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O conceito e as definições de psicologia A fonte etimológica da palavra “psicologia ” comporta dois termos de origem grega: psiqué, que significa alma, mente, espírito, e logos, que significa razão, lógica ou estudo. Assim, etimologicamente, podemos conceber a psicologia como o estudo da mente, ou seja, a psicologia pode ser tida como o ramo da ciência que estuda a mente e os fenômenos a ela associados. No entanto, o conceito de psicologia comporta inúmeras definições, de acordo com a postura teórica de quem a define. Essa disciplina é formada por um grande mosaico de linhas teóricas, desde aquelas que valorizam o enfoque das ciências biológicas e sua expressão no comportamento até aquelas chamadas de psicodinâmicas, que privilegiam o enfoque do chamado mundo interno do indivíduo (Moris, 2004, e Atikinson, 2002). Destacam-se dentre as abordagens ditas biológicas: a psicologia do desenvolvimento, que estuda o crescimento físico e mental dos seres humanos desde o período pré-natal, passando pela infância, adolescência, idade adulta e velhice e a psicologia fisiológica , que investiga a natureza biológica do comportamento dos pensamentos e das emoções humanas. Como vertente da psicologia fisiológica, encontramos a neuropsicologia , que se interessa principalmente pelo cérebro e pelo sistema nervoso e sua relação com os o com os comportamentos humanos; a psicobiologia , que tem como foco de estudo a bioquímica do corpo e a forma como os hormônios, os medicamentos psicoativos (como os antidepressivos) e as drogas sociais (como o álcool, a maconha e a cocaína) afetam as pessoas; os geneticistas comportamentais, que investigam o impacto da hereditariedade nos traços normais e anormais de comportamento; e a psicologia experimental, que estuda os processos psicológicos básicos, dentre eles a aprendizagem, a memória, as sensações, a percepção, a cognição, a motivação e as emoções. Partindo de uma divisão meramente didática, temos que a primeira vertente da psicologia anteriormente referida, ou seja, a que entende a psicologia como ciência baseada em fenômenos psicológicos, consiste no estudo científico do comportamento e dos chamados fenômenos m os fenômenos mentais. A segunda vertente das linhas teóricas em psicologia, a chamada psicodinâmica , leva em consideração o conjunto de fatores de natureza mental e emocional que interagem entre si, como uma espécie de sistema em que o todo não é formado simplesmente pela soma das partes. O todo, ou seja, o conjunto de fatores de natureza mental e intelectual, é formado pelas inter-relações entre esses fatores. Trata-se, portanto, de uma dinâmica complexa que motiva o comportamento humano. Tomando como base a definição da psicologia baseada na ciência biológica, a fim de a ela contrapor uma definição de psicanálise, podemos definir mais precisamente a psicologia como o estudo dos processos mentais, que se expressam nas mais diversas formas de comportamento. Conforme afirmamos, as definições de psicologia não se exaurem nas duas possibilidades propostas. Muitas outras definições são possíveis, a partir da concepção do funcionamento da mente ou do comportamento humano adotada por cada uma delas. O conceito de psicologia jurídica A psicologia jurídica pode ser definida como o estudo do comportamento juridicamente relevante de pessoas e grupos em um ambiente regulado pelo direito. Também pode ser definida como o estudo do nascimento, da evolução e da modificação da regulação jurídica, de acordo com os interesses dessas pessoas e grupos sociais. No entanto, acreditamos que essas definições, mesmo que aparentemente abrangentes de todas as possibilidades no âmbito da intercessão entre direito e psicologia, são incompletas se pensarmos na psicologia jurídica em três dimensões: a psicologia do direito, a psicologia no direito e a psicologia para o direito. A psicologia do direito tem por objetivo explicar a essência do fenômeno jurídico, ou seja, a fundamentação psicológica do direito, uma vez que este está repleto de conteúdos psicológicos. O direito nasce, conforme estudado em outras disciplinas afins, por conta da necessidade de sobrevivência e de organização dos homens em sociedade. Essa necessidade pode ser verificada nas teorias acerca do Contrato Social de Hobbes e de Rousseau. Levando- se a teoria do contrato social para o viés da psicologia, mais especificamente para a psicanálise, tem-se o texto de Freud acerca do Mal-estar na civilização. Nesse trabalho, Freud aponta o fato de que os homens, para viver em sociedade, necessitam limitar os seus desejos infinitos, daí a necessidade de surgimento do Estado e do Direito. A psicologia no direito estuda a estrutura das normas jurídicas como estímulos vetores das condutas humanas. Nesse sentido, a psicologia está presente antes do surgimento da norma, durante a vigência da norma e por ocasião de sua modificação ou exclusão do ordenamento jurídico. Importante exemplo pode ser destacado no que diz respeito ao tema da recente lei, de 2015, que estabeleceu o Estatuto da Pessoa com Deficiência. O Estatuto nasceu em decorrência de uma Convenção internacional que modificou a própria concepção de deficiência. Esta era antes concebida pelo viés médico: o problema estava na pessoa. Com o Estatuto, a deficiência passou a ser tida pelo viés social, no sentido de que é o Estado que deve adequar o ambiente para que a pessoa com deficiência possa ser incluída e ter uma vida digna como todos os cidadãos. A psicologia para o direito configura o papel da psicologia como ciência auxiliar ao direito, ao lado da medicina legal, da antropologia, da sociologia da economia (Trindade, 2007), dentre outras que são criadas e que a estas se acrescentam no contexto da complexa sociedade contemporânea. Chama-se a atenção para a informática ou inteligência artificial, que se destaca como ciência auxiliar, ao mesmo tempo que repercute no objeto no método de todas as demais ciências. Exemplo da psicologia para o direito é o do psicólogo perito, que fornece parecer psicológico sobre o estado mental de uma pessoa que tenha cometido algum ilícito penal. Também elabora parecer acerca do estado mental do sujeito passivo na ação penal, como no caso de abuso sexual de crianças ou adolescentes e nas questões que envolvem guarda destes. Assim sendo, melhor definição seria aquela que comportasse todas essas interseções entre psicologia e direito. Nesse sentido, a psicologia jurídica poderia ser definida de forma mais completa como mais completa como o ramo da psicologia portador de conteúdos tendentes a contribuir na elaboração de normas jurídicas socialmente adequadas, assim como promover a efetivação dessas normas ao colaborar com a organização do sistema de aplicação das normas jurídicas. Na literatura internacional a expressão “psicologia forense”, forensic psychology, é mais usual que a expressão “psicologia jurídica”. Isso porque, especialmente nos países onde o direito tem origem anglo- saxônica, a função da Psicologia é limitada ao papel do psicólogo como auxiliar da justiça em temas que envolvem a saúde mental das pessoas nos processos judiciais. Ou seja, a psicologia se restringe apenas ao viés da “psicologia para o direito”, acima apontada. Os conteúdos relativos a psicologia e direito e a psicologia no direito não são relevantes. A literatura nacional utiliza diferentes expressões para nomear a nossa disciplina, tais como as já referidas psicologia forense, psicologia do direito e psicologia jurídica. A explicação acerca da imprecisão da terminologia “psicologia forense” foi esclarecida ao tratarmos da nomenclatura internacional: a psicologia em sua conexão com o direito diz respeito ao ramo da psicologia que “vai além das portas do fórum”, conforme aponta a definição supracitada. No que diz respeito à “psicologia do direito”, temos que esta aborda apenasuma das bases do tripé acima apontado: psicologia e direito, psicologia no direito e psicologia do direito. Dessa forma, a nomenclatura psicologia jurídica consegue abarcar mais adequadamente a complexa abrangência do tema em estudo. Subjetividade e responsabilidade social A psicologia aborda seu objeto de diferentes enfoques: a partir do comportamento – psicologia comportamental ou behaviorismo –, do funcionamento do inconsciente – psicanálise – e da forma como os seres humanos apreendem o mundo – psicologia cognitiva etc. Todas essas abordagens, no entanto, nada mais são do que formas diferentes de se deter sobre o mesmo objeto: mesmo objeto: a subjetividade. Assim sendo, conforme afirmam Ana Bock, Maria de Lourdes T. Teixeira e Odair Furtado (2018), a matéria-prima da psicologia é o homem em todas as suas expressões, as visíveis – como o comportamento – e as invisíveis – como os sentimentos –, as singulares – próprias de cada indivíduo – e as genéricas – comuns aos seres humanos em geral. Todas essas expressões do humano estão sintetizadas na subjetividade. A subjetividade não é inata e pode ser definida como uma “(...) síntese singular e individual que cada um de nós vai construindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado por ser única, e que nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social”. A responsabilidade social depende, é claro, da adaptação social. Esta ocorre quando os indivíduos, no contexto da expressão de sua subjetividade, passam a fazer parte e a contribuir no sentido do pleno desenvolvimento da vida digna dos membros da coletividade que habitam. A adaptação de um agrupamento de indivíduos ao meio ao qual pertencem é imprescindível para que a mesma exista e se desenvolva. A relação entre a psicologia e a organização social está, entre outros aspectos, em detectar a subjetividade adaptada e aquela que não se adapta ao contexto social. Muitas vezes, caminhando pelas ruas, encontramos pessoas que falam e gesticulam sozinhas, que travam uma conversa alta consigo mesmas e até nos abordam com temas absurdos. Logo reconhecemos aí pessoas com algum sofrimento psíquico, não adaptadas socialmente, pelo fato de serem diferentes das outras com quem cruzamos pelas ruas e que guardam suas conversas consigo mesmas no silêncio da mente. Nesse sentido, é importante lembrar que, embora o sofrimento psíquico possa levar à desadaptação social e esta possa determinar uma ordem de distúrbio psíquico, não se pode sempre estabelecer uma relação de causa e efeito entre ambas. Assim sendo, tornou-se ultrapassada a utilização exclusiva de critérios de adequação social para a avaliação psicológica do indivíduo como normal ou anormal na contemporaneidade. A ideia de que a sociedade é que pode falhar quando não proporciona meios para incluir a pessoa com deficiência, de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tornou ainda mais frágil a tênue linha que separa o normal do patológico. O entendimento segundo o qual a chamada “adequação social” não pode servir de critério definitivo para a avaliação da “sanidade mental” é importante a contribuição de Michel Foucault (2004). O referido autor nos fornece um importante direcionamento para a compreensão da construção histórica do conceito de doença mental. Bibliografia: Manual de psicologia jurídica / Carla Pinheiro. – 5. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
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