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Autores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Prof. Rafael Moysés Salgado Profa. Roberta Sessa Stilhano Yamaguchi Profa. Sandra Heloisa Nunes Messias Colaboradora: Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Microbiologia e Micologia Básica Professores conteudistas: Flávio Buratti Gonçalves / Rafael Moysés Salgado / Roberta Sessa Stilhano Yamaguchi / Sandra Heloisa Nunes Messias © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G635m Gonçalves, Flávio Buratti. Microbiologia e Micologia Básica / Flávio Buratti Gonçalves, Rafael Moysés Salgado, Roberta Sessa Stilhano Yamaguchi, Sandra Heloisa Nunes Messias. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Microbiologia. 2. Bactéria. 3. Micose. I. Gonçalves, Flávio Buratti. II. Salgado, Rafael Moysés III. Yamaguchi, Roberta Sessa Stilhano. IV. Messias, Sandra Heloisa Nunes. V. Título. CDU 616.5 U511.51 – 21 Flávio Buratti Gonçalves Biomédico graduado pela Universidade de Mogi das Cruzes (1996). Especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças Tropicais pela FMUSP, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000) e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista (UNIP) (2017). Possui habilitações nas áreas de análises clínicas, microbiologia, imunologia, parasitologia, saúde pública. Atualmente é coordenador do curso de Biomedicina na modalidade semipresencial da UNIP e coordenador auxiliar do curso de Biomedicina, campus Indianópolis/Bacelar. É docente titular da UNIP, nas áreas de microbiologia, imunologia, parasitologia e bioquímica. É membro do Banco de Avaliadores (BASis) do Inep. Rafael Moysés Salgado Biomédico graduado pela Universidade Paulista (2010). Mestre (2014) e doutor (2019) em Ciências pelo departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) no Laboratório de Imunologia de Doenças Infecciosas (Lidi), desenvolvendo projetos de pesquisa associados a doenças de Chagas, malária e tuberculose experimentais. Atuou como coordenador auxliar do curso noturno de Biomedicina, campus Indianópolis/Bacelar, UNIP (2020). Atualmente, é docente titular da UNIP. Roberta Sessa Stilhano Yamaguchi Possui graduação em Ciências Biológicas – Modalidade Médica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com habilitação em Biologia Molecular e Análises Clínicas. É mestra e doutora em Ciências pelo programa de pós-graduação em Biologia Molecular (Unifesp). Pós-doutorado na área de Biomateriais na University of California, Biomedical Engineering Department, Davis, Califórnia, Estados Unidos. Pós-doutorado no Departamento de Farmacologia e Bioquímica da Unifesp. Atualmente é professora titular da UNIP e professora assistente no Departamento de Ciências Fisiológicas (FCMSCSP), onde desenvolve pesquisa científica nas áreas de terapia gênica e celular. É presidente da Comissão Interna de Biossegurança e membro permanente do programa de pós-graduação em Ciências da Saúde na FCMSCSP. Sandra Heloisa Nunes Messias Biomédica graduada pela Escola Paulista de Medicina, mestre em Farmacologia pela Universidade Federal de São Paulo e doutora em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP. Professora Titular de Farmacologia e, atualmente, é coordenadora geral do curso de Biomedicina da Universidade UNIP, é também professora de cursos da área de saúde da UNIP. A linha de pesquisa em que atua prende-se aos aspectos da neuroimunomodulação e toxicologia. Conselheira Honorária do CFBM-CRBM, é membro do Comitê de Ética de Pesquisa em Animais da UNIP e membro do Corpo Editorial da Journal of the Health Sciences Institute – Revista do Instituto de Ciências da Saúde (UNIP). Delegada do Conselho Regional de Biomedicina (CRBM-1) na região de Descalvado- São Carlos, é membro do Banco de avaliadores (BASis) do Inep. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vera Saad Ana Fazzio Sumário Microbiologia e Micologia Básica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA ...............................................................................................................9 1.1 Importância da microbiologia ......................................................................................................... 10 1.1.1 Importância da microbiologia sob aspecto ambiental – microrganismos como indicadores da qualidade do ar, água, solo ................................................................................ 10 1.1.2 Principais microrganismos como indicadores da qualidade dos alimentos ....................11 1.2 Ecologia microbiana ............................................................................................................................ 14 1.2.1 Diversidade biológica ............................................................................................................................ 14 1.2.2 Biofilmes e superfícies .......................................................................................................................... 14 1.3 Ciclo dos nutrientes e relações microbianas simbióticas ..................................................... 15 1.3.1 Ciclo do nitrogênio ................................................................................................................................. 15 1.3.2 Ciclo do carbono ..................................................................................................................................... 17 1.4 Microbiota humana ............................................................................................................................. 18 2 INTRODUÇÃO À BACTERIOLOGIA .............................................................................................................. 22 2.1 Diferença entre célula procarionte e eucarionte .................................................................... 22 2.2 Estrutura bacteriana ........................................................................................................................... 27 2.3 Metabolismo e nutrição bacteriana.............................................................................................. 39 2.4 Genética e reprodução bacteriana ................................................................................................ 45 2.5 Mecanismos de resistência a antimicrobianos ......................................................................... 52 3 MÉTODOS DE COLORAÇÃO E CULTIVO ...................................................................................................53 3.1 Coloração de Gram, coloração de Ziehl-Neelsen, coloração de Fontana Tribondeau .................................................................................................................................... 53 3.2 Colorações especiais (organelas e esporos) ............................................................................... 56 3.3 Preparo e diferenciação dos meios de cultura (preparo da escala de McFarland) e métodos de isolamento (por esgotamento, quantitativo, contagem de UFC, método de pour plate, método de spread plate, método NMP), conservação de culturas ............. 58 3.4 Normas de coleta, transporte e armazenamento do material clínico para microbiologia ...................................................................................................................................... 65 4 BACTÉRIAS DE INTERESSE CLÍNICO ......................................................................................................... 67 4.1 Cocos Gram-positivos ........................................................................................................................ 67 4.1.1 Staphylococus .......................................................................................................................................... 68 4.1.2 Diagnóstico laboratorial de estafilococos..................................................................................... 72 4.1.3 Streptococcus e Enterococcus ........................................................................................................... 73 4.1.4 Diagnóstico laboratorial de estreptococos e enterococos ..................................................... 76 4.2 Bacilos Gram-negativos fermentadores e não fermentadores ......................................... 77 4.2.1 Bacilos Gram-negativos não fermentadores (BNF) .................................................................. 77 4.2.2 Família Enterobacteriaceae ................................................................................................................. 78 4.2.3 Outros BGN ............................................................................................................................................... 80 4.3 Bactérias anaeróbias e Neisserias .................................................................................................. 84 4.3.1 Neisseria gonorrhoeae e meningitidis ........................................................................................... 84 4.4 Bactérias anaeróbias ........................................................................................................................... 90 4.5 Espiroquetas ........................................................................................................................................... 92 4.5.1 Treponema ................................................................................................................................................. 92 4.5.2 Borrelia ........................................................................................................................................................ 94 4.5.3 Doença de Lyme ...................................................................................................................................... 95 4.5.4 Febre recorrente ...................................................................................................................................... 95 4.5.5 Leptospira ................................................................................................................................................... 95 4.6 Bactérias de importância nosocomial (Hospitalar) ................................................................ 97 4.6.1 Enterococcus spp. ................................................................................................................................... 98 4.6.2 Staphylococcus aureus ......................................................................................................................... 98 4.6.3 Klebsiella pneumoniae ........................................................................................................................102 4.6.4 Acetinobacter baumannii ..................................................................................................................102 4.6.5 Pseudomona aeruginosa ...................................................................................................................103 4.6.6 Enterobacter species ............................................................................................................................104 Unidade II 5 MICOLOGIA GERAL .......................................................................................................................................109 5.1 Característica gerais dos fungos ..................................................................................................109 6 BIOLOGIA DOS FUNGOS PATOGÊNICOS E CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS MICOSES ......114 6.1 Micoses superficiais – aspectos clínicos e laboratoriais .....................................................116 6.2 Micoses cutâneas – aspectos clínicos e laboratoriais das dermatofitoses .................120 6.3 Micoses subcutâneas – aspectos clínicos e laboratoriais ..................................................124 6.4 Micoses sistêmicas – aspectos clínicos e laboratoriais .......................................................127 6.5 Micoses oportunistas – aspectos clínicos e laboratoriais ..................................................130 Unidade III 7 VIROLOGIA .......................................................................................................................................................137 7.1 Características gerais dos vírus .....................................................................................................137 7.2 Estrutura e taxonomia viral ...........................................................................................................138 7.3 Replicação viral ...................................................................................................................................140 7.4 Patogênese viral ..................................................................................................................................142 8 PRINCIPAIS DOENÇAS VIRAIS ..................................................................................................................143 8.1 Diagnóstico laboratorial de infecções virais ...........................................................................153 8.2 Tratamento das infecções virais ...................................................................................................155 7 APRESENTAÇÃO Objetivamos com este livro apresentar os principais tópicos que norteiam a microbiologia e a micologia básica, abordando aspectos gerais da microbiologia, bem como tópicos específicos em bacteriologia, micologia e virologia. Será possível compreender os elementos celulares, bem como estruturais dos principais grupos microbianos e os processos aos quais estão envolvidos, como reprodução, nutrição, metabolismo, além das características genéticas e evolutivas de cada grupo. Com o estudo atento e dedicado, também será possível conhecer e compreender as principais patologias a estes microrganismos associadas, reconhecendo sua importância para a saúde pública. Debateremos sobre os principais métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento das principais patologias infecciosas. INTRODUÇÃO Estudaremos as características gerais em termos de estrutura, metabolismo, reprodução e genética dos principais grupos de microrganismos, sejam eles bactérias, vírus ou fungos. Será possível reconhecer a importância do estudo desses grupos microbianos considerando o aspecto de prevenção das principais doenças infecciosas tanto em populações humanas quanto em animais. Da mesma formaeste livro apresenta, ainda que de forma sucinta, os principais métodos aplicados ao diagnóstico e tratamento das principais doenças infecciosas bacterianas, virais e fúngicas. Este livro destina-se a servir como instrumento da aprendizagem para o estudo da microbiologia e micologia buscando ser atrativo, didático e contemporâneo. Os conteúdos selecionados buscam atender de forma objetiva, clara e concisa os conceitos mais relevantes da microbiologia e estão alinhados com os pressupostos metodológicos e de conteúdo do plano de ensino-aprendizagem do curso. Com este material, o estudante deverá adquirir as habilidades e competências necessárias, estando apto a reconhecer as alterações do estado de saúde, reconhecer e interpretar a evolução das doenças e elaborar um plano preventivo, além de propostas terapêuticas. Bons estudos. 9 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Unidade I 1 INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA Vamos iniciar esta unidade abordando uma pequena parte da história da microbiologia. Embora não esteja registrado de forma concreta quem foi o pesquisador que fez as primeiras observações dos microrganismos, admite-se que o desenvolvimento da microscopia em meados do século XVII pelo pesquisador inglês chamado Robert Hooke tenha sido o principal marco na área da microbiologia e da micologia. Robert Hooke, ao observar células de cortiça no microscópio, verificou a presença de um tipo celular filamentoso, correspondente a um fungo. Posteriormente, um pesquisador holandês (Anton van Leeuwenhoek) observou organismos microscópicos, sendo considerado um dos primeiros a fornecer descrições precisas de protozoários, fungos e bactérias. Nessa época, o estudo da microbiologia não se desenvolvia rapidamente, pois havia poucos microscópios e interesse nulo sobre os microrganismos. Essa falta de interesse era decorrente da crença da “teoria da geração espontânea”, que afirmava que os microrganismos surgiam de matéria inanimada, a exemplo do caldo de carne. Porém, através de experimentos simples, Francesco Redi e Lazzaro Spallanzani contestaram a teoria, mostrando que a matéria inanimada (como o caldo de carne cozido) não dava origem a formas microscópicas de vida. Foi somente no final do século XIX que Louis Pasteur descobriu que as bactérias eram as responsáveis por azedar o vinho e os laticínios. Pasteur observou que os microrganismos eram importantes na vida das pessoas, pois, se as bactérias podiam azedar o vinho (“tornar o vinho doente”), elas também poderiam causar doenças nos humanos. Pasteur demonstrou que a geração espontânea não era uma teoria válida, pois os frascos de caldo de carne abertos ao ar sofriam contaminação, uma vez que os microrganismos estavam presentes no ar e podiam causar doenças. Pasteur postulou a teoria germinativa da doença, que afirma que os microrganismos são a causa das doenças infecciosas. Posteriormente, o pesquisador alemão Robert Koch cultivou bactérias e injetou culturas puras de bacilos em camundongos, demonstrando que os bacilos invariavelmente provocavam doença nos animais. Somente no final do século XIX e na primeira década do século XX que os cientistas desenvolveram ainda mais a teoria enunciada por Pasteur e comprovada por Koch, de forma que foram identificados muitos agentes de diferentes doenças infecciosas. Muitos dos agentes etiológicos da doença microbiana foram descobertos durante esse período, levando à capacidade de intervenção em epidemias e interrompendo a disseminação de microrganismos. Apesar dos avanços na área da microbiologia nessa época, raramente era possível fornecer tratamento adequado para salvar a vida de um paciente infectado. Depois da Segunda Guerra Mundial, os antibióticos foram introduzidos na medicina. A incidência de pneumonia, tuberculose, meningite, sífilis e muitas outras doenças diminuiu com o uso de antibióticos. Os estudos com vírus não puderam ser efetivamente realizados até o desenvolvimento do microscópio eletrônico (década de 1940). Nessa época, também foram introduzidos métodos de cultivo para vírus e o 10 Unidade I conhecimento dos vírus se desenvolveu rapidamente. Com o desenvolvimento das vacinas nas décadas de 1950 e 1960, doenças virais como poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola ficaram sob controle. A microbiologia moderna atual alcança muitos campos do esforço humano, incluindo o uso de métodos de controle de qualidade na produção de alimentos, o controle de microrganismos causadores de doenças em águas de consumo, o desenvolvimento de produtos medicamentos e outros farmacêuticos e as aplicações industriais de microrganismos. Alguns microrganismos podem ser utilizados para a fabricação de alimentos (por exemplo, laticínios fermentados como o iogurte, bem como outros alimentos não lácteos, como pães e bebidas alcoólicas), além de vitaminas, aminoácidos, enzimas e suplementos para crescimento. Uma das principais áreas da microbiologia aplicada é a biotecnologia. Nesse campo, os microrganismos são usados como “fábricas vivas” para produzir substâncias que incluem a insulina, o interferon, várias vacinas, entre outros. As bactérias podem ser usadas para aumentar a resistência das plantas a insetos e geadas, e a biotecnologia terá uma grande aplicação de microrganismos no próximo século. 1.1 Importância da microbiologia 1.1.1 Importância da microbiologia sob aspecto ambiental – microrganismos como indicadores da qualidade do ar, água, solo O ser humano necessita do meio ambiente e precisa adaptar-se a ele para manter sua integridade e a homeostase. E, como já mencionado, o microbioma humano é capaz de se adaptar às condições exteriores. O meio ambiente está em constante transformação decorrente do uso de tecnologias, levando a alterações na composição total do ar, da água, do solo. Sob o ponto de vista microbiológico, os microrganismos são capazes de se adaptar a vários ambientes, inclusive ao ar, à água e ao solo. A população e a diversidade de microrganismos presentes no ar são variáveis, pois o ar não constitui um meio ideal para o crescimento de microrganismos. Porém, o ar é portador de poeira e de partículas que podem carregar os microrganismos ao longo de quilômetros de distância. Alguns microrganismos que são transportados pelo ar podem morrer imediatamente, mas há microrganismos muito resistentes no ar e podem sobreviver por meses (aqueles que formam esporos ou cistos). As condições de temperatura, umidade, luz solar e tamanho de partículas portadoras dos microrganismos definirão o destino final do microrganismo transportado no ar. Alguns microrganismos transportados no ar podem causar doenças para animais e seres humanos, como a Salmonellose (Salmonella sp.) e a Brucelose (Brucella sp.), ou capazes de causar doenças em lavouras de milho (Puccina sorghi), maçã (Gymnosporum sp.), entre outros. Os microrganismos presentes nos ambientes externos podem passar para ambientes fechados por meio de ventilação normal (portas e janelas) ou mesmo pelo sistema de ar-condicionado. Sendo assim, a chance de contaminação por microrganismos em ambientes fechados é muito maior que em ambientes abertos, pois a ventilação natural dispersa os contaminantes. Nos ambientes climatizados, onde temperatura e umidade do ar são controladas pelo ar-condicionado, alguns microrganismos 11 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA (fungos, bactérias, algas, ácaros, amebas) podem se utilizar de matéria orgânica (pólen, fragmentos de pele humana e de insetos) como substrato para se multiplicar. Os microrganismos capazes de sobreviver por longos períodos em ambientes secos incluem Aspergillus, Legionella, Acinetobacter, Clostridium, Nocardia, entre outros, sendo os três primeiros responsáveis por surtos de infecção hospitalar. Na indústria, durante o processo de fabricação dos produtos alimentícios e/ou farmacêuticos, o ar das áreas de processamento pode contaminar os produtos com microrganismos patogênicos. Os laticínios são os mais suscetíveis à contaminaçãopor microrganismos transportados pelo ar. Há várias técnicas para determinação da qualidade microbiológica do ar, incluindo a técnica de amostrador de ar (número de microrganismos em um determinado volume de ar) e a técnica de sedimentação com placas de culturas (deposição de partículas viáveis na superfície de um meio de cultura). A água é fundamental para a existência da vida humana, influenciando a saúde e a qualidade de vida. Entretanto, a água pode ser também o ambiente e o veículo de diversos tipos de patógenos (parasitas, fungos, vírus e bactérias). Assim, a qualidade microbiológica é uma das características importantes da água de consumo humano, para garantir que está em condições ideais para o consumo. Várias doenças provocadas pelo consumo de água contaminada, condições sanitárias precárias e falta de higiene constituem causas de mortes de indivíduos no Brasil e no mundo. Para avaliar a qualidade da água são utilizadas os análises físico-químicas, já as análises microbiológicas são para a avaliação da potabilidade da água. A presença de coliformes termotolerantes (por exemplo, Escherichia coli) indica a contaminação da água por fezes, e a presença de Enterococcus está relacionada à contaminação recente da água. A Clostridium perfringens é encontrada na natureza e faz parte da microbiota intestinal do homem e de animais. O solo é o principal reservatório de diversidade biológica. Os microrganismos que habitam o solo possuem funções de grande importância, pois participam da degradação de compostos orgânicos e ciclagem de nutrientes, fixação biológica de nitrogênio, ou auxiliando as plantas na absorção de nutrientes. No solo, é grande a diversidade de microrganismos (bactérias, fungos, insetos, nematóides, protozoários, algas, oligoquetas e vírus). Nas áreas agrícolas de plantio, a microbiota do solo atua como base de seleção para as plantas. Porém, o solo pode atuar como uma fonte de importantes agentes causadores de doenças humanas, visto que os indivíduos estão em contato permanente com o solo, direta ou indiretamente, via alimento, água e ar. O lançamento de esgotos no solo pode envolver riscos de contaminação do meio ambiente, constituindo um grave problema de saúde pública. Quanto maior o tempo que o microrganismo sobrevive no solo, maior o risco à saúde. Entre as doenças causadas pelo solo contaminado, temos o tétano (causado pela bactéria Clostridium tetani), a esporotricose ou “doença do jardineiro” (causada por fungos da espécie Sporothrix spp.) e a paracoccidioidomicose (causada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis). 1.1.2 Principais microrganismos como indicadores da qualidade dos alimentos Todos os alimentos que os seres humanos consomem devem apresentar em suas características qualidade e oferecer a devida segurança, para que sejam consumidos sem que haja riscos para o bem-estar e para a saúde. No Brasil, os órgãos responsáveis por fazer a fiscalização, monitoramento e controle dos alimentos são a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da 12 Unidade I Agricultura, que determinam leis e normas aplicadas às empresas do ramo alimentício e a todos que fazem parte das etapas de produção de alimentos. Como os microrganismos estão amplamente presentes no ambiente, quando não são aplicados os métodos de higienização e os cuidados na manipulação e distribuição, haverá contaminação dos alimentos. Alguns microrganismos são utilizados no preparo de alimentos, como a fermentação. Outros microrganismos, não usados no preparo de alimentos, causarão a deterioração do alimento, tornando-o impróprio para o consumo. Os microrganismos presentes nos alimentos podem ou não ser patogênicos. Os patogênicos causam infecção, intoxicação e toxi-infecção. A infecção ocorre quando há, após a ingestão dos microrganismos (viáveis), a colonização e a multiplicação no trato gastrintestinal, como ocorre na salmonelose. A intoxicação ocorre da ingestão de toxinas produzidas pelos microrganismos nos alimentos, sem necessariamente a ingestão de microrganismos viáveis, a exemplo da toxina botulínica produzida pelo Clostridium botulinum. A toxi-infecção é decorrente da colonização dos microrganismos patogênicos e a formação das toxinas no trato intestinal, como a causada por Clostridium perfringens. Entre os microrganismos não patogênicos, ou seja, que são necessários no processamento de certos alimentos, temos as leveduras Saccharomyces cerevisae, utilizadas na produção de bebidas fermentadas e destiladas e na produção de pães. Há também os microrganismos que, embora não causem doenças, promovem a deterioração dos alimentos, levando a alterações nas características sensoriais (cor, odor, paladar, cheiro) dos alimentos, tornando-os impróprios para o consumo. A maioria dos microrganismos causadores de enfermidades ao ser humano faze parte da flora microbiana natural do homem ou dos animais, convivendo com eles sem causar quaisquer danos à saúde. Há um grupo de microrganismos denominados “indicadores” que, quando presentes em um determinado alimento, podem fornecer informações sobre a ocorrência de contaminação por microrganismos fecais, indicando possíveis condições sanitárias inadequadas durante o processamento, produção ou armazenamento do alimento. Os microrganismos indicadores são facilmente detectáveis e podem ser quantificados. Além disso, são claramente distinguidos de outros microrganismos da microbiota do alimento. Os microrganismos indicadores não estão presentes como contaminante natural do alimento. Os microrganismos indicadores podem ser: aqueles que não oferecem riscos à saúde (mesófilos, psicrotróficos, termófilos, bolores e leveduras) e aqueles que oferecem um risco baixo ou indireto à saúde (coliformes totais, coliformes fecais enterococos, enterobactérias totais e Escherichia coli). A análise microbiológica dos alimentos é fundamental para a verificação das condições de higiene em que o alimento foi processado, o risco que o alimento pode oferecer à saúde do consumidor e se o alimento terá ou não a “validade” pretendida. É indispensável que os padrões de especificações microbiológicos para alimentos nacionais ou internacionais sejam atendidos. 13 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Lembrete Os alimentos são alvos frequentes da deterioração por microrganismos (bactérias, fungos e bolores). Cerca de 20% das frutas e dos vegetais coletados são perdidos por deterioração microbiana. Os cereais e as sementes oleaginosas são frequentemente afetados por fungos durante a colheita, armazenamento e industrialização. Carnes, margarinas, manteigas e creme de leite são deteriorados por bactérias que utilizam a elevação do pH para deterioração proteica. São fatores que contribuem para a deterioração de alimentos por microrganismos: • Quantidade de água: a água é fundamental para garantir a sobrevivência dos microrganismos. • pH: o pH ideal auxilia no desenvolvimento das bactérias, a maioria das bactérias se reproduz no pH na faixa de 6,5 a 7,5, com exceçao de bactérias lácticas, que se multiplicam em pH mais baixo. • Nutrientes: os nutrientes são fundamentais para o crescimento dos microrganismos, como exemplos de fontes de nutrientes temos: açúcares, amido, aminoácidos, celulose e lipídios. • Composição química do alimento: além das fontes de nutrientes, os microrganismos necessitam também de fontes de nitrogênio, vitaminas e minerais. • Agentes antimicrobianos naturais: para evitar o ataque de microrganismo e retardar ou inibir o crescimento bacteriano, existem estruturas biológicas que atuam como barreiras mecânicas, impedindo a penetração dos microrganismos. Exemplo: casca dos ovos, enzimas proteolíticas presente na clara etc. • Temperatura: determina o ritmo e a quantidade total do crescimento microbiano. As variações térmicas podem afetar os processos metabólicos (velocidade de metabolismo) e a morfologia (forma celular). Os microrganismos envolvidos na deterioração de enlatadosdependem do pH dos alimentos. Os alimentos enlatados oferecem riscos de proliferação de bactérias patogênicas, inclusive Clostridium botulinum, responsável pelo botulismo. A bactéria Clostridium thermosaccharolyticum fermenta açúcares com produção de ácidos e de grandes quantidades de gases, causando o estufamento da lata. Quando ocorre deterioração sem estufamento, essa deterioração, denominada de ácida plana, é causada por organismos termófilos, encontrados no amido e nos açúcares utilizados na preparação de alimentos. Tanto a deterioração que causa o estufamento da lata quanto a plana ocorrem quando as latas são estocadas em temperaturas mais elevadas que as normais. 14 Unidade I 1.2 Ecologia microbiana 1.2.1 Diversidade biológica As interações entre os microrganismos entre si e com o ecossistema é o foco do estudo da ecologia microbiana. Os ecossistemas microbianos e os respectivos microambientes são responsáveis pelo crescimento e pela propagação dos microrganismos, havendo formações de populações microbianas que estão em associação com outros organismos e com o meio ambiente e que fazem biodegradação de compostos por meio de processos biológicos e químicos de substâncias. A “diversidade biológica” nos ecossistemas tem se popularizado bastante nas últimas décadas, principalmente devido à preocupação com as atividades humanas. De uma forma geral, a diversidade pode ser subdividida em pelo menos três tipos: Alfa, Beta e Gama. A diversidade Alfa é a diversidade dentro de um habitat ou comunidade (abundância relativa). A diversidade Beta está relacionada à diversidade entre habitats, medindo o quanto a composição de espécies varia de um lugar para outro. A diversidade Gama é a diversidade de uma grande área, bioma, continente etc. A diversidade biológica poderia ser medida pela contagem do número de espécies. Porém, a diversidade não é simplesmente um sinônimo de quantidade de espécies no ambiente, pois a quantidade relativa das espécies dentro de comunidades locais varia bastante. Na prática, quanto maior o número de espécies e mais uniformes as suas proporções relativas, maior a diversidade de uma associação ou comunidade. Assim sendo, para se conhecer a diversidade, é necessário identificar e conhecer os grupos biológicos e o ambiente. 1.2.2 Biofilmes e superfícies Os biofilmes microbianos representam comunidades de células aderidas entre si a uma superfície, estando embebidas por uma matriz de substâncias extracelulares produzidas pelos próprios microrganismos (com a finalidade de aumentar a sua sobrevivência em um determinado meio). Essas substâncias de produção microbiana são também denominadas slime. Na natureza, as bactérias que vivem dispersas em um meio líquido são denominadas “bactérias planctônicas”. Quando essas bactérias planctônicas estão aderidas a uma superfície, passam a ser denominadas “bactérias sésseis”. O biofilme pode apresentar uma ou mais espécies de microrganismos. Pode ser constituído de bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e leveduras. Além de bactérias, quando o biofilme está instalado em superfície banhada por sangue, outros elementos celulares podem estar agregados no biofilme, como plaquetas. A primeira fase da formação do biofilme é a adesão primária a uma superfície, que depende tanto dos elementos microbianos (elementos de virulência de microrganismos, denominados adesinas, que são os pili e as fimbrias) como do tipo de superfície e do ambiente no qual a superfície está inserida. A interação com estruturas do hospedeiro, tal como plaquetas e fibrinas, também favorece a formação 15 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA do biofilme. A partir de então, ocorre a adesão secundária ou ancoragem, quando as células microbianas passam a produzir uma matriz de polissacarídeo agregando os elementos ancorados no biofilme. Essa adesão secundária gera uma firme camada de elementos sólidos. Alguns microrganismos são mais frequentemente associados à produção de biofilmes: Candida albicans, Staphylococcus coagulase negativa, Enterococcus spp., Klebsiela pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Entre as vantagens quanto aos microrganismos se organizarem em biofilmes, podemos acrescentar que a matriz de polissacarídeo oferece um ambiente protetor às células microbianas, dificultando a penetração de agentes germicidas, pois a matriz de polissacarídeo age como uma barreira. Além disso, essa forma de organização também favorece a captação de elementos necessários à sobrevivência, favorecendo a circulação de água, oxigênio e nutrientes. Os biofilmes podem ocorrer em qualquer ambiente que combine a presença de líquido + superfície + microrganismos. Nos ambientes urbanos, os biofilmes podem estar presentes em sistema de tubulações de água e de esgoto, em reservatórios de água e em edificações. A formação de biofilmes também pode ocorrer em dispositivos médicos que têm contato direto ou indireto com os pacientes. Entre os dispositivos médicos mais frequentemente afetados pela ocorrência de biofilmes, temos as próteses (ortopédicas, cardíacas, vasculares) e os cateteres (vasculares, urinários ou de sistema nervoso). As fontes potenciais de microrganismos nesses dispositivos são: a) o próprio paciente (pela pele e mucosas, ou por focos de infecção a distância, ou bacteremias), b) os profissionais de saúde (pelas mãos, por meio de contaminação durante procedimentos), e c) do ambiente (pela água e antissépticos contaminados). Para a prevenção de formação de biofilmes, deve-se reduzir ao máximo a presença de microrganismos no ambiente e usar produtos com superfícies ou condições que desfavorecem a adesão primária. 1.3 Ciclo dos nutrientes e relações microbianas simbióticas 1.3.1 Ciclo do nitrogênio O nitrogênio é um nutriente utilizado por vários microrganismos para formar proteínas, ácidos nucleicos e outros componentes das células. O nitrogênio (N2) é o principal componente do ar e, apesar de sua grande disponibilidade, poucas células são capazes de utilizá-lo dessa forma, sendo essa uma capacidade atribuída a alguns tipos de bactérias e cianobactérias. Os eucariontes conseguem utilizar o nitrogênio na forma de compostos orgânicos, tais como aminoácidos e proteínas. As plantas e algas, por sua vez, utilizam o nitrogênio na forma de íons nitrato (NO3-) ou é íons amônio. O ciclo do nitrogênio começa com a transformação do N2 da atmosfera (nitrogênio gasoso) em outros compostos nitrogenados [amônia (NH3) ou íons amônio (NH4+)], sendo esse processo denominado de fixação biológica. Na fixação biológica, temos a ação das bactérias do gênero Rhizobium, que vivem nas raízes de plantas leguminosas. Essa é uma relação do tipo mutualismo, uma vez que ambas são 16 Unidade I beneficiadas. Enquanto as plantas fornecem proteção e alimento, as bactérias fornecem-lhe o nitrogênio. Ao morrerem, essas plantas liberam o nitrogênio de suas moléculas orgânicas na forma de amônia (NH3). As bactérias nitrificantes (Nitrosomonas e Nitrobacter) são capazes de oxidar o nitrogênio em nitritos e nitratos. O processo de nitrificação pode ser dividido em duas etapas: a nitrosação, em que atua a bactéria do gênero Nitrosomonas, e a nitratação, em que atua a bactéria do gênero Nitrobacter. Na nitrosação, a amônia é convertida em nitrito (NO2-); na nitratação, os íons nitrito são transformados em nitrato (NO3-). Os compostos inorgânicos de nitrogênio liberados no solo são absorvidos e convertidos pelas plantas, algas e algumas bactérias em compostos orgânicos, que passam a estar disponíveis na cadeia alimentar. Nas plantas, o nitrato ajuda na síntese de aminoácidos e bases nitrogenadas. Os animais utilizam os compostos orgânicos, os quais são obtidos na alimentação, e liberam-nos na forma de excretas. No processo de decomposição, os compostos orgânicos podem ainda sofrer ação de bactérias que os convertem em nitrato, amônia ou até mesmo nitrogênio, capaz de retornar à atmosfera. Caso o nitrogêniosiga o caminho de devolução para a atmosfera, diz-se que ocorreu um processo de desnitrificação, o qual é realizado pelas bactérias desnitrificantes. Alternativamente, quando ocorre o surgimento excessivo de organismos como algas e cianobactérias, pelo aumento de nutrientes, especialmente de nitrogênio e fósforo, ocorre o que chamamos de eutrofização. Um ambiente eutrofizado acaba adquirindo uma coloração turva e a quantidade de oxigênio diminui, o que causa a morte de várias espécies. Fixação industrial Fertilizantes nitrogenados Nitrogênio (N2) gasoso no ar Fixação biológica por leguminosas e cianobactérias Plantas não fixadoras de nitrogênio Alimentação e excreção animal Alimentação e excreção animal Cultivares não leguminosas Nitratos (NO3 -) DesnitrificaçãoDesnitrificação RelâmpagoRelâmpago AduboAdubo Fixação Fixação atmosféricaatmosférica Sais de amônio (NH4 +) Bactérias no solo Bactérias no solo Figura 1 – Ciclo do Nitrogênio 17 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA As bactérias nitrificantes têm importante papel no ciclo do nitrogênio: permitem que a amônia (NH3), proveniente da produção por bactérias fixadoras, da excreção de animais e putrefação de matéria orgânica, seja convertida em nitratos (NO3 -) diretamente absorvidos pelas plantas. A produção de nitratos ocorre em duas etapas; cada uma é realizada por bactérias quimiossintetizantes altamente especializadas: as Nitrosomonas e as Nitrobacter. As Nitrosomonas transformam amônia em nitritos. Os nitritos são tóxicos às plantas; raramente, porém, se acumulam no solo. As Nitrobacter transformam nitritos em nitratos. De maneira simplificada, os nitratos assim formados podem ser absorvidos pelas plantas verdes. Na realidade, no interior da célula vegetal, os nitratos são reconvertidos à amônia, que é utilizada para a produção de aminoácidos. Um fato importante e que precisa ser frisado: as bactérias nitrificantes são autótrofas quimiossintetizantes. Como as plantas verdes, elas podem fabricar substâncias orgânicas a partir da matéria-prima simples; contrariamente às plantas, porém, não utilizam luz. Para produzir matéria orgânica, usam a energia liberada na oxidação da amônia ou do nitrito. As bactérias desnitrificantes partem de compostos nitrogenados como nitratos e nitritos e matéria orgânica nitrogenada, extraindo delas o N2 que é devolvido à atmosfera, fechando-se assim o ciclo. Portanto, a desnitrificação é basicamente um processo de respiração anaeróbica. 1.3.2 Ciclo do carbono Um dos principais elementos que constituem a vida é o carbono, que é indispensável. Por estar presente nos seres vivos e por ser um dos responsáveis pela fotossíntese, sem ele não existiria o primeiro alimento da cadeia alimentar, os produtores; além de manter o planeta Terra aquecido pelo efeito estufa, não o deixando virar um bloco de gelo. O ciclo do carbono se constitui pela absorção do gás carbônico pelos vegetais no processo de fotossíntese. Metade desse carbono absorvido é liberado para a atmosfera e a outra metade, o vegetal a utiliza para produzir açúcares (glicoses). Ao ingerir as plantas, os animais ingerem juntamente o carbono para seu organismo, sendo liberado através da respiração ou de sua decomposição. Como alguns fungos e bactérias são responsáveis pela decomposição tanto de animais como de vegetais, eles ingerem parte desse carbono, liberando-o para a atmosfera e para o solo. Além das bactérias, o processo de queimadas também libera o gás carbônico no solo e na atmosfera. Os vegetais, pelo processo de respiração, também absorvem gás carbônico e liberam oxigênio, ao contrário dos animais. Como vimos, em um ecossistema os organismos estão constantemente interagindo entre si; tais relações podem ser intraespecíficas ou interespecíficas. Em função dos tipos de dependência que os organismos mantêm entre si e do prejuízo ou benefício para os organismos envolvidos, essas relações ainda são subdivididas em harmônicas e desarmônicas. Nas relações harmônicas não existe prejuízo para nenhuma das espécies envolvidas e pelo menos uma delas é beneficiada; já nas desarmônicas, ocorre prejuízo de uma das espécies e benefício da outra. A simbiose é uma relação interespecífica, harmônica e estável, em geral de longa duração, frequentemente encontrada nas comunidades terrestres 18 Unidade I e aquáticas, com papel fundamental no surgimento das principais formas de vida na Terra e na geração de diversidade biológica Um exemplo importante de como estas relações simbióticas se tornaram importantes e alvo de grandes estudos, elas dão origem aos chamados produtos de origem natural, sejam esses resultado das interações entre os organismos entre si e/ou desses com o ambiente. Os produtos naturais de origem microbiana constituem fontes promissoras para a bioprospecção de novas moléculas com potencial aplicação na medicina, agricultura e nos estudos de processos biológicos (biologia química). De fato, a investigação de microrganismos que vivem em associações simbióticas com outros organismos (exemplo: plantas, insetos, organismos marinhos, nematoides), e mesmo com outros microrganismos, vem sendo cada vez mais explorada na química de produtos naturais como uma alternativa para a busca de moléculas com atividade biológica 1.4 Microbiota humana A microbiota humana corresponde ao conjunto de todos os microrganismos que habitam o organismo de um ser humano. A microbiota pode ser variável entre os indivíduos, sendo que os fatores intrínsecos (características genéticas, nutricionais, fisiológicas do hospedeiro, entre outras) inerentes ao ser humano que hospeda os microrganismos influenciará a colonização, o controle, a composição e a função específica da microbiota. A microbiota humana pode contribuir para a manutenção da saúde do ser humano ou pode causar certas patologias. Os microrganismos pertencentes à microbiota podem ser classificados em mutualistas, comensais e oportunistas. Os microrganismos mutualistas ajudam a proteger o ser humano hospedeiro, pois produzem nutrientes ao ser humano e auxiliam no desenvolvimento do sistema imunológico. Como exemplo de mutualistas temos as bifidobactérias da microbiota intestinal (bactérias pertencentes ao gênero Bifidobacterium), sendo também conhecidas como bactérias probióticas. Essas bactérias não apresentam nenhuma patogenicidade e colonizam predominantemente o intestino. Os comensais são aqueles que mantêm simbiose com o ser humano sem produzir benefícios ou malefícios (ou seja, em condições de normalidade, não causam doenças ao ser humano). Por exemplo, a bactéria Helicobacter pylori habita o estômago de 50% da população mundial e convive com o seu hospedeiro de forma a adaptar-se ao meio gástrico. Na maioria das pessoas, essa bactéria comporta-se como comensal, mas em outras pessoas, essa bactéria pode provocar gastrite crônica ativa, úlcera péptica e até neoplasias. Os oportunistas são aqueles que podem causar diversas patologias nos indivíduos que apresentam o sistema imune comprometido devido a vários fatores, como nos casos de: infecção pelo HIV, quimioterapia ou radioterapia durante o tratamento do câncer, queimaduras extensas, entre outros. 19 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA A microbiota humana “normal” apresenta milhares de células microbianas simbióticas hospedadas por cada indivíduo nos sítios não estéreis (boca, garganta, narina, pele, intestino e vagina). Essa flora microbiana se inicia nos recém-nascidos e pode mudar no decorrer da vida do indivíduo, resultando em comunidades bacterianas relativamente estáveis. A maioria das pessoas saudáveis convive com a maioria dos microrganismos que colonizam partes não estéreis do corpo sem causar doenças. Esses microrganismos são chamados de flora residente ou permanente (ou seja, a flora considerada “normal” para o local em questão). Alguns fatores ambientais, como condições sanitárias, hábitos de higiene, dieta, uso de antibióticos, podem influenciarquais espécies irão compor a flora residente de um indivíduo. A flora residente é benéfica ao hospedeiro e habitualmente protege o organismo contra microrganismos causadores de patologias. Os microrganismos diferem tanto qualitativa quanto quantitativamente dependendo do local em que se alojam no organismo e também da população bacteriana envolvida. No entanto, sob certas condições (como o uso de antibióticos, lesão ou cirurgia, sistema imunológico debilitado, em função de Aids ou câncer, uso de corticosteroides, quimioterapia para câncer), os microrganismos que fazem parte da flora residente de uma pessoa podem causar patologias específicas. Exemplificando, temos o Streptococcus pyogenes, uma bactéria que pode habitar a orofaringe sem causar efeitos nocivos. Quando ocorre uma situação de depressão do sistema imunológico, essa bactéria pode causar a faringite estreptocócica. Existe um grupo de microrganismos, que podem ser não patogênicos ou potencialmente patogênicos, chamado de flora transitória, que coloniza os indivíduos por um período preestabelecido (horas ou semanas) e não se estabelece (não se multiplica e não coloniza) permanentemente. A pele apresenta uma microbiota residente bem definida e relativamente constante. A microbiota da pele é variável nas diferentes regiões anatômicas, em função da presença ou não de secreções, uso habitual de roupas ou proximidade de mucosas (boca, nariz e áreas perineais). Os microrganismos residentes predominantes da pele são: bacilos aeróbios e anaeróbios; estafilococos aeróbios e anaeróbios não hemolíticos; bacilos Gram-positivos aeróbios, estreptococos e enterococos; bacilos coliformes Gram negativos e Acinetobacter; fungos e leveduras nas pregas cutâneas; micobactérias não patogênicas em áreas ricas em secreções sebáceas. Os fatores importantes para eliminação da flora não residente da pele incluem: o pH da pele de um indivíduo adulto (ao redor de 5,5), os ácidos graxos presentes nas secreções sebáceas e a lisozima. A ocorrência de sudorese intensa e a lavagem da pele durante procedimentos de asseio (banho, por exemplo), não eliminam nem modificam significativamente a flora residente normal. As mãos merecem atenção como um veículo eficiente para transmissão de infecções e bactérias. Nas mãos, a microbiota é composta por microrganismos residentes (que se encontram nas camadas mais profundas da pele, sendo assim mais difíceis de serem removidos) e por microrganismos transitórios (que colonizam a camada mais superficial da pele, de fácil remoção com a lavagem das mãos). A microbiota transitória normalmente é adquirida pelo contato com superfícies contaminadas ou com outras pessoas. Os microrganismos transitórios (representados principalmente pelas bactérias Gram-negativas) são facilmente removidos pela lavagem adequada das mãos com detergentes eficazes. Os microrganismos residentes (na maioria bactérias Gram-positivas) são mais dificilmente removidos. 20 Unidade I Em especial para os profissionais da área de saúde, a colonização das mãos durante as mais variadas atividades laborais é de crucial importância. Sem os devidos cuidados e proteção, as mãos dos profissionais da saúde podem se tornar permanentemente colonizadas por microrganismos patogênicos adquiridos no ambiente de trabalho. A higienização das mãos dos profissionais da saúde (antes do contato com paciente, antes da realização de procedimentos, após exposição a materiais biológicos ou fluidos corporais e após contato com pacientes ou ambientes com pacientes) tem como objetivo a remoção da maior quantidade possível de microrganismos da microbiota transitória, de pelos, células descamativas, suor, sujidade e oleosidade, sendo a principal medida de prevenção da transmissão de microrganismos. A transmissão de doenças infecciosas pelas mãos de pessoas que manipulam alimentos também é considerada de crucial importância. Os microrganismos das mãos entram em contato com o alimento durante a manipulação e preparo, devendo os manipuladores de alimentos seguir as normas básicas de higienização das mãos antes e após o preparo dos alimentos. As mucosas da boca e da faringe são quase sempre estéreis ao nascimento, podendo ser contaminadas por microrganismos durante a passagem pelo canal de parto (parto normal) ou em contato com o ambiente externo durante a cesárea. Nas primeiras quatro a 12 horas de vida, os Streptococcus viridans colonizam e se tornam os membros mais importantes da microbiota residente, permanecendo por toda vida. Logo que o indivíduo nasce, aparecem os estafilococos aeróbios e anaeróbios, os diplococos Gram negativos e os lactobacilos. Quando é iniciada a primeira dentição, também colonizam as espiroquetas anaeróbias e espécies de Fusobacterium. As leveduras, principalmente diferentes espécies de Candida, também são encontradas na boca. A microbiota das narinas consiste em corinebactérias, estafilococos e estreptococos. Na faringe e traqueia encontramos estafilococos, estreptococos, pneumococos, neissérias, haemophilus e Mycoplasma. Os bronquíolos e alvéolos são normalmente estéreis. A microbiota normal do trato intestinal ao nascimento também é estéril. Os microrganismos são introduzidos através da ingestão dos alimentos. Nos bebês lactentes amamentados ao seio, o intestino é repleto de microrganismos aeróbios, anaeróbios, Gram-positivos, destacando-se os estreptococos e lactobacilos produtores de ácido láctico. Somente por volta dos dois anos de idade, a microbiota intestinal atinge o equilíbrio. O esôfago contém microrganismos provenientes da boca e dos alimentos. O nível de microrganismos no estômago é baixo devido à acidez gástrica. Assim sendo, em condições de normalidade, o pH ácido do estômago promove proteção contra infecções causadas por alguns microrganismos entéricos. O pH do conteúdo intestinal é alcalino. No cólon, 96-99% da microbiota residente é constituída de anaeróbios: lactobacilos anaeróbios; cocos Gram-positivos anaeróbios; espécies de bacterioides (principalmente B. fragilis), espécies de Fusobacterium e clostrídios. Somente de 1-4% da microbiota normal do cólon é constituída de aeróbios facultativos. 21 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA A microbiota intestinal residente é importante na absorção de nutrientes, na síntese de vitamina K, desconjugação de ácidos biliares e no antagonismo a patógenos microbianos. A ação da microbiota intestinal produz produtos de degradação que são absorvidos pelo organismo. Quando o indivíduo recebe medicamentos antimicrobianos, pode haver supressão temporária da microbiota fecal suscetível a esses fármacos. Os microrganismos do trato gastrintestinal incluem: peptostreptococus, fusobacterium, bacterioides, estreptococos, estafilococos, lactobacilos, coliformes, bifidobactérias e clostridium. No olho, a conjuntiva é um ambiente estéril. Porém, os microrganismos predominantes da conjuntiva são Staphylococcus epidermides e Corynebactérium xerosis e eventualmente podem ser encontradas outras bactérias. A microbiota da conjuntiva é controlada pela lisozima presente na lágrima. A microbiota da orelha é variável conforme a região anatômica. O canal auditivo externo possui microbiota correspondente à da pele, sendo que também podem ser encontradas Pseudomonas aeruginosas e S. pneumoniae. A porção da orelha média e orelha interna são estéreis e qualquer bactéria provoca infecção. No trato genitourinário, a porção anterior da uretra de homens e de mulheres contém pequeno número de microrganismos provenientes da pele e do períneo. Os microrganismos geralmente aparecem na urina eliminada. A microbiota normal da vagina varia ao longo dos anos. Após o nascimento até o início da puberdade, aparecem lactobacilos aeróbios que persistem enquanto o pH estiver ácido. Na puberdade, quando o pH se torna neutro, aparece uma flora mista composta de cocos e bacilos. Os lactobacilos aeróbios e anaeróbios reaparecem em grande quantidade e contribuem para manutençãodo pH ácido. Com o advento da menopausa, os lactobacilos diminuem em número, e reaparece uma flora mista. O útero é um sítio anatômico estéril, além dele, outros locais ou sítios são considerados estéreis, como o sangue, cérebro, coração, rins, ureteres e outros órgãos. Portanto qualquer microrganismo isolado de amostras clínicas proveniente desses sítios será considerado um agente patogênico em potencial. Observação Apesar de muitos autores se referirem à microbiota quase como sinônimo de bactérias, a microbiota engloba, além dessas, fungos, protozoários e vírus – apesar de não ser capaz de se reproduzir sozinho, o vírus também entra nesse grupo. Além disso, atualmente os termos flora e microbiota foram substituídos pelo termo microbioma. 22 Unidade I 2 INTRODUÇÃO À BACTERIOLOGIA 2.1 Diferença entre célula procarionte e eucarionte As células são as unidades estruturais e funcionais dos seres vivos; de maneira geral, as células são pequenas unidades formadas por uma delimitação membranosa preenchida com uma solução aquosa rica em compostos; são caracterizadas pela presença de material genético e capazes de originar cópias de si mesmas. Saiba mais Você pode saber mais sobre microbioma lendo o artigo a seguir: MIMICA, M. J. Microbioma humano: conceito, principais características, e potenciais implicações patológicas e terapêuticas. Arq. Med. Hosp. Fac. Cienc. Med., v. 62, n. 1, p. 42-45, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3lRg5aX. Acesso em: 26 mar. 2021. O avanço da microscopia óptica impulsionou o estudo da biologia celular revelando uma imensa variabilidade morfológica e metabólica e distinguindo tipos celulares, porém, mesmo com tal complexidade, podemos classificar as células em dois grandes grupos: procariontes e eucariontes; separados de acordo com suas características estruturais e funcionais. A classificação é determinada pela presença e/ou ausência da especialização de membranas intracelulares como a carioteca (membrana que circunda o material genético, definindo uma organização nuclear); e de organelas citoplasmáticas envolvidas por membrana. A terminologia possui origem grega. Káryon corresponde núcleo e thékê caixa, invólucro; quando associados aos prefixos pro (anterior) e eu (verdadeiro), indicam as respectivas definições: procarionte, célula anterior à organização nuclear; eucarionte, célula que apresenta núcleo. Acredita-se que esses tipos celulares estejam evolutivamente interligados, originados de uma única célula ancestral. A teoria endossimbiótica preconiza que uma célula procarionte (pequena, sem especialização de membrana, ou seja, sem a presença de organelas membranosas intracelulares, e organização nuclear) evolui para uma célula eucarionte primitiva (grande, presença de membrana especializada, citoesqueleto e núcleo) que adquire a especialidade de fagocitar (internalizar partículas externas); o processo responsável por tal transformação não é completamente definido. 23 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA A célula eucarionte primitiva teria fagocitado uma célula procarionte consumidora de oxigênio, sem degradá-la e revestindo-a com membrana, originando a mitocôndria em células animais, organela responsável pela respiração celular e produção de energia; a teoria é sustentada pelo fato de a mitocôndria possuir membrana dupla, DNA próprio e ser capaz de se multiplicar independentemente. Oportunamente, células eucariontes primitivas fagocitariam células procariontes fotossintetizantes, originado os cloroplastos nas células vegetais, também responsáveis pela obtenção de energia. Os procariontes são seres unicelulares representados pelas arqueias (encontradas em habitats extremos) e, em sua absoluta maioria, pelas bactérias; em geral são menores e estruturalmente menos complexos que os eucariotos, sendo caracterizados pela ausência de organelas revestidas por membrana e pela consequente presença de um nucleoide, possuindo todo DNA organizado em um único cromossomo encontrado de forma circular e disperso no citosol, salvo poucas exceções como Gemmata obscuriglobus (possuem membrana dupla circundando o núcleo), Vibrio cholerae (possuem dois cromossomos) e algumas que possuem um cromossomo de arranjo linear. As paredes celulares possuem um polissacarídeo complexo em sua composição, o peptídeoglicano, diferindo no número de camadas presentes, característica útil para classificação e identificação de espécies bacterianas. Em condições normais, se dividem por fissão binária (ou divisão binária), após a duplicação do DNA, a célula se divide em duas, processo consideravelmente simples comparado aos eucariotos. Apesar de aparentar simplicidade, as bactérias são quimicamente heterogêneas, apresentando uma extrema diversidade metabólica e exigências nutricionais bastante distintas, utilizando-se de materiais orgânicos e/ou inorgânicos para sustentar seu crescimento; por exemplo, algumas são aeróbias (necessitam do oxigênio para oxidação de moléculas) enquanto outras são anaeróbias estritas e morrem quando expostas à mínima concentração de oxigênio. Observação As células procariontes geralmente não apresentam especialização de membrana, ou seja, não apresentam organelas membranosas; possuem ribossomos e nucleoide (seu material genético não é envolto por uma membrana). 24 Unidade I Figura 2 – Célula procarionte e suas estruturas representativas. As estruturas marcadas em vermelho estão presentes em todas as bactérias. No canto superior direito, uma microfotografia de uma célula procarionte 25 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Os eucariontes compreendem seres unicelulares, constituídos por uma única célula como protozoários e leveduras; ou pluricelulares, compostos por várias células com funções distintas e representados por organismos complexos como animais, plantas, fungos filamentosos; espécies de algas podem ser unicelulares ou pluricelulares. No citoplasma, encontramos várias organelas revestidas de membrana como aparelho de Golgi, retículo endoplasmático, lisossomos, assim como organelas não membranosas, como o centríolo. Quando presentes, as paredes celulares são bem menos complexas se comparadas aos procariontes. O DNA é encontrado no núcleo, disposto de forma linear e associado a histonas, proteínas responsáveis pela condensação e remodelamento do material genético, assim como pela regulação da expressão gênica; a capacidade de organização em cromossomos múltiplos é essencial para assegurar a viabilidade da divisão celular nos eucariontes, processo denominado mitose, que resulta na geração de duas células filhas após duplicar o material genético e orientá-los adequadamente na geração de dois novos conjuntos idênticos. Apesar da grande variedade morfológica dentro dos grupos procarionte e eucarionte, é possível fundamentar algumas diferenças claras como o tamanho: as células procariontes em geral apresentam entre 0,2 e 2 µm de diâmetro, enquanto eucariontes, de 10 a 100 µm, consideravelmente maiores. Os flagelos em procariotos são uma construção simples de dois blocos de proteína com movimentos rotacionais, já, nos eucariotos, são formados por microtúbulos com deslocamentos ondulatórios. A parede celular é responsável pela proteção da célula às alterações desfavoráveis no meio externo, assim como evita a lise celular desencadeada por um desequilíbrio osmótico (desbalanço da pressão exercida pela água no ambiente intracelular e extracelular). Ela apresenta uma estrutura bastante rígida, contribuindo para o formato apresentado pela célula, porém, caso o volume celular aumente, pode se estender conforme necessário. As paredes celulares, quando presentes nos eucariontes, são quimicamente mais simples, caracterizadas pela presença de celulose nos vegetais e quitina nos fungos; enquanto nos procariontes, incluem-se camadas de peptídeoglicano em paredes celulares típicas. Ambos os grupos possuem citoesqueleto, fibras proteicas conectivas responsáveis pela sustentação, organizaçãocelular, essenciais no processo de divisão celular; essas proteínas são encontradas no citoplasma (material intracelular delimitado pela membrana plasmática), formando microfilamentos de actina, filamentos intermediários e microtúbulos nos eucariontes e são representadas respectivamente por MreB, ParM e FtsZ nos procariontes. Células eucariontes podem se movimentar sobre superfícies, assim como distribuir os nutrientes intracelulares, movimento denominado fluxo citoplasmático, não encontrado em procariontes. Distintamente, as enzimas fundamentais localizam-se no citoplasma procariótico e encontram-se essencialmente armazenadas nas organelas eucarióticas 26 Unidade I Figura 3 – Células eucariontes e suas estruturas representativas. A ilustração indica a idealização de uma célula eucariótica composta por metade representando uma célula vegetal e a outra metade, uma célula animal; as estruturas compartilhadas e exclusivas de cada célula estão indicadas. Em seguida, microfotografias eletrônicas de uma célula vegetal e de uma célula animal 27 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA A recombinação genética nos procariontes limita-se à transferência de DNA, em contrapartida, os eucariontes podem executar recombinação sexual envolvendo a geração dos gametas durante o processo de meiose. 2.2 Estrutura bacteriana As inúmeras espécies bacterianas podem diferir consideravelmente em relação à morfologia, atividade bioquímica e necessidades nutricionais; ainda assim, compartilham estruturas básicas que as classificam como procariontes. A maioria das bactérias possui entre 0,2 e 2 µm de tamanho e de 2 a 8 µm de comprimento e morfologicamente, elas podem ser encontradas em forma de cocos (esféricas), bacilos (bastonetes) e espiraladas; tais formas podem estar organizadas de distintas maneiras. Os cocos normalmente são redondos, mas também podem ser ovais, achatados ou alongados nas extremidades e, durante o seu processo de divisão celular, podem continuar conectados, criando níveis organizacionais distintos: caso os cocos permaneçam em pares após a divisão, são conhecidos como diplococos; aqueles que se dividem em dois planos e associam-se em quatro são chamados de tétrades; os que permanecem ligados em forma de cubo, compreendendo grupos de oito cocos, são as sarcinas; aqueles que se conectam em forma de cadeias são denominados estreptococos; e, por fim, os cocos que se dividem em múltiplos planos e apresentam agrupamentos em formato de cacho de uva são conhecidos como estafilococos. As características morfológicas são essenciais para a identificação de cocos na microscopia e, além disso, essa classificação pode ser usada como referência para nomenclatura do gênero de bactérias, quando escrito em latim, letra maiúscula e itálico, por exemplo, Staphylococcus aureus, bactéria associada a infecções cutâneas como abcessos, mas podem causar quadros mais graves como endocardite e septicemia, além de apresentarem cepas multirresistentes à tratamento com antibióticos, oferecendo grande risco hospitalar e comunitário. Os bacilos comumente formam cadeias longas e emaranhadas, apresentando menor variabilidade de agrupamentos por se dividirem ao longo de um único eixo, sendo a grande maioria encontrada como bastonete simples ou bacilo único, mas também podem ser identificados como diplobacilos e estreptobacilos. Porém, apresentam morfologias distintas em relação às características de suas extremidades, podendo ser mais arredondas ou cônicas, ou então possuir configuração mais alongada ou achatada, inclusive, alguns possuem uma forma ovalada que se assemelha aos cocos, sendo chamados de cocobacilos. O termo bacilo também é encontrado na nomenclatura de gêneros bacterianos. 28 Unidade I Figura 4 – Disposição dos cocos. Apresentação dos diferentes arranjos encontrados nos cocos de acordo com o plano de divisão: (a) a divisão inicial em um único plano origina diplococos e estreptococos; (b) as tétrades são resultado da divisão em dois planos; (c) as sarcinas são resultado da divisão em três plano; (d) a divisão em planos múltiplos origina os estafilococos 29 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Figura 5 – Disposição dos bacilos: (a) bacilo isolado; (b) diplobacilos (união de pares); (c) estreptobacilos; (d) cocobacilos As bactérias espiraladas não são retas, apresentando uma ou mais curvaturas. Os vibriões são bastonetes com um único ponto de curvatura; as espiroquetas possuem forma helicoidal (como um saca-rolha) com vários pontos curvados e são flexíveis; os espirilos também possuem forma helicoidal, porém são bastante rígidos. Enquanto as espiroquetas utilizam filamentos axiais contidos em uma bainha externa para movimentação, os espirilos usam apêndices externos, chamados de flagelos. 30 Unidade I Figura 6 – Bactérias espirais. Possuem formato em espiral e podem apresentar-se nas seguintes formas: (a) vibrião e as espiraladas; (b) espirilo; (c) espiroqueta A maioria das espécies bacterianas possui uma única forma, ou seja, é monomórfica, porém, condições ambientais podem alterar sua forma, dificultando sua identificação. Ademais, algumas bactérias são pleomórficas, ou seja, podem apresentar formas variadas, o formato de uma célula bacteriana é definido geneticamente de maneira hereditária. Apesar das grandes variações morfológicas, muitas estruturas são compartilhadas pelas bactérias e serão descritas mais adiante. O glicocálice é um revestimento viscoso e gelatinoso formado por uma camada de carboidratos (polissacarídeos, polipeptídios ou ambos), produzido no ambiente intracelular e secretado na superfície celular, externo à parede celular. Caso o glicocálice esteja organizado e fortemente fixado à parede celular, é conhecido como cápsula, se a substância não se encontra bem aderida à parede celular e for mal organizada, é descrita como uma camada limosa. Nem todas as bactérias são encapsuladas, a presença da cápsula é importante para conferência de virulência, ou seja, capacidade de induzir determinada patologia no hospedeiro; por exemplo, somente espécies bacterianas de Streptococcus pneumoniae encapsuladas são capazes de causar pneumonia, permitindo a adesão e a colonização no trato respiratório, assim como prevenir a fagocitose. 31 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Ao liberar uma substância polimérica extracelular (SPE), o glicocálice é fator essencial na formação dos biofilmes, originando uma camada viscosa em forma de pilares com canais entre eles, possibilitando a passagem de água para fluxo de nutrientes e resíduos. Além de criar proteção contra agressões como antibióticos ou condições nutricionais e ambientais não favoráveis, as bactérias podem crescer em diversas superfícies como dentes humanos, materiais hospitalares, raízes de plantas, tubulações e até mesmo rios com correnteza. Figura 7 – Biofilme sobre um cateter. Comunidade biológica bacteriana aderida à superfície após a liberação de uma substância polimérica extracelular (SPE). As bactérias que se soltam do biofilme podem causar infecção Os flagelos são anexos filamentosos responsáveis pela motilidade celular. Funcionando como propulsores e não sendo encontrado em todas as bactérias, o flagelo é constituído de um corpo basal, que o fixa à parede celular, associado a um gancho proteico ligado enfim ao filamento, que é composto de flagelina, uma proteína globular distribuída em várias cadeias em forma de hélice sem preenchimento. A movimentação do flagelo é resultado da rotação do corpo basal dependente de energia produzida pela célula, e, ao girar, o líquido próximo ao corpo celular é empurrado, deslocando a bactéria. As bactérias atríquias não possuem flagelos e as bactérias flageladas podem ser classificadas como: peritríquias, que possuem flagelos distribuídos por todo o corpo celular; monotríquias, que possuem flagelos em um único polo da célula; lofotríquias, que possuem um apanhado de flagelos em um único polo da célula; anfitríquias, que possuemflagelos em ambos os polos da célula. A motilidade bacteriana é uma vantagem ao possibilitar o deslocamento a fim de atingir ambientes favoráveis para seu crescimento e/ou afastar-se de ambientes desfavoráveis. As bactérias móveis possuem uma série de receptores distribuídos em sua superfície, capazes de perceber estímulos químicos como a presença de oxigênio, tais estímulos são informados aos flagelos e, caso o reconhecimento seja considerado positivo (atraente), a bactéria se desloca seguindo uma corrida bem orientada com poucos 32 Unidade I desvios, caso o estímulo seja negativo (repulsivo), a bactéria intensifica os desvios, se distanciando do ambiente nocivo. Os filamentos axiais ou endoflagelos são encontrados exclusivamente nas espiroquetas e estão associados à motilidade, possuem origem nas extremidades das células, criando uma espiral ao redor da célula sob uma bainha externa. Figura 8 – Flagelos bacterianos: (a) peritríquio: flagelos distribuídos ao longo de toda a célula; (b) polar: presente em uma ou em ambas as extremidades da célula; (c) lofotríquio: um apanhado de flagelos presentes em um polo da célula; (d) anfitríquo: apresenta flagelos em ambos os polos da célula As fímbrias e pili são apêndices como os flagelos, porém são constituídos por uma proteína denominada pilina e são mais curtos, retos e finos, semelhantes aos pelos. As fímbrias podem estar distribuídas de maneira homogênea pelo corpo ou localizadas nos polos da célula e apresentam variação numérica, de unidades a centenas. Elas costumam aderir-se umas às outras e às superfícies, possuindo participação na formação de biofilmes e fixação bacteriana. Os pili comumente são mais longos que as fímbrias e são encontrados em menor número. Eles estão associados à motilidade e à transferência de DNA, esses conhecidos como pili sexuais ou de conjugação. 33 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Figura 9 – Fímbrias. As fímbrias são apêndices curtos, retos e finos constituídas de pilina e estão associadas à formação de biofilme, adesão celular e transferência de material genético entre bactérias A composição da parede celular é bastante complexa, caracterizada pela presença de peptídeoglicano (também conhecido como mureína), que pode se apresentar de maneira independente ou combinado a outras substâncias. A porção de carboidratos (glicano) é composta pelos monossacarídeos NAG (N-acetilglicosamina) e NAM (ácido N-acetilmurâmico, que possui sua origem em murus, que significa parede). A porção de polipeptídeos é ligada a esse arcabouço de carboidratos pela junção de uma cadeia de quatro aminoácidos ao NAM, essas correntes de tetrapeptídeos podem se conectar entre si por uma ponte cruzada peptídica, acoplando e fortalecendo a estrutura. Antibióticos como a penicilina podem interferir nas conexões terminais das pontes cruzadas peptídicas, enfraquecendo a parede celular e facilitando a indução de lise celular (rompimento da membrana plasmática e consequente extravasamento do material citoplasmático). A diferença de composição da parede celular é fator determinante para a identificação bacteriana proporcionada por técnicas de coloração, como a coloração de Gram. Na coloração de Gram, as bactérias Gram-positivas coram em púrpura e as bactérias Gram-negativas coram em rosa; o procedimento técnico detalhado será descrito posteriormente. 34 Unidade I As paredes celulares de bactérias Gram-positivas são formadas por múltiplas camadas de peptídeoglicano, resultando em uma estrutura rígida e espessa. Elas são ricas em ácidos teicoicos, que são formados por um álcool (como o glicerol) e fosfato, e, por sua carga negativa, podem regular a entrada e saída de cátions (íons com carga positiva) para dentro e para fora da célula, além de assumirem um papel no crescimento celular, evitando que a parede celular se rompa e a célula sofra lise. Além disso, os ácidos teicoicos são ótimos antígenos alvos para determinados testes laboratoriais, possibilitando a identificação de bactérias de relevância clínica. Encontramos dois tipos de ácidos teicoicos: ácido lipoteicoico, que transpassa o peptídeoglicano se conectando à membrana plasmática, situando o espaço periplasmático, região entre a membrana e a parede celular; ácido teicoico da parede celular, que se encontra ligado estritamente ao peptídeoglicano. As paredes celulares de bactérias Gram-negativas são formadas por uma ou poucas camadas de peptídeoglicano e uma membrana externa, além de não possuírem ácidos teicoicos. Por possuírem uma pequena quantidade de peptídeoglicano, as paredes estão mais suscetíveis a rompimentos mecânicos. O peptídeoglicano está conectado às lipoproteínas presentes na membrana externa e encontra-se localizado no periplasma (fluido gelatinoso encontrado no espaço periplasmático em bactérias Gram-negativas e rico em proteínas de transporte e enzimas). A membrana externa é composta por fosfolipídios, lipoproteínas e lipopolissacarídeos (LPS). Ela é especializada em evitar a fagocitose e deposição do complemento, devido à sua intensa carga negativa, assim como funciona como barreira para detergentes, metais pesados, enzimas e antibióticos; entretanto também possui permeabilidade, em virtude da presença de porinas em sua composição, proteínas que funcionam como canais, possibilitando a passagem de substâncias como nucleotídeos, aminoácidos e ferro. O lipopolissacarídeo (LPS) é uma molécula extensa e complexa composta por três estruturas: o lipídio A, um cerne polissacarídeo e um polissacarídeo O. O lipídio A está imerso na parte superior da membrana externa, funciona como endotoxina, causando sintomas associados a infecções por bactérias Gram-negativas como febre, dilatação de vasos sanguíneos, formação de coágulos e choque. A sintomatologia está associada à liberação do lipídio A durante a morte da célula bacteriana. O cerne polissacarídeo é ligado ao lipídio A e confere estabilidade estrutural. O polissacarídeo O encontra-se projetado para fora do cerne polissacarídeo e funciona como antígeno, possibilitando as diferenças de espécies bacterianas Gram-negativas. 35 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA BÁSICA Figura 10 – Estrutura do peptídeoglicano e diferença entre as paredes celulares de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas: (a) estrutura do peptídeoglicano: composto por um esqueleto de carboidrato e uma porção peptídica; (b) parede celular de uma bactéria Gram-positiva com várias camadas de peptídeoglicano; (c) parede celular de uma bactéria Gram-negativa Algumas espécies bacterianas podem apresentar paredes celulares atípicas como no caso de paredes celulares acidorresistentes, que possuem uma alta concentração de ácido micólico, substância que dificulta o acesso de corantes como os utilizados para a coloração de Gram, impondo o uso de colorações alternativas para gêneros como Mycobacterium e Nocardia. Outras espécies bacterianas possuem pouco ou nenhum material de parede celular, como no caso do gênero Mycoplasma, que são as menores bactérias conhecidas, não possuem parede celular e são as únicas a dispor de esteróis (lipídios) em sua membrana plasmática, capazes de evitar a lise. 36 Unidade I O objetivo de alguns fármacos antimicrobianas é causar dano à parede celular e pode ser observado pela ação de enzimas produzidas por células eucarióticas, como a lisozima, constituinte de secreções como suor, lágrimas e muco. A lisozima induz a quebra das ligações entre os carboidratos que formam o esqueleto do peptídeoglicano, expondo a membrana plasmática em bactérias Gram-positivas, facilitando a lise; caso não ocorra, essa célula sem parede é chamada de protoplasto, que continua capaz de realizar seu metabolismo e possui formato esférico. Quando expostas à lisozima, as bactérias Gram-negativas não sofrem danos tão significativos na parede celular devido à presença da membrana externa, permanecendo partes de ambas, nesse caso, recebem o nome de esferoplasto. A sensibilidade a antibióticos
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