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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE FOZ DO IGUAÇU CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE DIREITO MILTON KLEBER KOZIEVITCH FILHO CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA FIXAÇÃO DA TESE DE TAXATIVIDADE MITIGADA NO TEMA REPETITIVO Nº 988/STJ. FOZ DO IGUAÇU 2021 MILTON KLEBER KOZIEVITCH FILHO CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA FIXAÇÃO DA TESE DE TAXATIVIDADE MITIGADA NO TEMA REPETITIVO Nº 988/STJ. Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Foz do Iguaçu. Orientador (a): Profa. Dra. Isadora Minotto Gomes Schwertner. FOZ DO IGUAÇU 2021 RESUMO A fixação da tese da taxatividade mitigada na resolução do tema repetitivo nº 988 do Superior tribunal de justiça, alterou de forma significativa a lógica recursal do Código de Processo Civil de 2015. Referida tese tem sido alvo de severas críticas doutrinárias, as quais apontam que a tese desrespeitou a opção legislativa do legislador, bem como afrontou dispositivos constitucionais. Em vista disso, o estudo objetiva analisar quais as consequências jurídicas trazidas pela doutrina da adoção de referida tese. O tema é da maior importância na medida em que uma alteração no rol do art. 1.015 repercute sobre todo o sistema processual brasileiro e sobre todos os que a ele estão jurisdicionados. Para a sua compreensão, foi realizado um breve apanhado histórico acerca do agravo no Brasil, bem como uma exposição acerca das teorias defendidas pelas diferentes doutrinas. Ademais, fez-se uma análise do acordão e dos entendimentos doutrinários acerca da questão. Com base na análise crítica dos dados obtidos, concluiu-se que a decisão violou os princípios da legalidade e da separação de poderes, bem como repristinou a lógica recursal do CPC 1973 e desrespeito as normas de competência do judiciário. Palavras-Chave: Agravo de Instrumento, Tema Repetitivo 988/STJ, Taxatividade Mitigada. ABSTRACT The fixation of the mitigated taxativiness thesis in the resolution of repetitive theme nº 988 of the Superior Court of Justice, significantly altered the appeal logic of the Civil Procedure Code of 2015. This thesis has been the target of severe doctrinal criticisms, which indicate that the thesis disrespected the legislative option of the legislator, as well as facing constitutional provisions. In view of this, the study aims to analyze what are the legal consequences brought by the doctrine of the adoption of the thesis. The theme is of the most importance because a change in the list of art. 1,015 has repercussions on the entire Brazilian procedural system and on all those subject to it. For your understanding, a brief historical overview was made about the problem in Brazil, as well as an exposition about the theories defended by different doctrines. In addition, an analysis was made of the agreement and doctrinal understandings on the issue. Based on the critical analysis of the data obtained, it was concluded that the decision violated the principles of legality and the separation of powers, as well as repristinating the appeal logic of CPC 1973 and disregarding the rules of jurisdiction of the judiciary. Key words: Aggravation of an Instrument, repetitive theme nº 988/STJ, mitigated taxativiness. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5 2 DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO . 7 2.1 O Agravo de Instrumento no Código de Processo Civil de 1939 ................... 7 2.2 O Agravo de Instrumento no Código de Processo Civil de 1973 ................. 11 2.3 O Agravo de Instrumento no Código de Processo Civil de 2015 ................. 16 3 DO DEBATE DOUTRINÁRIO ACERCA DA TAXATIVIDADE DO ROL DO ART. 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 ............................................... 20 3.1 Rol de Natureza Taxativa com Interpretação Restritiva ................................ 20 3.2 Rol de Natureza Taxativa com Interpretação Extensiva ou Analógica ........ 22 3.3 Rol Meramente Exemplificativo ....................................................................... 26 4 DA HIPÓTESE FIXADA NO TEMA REPETITIVO Nº 988 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA .......................................................................................... 29 4.1 Tese Fixada no Tema Repetitivo nº 988 do Superior Tribunal de Justiça ... 29 4.2 Dos Votos Divergentes. .................................................................................... 33 4.3 Das Críticas e Apontamentos Doutrinários à Tese Fixada no Tema Repetitivo nº 988/STJ .............................................................................................. 37 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 42 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 45 5 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo principal analisar as consequências jurídicas da fixação da tese da taxatividade mitigada no tema repetitivo nº 988 do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que a tese tem sido alvo de severas críticas por parte da doutrina, bem como que sua adoção introduz significantes modificações na sistemática do agravo de instrumento. Para que se pudesse efetivar referida análise, fez-se necessário a abordagem de alguns pontos, os quais constituíram os objetivos específicos do presente trabalho, sendo eles: a realização de uma breve retrospectiva histórica do agravo de instrumento no Brasil, a exposição da opção legislativa tomada pelo legislador do Código de 2015, a observação de quais eram os argumentos trazidos pelos diferentes autores quanto à natureza do rol do art. 1.015, a abordagem da tese fixada no tema repetitivo nº 988 do Superior Tribunal de Justiça e a verificação de quais os apontamentos feitos pela doutrina à tese fixada no referido tema. O tema é de grande relevância na medida em que apesar de ter sido fixada tese pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual se faz de observância obrigatória, em razão da adoção do incidente de demandas repetitivas, esta não atendeu à sua finalidade de pacificar a questão, pois a tese inflamou ainda mais o debate doutrinário existente, bem como tem sido alvo de severas críticas doutrinárias, as quais tem apontado inúmeras violações à Constituição e à própria opção legislativa do legislador do Código de 2015. Em um primeiro momento, pode parecer uma questão meramente jurídica, a qual viria a despertar somente o interesse de operadores do direito, juristas e doutrinadores, entretanto, não há como deixar de considerar que quando a tese altera a lógica recursal e o momento de preclusão da matéria do recurso, ela passa a representar uma decisão que impacta a todos os jurisdicionados do Ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, afeta a sociedade brasileira como um todo. Sendo assim, tendo em vista que a tese jurídica fixada afeta a todos os jurisdicionado do ordenamento jurídico brasileiro, bem como não pacificou a questão doutrinariamente, e ao contrário, incentivou ainda mais o debate sobre a questão, havendo inúmeros apontamentos doutrinários acerca de violações constitucionais, entende-se fundamental a resposta da questão que se faz o objetivo principal deste trabalho, qual seja: Quais as consequências jurídicas ocasionadas pela fixação da 6 tese da taxatividade mitigada no Tema repetitivo nº 988 do Superior Tribunal de Justiça? Para que fossem concretizadostodos os objetivos, o presente trabalho valeu-se do método de abordagem dedutivo (conexão descendente) e do método de procedimento dogmático-jurídico, buscando relacionar aquilo que estava na norma jurídica com o que dispõe a doutrina e os julgados. Ademais, as fontes utilizadas foram os livros doutrinários, as publicações avulsas, os artigos, as jurisprudências, os diversos documentos sem força normativa emitidos pelo poder legislativo das épocas, como os pareceres das comissões legislativas e as exposições de motivo, bem como o próprio texto legal. O primeiro capítulo destina-se a trazer uma retrospectiva histórica do agravo de instrumento no Brasil, tendo com ponto de partida o Código de 1939, passando pelo Código de 1973 e suas numerosas reformas e chegando, por fim, ao Código de 2015. Durante referido trajeto, é abordado dentro de cada subitem qual era a lógica recursal que imperava em cada um dos Códigos, quais foram as críticas sofridas, os motivos que ensejaram suas reformas, bem como qual era a finalidade do legislador com cada um deles. O segundo capítulo é destinado à observação dos argumentos trazidos pelos autores em relação à natureza jurídica conferida ao rol do art. 1.015, do Código de 2015. Aqui são abordadas as principais correntes, sendo elas a da natureza taxativa com interpretação restritiva, natureza taxativa com interpretação extensiva ou analógica e, natureza meramente exemplificativa, sendo trazidos os argumentos defendidos por cada corrente. Já o terceiro capítulo adentra propriamente à tese fixada pelo STJ no tema repetitivo de nº 988, sendo trazidos o voto vencedor e os votos divergentes, bem como seus respectivos fundamentos e argumentos, sendo, por fim, abordadas as críticas e apontamentos realizados pela doutrina em relação às consequências jurídicas da fixação de referida tese. 7 2 DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO 2.1 O Agravo de Instrumento no Código de Processo Civil de 1939 Antes de expor-se propriamente acerca da evolução histórica do agravo de instrumento, entende-se relevante esclarecer o porquê de o presente trabalho ter como seu marco histórico inicial de análise o Código de Processo Civil (CPC) de 1939, tendo em vista que o agravo encontra-se previsto na legislação brasileira desde a adoção das Ordenações Filipinas, em 20 de outubro de 1823.1 O motivo que levou à seleção do Código de Processo Civil de 1939 como marco histórico inicial do presente trabalho, é que foram justamente as Constituições que o antecederam, de 1934 e 1937, as primeiras a preverem que a competência para legislar sobre Direito Processual Civil seria privativa da União, ou seja, foram as primeiras a determinarem a uniformização do Direito Processual em todo o território nacional, logo, a partir do Código de Processo Civil de 1939, o Direito Processual Civil passou a ser o mesmo em todo o país.2 Feita referida justificativa preliminar, a seguir serão abordados os principais tópicos que dizem respeito ao agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 1939, dentre eles: a sistemática dos recursos de decisões interlocutórias e as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento propriamente ditas. Da exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1939, extrai-se que o Código buscava “tornar precisa em cada caso a vontade da lei”3, e que, sem isso, “o processo decairia de sua dignidade de meio revelador do direito e tornara-se uma arma do litigante, um meio de protelação”4. Quando aos recursos, consta na exposição que: foram abolidos os dos despachos interlocutórios. Tais recursos concorriam para tumultuar o processo, prolongá-lo e estabelecer confusão no seu curso. Fundavam-se na sua generalidade em matéria de caráter puramente processual, e só se justificariam em um sistema de processo concebido de maneira rígida ou hierática, 1 ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 50, 2006. 2 QUINAUD, Flávio Pedron; SAMPAIO, Mariana Fram Lima. O recurso de agravo de instrumento e a possibilidade de interpretação extensiva das suas hipóteses de cabimento conforme o CPC/2015. Brasília: Revista CEJ, n. 75, p.4, 2018. 3 BRASIL. Exposição de motivos ao anteprojeto do Código de Processo Civil de 1939. Rio de Janeiro, 24 de julho de 1939. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto- lei-1608-18-setembro-1939-411638-norma-pe.html. Acesso em: 01/08/2020. 4 Idem. 8 como tento por única finalidade a estrita observância das suas regras técnicas, sem atenção ao seu mérito e à sua finalidade. 5 Sendo assim, extrai-se que o Código de Processo Civil de 1939 buscou instaurar uma lógica recursal de irrecorribilidade das decisões interlocutórias, na medida em que, como exposto acima, o legislador entendia que o recurso contra as decisões interlocutórias servia apenas para tumultuar o processo, tendo como objeto principal, questões processuais voltadas a uma observação técnica exagerada. Entretanto, em que pese adotar essa irrecorribilidade das interlocutórias como regra, entendeu o legislador de 1939 que o afastamento do recurso não deveria ser absoluto, sendo assim, o legislador optou por consagrar hipóteses específicas de interlocutórias nas quais eram cabíveis certos recursos.6 Conforme exposto pelo legislador nos motivos do Código de 1939, seria necessária uma distinção entre as falhas do processo que afetam materialmente o direito das partes e aquelas que possuem uma natureza meramente técnica, justificando que permitir o recurso em todos os casos em que se alegue um erro acarretará males desproporcionais aos benefícios que se podem verificar em casos relativamente raros.7 Nesse sentido, conforme apontado por Arruda Alvim, o Código de 1939 optou por prestigiar o princípio das decisões juridicamente relevantes, princípio este que se dirige ao legislador e consiste em proporcionar a ele um critério discriminatório, o qual leva em conta o diversificado grau de possíveis prejuízos que podem ser ocasionados pelas diversas decisões, as quais são dimensionadas em face da lesão que poderiam causar, possibilitando ao legislador dispor, por meio da lei, quais as decisões juridicamente relevantes aptas a possibilitar o direito ao agravo.8 À luz do referido princípio, e pela lógica estabelecida pelo legislador de 1939, era cabível agravo de instrumento contra decisões que haviam sido previamente determinadas pelo próprio legislador como possíveis de causar 5 BRASIL. Exposição de motivos ao anteprojeto do Código de Processo Civil de 1939. Rio de Janeiro, 24 de julho de 1939. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto- lei-1608-18-setembro-1939-411638-norma-pe.html. Acesso em: 01/08/2020. 6 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p.80, 2019. 7 BRASIL. Op. Cit. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei- 1608-18-setembro-1939-411638-norma-pe.html. Acesso em: 01/08/2020. 8 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência dos recursos, São Paulo: RePro, vol. 48, p.07-26, 1987. 9 prejuízos de maior envergadura, chegando-se à conclusão da taxatividade do rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Fixado este pressuposto, de que o legislador do Código adotou a taxatividade das hipóteses de recorribilidade de decisão interlocutória, passam a ser abordados os recursos previstos, pelo Código de Processo Civil de 1939, como adequados à impugnação de decisões interlocutórias, sendo eles: o agravo de instrumento e o agravo no auto do processo. Esclarece-se que havia previsão de um terceiro agravo, chamado de agravo de petição, todavia, este não tinha função de impugnação de interlocutória,mas sim destinava-se à impugnação de decisões terminativas, portanto, decisões que punham fim ao processo sem a resolução de mérito, conforme apontado por Gonzalez.9 O agravo no auto do processo pressupunha a tramitação posterior de apelação, sendo que seu julgamento era feito como preliminar, conforme disposto no art. 852 do Código, e buscava “evitar a preclusão a respeito de determinadas decisões, sobretudo aquelas que cerceassem, de qualquer forma, a defesa do interessado”10. As matérias recorríveis por agravo no auto do processo eram previstas no art. 851 do referido Código, podendo ser sintetizadas em: I. que julgarem improcedentes as exceções de litispendência e coisa julgada; II. que não admitirem a prova requerida ou cercearem a defesa do interessado; III. que concederem, na pendência da lide, medidas preventivas; IV. que considerem, ou não, saneado o processo.11 Quanto ao agravo de instrumento, como já apontado, o legislador de 1939, na elaboração do Código, optou pela enumeração casuística de decisões impugnáveis por agravo de instrumento, fazendo a ressalva de que poderiam haver outras casos expressamente previstos em lei12. Dessa forma, como apontado por Nery Jr.13, verificou-se que o CPC de 1939, arrolou as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento taxativamente em números clausus, ou seja, adotou um rol taxativo. 9 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p.81, 2019. 10 Marques apud ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 81, 2006. 11 BRASIL, Decreto-Lei nº 1.608. Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1939. 12 GONZALEZ, Gabriel Araújo. Op. cit. p.83. 13 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 16 ed. São Paulo: RT, p. 2207, 2016. 10 Referido rol de hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, foi trazido pelo Código de Processo Civil de 1939, em seu artigo 842, o qual sofreu leves alterações ampliativas pelos Decreto-Lei 4.565/1942 e Decreto-Lei 4.672/1965, e que previa o cabimento de agravo de instrumento, além dos demais casos previstos em lei, quando a decisão: I. não admitisse a intervenção de terceiro na causa; II. julgar a exceção de incompetência; III. denegar ou conceder medidas requeridas como preparatórias da ação; IV. não conceder vista para embargo de terceiro ou que julgá-lo; V. denegue ou renove o benefício de gratuidade; VI. ordenar a prisão; VII. nomear ou destituir inventariante, tutor curador, testamenteiro ou liquidante; VIII. arbitrar, ou deixar de arbitrar a remuneração dos liquidantes ou a vintena dos testamenteiros; IX. denegar a apelação, inclusive a de terceiro prejudicado, julgar deserta ou relevá-la da deserção; X. decidir a respeito de erro de conta; XI. conceder, ou não, a adjudicação ou remissão dos bens; XII. anular a arrematação, adjudicação ou remissão cujos efeitos legais já se tenham produzido; XIII. admitir, ou não, o concurso de credores, ou ordenar a inclusão de crédito; XIV. julgue, ou não, prestadas as contas; XV. julgue processos de que tratam os títulos XV a XXII do Livro V, ou os respectivos incidentes; XVI. neguem alimentos provisionais; XVII. sem caução idônea, ou independentemente de sentença anterior, autorizem a entrega de dinheiro ou quaisquer outros bens ou a alienação, hipoteca, permuta, sub-rogação ou arrendamento de bens.14 Contudo, ao analisar referido rol, Arruda Alvim15, concluiu o legislador do Código de 1939, ao adotar o princípio da decisão juridicamente relevante deixou de dosar as hipóteses de forma satisfatória, o que, consequentemente, levou à utilização dos chamados sucedâneos recursais que eram ainda mais prejudiciais a um processo que pretendia ser livre de tumultos e confusões.16 Justamente este panorama caótico, onde os sucedâneos recursais começaram a ser utilizados até quando era caso de agravo de instrumento, por 14 BRASIL, Decreto-Lei nº 1.608. Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1939. 15 ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 147, 2006 16 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p.100, 2019. 11 conta de gozarem de efeito suspensivo, que levou Nery Jr. e Rosa Nery17, a afirmarem que no Código de 1939 reinava a balburdia no sistema processual, bem como, levou o legislador à elaboração de um novo Código de Processo Civil, o qual restou promulgado em 1973, e que a seguir será abordado. 2.2 O Agravo de Instrumento no Código de Processo Civil de 1973 Quanto ao agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 1973, percebe-se, de uma análise do art. 522 de referido Código, que a lógica recursal estabelecida difere substancialmente daquela que imperava no Código de 1939, prevendo, em um primeiro momento, a recorribilidade de toda e qualquer decisão interlocutória, pautada na suscetibilidade de a decisão causar à parte lesão grave e de difícil reparação.18 Diz-se, em um primeiro momento, porque diferentemente do Código de 1939 que passou por pequenas mudanças pontuais, a lógica recursal estabelecida no início do Código de 1973, mostrou-se completamente oposta à lógica que restou estabelecida ao final da vigência do próprio Código de 1973, conforme será demonstrado na análise a ser feita no presente capítulo. Conforme aponta Gonzalez, depois que o Código de 1973 entrou em vigor, houveram três leis que alteraram o regime jurídico dos agravos, sendo elas a Lei n. 9.139/1995, a Lei n. 10.352/2001 e a Lei n. 11.187/2005. Nesse sentido, justifica-se que o estudo da recorribilidade das interlocutórias no Código de 1973 seja dividido em 4 momentos: I. 01/01/1974 até a Lei 9.139/1995; II. Lei 9.139/1995 até a Lei. 10.352/2001; III. Lei 10.352/2001 até a Lei 11.187/2005; IV. Após a Lei 11.187/2005.19 Como já mencionado anteriormente, o Código de 1973 foi elaborado justamente para contrapor a lógica recursal estabelecida pelo Código de 1939, abandonando de certa forma o princípio da oralidade que imperava no Código de 1939 e que tinha como princípio reinante, no que diz respeito à recorribilidade, o princípio das decisões juridicamente relevantes, tema esse já abordado. 17 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 16 ed. São Paulo: RT, p. 2232, 2016. 18 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p.97, 2019. 19 Ibidem, p.109-110. 12 De acordo com a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973: ... o projeto, por amor aos princípios, não deve sacrificar as condições próprias da realidade nacional. O Código de Processo Civil se destina a servir ao Brasil. Atendendo a estas ponderações, julgamos de bom aviso limitar o sistema do processo oral, não só no que toca ao princípio da identidade da pessoa física do juiz, como também quanto à irrecorribilidade das decisões interlocutórias. 20 Nesse sentido, justificou o legislador de 1973 que a aplicação do princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias provou que os litigantes, impacientes com a demora do recurso, acabaram por engendrar esdrúxulas formas de impugnação, fazendo clara referência aos chamados sucedâneos recursais.21 Em sua redação original, o Código de 1973 previa em seu art. 522 que era cabível agravo contra todas as decisões interlocutórias proferidas no processo, exceto os despachos de expediente e as sentenças, pronunciamentos que estavam definidos pelos artigos 504 e 513 do referido Código.22 Além disso, o Código de 1973, em sua versão original, previa que o agravo estava sujeito a dois regimes, o primeirode instrumento, o qual ensejava a subida imediata, e o segundo era o chamado retido, o qual, como o próprio nome sugere, não tinha subida imediata e ficava retido para ser julgado como preliminar de apelação, cabendo à parte a escolha de qual dos recursos iria utilizar. 23 Quanto a este primeiro momento, um ponto importante a ser ressaltado é que a formação do instrumento ainda não era ônus da parte agravante, sendo esta tarefa competência do cartório.24 Tal questão se torna relevante, pois conforme exposto por Theodoro Jr.25, verificou-se que o imenso volume de agravos interpostos diante da livre recorribilidade das interlocutórias, veio a congestionar os tribunais de segundo grau de jurisdição, mas não só, porque como a competência de formação do instrumento era da primeira instância, esta restou também prejudicada, pois como o número de 20 BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Civil 1973. Brasília, 31 de julho de 1972. P.19. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/177828/CodProcCivil%201974.pdf?sequence=4 21 Idem. 22 BRASIL, Lei nº 5.869. Código de Processo Civil. Brasília, 11 de janeiro de 1973. 23 Idem. 24 ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 83, 2006. 25 THEODORO JR., Humberto. O problema da recorribilidade das interlocutórias no processo civil brasileiro. Curitiba: Revista de Direito Processual Civil, vol. 3, n. 30, p. 840-848, 2003. 13 agravos era enorme, o número de peças processuais a serem juntadas no instrumento também o eram. Dessa forma, verificou-se que a lógica recursal das interlocutórias continuava imperfeita, chegando-se à conclusão de que hipóteses tão amplas de cabimento não eram convenientes.26 Contudo, este não era o único problema gerado pera recorribilidade geral das interlocutórias, pois se verificou também que, mesmo possibilitando o recurso de toda e qualquer decisão interlocutória, o manejo de sucedâneos recursais não restou solucionado, pois o agravo de instrumento ainda não gozava do efeito suspensivo, o qual podia ser concedido por meio da liminar no mandado de segurança, como asseverou Arruda Alvim.27 Com os problemas expostos, logo começaram a surgir críticos da recorribilidade ampla das decisões interlocutórias, dentre eles Pará Filho, o qual defendia que deveriam ser inclusas nas hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, as decisões que acarretassem dano irreparável ou de difícil reparação para as partes, entretanto, defendia que as hipóteses de cabimento fossem definidas em numerus clausus, pois, dessa forma, seria reestabelecido a tradição do direito nacional, sendo ainda respeitada a melhor doutrina sobre o tema.28 Entretanto, referida crítica não foi considerada para as reformas seguintes do Código de 1973. A primeira destas reformas foi implementada pela Lei 9.139/1995, a qual dá início ao segundo momento do estudo da recorribilidade das interlocutórias no Código de 1973. A Lei 9.139/1995, trouxe duas importantes modificações ao sistema do agravo de instrumento. Referida lei, determinou que o agravo de instrumento passaria a ser interposto diretamente no tribunal e que cabia ao agravante formar o instrumento, verificando-se, assim, clara tentativa de diminuir o impacto dos agravos em primeira instância, e, além disso, conferiu ao Relator o poder de atribuir efeito suspensivo ao agravo, em uma tentativa de inibir o uso dos sucedâneos recursais29. Quanto aos efeitos positivos da lei, Arruda Alvim pontua que com a concessão de possibilidade de efeito suspensivo ao agravo “eliminou-se a prática, 26 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência dos recursos, São Paulo: RePro, vol. 48, p.07-26, 1987. 27 ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 405, 2006. 28 PARÁ FILHO, Tomas. A recorribilidade das decisões interlocutórias no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RePro, vol. 5, 15/42, 1977. 29 ARRUDA ALVIM, Tereza. Op. cit. p. 83-84. 14 até então bastante difundida, de se impetrar mandado de segurança com a finalidade de se suspenderem os efeitos da decisão agravada”. 30 No entanto, conforme disposto por Theodoro Jr.31, e também pela própria Arruda Avim32, essa facilitação de acesso à instância recursal, que permitiu que as partes obtivessem uma decisão do tribunal de forma mais rápida, bem como pelas possibilidades de efeito suspensivo e da concessão de medidas fundadas em cognição sumária, fez com que o número de recursos aumentasse consideravelmente, prejudicando o desempenho dos tribunais. Frente a esse panorama, de incentivo ao recurso das interlocutórias e onde a carga excessiva apenas havia sido redirecionada da 1ª instância para os tribunais de 2ª instância, fez-se necessária outra reforma, que foi operada por meio da Lei 10.352/2001, a qual dá início ao estudo do terceiro momento da recorribilidade das interlocutórias dentro do Código de 1973. A Lei 10.352/2001, ao contrário da anterior, visava restringir a utilização do agravo de instrumento, e, para isso, introduziu dois casos em que a capacidade de escolha da parte, acerca de qual o recurso a ser interposto da decisão interlocutória, seria restringida33. O primeiro caso estava contemplado no art. 523, §4, que dispunha, em síntese, que as interlocutórias proferidas em audiência de instrução seriam desafiadas necessariamente por agravo retido, e o segundo caso estava contemplado pelo art. 527, inciso II, que passou a prever que o Relator teria o poder de converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo nos casos dos danos de difícil e incerta reparação, nos de inadmissão de apelação e nos relativos a efeitos em que a apelação é recebida.34 Ocorre que, conforme Sica35, o resultado foi decepcionante, tendo em vista que não era de costume dos magistrados proferirem decisões na audiência de instrução, bem como, caso o relator viesse a converter o agravo de instrumento em retido, dessa decisão seria cabível agravo interno, o que ensejaria novo relatório e 30 ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 84, 2006 31 THEODORO JR., Humberto. O problema da recorribilidade das interlocutórias no processo civil brasileiro. Curitiba: Revista de Direito Processual Civil, vol. 3, n. 30, p. 840-848, 2003. 32 ARRUDA ALVIM, Tereza. Op. cit. p. 86. 33 Idem. 34 BRASIL, Lei nº 10.352/2001. Altera dispositivos da Lei nº 5.869/1973. Brasília, 26 de dezembro de 2001. 35 SICA, Heitor Vitor Mendonça. O agravo e o mito de Prometeu: considerações sobre a Lei n. 11.187/2005. In: Teresa Arruda Alvim Wambier; Nelson Nery Jr. (Org.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 193-219, 2006. 15 sessão para julgamento. Logo, referida norma teve impacto reduzido, e não foi capaz de satisfazer os interesses reformistas, tendo em vista que não reduziu o número de recursos nos tribunais. Diante desse cenário, foi promulgada a Lei 11.187/2005, a qual buscando solucionar os problemas ilustrados anteriormente, instituiu a vedação ao cabimento de recurso contra decisão que convertesse o agravo de instrumento em agravo retido, tornando, dessa forma, o agravo retido a regra do sistema, deixando o agravo de instrumento para hipóteses específicas.36 Nesse sentido, o art. 522 passou a indicar que todas as interlocutórias eram recorríveis por agravo na forma retido, salvo em casos em que a decisão inadmitisse apelação, decidisse sobre os efeitos desta ou em casos em que as decisões fossem capazes de causar à parte lesão grave ou de difícil reparação.37 Como apontou Sica38, esta lei também pôs fim à controvérsia sobre a facultatividade na conversão do agravo de instrumento em agravo retido, na medida em que deixou claro que o relator do processo converteria o agravo de instrumentoem retido, quando a decisão impugnada não fosse suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, ou não fosse algum dos outros dois casos acima já citados. Outra disposição acerca do agravo retido alterada pela lei 11.187/2005, foi quanto à sua interposição de forma oral, a qual havia sido positivada com a Lei. 9.139/1995. Como elucida Arruda Alvim39, se antes do advento da lei 11.187/2005 permitia-se a interposição oral do agravo retido, de decisões proferidas em audiência, com referida lei, a interposição oral do recurso passou a ser obrigatória, não se admitindo a interposição por escrito, ou seja, se não interposto de forma oral na própria audiência, ocorria a preclusão temporal com a manutenção da matéria decidida. Portanto, após toda a exposição, conclui-se que, apesar de iniciar sua trajetória defendendo a recorribilidade imediata geral das interlocutórias, cabendo à parte, se quisesse esperar, interpor agravo retido, o Código de 1973, com sua última 36 BRASIL, Lei nº 11.187/2005. Altera dispositivos da Lei nº 5.869/1973. Brasília, 19 de outubro de 2005. 37 Idem. 38 SICA, Heitor. O agravo e o mito de Prometeu: considerações sobre a Lei n. 11.187/2005. In: Teresa Arruda Alvim Wambier; Nelson Nery Jr. (Org.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 193-219, 2006. 39 ARRUDA ALVIM, Tereza. Os Agravos no CPC Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: RT, p. 269, 2006. 16 reforma, mostrou sistemática recursal completamente diferente de suas origens, na medida em que, com a Lei 11.187/2005, a recorribilidade das interlocutórias deixou de ser imediata, bem como não cabia mais à parte escolher em qual momento esta seria analisada. Neste sentido, conforme aponta a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015, as múltiplas reformas pelas quais passou o Código de 1973 levaram ao enfraquecimento da coesão existente entre suas normas, o que, de certa forma, levou ao comprometimento de toda a sistemática do Código, fato este, que ensejou também a elaboração de novo Código. 40 2.3 O Agravo de Instrumento no Código de Processo Civil de 2015 O ponto de partida para a análise do Código de Processo Civil de 2015, como não poderia deixar de ser, é a exposição de quais são os objetivos que referido Código traçou no que diz respeito à lógica recursal e, mais especificamente, em relação à recorribilidade das decisões interlocutórias. Da exposição de motivos do Código de 2015, extrai-se que o objetivo geral do legislador era a celeridade e otimização processual, na medida em que argumentava que “sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade” 41. Ademais, quanto à seara recursal, o legislador, ainda na exposição de motivos, deixou claro que referido código se propunha a simplificar o sistema recursal, resolvendo problemas e reduzindo sua complexidade, entendida como unanimidade na comunidade jurídica.42 Nesse sentido, importante frisar que como aponta Neves43, nesse período mantinha-se a percepção de que o agravo de instrumento tinha utilização descabida, o que levava ao atraso das pautas de julgamento dos recursos de apelação, prejudicando, assim, a celeridade da tutela jurisdicional. Logo, com a busca dessa celeridade processual, combinada com a noção de que a recorribilidade imediata de todas as interlocutórias levava a um atraso 40 BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Civil 2015, datada de 08 de junho de 2010. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/documentos/outros- documentos/via-de-tramitacao/exposicao-de-motivos-comissao-de-juristas 41 Idem. 42 Idem. 43 NEVES, Daniel Amorim Assupção. Novo Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Método, p. 625, 2016. 17 descabido da prestação jurisdicional, pois, nas palavras do parlamento, “aos olhos do perdedor, todo resultado desfavorável de um processo judicial poderia se constituir em injustiça extrema” 44 e enseja o recurso, o legislador foi levado a restringir a recorribilidade imediata das interlocutórias. Quanto a isso, Donizetti45 menciona que na comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do Código, da qual ele foi integrante, cogitou-se a aprovação de texto que impedisse toda e qualquer possibilidade de recorribilidade das decisões interlocutórias, entretanto, referido modelo não logrou êxito frente à complexidade das questões cíveis, e o anteprojeto acabou por prever, além dos demais casos previstos em lei, o cabimento de agravo contra decisões que versassem sobre mérito, tutela de urgência e cumprimento de sentença. Feito isso, o anteprojeto foi encaminhado para o Senado federal, de onde se iniciou o processo legislativo, o qual após extenso trâmite, dispôs no art. 1.015 que cabe agravo de instrumento em face as decisões interlocutórias que versem sobre: I. Tutelas provisórias; II. mérito do processo; III. rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV. incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V. rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI. exibição ou posse de documento ou coisa; VII. exclusão de litisconsorte; VIII. rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX. admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X. concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI. redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1; XIII. outros casos expressamente referidos em lei; §ú. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.46 Quanto à taxatividade do rol do art. 1.015, Arruda Alvim apontou que a ideia do legislador foi a de restringir as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento com segurança, preocupando-se em não deixar nenhum caso relevante de fora, 44 BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Civil 2015, datada de 08 de junho de 2010. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/documentos/outros- documentos/via-de-tramitacao/exposicao-de-motivos-comissao-de-juristas. 45 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil, 21 ed. São Paulo: Atlas, p. 1406, 2018. 46 BRASIL, Lei 13.105. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. 18 apresentando, assim, uma resposta à eterna queixa da magistratura e dos jurisdicionados no sentido de que havia recursos demais. 47 Assevera Wambier que apesar de o rol se apresentar taxativo, isso não quer dizer que ele traz todas as hipóteses de cabimento, tendo em vista que o próprio artigo, em seu inciso XIII, remete as hipóteses de cabimento a outros casos previstos na lei, ou seja, enuncia que além dos ali constantes no rol, haverá o cabimento do agravo de instrumento sempre que indicado pelo legislador. 48 Quanto a essas hipóteses de cabimento, previstas além do art. 1.015, Gonzalez as divide em três tópicos: 1. Resolução parcial do processo (com ou sem exame de mérito) – prevista no art. 354, §ú do CPC, que engloba também o indeferimento de petição inicial, prevista no art. 321 do CPC, e a extinção de reconvenção; 2. Ligada ao requerimento de distinção, quando há sobrestamento de recursos especiais ou extraordinários repetitivos, previsto no art. 1.037, §13, I, do CPC; 3. Hipóteses previstas em legislação extravagante, entre elas o art. 17, §10, da Lei n. 8.429/1992, arts. 17 e 100, da Lei n. 11.101/2005, art. 19, §1, da Lei 4.717/1965, art. 12, da Lei 7.347/19855 e o art. 7, §1, da Lei 12.016/2009. 49 Além disso, conforme aponta Câmara, “a afirmação de quecerta decisão interlocutória não é agravável não implica dizer que ela é irrecorrível. Contra as decisões interlocutórias não agraváveis será admissível a interposição de apelação” 50. Referida possibilidade encontra-se prevista no art. 1.009, §1, do CPC, o qual dispõe que: § 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. 51 47 ARRUDA ALVIM, Tereza. Um agravo e dois sérios problemas para o legislador brasileiro. Consultor Jurídico, 14 jun. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/teresa-arruda-alvim- agravo-dois-seriosproblemas. Publicado em 14/06/2018. Acesso em 30/08/2020. 48 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil. vol. 2. 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 552, 2018. 49 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p.363-370, 2019. 50 CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro, 5ª ed., São Paulo: Atlas, p. 514, 2018. 51 BRASIL, Lei 13.105. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. 19 Ao analisar referida possibilidade, Arruda Alvim52 apontou que as contrarrazões que tenham como conteúdo a impugnação de interlocutórias devem ser consideradas verdadeiro recurso, pois deverão ser apreciadas pelo órgão competente independentemente da desistência do apelante do recurso de apelação que ensejou a apresentação das contrarrazões, na medida em que foram apontadas pelo legislador como um dos modos aptos a impugnar decisões interlocutórias não passíveis de recurso imediato por agravo de instrumento. Ainda, quanto à questão das contrarrazões como verdadeiro recurso, Didier Jr. e Cunha53 afirmam que as contrarrazões apresentam uma natureza híbrida, na medida em que representam tanto o ato jurídico de resposta à apelação quando da interposição de recurso contra as decisões interlocutórias não agraváveis. Observa-se então que a opção legislativa adotada no Código de 2015 representou um ruptura com a sistemática até então vigente no Código de 1973, tendo em vista que, como abordado no tópico, enquanto o Código de 1973, após a Lei n. 11.187/2005, dispunha de uma cláusula geral de cabimento, a qual previa que demonstrada a urgência, qualquer decisão interlocutória seria passível de agravo de instrumento, o Código de 2015 optou por privilegiar certas decisões que “seja do ponto de vista substancial, seja pela perspectiva prática, a solução de determinadas questões delineia-se prejudicial à marcha normal do procedimento”54. Entretanto, no decorrer do tempo, surgiram diversas correntes doutrinárias, cada qual com sua tese, acerca da natureza e possibilidades de interpretação que deveriam ser adotadas para o rol do art. 1.015. Dentre essas correntes, destacam-se três: I. a que defende a natureza taxativa do rol, em conjunto com uma interpretação restritiva; II. que defende a natureza taxativa, mas admite a interpretação extensiva ou analógica; III. a que defende a natureza exemplificativa; as quais serão abordadas no capítulo seguinte. 52 ARRUDA ALVIM, Tereza. Um agravo e dois sérios problemas para o legislador brasileiro. Consultor Jurídico, 14 jun. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/teresa-arruda- alvim-agravo-dois-seriosproblemas. Publicado em 14/06/2018. Acesso em: 30/08/2020. 53 CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Apelação contra decisão interlocutória não agravável: a apelação do vencido e a apelação subordinada do vencedor. Duas novidades do CPC/2015. Revista de processo. Ano 40, v. 241, 2015, p.237. 54 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ampliação do cabimento do Recurso de Agravo de Instrumento. Consultor Jurídico, São Paulo, 18. Jul. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul- 18/paradoxo-corte-ampliacao-cabimento-recurso-deagravo-instrumento. Acesso em: 18 abr. 2020. 20 3 DO DEBATE DOUTRINÁRIO ACERCA DA TAXATIVIDADE DO ROL DO ART. 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 3.1 Rol de Natureza Taxativa com Interpretação Restritiva O Código de Processo Civil de 2015, ao restaurar o princípio das decisões jurídicas relevantes, para dispor sobre as hipóteses de recorribilidade imediata das decisões interlocutórias, estabeleceu, por consequência, um rol de hipóteses taxativas. Ocorre que, uma questão que ganhou bastante relevância desde que o Código de 2015 foi promulgado, é se estaria o rol de natureza taxativa sujeito a ampliações por meio de interpretação extensiva de seus incisos ou não? Referida questão surgiu, porque parte da doutrina entende que o art. 1.015 não foi capaz de prever todas as hipóteses que necessariamente teriam de estar lá, o que fez com que estes autores defendessem formas diversas de interpretação do rol. Por conta disso, referida questão será justamente o ponto central do presente capítulo, tendo em vista que a resposta e os argumentos para tal, variam de acordo com o posicionamento doutrinário que se segue, e são importantes para compreender a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça. A primeira corrente a ser aqui abordada é a que defende que o rol do art. 1.015 é de natureza taxativa, bem como, que sua interpretação seria restritiva. Porém, antes de expor os argumentos, faz-se necessária uma breve exposição acerca dos conceitos de taxatividade e de interpretação restritiva. A taxatividade como discorre Maximiliano55, decorre quando da enumeração de hipóteses verifica-se que os motivos e os fins do dispositivo se restringem aos casos expressos, sem a adoção de termos amplos e genéricos, e, geralmente, com a utilização das expressões: apenas, unicamente, só e seguinte, seguidas pelas hipóteses de cabimento. Quanto à interpretação restritiva, de acordo com Ferraz Junior: ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal. Em geral, o intérprete vale-se de considerações teleológicas e axiológicas para fundar o raciocínio. Supõe, assim, que a mera interpretação especificadora não atinge os 55 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 190, 2011. 21 objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao invés de protegê-los. 56 Ao analisar o Código de 2015, sob a lente das ideias de Maximiliano, Nery Jr e Rosa Nery57, afirmam que da simples leitura do rol, é possível verificar que a lei se fundou em motivos e fins de restringir o cabimento do agravo de instrumento, sendo que a especificação das hipóteses não foi feita com o intuito de esclarecer o dispositivo, mas sim de restringi-lo, constituindo, um rol de hipóteses taxativas. A partir disso, Nery Jr e Rosa Nery58, apontam que apesar de entenderem que com o Código de 2015 houve um retrocesso no que diz respeito à recorribilidade das interlocutórias, “não há dúvida de que o rol do art. 1.015 é taxativo e não permite ampliação, nem interpretação analógica ou extensiva.”. 59 Quanto à possibilidade de interpretação extensiva ou analógica, referidos autores esclarecem que utilizar interpretação extensiva ou analógica em hipótese taxativamente prevista em lei é erro crasso, bem como, erro de lógica formal, “pois a premissa (taxatividade) impede a conclusão (interpretação extensiva ou analógica)” 60, afirmando que tal interpretação seria contra legem, contra a democracia e contra o sistema jurídico vigente.61 Ainda na defesa da interpretação restritiva, Wambier alerta que: O discurso da ampliação de tal elenco, se adotado, tende a no futuro gerar armadilhas. Os jurisdicionados, com frequência, ouvirão do tribunal: “a parte deveria ter agravado dessa decisão interlocutória. Tal decisãonão está explicitada no elenco legal de hipóteses agraváveis, mas seria dela extraível, por interpretação “ampliativa” ou “analogia”. 62 Logo, verifica-se que Wambier indica aquele que é apontado como o principal problema da interpretação extensiva ou analógica, qual seja, a preclusão da matéria quando não alegada no momento determinado, pois, se referidas 56 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 10 ed. São Paulo: Atlas, p. 320, 2018. 57 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 17 ed. São Paulo: RT, p. 2208, 2018. 58 Idem. 59 Idem. 60 Ibidem, p. 2209. 61 Idem. 62 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil. vol. 2. 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 557, 2018. 22 matérias podem ser extraídas do art. 1.015, também estão sujeitas à preclusão especial nele disposta.63 No mesmo sentido posicionam-se Gajardoni, Delorre, Roque e Duarte, para quem “os limites do texto legal devem ser observados, principalmente no que estabelece rol fechado, numerus clausus, para cabimento do agravo, que é o piso sobre o qual está edificado o sistema de preclusões.”64 Nesse sentido, antes de fixada a tese do Superior Tribunal de Justiça, diversos tribunais entendiam pela taxatividade com interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC, como exemplo, cita-se a 10ª Câmara Cível do TJPR nos autos 0021557-95.2018.8.16.000065; 15ª Câmara Cível do TJPR nos autos 0037263- 21.2018.8.16.000066; a primeira turma do TRF4 no AG 5046570- 77.2018.4.04.000067; bem como a 2º Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.700.308/PB.68 Em que pese ser está a tese defendida pela ampla maioria da doutrina conforme apontaram Streck e Crevelin69, bem como ser a tese mais aplicada quando da análise jurisprudencial dos tribunais, para os fins a que se destina o presente trabalho, se faz necessário a abordagem das outras duas correntes que ganharam relevância no debate, quais sejam, a da natureza taxativa com interpretação extensiva ou analógica e o da natureza exemplificativa, as quais serão abordadas a seguir. 3.2 Rol de Natureza Taxativa com Interpretação Extensiva ou Analógica Como dito anteriormente, em que pese a natureza taxativa com interpretação restritiva represente a corrente mais aplicada, a corrente da 63 CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Atlas, p. 518-519, 2018. 64 GAJARDONI, Fernando da Fonseca, Et al. Comentários ao CPC de 2015, vol. III, 2ª ed. Dão Paulo: Método, p. 1029, 2018. 65 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. AG 0021557-95.2018.8.16.0000. Relatora Des. Ângela Khury. 66 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. AG 0037263-21.2018.8.16.0000. Relator Des. Hamilton Mussi Corrêa. 67 BRASIL, Tribunal Regional Federal (4ª Região). AG 5046570-77.2018.4.04.0000. Relator Des. Alexandre Rossato da Silva Ávila. 68 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.700.308/PB. Relator Ministro Herman Benjamin. 69 STRECK, Lenio Luiz; SOUZA, Diego Crevelin de. No STJ, taxatividade não é taxatividade? Qual é o limite da linguagem? Consultor Jurídico, São Paulo, 07 ago. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-07/stj-taxatividade-nao-taxativa-qual-limite-linguagem. Acesso em: 24/08/2020. 23 taxatividade com interpretação extensiva e analógica tem ganho espaço no debate jurídico nacional, sendo inclusive adotada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Resp 1.679.909/RS.70 Para seguir a metodologia utilizada no presente trabalho, primeiramente, será exposto, de forma breve, os conceitos de interpretação extensiva e analógica, conceitos estes que são de fundamental importância para a compreensão do tópico, tendo em vista que, apesar de, em um primeiro momento, parecerem semelhantes, na verdade, não o são, e inclusive geram discordância entre os autores que defendem uma interpretação ampliativa. Conforme Ferraz Junior, interpretação extensiva é aquela que “amplia o sentido de uma norma para além do contido em sua letra. Isso significa que o intérprete toma a mensagem codificada num código forte e a decodifica conforme um código fraco” 71. Nesse sentido, argumenta o autor que dessa maneira será respeitada a ratio legis, na medida em que o legislador não poderia deixar de prever certos casos, os quais não seriam alcançados por uma interpretação meramente especificadora. 72 Ao tratar sobre a diferença da interpretação extensiva para a analógica, Ferraz Junior destaca que: a primeira (extensiva) se limita a incluir no conteúdo da norma um sentido que já estava lá, apenas não havia sido explicitado pelo legislador. Já na segunda (analógica), o intérprete toma de uma norma e aplica-a um caso para o qual não havia preceito nenhum, pressupondo uma semelhança entre os casos. 73 Portanto, dos conceitos expostos, conclui-se que a diferença basilar entre a interpretação extensiva e a interpretação analógica, está no fato de que na primeira tem-se como objeto uma norma jurídica, enquanto na segunda, está-se diante de uma lacuna de normas, ou seja, inexiste previsão legal. No que diz respeito à dissenso entre os autores a respeito da interpretação extensiva e analógica, este está no fato de que embora todos defendam a 70 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Relator. Resp 1.679.909/RS. Relator Min. Luis Felipe Salomão. 71 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 10 ed. São Paulo: Atlas, p. 322, 2018. 72 Idem. 73 Idem. 24 interpretação ampliativa por interpretação extensiva, nem todos entendem que essa possa se dar por interpretação analógica. Os grandes defensores da aplicação da interpretação analógica são Marinoni, Mitidiero e Arenhart, os quais argumentam que é amplamente reconhecido que “o raciocínio analógico perpassa a interpretação de todo o sistema jurídico, constituindo ao fim e ao cabo um elemento de determinação direto” 74. Sendo assim, referidos autores defendem que “a taxatividade não elimina a equivocidade dos dispositivos e a necessidade de adscrever sentido aos textos mediante interpretação”75, sendo cabível, assim, a interpretação analógica. Entretanto, referido entendimento é minoritário, e deveras criticado por muitos autores os quais defendem a interpretação apenas extensiva, dos quais se destacam Arruda Alvim76, a qual aponta ser incompatível a interpretação analógica com a ideia de rol taxativo, e Theodoro Jr., o qual argumenta que a analogia “destina-se ao preenchimento da lacuna da lei, não se prestando para modificá-la, naquilo que expressamente disciplina”.77 Outra questão que também divide os doutrinadores que defendem a possibilidade de interpretação extensiva, diz respeito à possibilidade de o inciso III, do art. 1.015, o qual prevê o cabimento do agravo de instrumento quando da rejeição de convenção de arbitragem, comportar os casos em que a questão decidida verse sobre competência. Os expoentes quando se defende essa possibilidade, são os processualistas Didier Jr. e Cunha78, os quais argumentam que haveria uma equiparação entre competência e arbitragem, devendo, assim, receberem tratamento isonômico. Entretanto, Streck afirma que Didier Jr e Cunha: se equivocaram ao dizerem que “em virtude da convenção de arbitragem, transfere-se o litígio para a competência do arbitro”. A convenção não transfere o litígio para a competência do árbitro, ela 74 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 1.091, 2017. 75 Idem. 76 ARRUDA ALVIM, Tereza. Um agravo e dois sérios problemas para o legislador brasileiro. Consultor Jurídico, 14 jun. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/teresa-arruda-alvim- agravo-dois-seriosproblemas. Publicado em 14/06/2018. Acesso em 30/08/2020. 77 THEODOROJR., Humberto. Código de Processo Civil anotado, 22 ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 1197, 2019. 78 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol. III, 13ª ed. Salvador: Juspodivm, p. 216, 2016. 25 atribui poder jurisdicional ao árbitro. O poder precede a competência.79 Ainda, Streck80 aprofunda, argumentando que arbitragem se liga à jurisdição e não à competência, na medida em que ao convencionar arbitragem, outorga-se o arbítrio da jurisdição, situação jurídica ativa que possibilita ao seu titular submeter alguém, enquanto a competência é apenas limitativa do exercício da jurisdição. No mesmo sentido, também negando a possibilidade do agravo de instrumento contra decisão que verse sobre competência baseado na interpretação extensiva, Gonzalez81, afirma que em que pese defender a recorribilidade imediata, por agravo de instrumento, da decisão que verse sobre competência, entende que essa não pode ser extraída a partir da interpretação extensiva do art. 1.015, mas precisa partir da premissa de que o rol é exemplificativo, questão essa que será abordada na próxima seção. Por fim, conforme aponta Gajardoni, ao analisar os argumentos trazidos pelos defensores da interpretação extensiva para que o inciso III, comporte a competência: todas essas considerações são de lege ferenda, ou seja, de como gostaríamos que o novo CPC fosse. Querendo ou não, assim não se deliberou no processo legislativo que culminou com a promulgação do CPC/2015, o qual não contemplou a competência entre as hipóteses do artigo 1.015. 82 Entretanto, verifica-se que, em que pese representar corrente minoritária, e alvo de diversas críticas por grande parte dos doutrinadores, a recepção da tese, defendida por Didier Jr. e Cunha, pela jurisprudência foi notável. Entre os acórdãos que mencionaram referida teoria, destacam-se: REsp 1679909/RS83 e REsp 1707652/RJ84, entre outros. 79 STRECK, Lenio Luiz. Por que o STJ deve rever a decisão sobre a taxatividade do artigo 1.015. Consultor Jurídico, São Paulo, 13 ago. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago- 13/stj-rever-decisao-taxatividade-11015. Acesso em: 24 ago. 2020. 80 Idem. 81 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p. 293, 2019. 82 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; Et al. Hipóteses de agravo de instrumento no novo CPC: os efeitos colaterais da interpretação extensiva. Jota, São Paulo, 04 abr. 2016. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/hipoteses-de-agravo-de-instrumento-no-novo-cpc-os- efeitos-colaterais-da-interpretacao-extensiva-04042016. Acesso em: 09 de mov. 2020. 83 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Relator. REsp 1.679.909/RS. Relator Min. Luis Felipe Salomão. 84 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Relator. REsp 1707652/RJ. Relator Min. Herman Benjamin. 26 Logo, verifica-se que a adoção à teoria do rol taxativo, com possibilidade de interpretação ampliativa por meio de interpretação extensiva e analógica, ganhou grande número de adeptos, não só na doutrina, mas nos tribunais também, conforme demonstrado pelas jurisprudências indicadas. 3.3 Rol Meramente Exemplificativo Mesmo que o debate doutrinário se concentre na possibilidade de interpretação extensiva, ou seja, aceitando e ratificando a natureza taxativa do rol, com a decisão proferida na decisão do Tema 988/STJ, a qual será abordada mais a frente, tornou-se necessário abordar a corrente que defende que o rol do art. 1.015 possui natureza exemplificativa, bem como, analisar quais os elementos trazidos para justificar tal posicionamento. Antes, porém, de apresentar os autores e seus argumentos, necessário se faz a introdução do conceito acerca do que seria um rol meramente exemplificativo. De forma simples, de acordo com Maximiliano85, um rol exemplificativo, como o próprio nome indica, seria aquele no qual o legislador vale-se de termos amplos e gerais para caracterizar suas hipóteses de cabimento, e mais, quando indica algumas hipóteses, estas são ali indicadas apenas como meio facilitador da compreensão do instituto. Cabe aqui ressaltar que mesmo antes da entrada em vigor do Código de 2015, já haviam autores que apontavam para a inviabilidade do retorno de um rol taxativo para as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento. Entre esses autores, destacava-se Reichelt86, o qual ao defender o rol como meramente exemplificativo, argumentava que não era aceitável imaginar que o Código de 1973 pudesse prever soluções para problemas, os quais seriam completamente ignorados pelo Código de 2015, pois isso significaria um retrocesso no que diz respeito ao direito fundamental do duplo grau de jurisdição. Nesse sentido, mas argumentando violação ao princípio constitucional do devido processo legal, Cruz e Tucci defende que seria acertada a interposição de agravo de instrumento, mesmo que a hipótese não encontre previsão legal, nos 85 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 190, 2011. 86 REICHELT, Luis Alberto. Sistemática recursal, direito ao processo justo e o novo código de processo civil: os desafios deixados pelo legislador ao intérprete. São Paulo: RePro, p. 15/30, 2015. 27 casos em que a matéria comportar reexame imediato, ou seja, trate de questões ligadas a nulidades absolutas ou que levem o processo à sua extinção sem mérito, pois argumenta que o legislador não tinha a intenção de vulnerar o princípio do devido processo legal em prol da duração razoável do processo. 87 Também defende o rol exemplificativo Gonzalez, que após analisar as hipóteses de cabimento nos Códigos de 1973 e de 2015, chegou à conclusão semelhante à de Cruz e Tucci, trazendo que: a partir dos valores tutelados por muitas das hipóteses do art. 1.015 e pelo evidente prejuízo da utilização de sucedâneos recursais, defende-se que o rol do artigo. 1.015 é exemplificativo e que a seguinte regra o complementa: quando a apelação não for capaz de tutelar satisfatoriamente o direito supostamente violado por uma decisão interlocutória, o agravo de instrumento é recurso cabível. 88 Ressaltar-se que na defesa da tese, Gonzalez89 elencou três premissas: I. o legislador buscou evitar impugnações às decisões interlocutórias durante o procedimento em primeiro grau; II. Foram enumeradas as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, e quando comparadas às do CPC de 1973, verifica-se um aumento de hipóteses de cabimento; III. o Código de 2015 previu a recorribilidade geral das interlocutórias em caráter residual, por meio do art. 1.009, §1. A partir das quais Gonzalez90 concluiu que o rol é exemplificativo pois: I. o legislador não quis consagrar a irrecorribilidade de decisões interlocutórias, ele apenas quis evitar o agravo retido; II. os sucedâneos recursais gerariam muito mais confusão do que a interposição do agravo de instrumento; III. o legislador quis evitar impugnações tidas como desnecessárias; IV. o legislador não buscou reduzir as hipóteses de cabimento, apenas o fez de forma reflexa ao extinguir o juízo de admissibilidade da apelação. Por fim, cabe a indicação do entendimento de outro autor, o qual, apesar de nomear sua tese como uma espécie de “taxatividade fraca”, possui uma similaridade muito grande com os argumentos defendidos pelos autores aqui já citados, bem como possui conclusão bastante aproximada e no mesmo sentido. 87 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ampliação do cabimento do Recurso de Agravo de Instrumento. Consultor Jurídico, 18. Jul. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-18/paradoxo- corte-ampliacao-cabimento-recurso-deagravo-instrumento. Acesso em: 18 abr. 2020. 88 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de2015. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, p. 393-394, 2019. 89 Ibidem, p.393. 90 Ibidem, p.393. 28 Referido autor trata-se de Ferreira91, o qual apontou que nos casos onde não há identificação literal com as hipóteses legalmente previstas, seria o caso de defender-se apenas o cabimento da apelação, entretanto, se nesses casos o julgamento daquela matéria no futuro for inútil por impossibilidade de resultado prático, cita-se como exemplo a prova pericial indeferida em um imóvel que será demolido nos próximos dias, não é possível a defesa do cabimento exclusivo da apelação, pois está teria perdido sua utilidade, e não pode a lei prever recurso que seja inútil, sendo assim, cabível o agravo de instrumento. Nesse sentido, Ferreira92 defende que o agravo no Código de 2015 é cabível em três hipóteses: I. Recorribilidade imediata necessária prevista em Lei (hipóteses necessárias que se encontram previstas na lei.); II. recorribilidade imediata por conveniência política (hipótese que apenas é cabível o agravo por conta da opção legislativa, tendo em vista que o autor entende que haveria interesse em discuti-las apenas na apelação.); III. recorribilidade imediata necessária por utilidade prospectiva, onde existiria ausência de interesse recursal na apelação. Portanto, verifica-se que os autores que defendem o caráter meramente exemplificativo do rol do art. 1.015, justificam que não seria a intenção do legislador do Código de 2015 a redução das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, pois a utilização dos sucedâneos recursais seria muito mais danosa à sistemática processual do que a própria interposição do recurso. Quanto às teses de rol exemplificativo, em que pese constituírem entendimento minoritário, frise-se que chegaram a ser aplicadas na jurisprudência, conforme pode se extrair do Ag. 2205064-80.2017.8.26.0000/TJSP93 . Consignadas as teses e argumentos que embasavam o debate doutrinário acerca do art. 1.015, bem como exposto que não existia consenso na jurisprudência nacional, a seguir será analisada a resposta dada pelo STJ, o qual, após verificar a multiplicidade de demandas sobre referido tema, acabou por afetá-lo ao incidente de resolução de demandas repetitivas, o qual teve seu acordão publicado no final de 2018. 91 FERREIRA, William Santos. Cabimento do agravo de instrumento e a ótica prospectiva da utilidade — O direito ao interesse na recorribilidade de decisões interlocutórias. Revista de Processo, São Paulo, vol. 263, p. 199, jan. 2017. 92 Ibidem, p.200. 93 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AG. 2205064-80.2017.8.26.0000. Relatora Des. Clara Maria Araújo Xavier. 29 4 DA HIPÓTESE FIXADA NO TEMA REPETITIVO Nº 988 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4.1 Tese Fixada no Tema Repetitivo nº 988 do Superior Tribunal de Justiça Frente a situação de efetiva repetição de processos que apresentavam como controvérsia a questão da natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC, o STJ decidiu afetar os recursos especiais 1.696.396/MT e 1.704.520/MT ao julgamento sob o rito da resolução de demandas repetitivas previsto no art. 976 do CPC, definindo que o tema repetitivo nº 988 teria como delimitação: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/2015 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 94 Neste item, será abordado o voto vencedor, voto este que foi proferido pela Ministra relatora Nancy Andrighi, e que foi acompanhado pelos Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Felix Fisher. O voto da ministra relatora é divido em quatro partes, a primeira versando sobre o aspecto histórico do agravo, a segunda tendo como objeto os principais entendimentos doutrinários sobre a questão, a terceira na qual são apresentados os parâmetros e fundamentos da tese proposta, e a quarta onde é fixada a tese e seus efeitos são modulados. Na primeira parte do voto, a ministra relatora elaborou um panorama histórico da recorribilidade das decisões interlocutórias, tratando com maior enfoque sobre os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973, apontando como era a previsão de recorribilidade acerca das interlocutórias e quais os pontos que levaram às suas reformas.95 Já na segunda parte, a relatora abordou as questões que pautaram a elaboração do projeto de lei que deu origem ao CPC de 2015, expondo que houve um intenso movimento de marchas e contramarchas de tentativas de redução e 94 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1696396/MT. Relatora Min. Nancy Andrighi, p. 7. 95 Ibidem, p. 21-26. 30 ampliação das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento quando da tramitação do projeto e apontando, através da exposição de motivos do referido Código e de pareceres emanados do Senado Federal, que o CPC de 2015 buscava a simplificação recursal e o desestímulo ao destaque de questões incidentais.96 Ainda nesta segunda parte, verifica-se que a ministra reconheceu que ocorreu por parte do legislador uma consciente opção politica de optar por dispor que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento seriam taxativas97, entretanto, observou que se estabeleceu tanto na jurisprudência como na doutrina uma discussão acerca da possibilidade de recorrer de forma imediata de decisões interlocutórias não previstas no art. 1.015 do CPC, que pode ser sintetizada em três posições, sendo elas: I. a ideia de rol taxativo com interpretação restritiva; II. rol taxativo com interpretação extensiva ou analógica; e III. rol exemplificativo. Após apresentar referidas correntes, o que se deixa de fazer aqui, tendo em vista que referidas já foram abordadas anteriormente, a Relatora apresentou algumas conclusões preliminares, das quais destacam-se as seguintes: I. A majoritária doutrina se posicionou no sentido de que o legislador errou ao adotar um rol exaustivo de hipóteses de cabimento de agravo de instrumento; II. o rol do art. 1.015 é insuficiente pois deixa de abarcar questões urgentes; III. Deve sempre haver uma via processual aberta quando as questões possam causar prejuízo às partes em virtude da inutilidade futura da apelação.98 Na terceira etapa do voto, a relatora aduziu que o art.1.015, bem como o CPC como um todo, devem ter sua interpretação de forma a considerar o sistema no qual estão envoltos, não podendo ser interpretados de forma isolada, sendo que seu estudo deve se dar à luz da constituição federal, considerando também o princípio da inafastabilidade de jurisdição.99 Em seguida, reconheceu, novamente, que houve uma opção político- legislativa de restringir a utilização do recurso do agravo de instrumento, apontando que o critério adotado pelo legislador para enumerar as questões que demandariam reexame imediato se pautaria em “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”100. 96 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1696396/MT. Relatora Min. Nancy Andrighi, p. 26 – 29. 97 Ibidem, p. 29. 98 Ibidem, p. 36. 99 Ibidem, p. 38. 100 Ibidem, p. 39. 31 Ainda, defendeu que “É tarefa desta Corte, pois, conferir à regra do art. 1015 do CPC a interpretação que melhor se coaduna com a sua razão de existir e com as normas fundamentais insculpidas pelo próprio CPC.”101 e fixou que do critério adotado pelo legislador para fixar as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento é possível extrair que o recurso será cabível em situações de urgência, devendo ser este o elemento a nortear qualquer intepretação relacionada ao cabimento do agravo de instrumento.102 Além disso, argumentou que “pode-se afirmar, com segurança, que a urgência que justifica o manejo imediatode uma impugnação em face de questão incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido”103, devendo este pilar ser examinado em conformidade com o princípio da inafastabilidade da jurisdição em sua concepção contemporânea, a qual engloba, além do direito de ação, o direito à tutela jurisdicional e ao efetivo acesso à justiça.104 Por fim, concluiu a relatora que “sob a ótica da utilidade do julgamento do recurso diferido, revela-se inconcebível, a partir do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que apenas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador sejam objeto de imediato enfrentamento”.105 No início da quarta parte de seu voto, a ministra relatora argumentou que a taxatividade com interpretação restritiva do rol há de ser afastada pois, dessa forma, o agravo de instrumento seria incapaz de prestar a tutela adequada a todas as situações nas quais são causados sérios prejuízos às partes por conta de decisão judicial interlocutória106. No mesmo sentido, afastou a tese de rol taxativo com interpretação extensiva ou analógica, aduzindo que não haveria parâmetros seguros e isonômicos quanto aos limites na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, bem como, que, mesmo com a utilização de referida técnica, ela não seria capaz de abarcar todas as situações em que a recorribilidade imediata da interlocutória se faz necessária, trazendo como exemplo a questão do indeferimento do segredo de justiça.107 101 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1696396/MT. Relatora Min. Nancy Andrighi. p. 40. 102 Ibidem, p. 40–41. 103 Ibidem, p. 41-42. 104 Ibidem, p. 42. 105 Ibidem, p. 44. 106 Ibidem, p. 47. 107 Ibidem, p. 47- 48. 32 Afastou também a tese de rol meramente exemplificativo, afirmando que “essa interpretação conduziria à repristinação do art. 522, caput, do CPC/73, contrariando frontalmente o desejo manifestado pelo legislador de restringir o cabimento do recurso, o que não se pode admitir”.108 Em contrapartida, ao apresentar sua tese, argumentou que esta consiste em possibilitar a recorribilidade de interlocutórias, em hipóteses não previstas no art. 1.015 do CPC, sempre que estiver presente o requisito objetivo da urgência, sendo que esta urgência seria decorrente da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação.109 Argumentou que não há que se falar em desrespeito à opção político- legislativa, mas, sim, de interpretação em conformidade com a vontade do legislador, o qual pretendeu que o agravo de instrumento fosse cabível em situações que não pudessem aguardar rediscussão futura em apelação.110 Além disso, concluiu que a tese reconhece que o rol do art. 1.015 do CPC “possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem o qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo”.111 Ao tratar sobre a questão da preclusão, a ministra relatora argumentou que não haveria de se falar em qualquer espécie de preclusão, tendo em vista que o cabimento do agravo de instrumento em hipótese de urgência no reexame da questão, estaria sujeito a um duplo juízo de conformidade, segundo o qual, para a ocorrência da preclusão, se faz necessário que a parte interponha o recurso e que o Tribunal emita juízo positivo de admissibilidade, ou seja, caso o tribunal verifique a ausência de urgência, a questão poderá ser submetida ao juízo quando da interposição da apelação.112 Por fim, votou a ministra relatora pela fixação da tese jurídica da taxatividade mitigada, a qual admitiria a interposição de agravo de instrumento sempre que se verificasse a urgência decorrente da inutilidade do julgamento em sede de apelação113, restando assim fixada a tese de tema repetitivo de nº 988/STJ. 108 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1696396/MT. Relatora Min. Nancy Andrighi. p. 48 109 Idem. 110 Idem. 111 Ibidem, p. 48 – 49. 112 Ibidem, p. 53. 113 Ibidem, p. 58. 33 4.2 Dos Votos Divergentes. Como visto no item anterior, a tese indicada pela Ministra relatora Nancy Andrighi consagrou-se vencedora no julgamento do tema repetitivo de nº 988/STJ, entretanto, há de se ressaltar que houve discordância dentro do próprio STJ, na medida em que os Ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Og Fernandes, Mauro Campbell e Maria Thereza de Assis Moura manifestaram através de seus votos discordância para com a tese fixada. A Ministra Thereza de Assis Moura foi a primeira a inaugurar a discordância. Ao abordar sobre as divergências doutrinárias que surgiram, a Ministra apontou que não resta dúvida de que não se trata de um rol exemplificativo, tendo em vista que quando o legislador pretende indicar que o rol não abarca todas as hipóteses de cabimento, ele utiliza-se das expressões “entre outras”, “tais como” etc., expressões estas não encontradas no art. 1.015 do CPC.114 No mesmo sentido, sustentou a Ministra que o fundamento de referida corrente está relacionado ao como deveria ser a regra e não a como está disposto na lei, e concluiu argumentando que mesmo que por uma falha o legislador tenha deixado de prever alguma hipótese que exigiria análise imediata, isso, por si só, não altera a natureza do rol, pois da letra da lei se depreende a taxatividade do rol.115 Quanto à possibilidade de interpretação extensiva ou analógica, a Ministra ressaltou que com sua adoção poderá ocorrer insegurança jurídica quanto ao instituto da preclusão, tendo em vista que poderia ocorrer de o Tribunal, já em sede de apelação, entender que referida matéria, que não consta expressamente do rol do art.1.015 do CPC, poderia ter sido objeto de agravo de instrumento por interpretação extensiva ou analógica, negando-se assim de apreciar a decisão.116 Ademais, a Ministra concluiu que o legislador poderia ter disposto sobre o agravo de forma diferente e que, de fato, há consenso na doutrina de que a opção do legislador não tem se demonstrado a melhor escolha, entretanto, asseverou que não lhe parece razoável que a Corte assuma o lugar do legislador para tentar corrigir 114 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1696396/MT. Relatora Min. Nancy Andrighi. p. 62. 115 Idem. 116 Ibidem, p. 63. 34 eventual equívoco do legislador, tendo em vista traria muita insegurança jurídica ao tema.117 A Ministra apontou que a adoção da tese proposta pela Ministra relatora trará mais problemas do que soluções, pois, segundo ela, o critério da urgência, proposto pela relatora, está sujeito à subjetividade do julgador, o que, em última análise, descaracterizaria a finalidade buscada pelo incidente de demandas repetitivas, qual seja, o de pacificar e uniformizar o direito federal.118 Concluiu a Ministra que: Em que pese a percepção de que a prestação jurisdicional seria mais efetiva se algumas hipóteses não previstas no rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil comportassem a impugnação na via do agravo de instrumento, não vejo como possível que o Poder Judiciário possa assumir a tarefa de criar novas hipóteses ao rol de decisões interlocutórias agraváveis, notadamente porque foi escolha do Poder Legislativo pelo numerus clausus.119 Por fim, propôs que a tese fosse fixada fosse a de rol taxativo com interpretação restritiva, admitindo agravo somente nos casos previstos no art. 1.015 do CPC.120 Outro dos votos proferidos em divergência foi o do Ministro João Otávio de Noronha, o qual manifestou concordância com as ideias defendidas pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura em seu voto. Reconheceu o Ministro que de fato o art. 1.015 do CPC deixou de abarcar algumas situações as quais, em tese, poderiam trazer prejuízos para a parte em caso de recorribilidade apenas em sede de apelação, e apontou que a doutrina vem propondo três soluções para referida situação, sendo
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