogo de adivinhação!
– Escute o que eu lhe digo em forma de soneto:54 eu amo a jovem Capuleto. Meu
coração é dela e vice- -versa. Tudo está combinado. Estamos apaixonados... Só falta
que o senhor nos torne casados. Em breve contarei como nos conhecemos. Verá que
não é a esmo55 que desejo me casar com ela hoje mesmo.
– Jesus, Maria, veja como são os jovens de hoje em dia! Rosalina tão adorada agora
se vê abandonada. O sol ainda não desfez com muitos giros os seus suspiros... suas
queixas ainda retumbam56 em meus ouvidos!
– O senhor sugeriu que eu enterrasse essa paixão antiga.
– Não em uma alcova57 para aqui fora encontrar uma nova urtiga.58
– Rosalina deseja ser freira, frade! Julieta, por sua vez, nada me negaria apesar de ser
membro de uma família inimiga.
Frei Lourenço ficou animado:
– Venha, rapaz, apressado me contar esta novidade! Algo me diz que esta aliança
poderá finalmente trazer paz a esta cidade.
53 Benfazeja: algo que faz bem.
54 Soneto: um tipo de poema.
55 Esmo: ao acaso.
56 Retumbam: ecoam.
57 Alcova: cubículo, cela.
58 Urtiga: planta que faz coçar.
21
VIII
Mercúcio percorreu toda a cidade atrás de Romeu. Por fim, apareceu no solar dos
Montecchios e indagou a seu primo Benvólio:
– Onde está aquele seu arrimo?59
– Aqui não passou a noite – respondeu o rapaz, preocupado.
– Será que das mãos de algum Capuleto levou um açoite?60
– Não, pois acabou de chegar da mansão dos Capuletos um folheto assinado por
Tebaldo para ser analisado por meu tio.
– Ai, um arrepio! Trata-se de um convite para um duelo?
– Sim. Romeu acabará com aquele magricelo.
Mercúcio sabia que nada daquilo era bom. Tebaldo lutava como se cantasse uma
música, sem perder os tempos, nem o compasso, nem o tom.
– Veja como são as suas pausas: primeira, segunda... e a terceira estocada será funda
em seu peito – dramatizou Mercúcio causando enorme efeito.
Romeu apareceu de repente todo satisfeito. Mercúcio alardeou sua chegada:
– Oh, senhor Romeu, vossa senhoria está atrasada.
– Desculpe, Mercúcio, amigo meu... Pareceu-me lícito61 exigir um pouco de sua
cortesia, pois eu precisava exorcizar algumas agonias.
– Devo profetizar que, em uma situação como esta, é minha obrigação dobrar as
pernas para você – disse Mercúcio em tom de ironia.
– Sim, e ficar a minha mercê62 – afirmou Romeu no mesmo tom.
– Muito galante de sua parte.
– Sim, pois faço isso com arte!
Benvólio interferiu:
– Psiu! Deixem para brigar depois. Vocês dois ficam de pilhéria63 e não percebem
como a situação de Romeu é séria.
A dama de companhia de Julieta aproximou-se escoltada por um empregado:
– Ande apressado, moleque! Traga-me este leque!
– Olha só quem vem lá... – disse Mercúcio. – Parece a corte do próprio capeta.
– Acho que é a enviada de minha amada Julieta – refletiu Romeu.
22
– Que Deus lhes dê bom dia! – cumprimentou a dama de companhia.
– E para você, boa tarde – respondeu Mercúcio com a sua habitual malinidade.64 –
Há muito tempo que a ousada mão do mostrador segura o ponteiro na posição do
meio-dia.
– Quem é você que me trata como se eu fosse a sua tia? – indagou irritada a dama de
companhia.
Romeu se intrometeu na discussão:
– Perdoe-o, senhora. Mercúcio é um homem que Deus criou para se estragar!
– Se é assim, que fique longe de mim! Mal-educado, grosseirão! Senhores, estou aqui
para juntar dois amores... alguém pode me dizer onde encontro o jovem Romeu?
– Sim, sou eu – disse o jovem Montecchio.
– Então quero conversar com você em particular.
– Deve ser um convite para casar! – disse Benvólio a Romeu.
– Para mim é uma alcoviteira que a sós quer lhe falar! – disse Mercúcio.
– Acham que com isso devo me preocupar? – indagou Romeu.
– Absolutamente – respondeu o amigo. – Esta senhora embolorada e antiquada não
pode despo- sá-lo...
Mercúcio e Benvólio despediram-se. Mercúcio saiu batendo os calcanhares:
– Adeus antiga dama e seus milhares de anos:
Romeu tentou colocar panos quentes:
– Mercúcio tem um humor um tanto quanto inconsequente.
– É um velhaco doente! – respondeu a mulher se benzendo.
– Ele é um rapaz que tem prazer em ouvir a própria voz... capaz de prometer em
poucos segundos o que não poderia cumprir em um mês.
– Cretino descortês! Se o safado falar mal de mim, eu o enforcarei assim de umavez!
Piolhento! – virou-se para o empregado. – E você guardião de porcaria, homem lento,
fica de guarda e deixa que um velhaco me apronte esse tormento?!
O guardião respondeu-lhe com um movimento de ombros:
– Não lhe disseram nada que me causasse assombro. Só uso minha espada quando a
lei está ao meu lado.
– Não sei então por que anda armado! – resmungou a mulher, voltando-se para
Romeu. – Poderia conversar a sós comigo? Não somos seus inimigos. Como eu disse
anteriormente, minha jovem senhora mandou que eu o procurasse rapidamente. Mas,
23
antes, digo-lhe que, se pretende enganá-la, prometendo a ela coisas erradas, será por
mim censurado.
– Por gentileza, diga a sua senhora que aos meus cuidados...
– Oh, mas que beleza, que rapaz de bom coração. Direi isto então!
– Mas como, se ainda não prestou atenção na minha promessa?
– Não precisa. Tenho pressa! Já notei que é um namorado bom à beça!
– Diga para ela que vá à igreja com o pretexto de confessar. Na cela de Frei Lorenço,
ela se casará comigo! E escute bem o que eu lhe digo: na calada das horas, um criado
meu espichará uma escada feita de cordas no imenso muro da abadia. Ficarei no
confessionário aguardando por minha companhia.
– Sim! Confie a mim esta missão. Mas me diga por precaução: esse seu empregado é
um homem fiel e honrado?
– Sim, ele é ótimo! Tão firme quanto o aço!
– Estaremos lá sem atraso. Mas antes que eu me vá, preciso lhe contar! Na cidade há
um nobre chamado Páris, que faria de tudo para conquistar o amor de minha senhora.
Mas, agora, aquele coraçãozinho é todo seu, Romeu.
– Pois diga a ela que minha paixão é infinita. Tanto que eu lhe peço, gentil dama, que
me recomende à senhorita...
– Assim será a sua dita!65 – disse a dama saindo apressada e gritando durante a
caminhada. – Ande moleque! Traga meu leque! Não vê que estou toda suada! Se eu
contar, ninguém acredita... oh, vida bendita!
59 Arrimo: apoio.
60 Açoite: golpe aplicado com chicote de mesmo nome.
61 Lícito: válido, correto.
62 A minha mercê: ao meu serviço.
63 Pilhéria: piada.
64 Malinidade: maldade.
65 Dita: destino.
24
IX
Nove horas o relógio tinha soado, quando Julieta enviara a sua dama de companhia.
A mulher prometera a sua senhora que voltaria antes do meio-dia. Por conta disso, a
jovem Capuleto manteve-se todo esse tempo em profunda agonia:
– Ela não deve tê-lo encontrado. O meu arauto66 é lento! Do amor só deveriam servir
os pensamentos mais céleres,67 dez vezes mais que os raios do sol quando eliminam
as sombras das montanhas. Ela não chega! Se dotada fosse ela de paixões e sangue
jovem, correria veloz como uma bala: minhas palavras teriam sido lançadas contra o
meu amor; e as dele para mim seriam atiradas. Mas que nada! Gente velha nunca
chega ao porto: é chumbo lerdo e morto.
Mal terminou de profanar a imagem de sua empregada, aproximou-se a coitada.
– Enfim, você chegou! – disse Julieta aliviada. – Encontrou com o meu amor? O que
disse ele? Conte-me, por favor! Oh, Deus, dama de companhia, por que essa tristeza?
Se as notícias são tristes, conte-as com ar de alegria. Se forem alegres, não estrague a
melodia, tocando-a com essa cara de funeral!
– Jesus, calma, não vê que estou passando mal? – respondeu a mulher se abanando.
– Como, se tem fôlego o bastante para ficar resmungando?! Não me venha com
desculpas esfarrapadas! Seja uma boa empregada e não fique à toa. Diga-me apenas
se as notícias são más ou boas?
– Deixe-me repousar por um momento! Estou cansada. Como os ossos me doem!
Que tormento!
– Quisera que tivesse os meus ossos e eu as suas novidades! Vamos, dama, fale logo!
– Jesus, Maria, que ansiedade. Pois bem! Escolheu mal... este Romeu... ele é até
bonito, coisa e tal! Suas pernas levam certa vantagem sobre as de outros homens...
Mas só! Não é a flor da cortesia... porém é manso feito um cordeiro. Um conselho de
sua dama de companhia: esqueça-o e sirva a Deus primeiro! Como? Já almoçaram
por aqui?
– Calma aí! Ele falou sobre o casamento?
– Ai, a dor de cabeça que sinto ninguém mais sente!
– Pare com esse lamento! Fico infeliz de vê-la assim tão doente. Mas diga-me, por
favor, o que disse o meu amor!
– Não me lembro...
– Tente!
– O seu Romeu disse de maneira cortês que é cavalheiro e, posso assegurar, decente...
Onde está a sua mãe, menina?
25
– Ai que sina! – disse Julieta dando um tapa na testa – Conte-me ou acabarei com a
boa saúde que ainda lhe resta!
– Besta de carga me faz de sua festa – reclamou a dama. – Pronto, já vai, já vai...
Corre até a cela de Frei Lourenço, escondida dos olhos de seu pai. Lá encontrará o
seu futuro marido. Vou almoçar. Escolha um belo vestido!
O rosto de Julieta se enrubesceu:
– Não vejo a hora de me casar com Romeu...! Obrigada, minha querida. Partirei agora
para encontrar o amor da minha vida.
Não demorou muito, os dois enamorados encontraram-se na abadia de Frei Lourenço,
onde foram casados. O frade, entendendo que essa atitude reuniria as duas famílias,
casou as duas crianças ansiosas e sofridas. Mais tarde, porém, colheriam os frutos
plantados pela maldade. As iniquidades68 da vida não arredariam e transformariam
as alegrias desse casamento em uma história contada com muito lamento.
66 Arauto: mensageiro.
67 Céleres: rápidos
68 Iniquidades: Injustiças.
26
X
Ao caminhar pela praça de Verona ao lado de Mercúcio, Benvólio disse preocupado:
– É melhor andar acelerado. Tem Capuleto para todos os lados. E o sangue ferve
quando faz calor nesta cidade.
Mercúcio deu uma gargalhada:
– Você age como o cavaleiro, mas saca a espada sem necessidade. Essa é a sua
realidade: briga com um homem na rua porque tossiu e acordou vossa beldade!
Benvólio se defendeu:
– Eu nunca fiz esse gênero!69 Mas também não sou tão calmo quanto Romeu.
– O seu temperamento é por demais efêmero!70 Se houvesse mais outros tipos como
você, dentro de pouco tempo não existiria mais nenhum.
– Pois veja quem vem lá adiante.
– Um cidadão comum.
– Não! É um Capuleto...! – disse Benvólio preocupado.
– Que venha então o coitado. Não aceitarei o desaforo.
– Sim... mas não quero ouvir seu choro!
– Ora, eu sou Mercúcio... nunca gostei de farsa.
Tebaldo aproximou-se com dois comparsas e disse:
– Uma palavra com um de vocês.
– Apenas uma palavra? – indagou Mercúcio desembainhando a sua espada. – Não
seja tão cortês! Dê- -nos algo mais... uma palavra e uma estocada para acabar com a
nossa paz.
Tebaldo sorriu diante de tamanha empáfia e respondeu:
– Pelo visto, Mercúcio, você está concertado71 com Romeu. Saiba que estou disposto
a lutar. É só me oferecer a oportunidade.
Mercúcio riu e disse com certa maldade:
– “Concertado”? Por acaso me confunde com algum músico? Se for assim, prepare-se
para desafinar, meu rapaz – mostrou-lhe a espada –, pois este é o arco de minha
rabeca!72 Ele é sapeca e, se chegar perto demais, poderá transpassar73 a sua
armadura.
Benvólio interveio na conversa:
27
– Chega desta loucura! Essa praça é muito movimentada.
– Para ver é que os olhos foram feitos! – exclamou Mercúcio contrafeito.
– Vamos para um lugar vazio – insistiu Benvólio.
– Daqui não dou um passo – disse Mercúcio, arredio.
Romeu apareceu por ali. Tebaldo o recebeu com aspereza:
– Eis o meu homem. Chegou sua hora, Romeu, tenha certeza!
– “Seu homem”? – indagou Mercúcio de maneira debochada. – Como pode tratar
assim o meu amigo se ele não usa a sua farda?
– Morrerá atravessado por minha espada! – respondeu Tebaldo tomado pelo ódio. –
Entrou em minha casa para nos azucrinar. Agora morrerá como vilão!
Romeu, tranquilo, respondeu à acusação:
– Tebaldo, é pelo motivo de amá-lo que venho conversar com você. Não quero mais
ser seu inimigo. Percebe o quanto é odiosa a sua saudação a mim? Vamos parar com
isso... não podemos continuar agindo assim!
– Acha, rapaz, que com esse discurso trará a paz que há tantos anos nos falta?
Aproveita que está na companhia de sua malta,74 dê meia-volta e ataque-me
empunhando a sua espada.
– Isto não nos levará a nada – respondeu Romeu. – A maior prova de minha devoção
à suafamília é que jamais lhe insultei em toda a minha vida. Segue em paz, bom
Capuleto e verá que as coisas melhorarão de agora em diante.
– Romeu, isto é humilhante! – disse Mercúcio levantando a espada. – Tebaldo,
caçador de ratos, deixe isto comigo.
– Esse sim tem coragem o bastante para se bater com o inimigo – disse Tebaldo.
Mercúcio apontou a espada para o Capuleto e disse, com excesso de confiança:
– Bom rei dos gatos, tirarei uma de suas sete vidas, deixando as outras seis para
malhar depois, de acordo com a sua atitude atrevida.
Tebaldo tirou a espada da cintura:
– Pronto! Agora estou à sua altura.
– Mercúcio, guarde a sua espada! – gritou Romeu. – A praça está lotada, e o príncipe
proibiu terminantemente novas intifadas!75
Mercúcio não ouviu o amigo e correu de encontro ao inimigo. Benvólio puxou a sua
espada e também se envolveu na luta armada. De repente, algo aconteceu que fez
estacar76 a luta. Tebaldo e seus comparsas saíram em disparada. Benvólio levantou a
espada como um maestro empunhando a batuta:
28
– Foge! Foge que esta é a sua melhor conduta!
– Oh, fazia tempo que a gente não lutava... – disse Mercúcio, o único que não
comemorava. – Estou ferido!
– O que diz é sério? – indagou Romeu.
– Não. Nada me levará ao cemitério... – sorriu Mercúcio, mostrando o enorme rasgo
em sua barriga. – Não vê que é apenas um arranhão?! Algo comum após uma briga!
Mercúcio sentiu-se zonzo e cambaleou. Com a mão toda suja de sangue, disse,
deitando-se no chão:
– Estou morrendo! Levem-me a um cirurgião!
– Tem certeza de que o corte é profundo? – indagou Benvólio.
– Não tão fundo quanto um poço, nem tão largo quanto a porta de uma igreja. Mas é
o suficiente para me levar deste mundo. Montecchios e Capuletos, eu amaldiçoo
todos vocês! Transformaram-me em comida para vermes... Vejo com nitidez a
decadência das duas casas... de uma só vez!
Benvólio e Romeu pegaram Mercúcio pelos braços e, após alguns passos, o rapaz
pendeu a cabeça, desfalecido. Romeu o deitou no colo e convencido de sua morte,
disse horrorizado:
– Este fidalgo, parente do príncipe, sincero amigo meu, foi, por minha causa, ferido
de morte. Minha reputação está manchada com o insulto de Tebaldo, esse que meu
parente foi durante uma hora. A sorte me abandonou... foi embora! Oh, doce Julieta!
Sua doçura me transformou em um maricas! A coragem do aço se abrandou77 e
deixou meu peito torto e cheio de feridas.
– O bom Mercúcio agora é morto – disse Benvólio. – Foi para as nuvens esse bravo
espírito que, tão cedo, desprezou o pó da terra.
Não demorou muito, Tebaldo apareceu por ali.
– Veja – disse Benvólio –, o odioso Tebaldo está de volta.
– E sem a sua escolta! – disse Romeu armando-se. – O ódio é o meu guia. Prepare-se,
Tebaldo! A alma de Mercúcio necessita de sua companhia.
Romeu levantou-se e partiu para a luta. Olhando fixo para Tebaldo, atacou o inimigo
com bravura. Tebaldo se defendeu, espantado com o talento do jovem Montecchio
com a espada. Não demorou muito, Romeu lhe deu uma estocada, fazendo-o cair com
a boca ensanguentada. O golpe traspassara-lhe o corpo, tornando-o vegetativo,
paralisado e morto... Romeu ajoelhou-se ao seu lado e chorou. A última coisa que
desejava era o confronto. Benvólio gritou:
– Romeu, foge depressa! Não quer que a população se amotine e impeça a sua
partida! Tebaldo está sem vida, mas não fique aí aturdido, pois o príncipe logo
29
chegará e você estará perdido.
– Sou o bobo da fortuna! – exclamou Romeu ajoelhado.
– Ora essa, corra, apressado!
Romeu obedeceu às ordens de seu primo e partiu rumo ao desconhecido. Logo, o
príncipe chegou com todo o seu séquito, ao lado dos Capuletos e dos Motecchios.
– Quem é o responsável por essa cena desastrosa? – indagou o príncipe com sua voz
poderosa.
Benvólio respondeu:
– Pelo jovem Romeu, ali se encontra morto o homem que matou seu parente, o bravo
Mercúcio, alteza.
A senhora Capuleto ajoelhou-se ao lado do corpo insepulto78 de Tebaldo e disse com
tristeza:
– É o filho do meu caro irmão! Primo, marido, príncipe, no chão vejo sangue correr
de meu parente. Se é justo, príncipe, realmente, sangue desse Montecchio há de agora
também ser derramado!
O príncipe disse irritado:
– Mas antes preciso saber quem iniciou a luta sofrida.
Benvólio tomou a palavra:
– Juro por minha vida que o único culpado foi o jovem Tebaldo, que iniciou esta
batalha. Romeu o matou, mas, antes, tentou convencê-lo a não lutar e, para isso, até
mencionou o seu desgosto pela conduta fratricida.79 Tudo isso com voz doce e olhar
tranquilo. Porém, ainda assim, Tebaldo lançou a sua cólera contra o peito de
Mercúcio. Romeu gritava: “Amigos, isto não os levará a nada”. E mais rápido que a
língua, seus braços desviavam das estocadas. De repente, por baixo de seu braço, um
golpe malfadado de Tebaldo tirou a vida do valente Mercúcio. Tebaldo fugiu
assustado, mas logo retornou para ver o resultado de sua fúria. Romeu prometeu-lhe
vingança, e o Capuleto não acreditou. Os dois lutaram, se engalfinharam e Romeu
finalmente o derrotou.
A senhora Capuleto, com o coração cheio de ódio, exigiu justiça ao príncipe e
duvidou cegamente da explicação dada por Benvólio.
– Não sou mentiroso – respondeu o Montecchio. – Era notório em toda a cidade o
desejo de Tebaldo em duelar com Romeu.
O príncipe respondeu:
– Romeu matou aquele que cometeu o primeiro crime. E quem deverá pagar pela
morte de Mercúcio? Não seria, pois, a sua vida igualmente sublime?
30
– Não castigue Romeu! – disse o pai do jovem Montecchio. – Pois vejo claramente
que este defendeu a honra de seu ente80 querido.
– Esse ódio atinge a mim também, de perto – respondeu o príncipe, com o coração
aberto. – Hei de vos impor a pena dura que minha dor desde hoje amargura. Ficarei
surdo a estas escusas81 e pedidos. Nem lágrimas nem preces me abalarão os ouvidos.
Assim, com pressa, Romeu será banido!82 É ordem expressa! Se nisso houver
demora, essa será a sua última hora! Levem esses corpos daqui. A voz da demência
causa mortes também por imprudência e a prova disso está aqui, diante de nós!
69 Gênero: tipo
70 Efêmero: provisório.
71 Concertado: combinado, ao lado.
72 Rabeca: Instrumento de cordas friccionadas, como o violino.
73 Transpassar: atravessar, perfurar por um lado e sair por outro.
74 Malta: cambada, corja.
75 Intifada: revolta, briga.
76 Estacar: parar.
77 Abrandou: acalmou.
78 Insepulto: não sepultado.
79 Fratricida: relativo a luta dentro de uma mesma família ou comunidade.
80 Ente: criatura, indivíduo.
81 Escusas: desculpas.
82 Banido: degredado, expatriado, deportado.
31
XI
No solar dos Capuletos, Julieta aguardava com ansiedade o caminhar das horas:
– Ai, e esta demora! Venha Romeu, mais rápido que o vento para consumar seu
casamento. A casa do amor foi por mim vendida, mas seu dono ainda não a tornou
possuída! Este dia está muito lento e tedioso, como véspera de festa, quando
ganhamos roupas novas, mas somos proibidas de experimentá-las.
A dama de companhia entrou no quarto, aturdida:
– Minha menina, por que não se cala?! Não vê que lá na sala todos comentam sobre o
malfadado83 Romeu?
– O que dizem a seu respeito?
– Morreu, morreu! Ah, meu peito dói quando eu penso em tal situação. Eu não
esperava de Romeu tamanha transgressão!84
– Como assim? – indagou a jovem com o coração na mão. – O que aconteceu?
Suicidou o meu Romeu? Diga que sim e esta palavrinha terá o mesmo efeito que
cinquenta litros de veneno dentro de mim.
– Precisava ver o tamanho da ferida!
– Oh, então deram cabo de sua vida? A morte não erra. E meu coração agora é
sepulto pela mesma argila em que meu marido se enterra.
– Oh, Tebaldo, Tebaldo! – chorou a dama de companhia. – Quem diria que um dia eu
veria morto um jovem tão honesto.
– Não me diga que Tebaldo também faleceu? Poderia existir dia mais funesto? Fatal
trombeta soa o juízo final!
– Não, menina, entendeu mal! Presta atenção! Tebaldo morreu pelas mãos de Romeu.
E seu marido foi banido por causa da agressão.
– O que me diz, dama? Então, meu jovem marido derramou o sanguede Tebaldo,
meu primo querido?
– Derramou, derramou! – chorou a mulher desconsolada. – Eu mesma vi a poça de
sangue derramada no chão! Oh, meu coração! Oh, que desilusão! Nos homens não
colocamos fé, pois são todos mentirosos, do patrão à ralé! E pensar que a senhora
optou pelo casamento... Oh, que lamento!
Julieta pensou por alguns momentos e percebeu que o ódio que sentia por seu marido
era corrompido pelo amor que por ele tinha assumido: “Então, esse angélico
demônio, corvo de belas penas é ao mesmo tempo cordeiro e devorador, como o
insaciável lobo?”, indagou-se a moça.
– Precisava ver a poça! O tamanho da poça de sangue! – continuou a dama. – Eu
32
desmaiei com o horror!
Julieta se levantou, limpou as lágrimas e disse:
– Nem que eu visse tal cena, odiaria meu lindo Romeu. Da mesma maneira que por
suas mãos Tebaldo morreu, poderia agora estar chorando a morte de meu senhor. Oh,
por favor, sorrir é preciso! Ao invés de choro, o riso! Romeu está vivo. Está vivo o
meu amor!
A dama se benzeu:
– Como pode defender a honra desse maldito Romeu? Deveria ver o corpo de seu
primo! Está na sala, cercado de lamentos.
– Não! – disse Julieta. – Todos já lavam o corpo de Tebaldo com lágrimas e
sofrimento. A mim cabe apenas chorar pelo banimento. E o que é isso senão uma
espécie de morte? Romeu havia prometido que viria a este leito e pousaria em meu
peito tal qual um passarinho. Agora perdemos o norte e, a despeito da sorte, somos
órfãos em nossos ninhos.
A dama de companhia se compadeceu do sofrimento de sua protegida:
– Existe uma saída. Eu sei onde está o jovem Romeu. Está na cela de Frei Lourenço.
Chama-lo-ei aqui e ele será todo seu.
– Leve este lenço e ele saberá que é meu. Oh, minha querida, cuidado! Não coloque
em risco a sua vida! Corra apressada e traga logo o meu Romeu! Diga-lhe que
aguardo por seu último adeus.
83 Malfadado: Fadado ou destinado a algo ruim.
84 Transgressão: infração, violação, pecado.
33
XII
Na cela de Frei Lourenço, Romeu esquivava-se pelos cantos. O clérigo, preocupado,
chamou sua atenção:
– Por todos os santos, como é medroso o nosso irmão. Venha, apressado, pois, pelo
visto, você se tornou enamorado da própria desgraça.
– Diga-me frade, o que se passa? Qual foi a sentença do príncipe? Que tristeza eu
ainda desconheço e que ainda deseja me tocar a mão?
– Deixe de tanta aflição! Ganhou a sentença mais branda. Veja que sorte: ao invés da
morte do corpo, o seu exílio.
Romeu se desesperou:
– Mas nisso há mais horror que a própria morte! Não diga mais a tal palavra...
“Exílio”!
– Para isso seu espírito é forte, meu filho. Está, sim, banido de Verona. Mas reveste
seu corpo de tranquilidade, pois o mundo é grande e largo, possui o sul, o leste, o
oeste e o norte.
– Prefiro que corte logo a minha cabeça. Não existe mundo algum fora dos muros de
Verona. Alcunha da morte é “banimento”.
– Tenha discernimento das coisas, querido Romeu – disse o frade, tranquilo. – Não
seja mal-agradecido! Nossas leis dão o nome de “morte” a certos pecados como o que
você cometeu. Mas o príncipe, avesso à violência, tomando seu partido, pôs a lei de
lado!
– O que adianta viver afastado daquela por quem meu coração bateu mais forte? Ao
banimento, dou o nome de morte, pois qualquer mosca poderá tocar no cândido
milagre da querida mão de Julieta... mas não Romeu, seu marido!
Frei Lourenço tentou em vão acalmar o jovem amigo, mas Romeu estava muito
abatido e não escutou seus bons conselhos. De fora da igreja, os dois escutaram
batidas na porta.
– Pare com esse trebelho85 ridículo e se esconda – disse o frade. – Poderão estar atrás
de você.
– Quem se importa com isso, caríssimo? Estou à mercê dos olhares, a não ser que o
sopro dos gemidos do meu coração me esconda na guisa86 de uma neblina.
Frei Lourenço balançou a cabeça em desaprovação:
– Você tem a coragem de um homem e as lágrimas de uma menina.
Frei Lourenço foi até o portão para saber a identidade de quem chegava à abadia
àquela hora da tarde.
34
– Quem é?
– Sou a empregada da senhorita Capuleto, frade! Minha dona manda um recado para
o seu pupilo.
O frade respirou aliviado:
– Então a senhora é muito bem-vinda. Entre! Posso oferecer-lhe algo para beber ou
alguma comida?
– Não, obrigada! Preciso saber onde está o senhor de minha patroa.
O clérigo apontou para o jovem:
– Ali, jogado na proa de um navio em pleno naufrágio.
– Oh, ele é frágil como a minha pobre senhora – disse a dama com as mãos no rosto.
Romeu, ainda tomado pelo desgosto, indagou:
– Chora muito a minha pobre Julieta? Não me julga assassino inveterado, pelo fato de
eu ter manchado a infância de nossa grande dita com um sangue tão próximo do seu?
– Não – respondeu a dama. – Ela se joga na cama e chora por seu Romeu. E, de
tempo em tempo, lembra-se do primo e roga também pelo parente que morreu.
Frei Lourenço colocou as mãos no ombro de Romeu e lhe disse com certo pesar:
– Romeu, hoje à noite, você deverá ficar a sós com sua esposa e consumar o
casamento. Depois disso, partirá mais rápido que o vento para uma cidade vizinha.
Não se preocupe, pois Julieta não ficará sozinha. Em pouco tempo, essa nuvem de
ódio dispersará. Você receberá o perdão real e voltará para Verona. Vá para a comuna
de Mântua87 e aguarde por um contato meu.
A dama de companhia disse, despedindo-se:
– Direi a minha dama que em breve se encontrará com seu marido. Assim, seu
coração ficará mais fortalecido.
85 Trebelho: folguedo, brincadeira de criança.
86 Guisa: maneira de ser ou agir.
87 Mântua: nome de um vilarejo italiano próximo à Verona.
35
XIII
A noite se abateu sobre a mansão dos ricos Capuletos. A esta altura, o nobre Páris
chegou empunhando um ramo de flores cheias de cores e espetos. A visita, porém,
tornou-se adiantada, pois nem o pai de sua amada queria ver a filha incomodada:
– A pobrezinha está cansada, perdida na escuridão do sofrimento. Nada hoje poderá
lhe trazer qualquer alento. Porém, meu rapaz, posso dizer que jamais deixaria um
nobre como você na expectativa. Correrá até o pároco88 da cidade e marcará a data
do casamento para qualquer dia desta semana. Chamaremos apenas alguns amigos
para a cerimônia. Diga-me o que acha da quinta-feira?
– Quisera, senhor, que a quinta-feira fosse amanhã mesmo! – disse o jovem Páris
radiante de alegria.
– Então brindemos em homenagem a este momento que se anuncia – disse o senhor
Capuleto, erguendo uma taça de vinho. – Apenas peço que não faça alarde sobre isso.
Façamos deste compromisso um segredo, de modo que ninguém possa saber tão cedo
desta boa notícia. Apenas alguns amigos íntimos serão convidados para a festa.
– Obrigado, o senhor Capuleto – disse o jovem. – Agora só me resta sonhar com o dia
em que nos tornaremos membros de uma mesma família. Estou indo embora.
Recomende bons sonhos à sua filha.
O senhor Capuleto despediu-se de Páris sem desconfiar que, sobre sua cabeça, Julieta
recebia o seu verdadeiro pretendente para uma noite de amor. Não poderia este
senhor prever que o inimigo, assassino de Tebaldo, estaria dormindo no quarto ao
lado.
Não demorou muito, o jovem Romeu, assaz atrasado, despertou do sono profundo.
Arregalou os olhos, mirou a janela e reconhecendo as cores do mundo, pulou da cama
em busca de suas roupas.
– Já vai partir? – indagou Julieta tomando-o em seus braços. – Esse não é o canto da
cotovia! É o rouxinol medroso que canta antes mesmo de raiar o dia.
– É a cotovia o arauto da manhã – disse o jovem tentando convencer a sua amada. –
Olhe, querida, para aquelas cores rajadas do nascente! As luzes artificiais da noite se
apagaram e de repente deram lugar para o dia, que com alegria caminha na ponta dos
pés por sobre as montanhas úmidas. Ou parto e vivo, ou morrerei ficando.
– Não é do dia aquela claridade sangrando no horizonte – argumentou a jovem
apertando o namorado contra o peito. – Pode acreditar no que eu lhe digo! É o efeito
de algum meteoro que o sol alumia, para que lhe sirva de guia e o ilumine no
caminho até Mântua.
Romeu sorriu enternecido pelos olhos de sua esposa,e, tomado pela anarquia89 típica
dos apaixonados, bradou atirando-se na cama:
– Que importa que me prendam ou que me matem? Serei feliz com isso se assim
36
quiser a minha dama. Direi a todos que aquele ponto avermelhado não é o olho do
dia, mas o fraco reflexo do diadema90 sobre o sol que principia. E também que não
foi a cotovia que cantou para anunciar o dia! Ficar é para mim grande ventura; partir
é pura amargura. Vem logo, morte dura! Julieta quer assim.
– Não! – disse Julieta assustada. – É dia. Foge! A madrugada se abrevia! É a cotovia
sim que canta desafinada! Oh, vai! A luz aumenta a cada instante.
– Não vejo luz, mas uma escuridão horripilante.
Julieta com um empurrão, jogou Romeu no chão. Este precisou colocar as calças
debaixo da cama, pois a dama de companhia abriu a porta correndo para anunciar o
começo de um novo dia:
– Senhorita, sua mãe se encaminha para cá. Vista-se depressa, pois o sol já vai raiar.
Julieta olhou para a janela e disse, com voz sofrida:
– Então, que o dia entre pela janela e por ela saia o amor de minha vida!
Romeu saiu de seu esconderijo e, passando pela janela, entre beijos e promessas,
respondeu:
– Minha menina, nosso adeus se transformará em até logo. Não duvide de nossa sina!
Todas estas dores servirão unicamente para adocicar as nossas juras.
– Tenho medo de que estas aventuras o levem ao sepulcro, pois, por um momento,
tive a impressão de vê-lo pálido e sem vida!
– Pois assim também me parece, minha querida! – disse Romeu beijando-lhe a mão. –
É a aflição que está bebendo o nosso sangue.
Romeu deixou o quarto como uma criança que deixa o ventre da mãe após o parto:
chorando. Julieta também se entregou ao pranto. Em meio a tantas desventuras, sua
mãe, perto de entrar pela porta, chamou-lhe com doçura:
– Filha minha, você já acordou?
Julieta tentou se recompor, mas não deu tempo. Sua mãe entrou no quarto e
estranhando a dor de sua filha, indagou:
– Ainda chora a morte de Tebaldo? Por acaso acha que com lágrimas tira-lo-ia do
caixão? Deixa disso! Alguma dor é indício de emoção, mas muito choro já denota
fraqueza de espírito. Siga meu conselho, pare de chorar a morte de seu primo e chore
por permanecer vivo o miserável que o privou de sua vida.
– De que miserável você está falando, mamãe? – indagou a moça se fazendo de
desentendida.
– Ora, desse maldito Romeu. Este homem sim, é o verdadeiro vilão e, apesar disso,
permanece vivo!
37
– Isso porque está longe de minhas mãos! – disse Julieta olhando o horizonte pela
janela. – Porque, se eu tivesse a chance de agarrá-lo... ai, ai, eu o sufocaria à beça.
A dama de companhia, ouvindo a conversa, se benzeu.
– Não se preocupe, filha minha, pois existe em nossa família quem encontre esse
maldito Romeu e assim faca justiça!
Julieta arregalou os olhos. Antes de dizer algo, foi interrompida pela dama:
– A senhora Capuleto disse que tinha uma surpresa para a minha protegida!
A senhora Capuleto estranhou a atitude atrevida de sua empregada e a olhou de
maneira atravessada. A dama de companhia engoliu seco e calou-se.
– Vá ver o ramo de flores que Páris lhe trouxe! – continuou a mãe. – Devo adiantar-
lhe que seu pai, desgostoso de vê-la sofrer com essas dores atuais, marcou a sua data
de casamento para a próxima quinta-feira. Veja só como são maravilhosos os seus
pais. Já pensamos em tudo! Isso é notícia de primeira: o evento acontecerá na igreja
de São Pedro na próxima quinta-feira.
Julieta sentiu falta de ar. Preocupada, disse:
– Muito me assusta essa pressa. Como posso me casar com alguém que sequer me fez
a corte? Isto é tolice! Antes casar-me com o jovem Romeu, assassino de meu primo,
do que com este homem odioso.
A mãe de Julieta se assustou com a resposta da filha e tentou argumentar:
– Mas menina, esse rapaz é poderoso... oh, seu pai ficará tão desgostoso com essa
desfeita. Uma jovem rica que não se casa não é aceita pela sociedade!
De longe, as três senhoras ouviram o pai de Julieta subir as escadas. O coração da
jovem veio até a boca e ali, perto da janela, teve vontade de sair em disparada em
direção ao seu Romeu. “Por que não me levou com você, oh querido, amigo, amado
meu?”, pensou.
O pai de Julieta entrou no quarto e disse em altos brados:
– Estou farto de tanto choro! Quando o sol desencarna no horizonte, o céu se desfaz
em orvalho; mas nem na fronte de meu cunhado, que teve o filho assassinado, chove
tão torrencialmente. Preciso voltar ao trabalho, mas antes, menina, que lágrimas são
essas tão clementes? Ainda e sempre em lágrimas? Que é isso que tanto sente?
Sempre a chover? Nesse seu pequeno corpo deseja movimentar um barco, irritar a
maré, movimentar os ventos? Assim, perecerá seu frágil corpo já tão maltratado por
esses lamentos, se não fizer a tempo calmaria. Preciso ver seu rosto transbordando de
alegria e é por isso que tomei uma decisão.
Julieta se antecipou:
– Minha mãe me contou e de antemão gostaria que o senhor soubesse que a minha
resposta será não!
38
– Oh, que tola esta minha filha! – disse a senhora Capuleto.
– Ora, mulher, não menos que você me sinto ferido com esta ingratidão – disse o
senhor Capuleto, com ódio incontido. – Então, a senhorita acha que pode fazer mofa
de minha boa intenção? Ou irá por bem, ou à tapa, amarrada dentro de uma carroça!
A senhora Capuleto espantou-se com a reação nervosa de seu marido e, em particular,
exclamou:
– Está louco?! Bastava ficar estarrecido, mas não tão violento, pois agora virou
agressor o agredido!
Julieta pôs-se de joelhos:
– Pai, me dê uma chance para que eu possa explicar meus motivos.
O homem tirou a cinta e ameaçando a filha, disse, aos berros:
– Peça a Deus, pois comigo não tem conversa! Vai casar! Vai se enforcar,
rapariguinha, à toa se continuar a discutir comigo! Tipo desobediente! Já lhe mostro o
que acontece quando alguém me desmente!
A mãe de Julieta jogou-se no chão para tentar proteger a menina O homem,
alucinado, despejou mais ofensas sobre a filha:
– Quem você pensa que é? Se não vier conosco na quinta-feira, faço com você o que
faço com os nossos inimigos e a jogo na primeira vala aberta que eu encontrar! Está
proibida de falar.
O senhor Capuleto virou-se para a esposa e disse-lhe guardando a cinta:
– Meus dedos estão coçando para dar uma surra nessa menina. Pensávamos mulher,
que nossa sina era pequena, porque Deus só nos dera uma menina. Mal sabia que esta
pouca cria viria acompanhada dessa infeliz maldição. Rameira à toa! Diga-me
novamente “não” e mandarei que lhe cortem a água e o pão!
O senhor Capuleto saiu pisando duro seguido de sua esposa. Julieta, infeliz e
machucada, contou com a ajuda de sua dama de companhia, mas esta, a revelia de
toda a dor sofrida por Julieta, disse, sem pensar:
– Minha protegida, sabe que a amo... portanto, queira se casar com este nobre que
tanto encanta seus pais. Maiores dores não poderão vir mais... Sabe muito bem que
Romeu agora está banido. Páris sim, poderá ser um bom marido!
– O que me diz é de coração, dama? – indagou a jovem ainda envolvida em soluços.
– Sim, por tudo que é mais sagrado. Em oração peço por seu nome e que este fardo
lhe seja tirado das costas.
– Obrigada, dama, por sua amizade. Preciso ficar com quem gosta de mim com
sinceridade.
– Sim, minha querida, sim!
39
– Peço então que diga aos meus pais que, por conta dos aborrecimentos que causei,
vou até o frade para me confessar. Devo voltar em algumas horas. Vá, dama, pois eu
tenho que me aprontar.
A dama deu um sorriso, e Julieta retribuiu. Tão logo a mulher partiu, a moça pôs-se a
chorar e maldizer a todos, principalmente a dama de companhia:
– Vá, velha amaldiçoada, demônio escroque!91 Que pecado será maior? Querer que
eu minta sobre meu casamento já consumado, ou transformar em passado o meu
senhor que tantas vezes exaltei? Conselheira de araque! De agora em diante, separada
de você também estarei! Vou ver Frei Lourenço e pedirei um remédio para minha
tristeza. Vindo a falhar tudo, criarei pela vida uma mortal indiferença.
88 Pároco: padre, presbítero.
89 Anarquia:forma de governo ou atitude que não segue qualquer tipo de regra ou ordem.
90 Diadema: coroa.
91 Escroque: desonesto.
40
XIV
Frei Lourenço cuidava de seus negócios, quando Páris, dono de boas-novas, apareceu
na igreja e fez-lhe um importante pedido:
– Frade, sabemos o quanto o senhor é querido por minha futura senhora. Portanto,
aqui e agora marcaremos a data de nosso casamento.
Frei Lourenço fez-se de desentendido:
– Não me diga! E quem o acompanhará neste evento tão importante?
Páris encheu o peito de orgulho e disse:
– A jovem Capuleto. Estou radiante. Seus pais querem que nos casemos ainda nesta
quinta-feira.
– Assim tão cedo? E o que pensa a noiva sobre isso?
– Ela foi a primeira a saber, mas chora a morte do primo e, vítima do sofrimento,
pouco conversou sobre o caso. Seu pai, porém, foi preciso ao estipular um prazo para
este casamento.
Por coincidência do destino, aproximava-se da abadia a infeliz Julieta. Páris,
assustado, fez à prometida uma reverência desengonçada.
– Um feliz encontro, minha amada! – disse o conde.
Julieta respondeu de modo atravessado:
– Assim será, quem sabe, quando nos encontrarmos casados.
Páris insistiu:
– Esse dia será na próxima quinta-feira.
– O que terá de ser, será – respondeu a moça. – Não ouvirá o galo cantar antes da
hora.
– É um dito muito bem utilizado – disse Frei Lourenço. – Agora, vá embora, nobre
Páris, pois Julieta precisa se ater comigo.
– Pretende confessar algum pecado? – indagou o rapaz.
– Dar a você uma resposta já seria uma espécie de confissão.
– Nesta ocasião, certamente diria que me ama e nada mais – disse Páris.
– E nisso haveria algum pecado ou algum perigo? – respondeu a moça. – Deixe-me à
vontade, que meu amigo frade precisa ouvir a confissão.
– Sim, minha noiva. Quem sou eu para perturbar tamanha devoção! Na quinta-feira
bem cedo, irei ao seu quarto para despertá-la. Até lá, minha amada. Despeço--me com
um beijo!
41
O rapaz beijou a mão da moça e se distanciou. Logo, o rosto de Julieta se modificou:
– Oh, feche a porta, frade, e venha chorar comigo! O que pode fazer para amainar92
este meu castigo?
Frei Lourenço fechou a porta e, fazendo mistério, disse à jovem angustiada:
– Tenho aqui uma solução que poderá dar fim a esta malfadada história. Mas ela
exigirá de você a máxima coragem, pois, depois de iniciado o plano, não haverá mais
escapatória.
– Caso deseje, eu poderei andar pelas estradas cheias de assaltantes, ou esconder-me
em ninhos de serpentes horripilantes, ou mesmo entrar num túmulo recente, para
esconder-me ao lado do defunto, sob sua própria mortalha. Sem a menor vacilação
farei de tudo, enfrentarei qualquer batalha. Contudo, não me casarei com este conde.
O frade abriu a porta de um armário, de onde retirou um frasco com um líquido
esverdeado. Apresentando o objeto a Julieta, disse em tom de mistério:
– Eis o veneno que a levará ao cemitério. Mas não por toda a eternidade, e sim por
poucas horas. Vá embora para casa e se mostre contente. Amanhã é quarta- -feira.
Nas primeiras horas da madrugada, tome o veneno e durma tranquilamente. Pelas
veias de seu corpo logo há de correr um frio de efeito entorpecente. Logo estará
inconsciente. Calor nenhum nem hálito sua vida poderá apresentar. As rosas de sua
face ficarão modificadas, e os olhos transformar-se-ão em janelas desmaiadas, como
quando fecha o dia da vida a morte escura. Quando, portanto, cedo vier o noivo para
despertá-la do leito, surpresa! Julgará que está morta a sua princesa. Seu corpo será
velado em um caixão aberto e sepultado no antigo túmulo da família. Nesse meio
tempo, antes que desperte de seu sono, avisarei Romeu para que vá resgatá-la. Como
morta será dada e, dessa forma, estará pela morte libertada para o que bem entender.
Só não poderá deixar que o medo feminino lhe faça retroceder.
Julieta tomou o frasco da mão do frade:
– Não sou covarde. Dê-me aqui este veneno e lhe mostrarei o medo feminino!
– Faça uso de nosso plano e deixe o resto nas mãos do destino. Hoje mesmo enviarei
a Mântua um portador com uma carta reservada a seu marido.
– Triunfe o amor – disse Julieta esperançosa. – E todo o mais estará por si resolvido!
92 Amainar: abrandar.
42
XV
Julieta chegou a sua casa toda fagueira, como se, de todas as mulheres, fosse a
primeira. Seu pai, desconfiado, indagou o resultado de sua reunião com Frei
Lourenço. Julieta disse que havia conversado com o religioso e, com isso, aceitado o
seu futuro promissor. Disse também que estava muito envergonhada por seu
comportamento anterior:
– Nunca mais discutirei com o senhor. Espero que não tenha cancelado o casamento.
Eu estava errada e, pelo pecado grave da desobediência, peço-lhe perdão.
– Quanta coerência! – disse o senhor Capuleto. – Se é assim, não há de ser nada não.
– Ah, meu coração está mais leve – disse a mãe. – Irei agora mesmo até o conde para
dizer que seu enlace acontecerá amanhã cedo.
– Mandei contratar vinte hábeis cozinheiros – disse o senhor Capuleto, lambendo os
dedos.
Julieta chamou pela ama e subiu ao quarto deixando seus pais ocupados com os
preparativos do evento. Em seus aposentos, disse à sua protetora:
– Agora preciso ficar a sós, pois toda Verona saberá que amanhã a filha mais nova
dos Capuletos se casará. Necessito rezar em demasia93 para que o Céu sorria ao meu
lado, afinal tenho a alma atormentada e cheia de pecados.
Quando se preparava para deitar, foi interrompida por sua mãe:
– Precisa de mim para algo?
– Não, apenas quero agradecer a vocês por me presentear com tão belo fidalgo.
Amanhã me ajudará com o vestido. Vá dormir em paz e leve a minha dama com
você.
As duas senhoras iam se retirando, quando Julieta disse:
– Adeus! Sabe lá Deus quando nos veremos de novo!
As duas despediram-se sorrindo. Findo o teatro, Julieta apanhou um punhal e,
colocando-o ao seu lado, disse num solilóquio94 tenebroso:
– Se este maldito veneno falhar, amanhã terei que casar. Este punhal impedirá que tal
barbaridade aconteça. E ainda estou com outra desconfiança na cabeça: se este for um
veneno que o frade me deu para matar-me e assim livrar-se da culpa de ter me casado
com Romeu? Ah, eu não tenho tempo para estes terríveis pensamentos!
Pegou o frasco em sua mão e continuou a conjeturar com aflição, como se estivesse
apossada pelo próprio espírito da loucura:
– E se eu vier a despertar na sepultura sem que Romeu esteja ao meu lado para me
salvar? Não ficarei asfixiada com a boca suja que não respira o ar sadio! Não
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morrerei sufocada sem ver o meu Romeu! Ou, se, Deus me livre, eu viver, não será
agradável reconhecer a imagem mortuária de meus antepassados, onde se acha desde
pouco tempo Tebaldo ensanguentado em seu sudário! É lá que, em determinadas
horas, assim dizem, os fantasmas vagueiam! Fora o cheiro asqueroso, os gritos,
parecidos com o som das mandrágoras quando arrancadas da terra. Verei meus
antepassados puxando seus lençóis, verei Tebaldo mutilado, tomado de fúria, com um
osso de um dos meus bisavós servindo-lhe de clava! Bebo este frasco por sua causa,
Romeu!
Julieta abriu o frasco dado por Frei Lourenço e engoliu seu conteúdo. Sentindo-se
zonza, deitou-se na cama e adormeceu.
93 Demasia: excesso.
94 Solilóquio: monólogo, discurso proferido por uma pessoa revelando seus pensamentos.
44
XVI
No andar de baixo, o movimento avançou pela madrugada, todos trabalhando
incansavelmente pelo casamento, de modo que a festa não começasse atrasada. Às
três horas da madrugada, a senhora Capuleto disse para a dama:
– Traga mais temperos e cheiros!
– Sim patroa, não estou à toa. O pasteleiro precisa de tâmaras e marmelos!
– Depressa! – gritou o senhor Capuleto. – O segundo galo já cantou! São três horas
da madrugada. Cuida dos bolos, minha boa empregada! Não pouparemos nada!
– Oh, meu patrão metediço,95 vai ficar enfermiço96 com esta vigília.97
– Que nada, estou contente! Já passei a noite acordado antes por motivos menores e
nem por isso fiquei doente. Muito em breve chegarão os músicos e o conde, que logo,
logo, será nosso novo parente!Corra, dama, e acorde Julieta, pois em breve seu
patrão chegará pronto e sorridente.
A dama de companhia deixou os seus afazeres na cozinha e, passo a passo, conduziu
seu corpo pesado pelas escadarias até alcançar o segundo andar onde dormia a sua
protegida. Resmungando da vida, segurando os peitos e limpando as mãos sujas em
seu vestido amarrotado, chamou pela menina como fazia todos os dias na porta de seu
quarto:
– Senhora, olá! Julieta! É quase certo que ainda esteja a dormir. Ei, pequenina! Então,
senhora, então? Que dorminhoca! Senhora estou chamando! Coração? Está muda?
Vou dizer a seu noivo para partir! Como fará com o conde? Repouso não terá após
casar!
A dama de companhia ouviu barulhos no andar de baixo e concluiu que o noivo de
Julieta acabara de chegar. Resolveu entrar no quarto e espiar de perto o motivo
daquele silêncio misterioso.
– Acorde, pois seu noivo chegou! Santa Virgem Maria, que calmaria! Que sono
pesado! Desculpe, menina, mas estamos com o cronograma atrasado. O conde virá
acordar a senhorita e ficará assustado com esta sua cara mal passada!
Percebeu as vestes da moça e disse, preocupada:
– Como assim? Já está aprontada para sair? Está com a mesma roupa que colocou
antes mesmo de dormir? Acorde, moça!
A dama de companhia pegou a mão de Julieta e, percebendo que algo estava errado,
deu um grito apavorado:
– Ai, Jesus, Maria, como está gelado o corpo, como está fria a mão desta menina! Oh,
Deus, não, não! Assim eu nunca nascesse! Senhor, senhora, acudam!
O senhor Capuleto foi o primeiro a chegar:
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– O que aconteceu?
– Ela morreu, ela morreu! – gritou a mulher em polvorosa.
– O que há? – indagou a senhora capuleto sem ar de tanto correr.
– Ela deixou de viver! – respondeu a dama.
– Isto deve ser mais uma de suas tramoias – disse seu pai. – Traga-a nem que seja
amarrada à cama, pois o conde está subindo.
– Olhe com seus próprios olhos, senhor – gritou a empregada. – Não é brincadeira...
não estamos rindo! A sua filha faleceu atravessada na cama! Morreu a minha amada
flor!
– Deixe-me ver – disse o homem. – Oh, ela está gelada. Oh dor! O sangue parado...
os membros paralisados! Boca e vida há muito tempo separadas! Coberta pela morte
se encontra, como uma geada que, antes da hora, cobre a flor mais gentil de nosso
campo.
– Dia infeliz e desgraçado! – chorou a senhora Capuleto. – Em toda sua jornada
nunca o tempo me castigou com momento mais triste! Minha única filha!
Páris aproximou-se do grupo aparvalhado:
– Azar pior não existe! Foi para este dia que esperei com tanta ansiedade?
Logo, aproximou-se o frade e, tomando ciência do que havia acontecido, disse, num
tom decidido:
– Acalmem-se! Não poderão curar a desordem com emoção. Embora chorar seja um
pedido da natureza, utilizemos a razão! O céu tinha parte no rosto desta bela donzela
e agora tem tudo! Melhor para ela que degustará da vida eterna. A jovem agora está
acima das nuvens, exaltada pelos céus! Cessem o pranto, vistam esta bela criança e
levem-na para a igreja. Deus está no comando e Ele quer que assim seja!
Todos se benzeram. O senhor Capuleto disse inconformado:
– O festival deu lugar ao funeral onde todas as pessoas de luto ouvirão, em vez de
instrumentos, amedrontados sinos. Nossos festins se transformarão num jantar
fúnebre; nossos hinos ao amor, puros prantos de dor! E as flores do altar deverão
enfeitar a câmara mortuária!
– Essa é de Deus uma de suas várias vontades – disse Frei Lourenço. – Senhor
Capuleto, pare de chorar sobre esse lenço e leve daqui a sua senhora. Não é hora de
contrariar o Pai, pois o céu já nos punge98 por alguma maldade.
Todos deixaram o quarto aos prantos. Frei Lourenço permaneceu ao lado do corpo e,
dando seguimento ao seu plano, prometeu:
– Julieta, se me escuta, por favor, não se preocupe, pois já mandei avisar o jovem
Romeu de nossa labuta! Você será de Romeu e vice-versa! Não há nada mais que os
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impeça!
95 Metediço: enxerido.
96 Enfermiço: doente.
97 Vigília: insônia.
98 Punge: tortura.
47
XVII
Algumas horas depois, em Mântua, Romeu, apossado do desespero, bateu à porta do
boticário.99 Recebera mais cedo a visita de Benvólio e este lhe dera a triste notícia de
que Julieta jazia sob um sudário,100 no sepulcro reservado à família dos Capuletos.
Louco, transtornado, apaixonado e cego, com o choro sufocado, clamou aos céus de
joelhos:
– Julieta, deitarei ao seu lado ainda esta noite!
E, sendo recebido pelo boticário, disse-lhe com os olhos vermelhos de tanto chorar:
– Amigo, pelo seu vestuário, vejo que é pobre! Não faz muito tempo, o vi
maltrapilho, com os olhos pesados, separando suas ervas, catando seus milhos... Tem
uma tartaruga pendurada em sua loja, um jacaré e pele de peixes em suas prateleiras.
Vi suas caixas vazias, potes verdes, coisas bolorentas, fios velhos, pães e flores!
Vendo esta pobreza, percebi que tem com você o produto que, sob pena de morte, não
se vende mais em Mântua, e que, por tudo que é mais sagrado, necessito tanto agora.
– Como bem disse, não posso dar-lhe veneno, pois é proibido. Não deveria ter vindo.
Vá embora!
– Tome estes quarenta ducados101 e fique tranquilo, pois o quilo deste dinheiro é tão
venenoso para a alma dos homens quanto este seu veneno que não pode me vender.
Como pode ver, sou eu que lhe vendo veneno, e não o contrário.
O boticário pegou o dinheiro das mãos de Romeu e retirou do armário o desejado
produto. Olhando fixamente para o jovem, disse-lhe, arguto:102
– Vários homens fortes não seriam pário para uma gota deste líquido, ainda que
dissoluto.103
Romeu respondeu, resoluto:104
– Pegue seu ouro e siga em paz! Compre alimento e engorde um pouco mais. Este
veneno agora será chamado de “amigo”. Graças a ele, em breve, Julieta estará
comigo!
Mal sabia Romeu que a loucura o tornava cego, levando-o ao precipício de tristes
amarguras. Em Verona, Frei Lourenço descobria que sua carta não fora entregue ao
jovem Montecchio – pois o portador decidira em última hora não mais viajar – e,
preocupado, selou seu cavalo e correu para avisá-lo sobre seus planos. Era tarde!
Romeu já havia partido de Mântua em direção à cidade.
99 Boticário: farmacêutico.
100 Sudário: mortalha utilizada para cobrir o rosto de cadáveres.
101 Nota do autor: dinheiro da época.
102 Arguto: vivo, perspicaz.
103 Dissoluto: dissolvido.
104 Resoluto: resolvido.
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XVIII
No cemitério, Páris jogava flores em volta do túmulo dos Capuletos. Era noite fria, e
o rapaz, vencendo a agonia de estar naquele lugar, dedicava--se ao ritual como se,
com isso, pudesse suplantar o sofrimento de um amor não correspondido. Mal sabia
que o verdadeiro marido de sua amada estava a caminho. E, notando que alguém se
aproximava com uma tocha nas mãos, escondeu-se atrás de um túmulo vizinho.
– Dê-me as ferramentas necessárias para que eu adentre o túmulo de minha esposa –
disse Romeu para Benvólio. – Tome esta carta e, por obséquio, logo que amanhecer,
entregue a meu pai, senhor Montecchio. Agora, me passe a tocha. Por sua vida eu
imploro que vá embora e que, independentemente do que ouvir, não venha me
perturbar. Se me incomodar enquanto estiver na sepultura, sofrerá uma terrível
tortura, pois sou capaz de quebrar todas as suas juntas e espalhar partes do seu corpo
por este faminto cemitério. Entendeu?
– Sim, Romeu – disse Benvólio. – Vou embora e assim não o atrapalharei em nada.
– Isso! Deixe-me a sós com minha amada – disse Romeu entregando-lhe um saco de
ouro. – Tome isto e vá embora, pois já é alta madrugada!
Mal sabia o jovem apaixonado que Benvólio não tinha o interesse de abandoná-lo.
Por ali ficaria de modo que pudesse cuidar de sua saúde e bem-estar. Amarrou os
cavalos em uma árvore e, sem fazer barulho, escondeu-se para espiar melhor o que se
passava por ali.
– Temo o olhar de Romeu e aqui ficarei para melhor cuidar de meu primo. Eu não o
entendo. A moça morreu! O que há mais para se fazer sobre o assunto?
Romeu, com muito empenho, forçou o pesado tampo do mausoléu e, sentindo o
cheiro peculiar exalado pelos defuntos, bradou alucinado:

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