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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................. 3 2 OS PRIMEIROS PASSOS DO ROMANTISMO NO CONTEXTO BRASILEIRO ...................................................................................................... 4 3.1 O Romantismo e suas gerações no Brasil: Primeira geração ......... 18 3.2 Segunda geração ............................................................................ 19 3.3 Terceira geração ............................................................................. 20 4 O REALISMO CONTEMPORÂNEO E A ESCOLA REALISTA DO SÉCULO XIX .................................................................................................... 24 5 REALISMO / NATURALISMO ......................................................... 25 5.1 O problema do Real – conhecimento e experiência ........................ 26 5.2 Realismo e Naturalismo: a distinção na literatura brasileira ............ 28 6 TEMPOS MODERNOS E MODERNISMO NO BRASIL .................. 32 7 MODERNISMO E LITERATURA MODERNA BRASILEIRA ........... 34 7.1 Modernismo e crítica literária........................................................... 37 8 MODERNISMO: A CONTRIBUIÇÃO DE OSWALD DE ANDRADE 39 8.1 O antropófago Mário de Andrade .................................................... 44 9 PÓS-MODERNISMO E LITERATURA ............................................ 48 10 PÓS-MODERNISMO NOS ESTUDOS LITERÁRIOS ..................... 53 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 55 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 OS PRIMEIROS PASSOS DO ROMANTISMO NO CONTEXTO BRASILEIRO Fonte: portuguescompleto.com.br O Romantismo é, sem dúvida, ao lado do Modernismo, o mais importante momento literário no Brasil. E isto se deve ao fato de que é com ele que a literatura adquire sua autonomia, pois, até então, ela estava ligada, colonialmente, à literatura portuguesa, embora possuísse características brasileiras, conforme estudado na aula passada a partir do pensamento de Afrânio Coutinho (2008). É significativo o fato de Antonio Cândido dar por encerrada sua história da literatura brasileira, denominada Formação da literatura brasileira (1997), Para Ferreira (2012), construir uma literatura nacional fazia parte do projeto nacionalista, que surgiu no início do século XIX e levou o país à independência em 1822. A literatura romântica surgiu num momento político extremamente importante, incorporando os ideais de uma nação livre e independente. Por isso foi tão rica e exuberante, com muitos poetas e prosadores que exaltavam a natureza e o homem brasileiros. Para avaliar devidamente uma obra romântica é preciso não perder de vista o momento político em que surgiu. 5 Foi no período do Romantismo que o Brasil desabrochou como país independente e tentou decolar em diferentes áreas, entre elas a literatura, pois antes disso tudo que se produzia no Brasil era “exportado” da Europa, então a produção era brasileira, mas a temática e a composição da literatura são inspiradas nos padrões europeus. Além disso, segundo Ferreira (2012), a literatura como forma de arte, juntamente com todas as dinâmicas e acontecimentos sociais ao nível político, filosófico e econômico, é retratada nas obras dos respetivos períodos, pois esta arte secular é tão sublime que, além de sua capacidade de expressar a experiência da vida humana de forma artística e simbólica, também retrata o que aconteceu na sociedade em que nasceu a obra literária correspondente. O século XIX foi marcado por acontecimentos que de alguma forma mudaram os rumos da política no velho e no novo mundo. A Revolução Francesa foi um marco que promoveu o Romantismo e revelou uma nova classe dominante na época – a burguesia. Para Ferreira (2012), esse novo movimento filosófico e literário surgiu na Inglaterra, Alemanha e, posteriormente, em toda a Europa, culminando no Brasil, principalmente no sentido de nacionalismo e independência, pois na época o Brasil ainda era colônia de Portugal. Embora os primeiros sinais de insatisfação com a rendição à coroa lusitana tenham surgido no Arcadismo, foi no Romantismo que este sentimento antilusitano se consolidaram. Mesmo com a Inconfidência Mineira e obras satíricas como as Cartas Chilenas de Tomás Antônio Gonzaga, a colônia ainda estava sob forte domínio português. Os enormes impostos pagos pelos brasileiros à aristocracia portuguesa também foram um fato que exacerbou ainda mais a insatisfação das colônias portuguesas, e o desejo de libertação que as seguiu surgiu naturalmente. Ferreira (2012). No arcadismo começou a aparecer pela primeira vez a figura do índio, ainda não tão nobre quanto a vemos nas representações românticas, mas como um simples elemento nativo da terra. O que é produzido aqui é considerado artificial e superficial, pois embora alguns dos escritores sejam brasileiros, o assunto é puramente estrangeiro, o que também produz o neoclassicismo - 6 árcade também conhecido como título não muito honroso, boa parte da obra é considerada artificial, o resultado de puro tradicionalismo árcade. O romantismo se manifestou como um movimento artístico e filosófico que surgiu no final do século XIII e início do século XIX. Essa nova estética trazida foi uma reação à filosofia da estética e ao Iluminismo, que se baseava no neoclassicismo, movimento que antecedeu a era romântica. O Neoclassicismo, ou Arcadismo como também é chamado, teve início com a publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa em 1768. Foi no período da criação neoclássica que começou a surgir o desejo inicial de liberdade, que que despontou no movimento da Inconfidência Mineira, já que Minas Gerais foi o lugar onde os poetas árcades viveram e descreveram em suas obras. No Brasil, o romantismo não chegou e nem se consolidou diretamente. Antes da era do Romantismo, nosso país passava por um período de transição: o Pré-Romantismo. Esse período de transição, que ocorreu entre 1808-1836, entre o auge da estética clássica e o padrão árcade, foi importante para consolidar ideais e valores românticos posteriores e para confirmar de forma mais profunda a formação dessa nova era, em nossa literatura, era nacional. O pré-romantismo descreve um estado de acontecimentos que continuam sendo uma extensão do pensamento do século XIII, mas paradoxalmente prefigura as facetas de nossa literatura. O Pré-Romantismo no Brasil tem um adjetivo derivado da influência e cooperação francesa em nosso país, por isso esse período pode ser chamado de Pré-Romantismo Franco-Brasileiro. “O Pré-romantismo é um corpo de tendências, temas, ideias, sem construir doutrina literária homogênea, com remanescentes clássicas e arcádicas, e elementosnovos” (COLTINHO, 2004, apud FERREIRA, 2012, p. 4). Esta denominação” Franco-Brasileiro” não é acidental, pois alguns franceses foram de grande importância para a formação de nossa literatura, suas contribuições não só no campo da literatura, mas também nos estudos naturalistas e históricos do jovem país que acabava de deixar o território português. Entre essas confirmações do desenvolvimento de nossa literatura entre os personagens, está o francês Ferdinand Denis. Em 1826 Denis publicou 7 sua primeira obra no Brasil: RESUMÈ DE L´HISTTORIE LITERARIE DU BRÉSIL, retratando sobre nossa literatura. “Denis foi o primeiro a traçar um esboço de visão histórica das manifestações literárias do Brasil colônia e sugerir a projeção de uma literatura brasileira”. (COLTINHO, 2004, apud FERREIRA, 2012, p. 4). Um outro francês que escreveu em solo brasileiro no período pré- romântico foi Teodoro Taunay, cujos familiares fizeram história em nossa literatura junto com outras pessoas de destaque. Teodoro escreveu Os Índios Brasileiros (1830), obra sobre os povos indígenas e suas condições aristocrática diante das adversidades trazidas pelo processo de colonização. Teodoro contribuiu muito para os brasileiros ao sugerir a importância da poética independente. Edouard Corbiére também é outra figura importante em nosso período de transformação literária, pois em Èlègies Bréseiiennes (1823) ele fala da coragem dos índios brasileiros que preferiam a morte à escravidão. No Brasil, o Romantismo teve início com a publicação de Suspiros Poéticos em 1836 por Gonçalves de Magalhães, que pode ser considerado patrono do Romantismo brasileiro por sua contribuição e atuação na produção daquele período. O senso de relativismo de Magalhães foi central para o desenvolvimento e implementação do movimento brasileiro. O período romântico brasileiro deu frutos em poesia, prosa e drama. É claro que a poesia desse período respondeu aos ideais estabelecidos pela ação revolucionária do Romantismo contra formas e temas clássicos. Abandonando a perspectiva clássica e aristocrática, esses novos modelos deram aos poetas a liberdade de criar, e as outras formas reguladas e readotadas pelo Arcadismo — sonetos, odes etc. — deixaram de ser válidas. “Quanto à forma, nenhuma ordem seguiu; exprimindo as ideias como elas se apresentam, para não destruir o acento da inspiração...”. (CANDIDO, 2004, apud FERREIRA, 2012, p. 4). Nos primeiros manifestos dos primeiros periódicos e revistas, percebe-se todo o sentido de liberdade política, social e filosófica, que se refletirá diretamente na produção literária. Magalhães foi um dos escritores que 8 protagonizou a primeira fase da poesia romântica, que seria chamada de nacionalismo pelo patriotismo e orgulho. Nos primeiros manifestos dos primeiros periódicos e revistas notava-se todo o sentimento de liberdade política, social, filosófica, o que refletiria diretamente na produção literária. Magalhães foi um dos escritores que encabeçaram essa primeira fase da poesia romântica, qual ficaria conhecida como nacionalista graças ao espírito patriótico o ufanismo. Não, oh! Brasil! No meio do geral merecimento tu não deves ficar imóvel e tranqüilo, como o colono sem ambição e sem esperança. O germe da civilização, depositado em teu seio pela Europa, não tem dado ainda todos os frutos que deveria dar, vícios radicais têm tolhido o seu desenvolvimento. Tu afastaste do teu colo a mão estranha que te sufocava, respira livremente, respira e cultiva as ciências, as artes, as letras, as indústrias, e combate tudo o que entrevá-las pode. (DAUVIM ET ́FONTAINE, LIBRARIES, 1836, apud FERREIRA, 2012, p. 4). Pode-se dizer que a poética romântica é simples e austera, mas isso não é por acaso, pois como o slogan é a liberdade, os poetas românticos não estão mais presos às formas canônicas fixas que antes prevaleciam. Canção do Exílio (1843), escrito por Gonçalves Dias quando estava exilado na África, é um poema simples e melancólico sentimento este muito comum nas obras românticas, tal poema tem uma estrutura e uma linguagem simples e fácil de entender. A importância desta obra se refletiu em alguns de seus versos que posteriormente foram incorporados ao nosso hino nacional. 9 Este poema de Gonsalves encarna o nacionalismo e o amor à pátria que se estende a outras obras. Os elementos naturais do Brasil são elevados, e as sensações de melancolia e saudade acentuam a composição poética simples, santificada na poética do romantismo e do nacionalismo. O padre José de Anchieta descreveu os índios locais como bons selvagens, e o padre, como dramaturgo, incluiu os índios em suas obras do período barroco. A adaptação requer a inserção da população local no contexto da civilização europeia. O indianismo Gonçalviano foi o primeiro a descrever os índios de forma heroica sem homenagear a estética e os valores europeus. Na epopeia "I-Juca- Pirama" (1848), que em Tupy significa "aquele que merece a morte" ou "aquele que vai morrer", Gonçalves retrata um índio que se recusa a lutar e exige a imortalidade em toda a sua dignidade e coragem a tribo rival Timbiras o capturou e finalmente o libertou depois de exigir sua libertação por achar que era um covarde. O bravo guerreiro queria voltar à tribo para cuidar de seu pai doente e cego, porém, após retornar à tribo original, o nobre guerreiro obedeceu ao pedido Canção do Exílio Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá, As aves que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá, Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá (...) Gonçalves Dias 10 do velho pai sem parecer covarde e voltou para a tribo rival. Depois de tudo isso, vá lutar e lave sua honra. Além de destacar o valor das personagens nativas brasileiras, o poema I- Juca-Pirama nos mostra a musicalidade e a fluidez da poesia romântica. Essa musicalidade pode até nos levar a rituais indígenas, graças ao ritmo e batida do poema Canto de Morte: Vendo a era do Romantismo como puramente burguesa, composta de aspectos contraditórios, pode-se notar que o Romantismo manteve certa unidade em alguns aspectos, mas em outros era binário, como por exemplo os autores da geração “Ultrarromântica”, que eram pessimistas e não acreditava em ideais patrióticos. Entretanto no Romantismo, o indianismo, movimento marcado pela idealização das imagens nativas, manteve-se estável tanto na poesia quanto na prosa. De todos os escritores da era romântica brasileira, o mais famoso, e talvez um dos mais importantes, foi José Martiniano de Alencar Júnior, ou José de I-Juca-Pirama Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo tupi. Da tribo pujante, Que agora anda errante Por fado inconstante, Guerreiros, nasci: Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Gonçalves Dias 11 Alencar. Nascido em 1829 em Messejana, vilarejo da periferia de Fortaleza, o cearense foi o primeiro a criar uma identidade nacional baseada na literatura, embora também fosse jurista, filósofo do direito e político. Com apenas um ano de idade, Alencar mudou-se para o Rio de Janeiro com os pais porque o pai foi eleito a senador pelo Império do Brasil. Porém, a vida na capital do estado durou pouco, aos oito anos ele voltou a morar na capital cearense quando seu pai foi eleito governador daquele estado. Foi na infância que Alencar viveu na natureza exuberante daquele lugar. Foi com sua leitura e conhecimento das grandes obras francesas que Alencar, muda-se para cidade de São Paulo, para estudar Direito,tornou-se um escritor ambicioso e promissor pronto para fazer suas epístolas na jovem nação. Em 1854, após se formar em direito, Alencar mudou-se para a capital do Rio de Janeiro e começou a escrever no rodapé de um jornal. A partir desse episódio, é possível perceber a interação da imprensa com o público leitor e perceber a contribuição desse veículo midiático para a formação do deste público, pois a partir das publicações “importadas” da França que graciosas obras da literatura brasileira começaram a ser publicadas. Justamente para atrair leitores para o jornal, Alencar começou a escrever esses romances, brindando aos leitores do jornal. Em 1857, Alencar publicou o Guarani em folhetim, romance considerado um dos maiores expoentes do indianismo. Porque a trama conta a história de Pery, um nobre índio brasileiro, e Cecília, uma linda garota de ascendência europeia. Esta pode ter sido uma espécie de precursor da novela, já que a técnica narrativa dos folhetins, inspirada na narrativa francesa, é aplicada de forma benevolente por Alencar, já que no final de um capítulo ele sempre deixa algo que excita o leitor a curiosidades. Com o Romantismo, pois, nasceu a novelística brasileira e suas primeiras manifestações pertencem, hoje, ao domínio pouco acessível da arqueologia literária: de consulta difícil muitas vezes impossível, já não figuram nem mesmo nos estudos especializados, nos quais não deveriam faltar, pela contribuição que, como inauguradores da forma prestaram ao desenvolvimento do nosso romance. (DIAS, 1997, apud FERREIRA, 2012, p. 7). 12 Embora a prosa romântica fosse amplamente sustentada pelo fato ficcional, a ficção escrita em solo brasileiro durante o período romântico era subdividida por temas. As narrativas produzidas ou dirigidas pela corte imperial são chamadas de "romances urbanos", e aquelas produzidas ou dirigidas nas províncias, ou seja, áreas rurais ou menos desenvolvidas da época, são chamadas de "ficções; regionalistas ou historicistas. A como a vida rural é vislumbrada na filosofia e na estética do socialismo utópico, como a vida e as paisagens são descritas e idealizadas pela burguesia e pela burguesia de classe emergente. Esse tipo de narrativa era muito importante para a sociedade da época porque, a literatura e a leitura eram como se fosse um "manual de etiqueta", ou seja, a arte que retrataria o que eram ideais sociais e famílias modelo. Um bom exemplo de patriarcado refletido na literatura pode ser a obra Lucíola de José de Alencar (1862). A trama conta a história de uma prostituta que conhece Paulo, eles têm um filho e, no final da história, ela morre por cometer adultério e se torna uma eremita social. A morte da protagonista simboliza o "castigo merecido" que as prostitutas naquela sociedade deveriam ter, afinal, é inaceitável que uma mulher que se comporte mal e tenha um final feliz. Por outro lado, nas propostas nacionalistas, os romances regionalistas tiveram papel de destaque no que se propunha: revelar costumes e lugares desconhecidos pela grande maioria dos leitores da época. O sentimento de apreço pela origem continua o mesmo, embora nos romances regionalistas o autor parte do nacional, para o regional. A ficção também levanta uma questão que vai contra os pressupostos filosóficos do Romantismo, pois a ficção regionalista se concentra mais em questões e descrições coletivas, em vez de se aprofundar na própria subjetividade do autor, a subjetividade era uma característica explicita das obras românticas, demonstrando ainda mais as contradições desse período literário. O romance regionalista, na literatura universal, nasceu da atividade da estética romântica como possível fruto da reação contra o subjetivismo exagerado, cujo epifenômeno era a hipertrofia do eu. (COUTINHO, 2004, apud FERREIRA, 2012, p.9). 13 Dentre vários prosadores regionalistas, Visconde de Taunay de origem francesa é um dos mais notórios, já que Inocência (1972), que se acredita ter sido traduzida para quase todas as línguas modernas, foi um dos melhores romances. A história conta uma história de amor no interior brasileiro, em tom romântico e realista, mostrando as cores e costumes daquele lugar inéditos na literatura. Além de físico, matemático, engenheiro e geógrafo, Taunay foi soldado e durante suas expedições militares absorveu as culturas, idiomas, costumes. Neste conciso percurso sobre o período romântico, além de falar de poesia e prosa, é preciso enfatizar a importância do drama romântico, pois nosso romance tem nele sua própria obra arquitetônica e literatura oral. A dramaturgia também deu uma grande contribuição para a formação da autonomia cultural de nosso país na era do Romantismo brasileiro. Embora não haja tradição teatral no Brasil, foi no período romântico que o teatro atualizou e inovou pequenos desenvolvimentos nas artes cênicas do país. Além da literatura, o teatro brasileiro também propõe inovações e afastamentos do modelo clássico. As rachaduras aparecem na trindade que compõe o teatro: tempo, espaço e ação. As dinâmicas dessas cenas foram modificadas, elas acontecem em lugares diferentes e utilizam recursos antes não utilizados, como animais rastejando no palco. Esses textos se concentram mais em questões sociais, retratando o cotidiano da burguesia. José de Alencar também escreveu peças para o teatro, mas não aproveitou muito, uma das talvez melhores se intitula O demônio Familiar (1858), uma comédia de gênero leve em quatro atos. A trama conta a história de um escravo que quer casar o seu patrão e com uma parceira mais rica, e acaba se tornando o demônio da trama. Sua punição foi a carta de euforia. Permanece a ideia de que o negro deve ser protegido. Vale lembrar que o autor era um nobre rural. Outro grande escritor brasileiro que contribuiu para a produção teatral foi Álvares de Azevedo, um ultrarromântico que também foi influenciado pela cultura gótica europeia e morreu pouco depois de contrair tuberculose, escreveu Macário (1852). A história segue um homem que viaja pelo mundo após sonhar com satanás, discute vários temas com o personagem principal do mal. 14 Embora não contribua para o tema do nacionalismo, esta obra de Azevedo encarna uma das fortes características da geração ultrarromântica, nomeadamente o satanismo e a atração pela obscuridade da vida. No entanto, é impossível falar dos fundamentos do teatro brasileiro sem mencionar Gonçalves de Magalhães, fundador da Academia de Teatro em 1843 e autor da primeira obra do teatro brasileiro. Antonio José ou o poeta e a Inquisição (1838) O protagonista da peça, João Caetano, foi o primeiro grande ator brasileiro, que em 13 de março de 1838 na Praça da Constituição do Rio de Janeiro organizou e encenou a tal peça e foi bem recebido, elogiado pelo público e pela crítica teatral por se basear na vida do escritor português João Antonio da Silva (também conhecido como "O Judeu"), apresentado os últimos dias de vida do escritor português. Mesmo com o sentimento “antiportuguês” que emergiu no Romantismo brasileiro, Magalhães escreveu uma peça sobre um escritor português, o que pode parecer incoerente, mas o sentimento nacionalista da crítica da época levava em conta que a peça foi escrita por um brasileiro e no território brasileiro. 3 O ROMANTISMO NO BRASIL SUA FASE INICIAL Em terra brasileira o romantismo se desenvolve diante do grande conflito que busca o aprimoramento para a formação da identidade do país com os surgimentos das diferentes culturas locais e com as influências europeias. De acordo com Coutinho (2002, p. 22-25), o romantismo brasileiro se inicia diante de grandes divergências nas idealizações e produções das obras literárias, mas foi possível integrar com unidade em torno de um mesmo objetivo, expandircom uma literatura brasileira, com as inovações românticas. Um momento de junção de novas ideias, “o Romantismo brasileiro tem muito de seu a fusão que realizou do momento pessoal ao momento coletivo”. O individualismo existente entre escritores posteriormente dá lugar ao coletivo e culmina com uma estética romântica melhor definida e engajada. Este período que se desenvolve com grande entusiasmo tem como aspectos importantes “o literário e o artístico, o político e o social, envolvendo gêneros variados como a 15 poesia lírica, o romance, o drama, o jornalismo, a eloquência, o ensaio a crítica”. Todas as inovações estavam voltadas para as questões do aprimoramento do movimento literário, o improviso, a inspiração a espontaneidade fazia parte deste grande círculo de transformações, a liberdade de expressão, a liberdade política, a autonomia ganha força em diferentes setores da sociedade, características próprias do Romantismo. De acordo com Coutinho (2001, p. 152-153), posteriormente à introdução do Romantismo na Europa vai se desencadeando uma sequência de difusões do movimento enquanto um sistema inovador na literatura, chegando ao Brasil com algumas diferenças em relação ao movimento ocorrido no contexto europeu após a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. No entanto, a introdução do Romantismo no Brasil tem como referência o início da história política brasileira como um país independente, fato que se desenvolveu em meados do século XIX, com os conflitos que tiveram origem na invasão de Napoleão Bonaparte em Portugal. Ainda de acordo com Coutinho (2001, p. 154-156), diante do grande movimento que se expande na Europa intensificando as transformações sociais, culturais, que culmina com a queda do regime monárquico, a Coroa Portuguesa (D. João VI) e boa parte de seus aliados instalam-se no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, no ano de 1808. Com estes acontecimentos, o Brasil, ainda vivia a condição de colônia de Portugal, mas posteriormente com a conquista da independência, inicia um novo período, estruturando melhor as organizações locais em diferentes frentes, desenvolvendo e garantindo as ações não somente na literatura. Estes fatores foram importantes porque veio trazer o progresso local que cresceu na fase inicial o avanço e o aprimoramento da indústria, bem como a relação comercial dentro e fora do país, interferindo no ensino local e implantando o nível superior, difundindo assim a cultura social no Brasil. Conforme as mudanças foram se desenvolvendo inicialmente, em uma região que tinha muito a ser construindo nas culturas sociais de um povo e até mesmo nas estruturas comerciais e políticas, envolvendo todo território brasileiro a presença de D. Pedro II que residia no Brasil, foi um momento importante nesta fase inicial. Os movimentos se intensificam, o pensar e o agir das pessoas se 16 repercutem fazendo melhor compreender a leitura da realidade, o que, posteriormente, traz resultados positivos para a construção ideológica de uma das maiores escolas literárias, o Romantismo, que apresenta características culturais e sociais diferentes em terras brasileiras. Sobre essas questões, afirma Coutinho (2001), a respeito do desenvolvimento romântico na colônia de Portugal e posteriormente no Brasil: O progresso geral do país durante a fase da permanência da Corte portuguesa (1808-1821), imediatamente seguida pela independência (1822), teve indisputável expressão cultural e literária. O Rio de Janeiro tornou-se, além da sede do governo, a capital literária e, com a liberdade de prelos, desencadeou-se intenso movimento de imprensa por todo o país, em que se misturavam a literatura e a política numa feição bem típica da época. (COUTINHO, 2001, apud RODOVALHO, 2010, p. 16). O Romantismo no Brasil torna-se um símbolo na criação literária, buscando a aproximação da realidade brasileira, evitando assim a simples imitação dos moldes clássicos estrangeiros. Considerando que o Romantismo é a, força de expressão artística de um povo, a exemplo do que já aconteceu na Europa os grandes movimentos como a Revolução Industrial e Revolução Francesa, que molda um novo estilo de homem, mais crítico, livre para pensar e inovar na literatura que antes era contemplação de poucos. Um pouco diferente, mas também com expressões literárias inovadoras surgiu no Brasil, ainda colônia de Portugal e posteriormente vice-reino, uma literatura própria em um ambiente propício para a criação e a inovação, expressando assim as primeiras manifestações culturais do País através da literatura. Segundo Coutinho, (2001, p.176-177), o Romantismo é um movimento que se identifica com o ambiente brasileiro. Os poetas que iniciaram a literatura aqui no Brasil souberam valorizar o ambiente local, a natureza e a pátria, com uma predisposição que lança com criticidade um futuro posicionamento brasileiro, fugindo das idealizações clássicas. [...] o Romantismo é das nossas glórias maiores e mais brasileiras, visto ter tido manifestações que só entre nós seriam possíveis, porque trouxe representações da natureza e da alma humana, e não de alguma vista através de livros; porque então, como nunca, os acontecimentos sociais e políticos refletiram-se fundamente na poesia 17 e sofreram por sua vez a poderosa e benéfica reação desta. (MURICI apud. COUTINHO, 2001, p. 177). Posicionando assim, Coutinho (2001), considera o desenvolvimento do Romantismo no Brasil a partir de 1808, momento de transição da condição de para posteriormente Brasil independente, como nada jamais visto. A literatura brasileira ganha características próprias de acordo com o entusiasmo que desperta na inovação dos escritores, que, nos versos livres, expressam a glória maior de um povo que olha o horizonte com sede de construção do saber poético na forma mais natural possível. Diante do grande entusiasmo, surge o Romantismo brasileiro, configurando, a partir deste momento, a existência de uma literatura própria que promove a consciência no conteúdo original e na forma mais completa na difusão da poética nacional. Com um olhar um pouco mais amplo, Bosi (2003, p. 11-13) afirma que: Inicialmente o Brasil de hoje era considerado colônia de Portugal, portanto objeto de uma cultura, já desenvolvida. E diante das primeiras ações tudo que se pretendia a princípio era o carrear de bens materiais para fora da colônia, ou seja, a verdadeira exploração das riquezas para o mercado externo (Portugal) principalmente, incluindo produtos do tipo vegetal e mineral. E a conquista para sair deste espaço do não ser objeto explorado, para ser sujeito de sua história, desenvolveram muitas lutas, e este foi um processo lento porque dependia do aprimoramento cultural de seu povo para o enfrentamento dos desequilíbrios desta fase inicial. (BOSSI, 2003, apud RODOVALHO, 2010, p. 18). Mas o Romantismo no Brasil ganha entusiasmo a partir das influências de D. Pedro II, que contribuiu muito para a consolidação da cultura nacional. Expandindo o desenvolvimento nas pesquisas, analisando o passado histórico e os acontecimentos, procurando nos vestígios locais, e observando os nativos, redescobrindo as imagens, implantando instituições de ensino que culminaram com a ampliação do público leitor e o aumento na publicação de obras que serviram como referencial teórico para o início da historiografia e a linguagem literária do Brasil. Considerando as ideias de Coutinho (2001) e Bosi (2003) sobre a iniciação literária no Brasil, é possível caracterizar que este é um período bastante crítico sendo que as especulações, o aproveitar das riquezas, e até 18 chegar ao posicionamento mais elaborado para a formação cultural linguística de um povo o amadurecimento com o olhar voltado para a pátria. 3.1 O Romantismo e suas gerações no Brasil: Primeirageração Segundo Coutinho (2001, p. 157-158), posteriormente à fase inicial, considerada como pré-romantismo, período que ainda não tinha uma definição apropriada para as obras literárias no território brasileiro (1808-1836), posteriormente à Brasil colônia, inicia-se a primeira geração do Romantismo brasileiro com uma visão nacional e revolucionária. Quem melhor se destacou no início da era romântica foi Gonçalves de Magalhães, sendo o responsável pela criação de uma literatura nacional ainda não existente, uma vez que o que se prevalecia até aquele momento era as correntes portuguesas, ou seja, a literatura brasileira ainda não tinha os méritos de uma visão própria. Nas palavras de Afrânio Coutinho, “o nosso primeiro homem de letras, e quem iniciou a carreira literária entre nós, Domingues José Gonçalves de Magalhães (1836), o visconde de Araguaia. ” (COUTINHO, 2001, p.159). Este por sua vez é o introdutor da ideia romântica no Brasil, prevendo o mesmo uma transformação no estilo poético brasileiro, vendo o índio como um marco para a transformação da literatura brasileira. [...] a sua atitude intencionalmente revolucionaria, de renovação total da literatura brasileira, expressa no manifesto com que lançam a revista Niterói (1836); a intenção antilusa, com a indicação de transferir para a França a fonte de inspiração literária e artística, de onde, aliás, simbolicamente lançou a revista e o seu livro Suspiros e Poetas e Saudades (1836); a preferência dada ao tema do indianismo, tudo justifica a posição de introdutor do Romantismo que detém Gonçalves de Magalhães na literatura brasileira. (COUTINHO, 2001, apud RODOVALHO, 2010, p. 20). É possível constatar, deste modo, que a atuação de Gonçalves de Magalhães se limitou mais à introdução da literatura no Brasil, destacando o índio como puro e natural, para introduzir a escola romântica no Brasil. Conforme Bosi (2003, p. 97-99), Gonçalves de Magalhães é inicialmente o incentivador da literatura no Brasil, desenvolvendo uma poesia ainda arcádica. 19 Porém, com as viagens pela Europa, o escritor desenvolve estudos que terminam influenciando suas ideias sobre o Romantismo. Vivendo na Europa, mas com lembranças recentes da Colônia de Portugal, posteriormente Brasil, Magalhães lança definitivamente em Paris uma de suas obras que introduz o romantismo no Brasil, Suspiros Poéticos e Saudades, de 1836. Cheio de entusiasmo, com as inovações românticas lança pouco tempo depois a revista Niterói, que também retrata em tese um pouco das transformações brasileiras, sendo produzida por um grupo de escritores que idealizavam e seguiam estilos idênticos aos estilos de Magalhães. Segundo o crítico, o trabalho desenvolvido pelo grupo segue um padrão pouco inovador, com influências de Lamartine e Masone, tendo como pensamento ideológico romper com os padrões clássicos mitológicos pagãos. De acordo com Bosi (2003, p. 104-105), quem realmente se comprometeu com uma literatura mais crítica e brasileira, com menor influência europeia foi Gonçalves Dias, o poeta brasileiro mais original do século XIX. Um conhecedor da realidade brasileira, isso lhes proporcionou uma produção de obras que não se comparavam aos estilos anteriores porque se aproximava muito da realidade local, com visão originalmente brasileira. O índio nativo neste território brasileiro teve seus privilégios de estar sempre presente em suas publicações, por que este índio brasileiro figura real e não apenas idealização, ele conheceu muito bem desde sua infância e os tratava em suas obras como substância poética e não apenas como um acessório, para o enriquecimento de estilo poético. Suas obras apresentavam estilo inovador, suas preferências que envolviam as observações eram inspiradas na vida cotidiana da pátria residente Brasil, se destacou com diferentes obras primas como Canção do Exílio e I Juca Pirama que fazem parte das discussões literárias até os dias atuais. 3.2 Segunda geração De acordo com Bosi (2003, p. 109-110), a “segunda geração romântica” se desenvolve com uma ideologia de extremo subjetivismo sofrendo as fortes influências de Lord Byron e a Musset. Toda construção poética desenvolvida se volta para os pensamentos emotivos que trouxeram sérias consequências para 20 a vida pessoal dos poetas, “alguns poetas adolescentes, mortos antes de tocarem a plena juventude, darão exemplo de toda uma temática emotiva de amor e morte, dúvidas e ironia, entusiasmo e tédio”. Conforme Coutinho (2002, p. 139), essa geração de poetas passa a ser conhecida como geração “mal do século”, justamente por sua poesia pessimista e decadente, pela influência da tristeza, pela ansiedade, pelo delírio desenfreado e sem visão para a vida em sociedade, e pela valorização da morte. Um dos escritores que se destaca neste estilo de poesia seria Joaquim de Souza Andrade (Sousândrade) e posteriormente se destaca Álvares de Azevedo. Com todo subjetivismo ultrarromântico que Azevedo desenvolve seus poemas, Coutinho (2002, p. 142) descreve o modo de vida que o poeta devaneia o sentimentalismo, tédio e desencanto, constantes fugas da realidade, o prolongamento das dores, o proibido e o obscuro, em suas produções literárias, “Absurdo no pensamento da morte, só se preocupava com o lado noturno: as sombras, o crepúsculo, à noite, os túmulos”. Introduzindo a poesia decadentista com uma visão ou sonho e as emoções, tendo a figura feminina (mulher) como algo a ser idealizado e não concretizado na vida real, enxergando aos olhos do sobrenatural são fortes características deste estilo poético que faz parte da escola romântica e contribuiu para desperta-lo a novas idealizações. 3.3 Terceira geração De acordo com Bosi (2003), a terceira geração da poesia romântica foi caracterizada por versos sociais e libertários que refletiam as questões que envolviam o Brasil Império. Essa geração sofreu as influências de Victor Hugo, poeta que também desenvolveu uma poesia política e social. Coutinho, por sua vez, assinala o fato de que o grupo de poetas brasileiros posterior a 1860 desenvolveu um novo estilo: Romantismo liberal e social: intensa impregnação política social, nacionalista ligada às lutas pelo abolicionismo (especialmente depois de 1866) e um lirismo intimista e amoroso, por influência de Victor Hugo tende para um lirismo de metáforas arrebatadas e ousadas, que se batizou (Capistrano de Abreu) de poesia “Condoreira” ou “condoreirismo”. (COUTINHO, 2001, apud RODOVALHO, 2010, p. 21). 21 Na visão do crítico, trata-se de uma poesia que veio movendo com o silêncio de uma sociedade que se acomodava ao sistema de privilégios de poucos. Com poucas divergências em suas abordagens, Bosi e Coutinho consideram a poesia condoreira como inovadora, surgindo com um novo conceito na realidade daquela época. Da mesma forma, ambos reconhecem Castro Alves como um dos mais representativos e inovadores poetas na literatura da terceira geração romântica. De acordo com Luiz Henrique Silva de Oliveira (2007, p. 46), ainda muito jovem Castro Alves já despertava atenções em suas produções “colegiais”, e sempre gostava de recitar seus poemas em público e no Ginásio Baiano (1861). O ambiente propício para declamar e conduzir as denúncias contra as ações da classe dominante. Alves sempre olhando as condições em que encontravam os oprimidos, defendia a abolição e a República. Com estes atos, muitas outras pessoas passaram a adotar a ideia fortalecendo ainda mais a inovação do jovem poeta. Exemplificando as atitudes de Alves, assim comenta Oliveira (2007, p. 46- 47), “o poema recitado pelo aluno Antônio de Castro Alves no “Outeiro que teve lugar no Ginásio Baiano a 3 de julho de 1861”, foi um momento de grande repercussão; Se o índio, o negro africano, E mesmo o perito Hispano Tem sofrido servidão; Ah!Não pode ser escravo quem nasceu no solo bravo Da brasileira região! (ALVES, 1997, apud RODOVALHO, 2010, p. 22). Posicionando assim com seu estilo inovador o jovem sai em defesa do índio, do negro e o mais extraordinário acontece em seu quinto verso “solo bravo” não só em defesa dos oprimidos, mas o reconhecimento da pátria. O solo fértil para se construir uma nação estava habitado por portugueses que a princípio tenta escravizar os índios, projeto que não prosperou, porque os nativos tinham facilidade para se deslocar na floreta. E posteriormente às tentativas com os índios, é a vez do negro, que tirado a força da África e trazido para o Brasil, vira mão-de-obra com facilidade uma vez que pouco reagia contra ao sistema. Por 22 estes e outros motivos, Alves ganha às expressões de poeta condor justamente porque soube enfrentar a realidade fazendo aquilo que outros de seu Ginásio Baiano não fizeram. A sua estreia coincide com o amadurecimento de uma situação nova a crise do Brasil puramente rural o lento mais firme crescimento da cultura urbana, dos ideais democráticos e, portanto, o despertar de uma repulsa pela moral do senhor – e- servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil – Império. (BOSI, 2003, apud RODOVALHO, 2010, p. 22). Castro Alves, enquanto representante desta geração, é visto como inovador, apresentando uma nova linguagem poética. Sua obra rompe com o silêncio existente sobre os negros escravos e expõe um problema social que se desenvolvia na colonização do país, distinguindo-se assim da literatura clássica, que voltava o olhar para o índio, o amor e as diferentes culturas urbanas. Como afirma Bosi (2003, p.120), as palavras do poeta Castro Alves são abertas para a realidade de uma nação que sobrevive à custa da escravidão, como pode ser observado nos seguintes versos do poema “Navio negreiro”: Navio negreiro E existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija a balança, Estandarte que a luz do sol encera E as promessas divinas da esperança... Tu, que da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha! Castro Alves 23 A indignação de Castro Alves faz dele uma nova voz na poesia brasileira, envolvida com o povo e rompendo com um dogma impregnado nas classes mais privilegiadas. Deste modo, deixa de se restringir aos simples sentimentos individuais, despertando para novos temas, mais abrangentes, como a igualdade de direitos e a luta de classes, diferenciando-se assim dos demais poetas. Fazendo uma denúncia dos acontecimentos “existe um povo que a bandeira empresta/ P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia” a bandeira o símbolo nacional manchado pela conivência que encobriam os problemas da escravidão. Segundo Bosi (2003, p. 120-121), a poesia social de Castro Alves também apresenta uma nova imagem sobre a mulher, considerando-a como aquela que está próxima da figura sensual, enquanto os demais poetas viam a mulher como algo a ser idealizado. Castro Alves ocupa assim um lugar diferenciado, comparando aos demais poetas, no que diz respeito ao olhar para a natureza, à linguagem inovadora e a crítica social sobre o sistema implantado mesmo depois da independência do Brasil. Na visão de Coutinho (2002, p. 04-21) O movimento romântico surge como um amplo movimento internacional com características próprias que vai se constituindo gradativamente com seus diferentes escritores. No Brasil seria difícil limitar momentos diferenciados nas características românticas, mas fica compreendido o pré-romantismo (1808-1836), período de transição, e construção e definição literária no país. Posteriormente outro período compreendido como Romantismo oficial no Brasil (1836-1860). Este foi o período em que se desenvolvem as três principais gerações românticas: A Primeira Geração com a introdução de Gonçalves de Magalhães, e o Indianismo de Gonçalves Dias, seguindo a Segunda Geração com a poesia byroniana ou satânica, (Byron), na representação do mais influente, Álvares de Azevedo, com o forte subjetivismo. E finalmente, a Terceira Geração que tem como principal representante, Castro Alves com seus usados poemas representando forte crítica social, que surgem nas aulas do Ginásio Baiano. As três gerações que se desenvolvem no Romantismo são frutos do amplo movimento que se estende diante das diferentes transformações sociais, culturais e políticas em nosso país, promovendo uma literatura a ser explorada e contemplada em suas diferentes áreas de conhecimento humano. 24 4 O REALISMO CONTEMPORÂNEO E A ESCOLA REALISTA DO SÉCULO XIX Fonte: virusdaarte.net A literatura latino-americana recente, na qual se insere a obra Passaporte, representa uma volta ao realismo, com forte repercussão na linguagem literária e na expressão artística. Não apenas a questão representativa é trabalhada, mas todo o aspecto performático da comunicação, como se vê na forma, na cor, no tamanho do livro, na distribuição dos textos, além da formatação das páginas de Passaporte, que em tudo imita um passaporte de verdade. Segundo Karl Erik Schollhammer: Outra perspectiva emerge hoje na literatura e em certas experiências artísticas, reivindicando a presença do real na obra não apenas na temática, mas, por exemplo, por meio da acentuação de suas qualidades materiais, afetivas e estético-expressivas e firmando um compromisso com a criatividade técnica e artística, à procura da criação literária de efeitos de realidade (SCHOLLHAMMER, 2011, OLIVEIRA, 2019). 25 5 REALISMO / NATURALISMO Fonte: figuradelinguagem.com Ainda hoje, a distinção entre realismo e naturalismo coloca questões fundamentais. Debates envolvendo importantes teóricos marxistas por volta da década de 1930 contribuíram decisivamente para a crítica posterior. Naquela época, o interesse por temas literários e revolucionários, e qual deveria ser a estética adequada de uma sociedade baseada na socialização do trabalho e no fim da opressão, dificultava os escritos soviéticos que pareciam assumir, parafraseando Lukács, ou seja, o tom e o padrão dessas obras naturalistas "desvalorizadas". Os muitos debates que surgiram durante esse período contribuíram para uma compreensão mais profunda da estética do realismo e do naturalismo. No nosso caso, para entender a relevância dessa questão, é preciso entender o quanto o realismo e o naturalismo se manifestaram no Brasil como conceitos literários (mesmo que esse confronto explícito ou programado não tenha sido estabelecido na época) terá início com três romances representativos do período: Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, de Machado de Assis, e O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Com base nesses trabalhos, contaremos principalmente com o instrumento crítico de Geogy Lukács (à época, figura central da edição). 26 5.1 O problema do Real – conhecimento e experiência Em um primeiro momento, pode-se dizer que uma necessidade comum foi enquadrada no centro da distinção entre realismo e naturalismo: ambos compartilham um compromisso com a realidade. Este "compromisso com a autenticidade assume diferentes formas em ambas as estéticas". Ao abrir mão, ao invés de abruptamente e unificada, visões de mundo românticas (visões de mundo baseadas em polos opostos - visão de mundo "realidade intangível, inapreensível, linguagem que escapa"), realismo e naturalismo,cada um à sua maneira, busca compreender os "processos lógicos e inter-relacionados " de personagens e ações em movimento, ou descrever os "fenômenos da trama" que eles apresentam. Nesse polo, e às vezes até na elaboração em primeira pessoa, há um desejo explícito de uma maior "compreensão" da realidade, uma maior conexão com o mundo material objetivo. Em todo esse conjunto de conceitos, que a princípio parecem estar mais preocupados com o antirromantismo do que com o próprio realismo, há uma certa preocupação "impessoal" diante da exposição poética. Antes de raciocinar, porém, aponta para uma conclusão de que os românticos deliberadamente “manipularam a realidade”, observemos o que disse Bosi: “O romântico não teme as demasias do sentimento nem os riscos da ênfase patriótica; nem falseia de propósito a realidade, como anacronicamente se poderia hoje inferir: é a sua forma mental que está saturada de projeções e identificações violentas, resultando-lhe natural a mitização dos temas que escolhe. ” (BOSI, 1985, apud NASCIMENTO, 2007, p. 298). Mas é precisamente a essa "forma psicológica cheia de projeções" que os realistas-naturalistas se opõem. Em decorrência do período de desenvolvimento industrial, juntamente com a maior “depuração das classes sociais”, correntes de pensamento foram associadas aos resquícios do romantismo nostálgico, com maior comprometimento do artista com a realidade circundante. Ao longo desse processo, enfatizando a necessidade de ruptura (expressa em muitos casos apenas como "intenções filosóficas", não relacionadas à realidade material), 27 muitos dos mestres dos países centrais do capitalismo se tornaram pioneiros exposições literárias e elaborações intelectuais. No Brasil, esse conceito levou muito tempo para se tornar mais decisivo. Schwartz, disse que o ritmo de nossa vida ideológica, porém, é diferente e determinado pela dependência do Estado: à distância, segue os passos da Europa (Schwartz, p. 25 Page). É também neste mundo de "ideias fora do lugar" - dominado por um estado altamente dependente e retrógrado, um conjunto de ideias com um tom artificial, refletido nos padrões europeus - que podemos seguir gradualmente uma certa criação de conceitos movimento que no centro do Capitalismo, resultaram uma grande mudança na ordem social. Esta "verdade" que é expressa em elementos alicerçados e estruturados na verdade e na objetividade, constituirá um debate organizado em torno da estética realista e naturalista. A maneira como cada uma dessas correntes procuram entender e conceber a realidade é, obviamente, sua própria concepção dessa realidade. Em geral, podemos dizer que esse "compromisso com a verdade" tem dois aspectos: para o naturalista, a verdade existe na dimensão da experimentação, por meio de descrições que maximizam a captura dos elementos que compõem o fenômeno apresentado (e a dimensão da determinação existe na ideia de que os mecanismos externos englobam qualquer possibilidade de intervenção de mudança de papéis). Nesse sentido, criticou Lukács: A descrição rebaixa os homens ao nível das coisas inanimadas. Perde- se nela o fundamento da composição épica: o escritor que segue o método descritivo compõe à base do movimento das coisas. (“...) Tal método de composição tem como efeito o tornar os diversos e determinados aspectos objetivos do complexo de coisas em partes individualizadas dentro do romance.” (LUKÁCS, 1965, apud NASCIMENTO, 2007, p. 298). Assim, "excesso de descrição na busca da realidade integral" tende a se posicionar como uma “gordura” no romance. Algo que sobra. Por meio de descrições destinadas a reproduzir plenamente ambientes e eventos, os naturalistas abandonam o princípio da seleção a ponto de abraçar todos os aspectos da realidade "na superfície". E esse conjunto de superfícies descritas 28 cria uma imagem de “cortar o todo”, onde a coleção de detalhes pode ser bem organizada em subgrupos e isolada da obra sem causar muito dano. Para os romancistas realistas, a análise do narrador deve focar nas ações do personagem, especialmente em sua especificidade. Esse é um dos principais pilares da experiência que acompanha a maioria das obras épicas. Na busca dessa particularidade, os realistas não se limitam a descrevê-la, mas como, por meio das descrições, encontram mecanismos essenciais para a compreensão de ações e intenções. Nesse sentido, os realistas estabelecem uma adaptação da realidade, escolhendo o que interessa ao desenvolvimento do enredo e seus resultados. No entanto, isso não significa que quaisquer descrições apresentadas devam ser determinantes da experiência apresentada, mas sim que podem contribuir para a construção de um todo coerente. Segundo Lukács (1965), a narrativa real é aquela que busca abandonar esse "esquema determinista". Ao vê-lo como um experimento, os escritores naturalistas verão o romance como uma tese e, portanto, geralmente uma espécie de didática que parecemos encontrar nesse tipo de escrita. Como se vê, seu foco na sociedade, a crítica (originalmente pretendida) assume uma dimensão superficial, a apresentação de personagens e situações do enredo, sem a possibilidade de subjetividade e fluidez. 5.2 Realismo e Naturalismo: a distinção na literatura brasileira No Brasil, os movimentos do realismo e naturalismo assumem um caráter um pouco diferente dos de alguns países europeus. O Cortiço (provavelmente o melhor romance naturalista do Brasil), por exemplo, para um olhar mais dinâmico e menos abreviado. No entanto, essa disparidade não coloca o romance no outro extremo, resguardando-o de certos aspectos. Machado de Assis, um modelo de escritor de estética realista, também se retratou como um artista que não era facilmente modelado por atores. Nascimento (2007) destaca que, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, sua forma não convencional, em estilo contemporâneo, rompe com a macroestrutura tradicional de muitos romances realistas. Machado sintetiza as características 29 que o tornam único: ele é uma fusão entre filosofia e humor fantástico, cheio de "grunhidos pessimistas". José Guilherme Merquior comenta essas características no prefácio de Memórias Póstumas, tornando o romance "uma representação moderna do gênero comédia-fantástica". A escolha feita na elaboração de O Cortiço também parece reforçar a ideia original: a ascensão pessoal de João Romão, também enfatizada se preocupa com o romance, parece estar livre do sentido processual de "determinação universal". João Romão pretende ganhar um status social melhor, enriquecer-se lentamente vendendo em seu mercado, do emprego de um grupo de lavadeiras, o engano da "escrava" Bertolezza, em comparação com os outros personagens ele é diferente. É um personagem que "cresce" na narrativa - passa de uma posição inicial inferior para um desfecho promissor. No entanto, os elementos que parecem aproximar O Cortiço de um romance propriamente realista não representam uma longa lista. A maioria dos outros personagens parece estar se concentrando nesse nível, que Lukács já mencionou. E, apesar de ter maior “livre-arbítrio”, João Romanos não age “para amarrar a narrativa”. O poder descritivo de Aluísio Azevedo na descrição da pedreira, nos detalhes de cada casa, em todo o cortiço, nos aspectos físicos de cada pessoa, cria a mesma lógica geral já criticada na obra “Narrar ou Descrever? ”: “Mas a descrição das coisas nada mais tem a ver com os acontecimentos da evolução dos personagens. E não só as coisas são descritas independentemente das experiências humanas, assumindo um significado autônomo que não lhes caberia no conjunto do romance, como também o modo pelo qual são descritas conduz a uma espera completamente diversa daquela das ações dos personagens. ” (LUKÁCS, 1965, apud NASCIMENTO, 2007, p. 301). De acordo com Nascimento(2007) Machado de Assis neste sentido, opera em sentido diverso. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o personagem principal, o próprio “defunto-autor” das Memórias, fará questão de selecionar e organizar os fatos e acontecimentos que julga determinantes para mostrar o seu “legado de miséria”. Suas descrições, portanto, não serão carregadas de nenhuma “virtuose da completude”, pelo contrário, caracterizarão 30 o necessário ou o desnecessário (a este, muitas vezes como maneira própria de acentuar certo sarcasmo ou futilidade). Esse distanciamento dos fatos, já que o narrador os apresenta agora “do outro lado”, permite, inclusive, narrar com maior ironia, emitindo, quando melhor, suas próprias impressões. Tem-se a clara evidenciação de um “recorte de experiências”, algo ainda mais reforçado por essa espécie de “teleologia” que dá ao autor um distanciamento anterior, de não imersão. Para Nascimento (2007) a dimensão da experiência também possui sentido diverso em ambos os casos. Para o realista, a experiência advém das práxis, da ação. O épico, neste sentido, é pródigo de grandes experiências – na maioria das vezes com intenções universais. Já o naturalista admite o conhecimento, a experiência, como fruto da experimentação, do trabalho científico. Aluísio Azevedo, por exemplo, para a concepção de O Cortiço, julgou necessário acumular, de maneira enciclopédica, todos os elementos necessários para uma representação fiel a esta realidade. Para isso, o escritor chegou a visitar inúmeros cortiços do Rio de Janeiro, muito comuns à época, a fim de vivenciar in loco o cotidiano e os “tipos“ sociais. Esse tom laboratorial chega a alguns momentos a criar uma espécie de “fisiologização”, ou animalização do homem e do objeto descrito, que, a despeito de tentar aprofundar um tom de crítica social, chega a assumira a tônica de um preconceito: “E, naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea (...)” (AZEVEDO, 1994, apud NASCIMENTO, 2007, p. 301). Em Machado, a dimensão da experiência terá outro sentido. A experiência será conquistada mediante as ações do personagem. Brás Cubas apresenta-nos memórias que são, também, um balanço das ações levadas a cabo durante toda a vida. O morto irá dos seus amores de infância aos adultérios da maturidade, sempre os tratando com a frieza ou ironia diametralmente distantes dos românticos. O Rubião, de Quincas Borba (romance narrado em terceira pessoa) será focalizado através das suas ações, dos acontecidos de sua vida (e também das ações alheias: Sofia e o marido, os amigos da política, dos jantares, da filosofia). É deste conjunto articulado, que coloca em cena atividades humanas, 31 angústias, reflexões, quedas e exclusões, que se extrairá a experiência (oriunda de personagens mais verossímeis e mais plausíveis). Por último, Nascimento, (2007) explica como se dá, dentro da polêmica Realismo-Naturalismo, a questão da determinação. Como se vê em O Cortiço, como Jerônimo e Pombinha também são exemplos de um esquematismo que chega a picos impressionantes: Pombinha fora criada a vida toda numa redoma social – bem tratada, boa educação, bons costumes. Entretanto, seu contato afetivo-sexual com a madrinha Leónie e a vinda de sua primeira menstruação foram sinais de que deveria valer a impiedosa lei social-animal: a mesma para todos que nascem “no lodaçal do cortiço”. Tornava-se, a partir daí uma prostituta. Jerônimo também não escapou à “lei” do cortiço. Sua vida recatada e regrada junto à mulher fora rapidamente quebrada pelo contato com a avassaladora figura de Rita Baiana. Primeiro passo para que, ao pouco e por substituição, Jerônimo trocasse os azeites e fados portugueses pelos ares e cheiros tropicais, por uma vida boêmia, entregue às vontades da mulata. O homem sério e fechado, apresentado de início, termina matando o antigo amante de Baiana. Nascimento, (2007) explica que essa concepção linear, esquemática e direcionada dos personagens que parece perdurar em romances de tal natureza, tende a ser evitada num romance realista. Machado nos apresentará personagens com uma complexidade psicológica muito maior. Isto não os isenta de uma inserção social, uma identificação com seu meio ou sua classe – sequer impede a possibilidade de, no romance, circularem personagens que, por sua pequenez de expressão, ou por uma própria condição no mundo, sofrerão de maneira mais incisiva as mazelas do entorno. Mas o modo como essa própria identificação é construída já representa um ponto de clara divergência. Encontraremos desde um Rubião que, mesmo imerso no alienante quadro “mais fino da sociedade burguesa do Segundo Reinado” (BOSI, p. 201) não deixa de possuir uma personalidade própria, repleta de ingenuidade. Isto nos mostra que, mesmo com aspectos do meio que o levam a “ser como é” (as conferências noturnas, os círculos de amigos, a própria herança recebida...), o personagem não deixa de circular por essas experiências, sendo apresentado pelo recorte do narrador que nos deixa pistas de seus motivos e intenções. O mesmo se dará 32 com um Brás Cubas: leva adiante um refinado egoísmo ao longo da vida, mas não deixa de refleti-lo, após a morte, com distanciamento e ironia. 6 TEMPOS MODERNOS E MODERNISMO NO BRASIL Fonte: guiadoestudante.abril.com.br Segundo Cerqueira (2015), o projeto de inovação literária do Brasil foi realizado rompendo com os rígidos padrões parnasianos, com o objetivo de criar uma literatura genuinamente nacional e atual, condizente com as necessidades de sua época. Para entender o que essa ruptura significa para a literatura, é preciso analisá-la mais a fundo. Em primeiro lugar, é preciso voltar às raízes da ruptura, e mesmo às raízes do espírito revolucionário que a desencadeou, para compreender suas consequências. Cerqueira (2015) explica que essa análise é necessária porque a inovação estética - pelo menos no caso do modernismo - pode ser pensada como uma combinação de novas realidades no âmbito da estética. Nesse caso, seria a integração dos valores modernos à literatura e à arte em geral. As velhas formas de arte não podem mais atender às novas exigências, e manter as velhas formas de arte nada mais é do que imitadores de fórmulas que não funcionam mais. Portanto, pode-se concluir que a ruptura dos padrões estéticos 33 modernistas é reflexo das mudanças sociais da época. Portanto, sua origem é a imposição da realidade. O crítico Álvaro Lins destaca que o movimento – no Brasil e em todos os países envolvidos na Primeira Guerra Mundial de alguma forma – reflete na literatura as mudanças de valores que estão ocorrendo na sociedade: “[...] efetivamente, eis o que foi o modernismo: uma crise, uma fase de transição, uma imagem de instabilidade social. ” (LINS, 1967, apud CERQUEIRA, 2015, p. 4). Indiscutivelmente, a guerra não é o único determinante da modernidade social, pois países que não estiveram diretamente envolvidos ou sofreram suas piores consequências também passaram por modernização. Este tema é muito mais complexo, e existem várias outras variantes, como a industrialização da sociedade e suas consequentes mudanças, como a concentração das populações nos grandes centros urbanos, o surgimento de novas classes sociais (burguesia urbana e proletariado), Desenvolvimento da indústria do entretenimento e da mídia. Todas essas mudanças também deram origem à necessidade de transformação artística, pois os produtos produzidos não mais se adequavam às condições do homem moderno. No entanto, é importante ressaltar a dialética da relação entre literatura e realidade. Como mencionado anteriormente, a raiz de sua transformação está na própria transformação social. Contudo,não pode parar por aí. Uma vez que a literatura se integra às novas necessidades dos tempos como forma, ela começa a ter impacto na sociedade, contribuindo para a transformação da consciência nacional e a solução de problemas. Álvaro Lins discorre sobre um projeto de História Literária no Brasil que assume "papel pioneiro na investigação e apresentação da história literária" a partir do impulso de sucessivos escritores para influenciar a realidade do país, tornando-se figuras públicas por meio de suas obras. Este espírito de vanguarda é especialmente importante no modernismo porque, como disse o próprio Mário de Andrade, não é um movimento estético, mas um espírito revolucionário, porque o seu tempo era é um tempo de politização das pessoas, e exige a participação de arte na vida desta forma 34 A transformação do mundo (...) bem como o desenvolvimento da consciência americana e brasileira, (...) impunham a criação de um espírito novo e exigiam a reverificação e mesmo a remodelação da Inteligência nacional. Isso foi o movimento modernista (...). (ANDRADE, 1974, apud CERQUEIRA, 2015, p. 4). 7 MODERNISMO E LITERATURA MODERNA BRASILEIRA Fonte: culturagenial.com No Brasil, a situação do modernismo é muito singular em relação à vanguarda europeia, caracterizada pelo fato de que os artistas viviam em sua maioria à margem da sociedade burguesa (embora muitos fossem de famílias burguesas) e se opunham aos valores daquela sociedade. Em São Paulo, artistas de vanguarda, sustentado pela burguesia agrária, promoveram prestigiosos salões de arte e turnês pela Europa, interessados não apenas na estética moderna, mas sobretudo no retorno às origens e tradições culturais brasileiras. Se os modernistas buscam nestas origens a verdadeira brasilidade da arte, a burguesia agrária busca uma forma de reforçar e impor uma nova configuração econômica ao país, levando à ascensão de uma nova classe burguesa, urbana e industrial. No contexto de emergência do modernismo brasileiro, essa particularidade sem dúvida teve impacto no movimento – por exemplo, como o próprio Mario de Andrade admitiu na década de 1940, as obras não apresentavam postura politicamente crítica. Concordou-se que, a princípio, o modernismo se preocupava principalmente com questões puramente estéticas, 35 e que a consciência política seria um dos resultados dos avanços na inovação da linguagem artística. Analisando as contribuições do movimento modernista para a literatura e a sociedade brasileira, na conferência intitulada "Movimento Modernista", Mário de Andrade listou três princípios básicos cuja associação com o modernismo marcou uma mudança dramática na realidade brasileira: a conquista da liberdade de pesquisa estética, a renovação do saber artístico estatal e a consciência criativa nacional estável. Segundo seus estudos, a união desses três fatores contribuiu para a independência do Brasil em termos de arte e conhecimento, a liberdade de criação e a originalidade das obras de arte, ou seja, a subjugação de uma nação e da literatura contemporânea. Álvaro Lins enfatiza que só a literatura criada com liberdade de estudo e de busca de material na cultura local pode tornar-se atual, por ser nacional e contemporânea, podendo, assim, alcançar status de universal. Não se pode alcançar status internacional até que apresentem uma face nacional forte, clara e bem caracterizada. Não se pode esquecer que o próprio Mário de Andrade não considerou essas especificações originais. Ele tem plena consciência de que tudo isso pode ser encontrado em outros movimentos artísticos brasileiros. A grande diferença trazida pelo modernismo “é a combinação dessas três normas no todo orgânico da consciência coletiva”. No entanto, esse "todo orgânico" não pode ser considerado harmonioso de forma alguma. Os próprios críticos admitem que essas conquistas carregam pesos diferentes. No que diz respeito ao campo da literatura, pode-se dizer que o modernismo trouxe duas contribuições principais: uma nova compreensão do ato de criação, que se tornaria um ato independente de estudo estético, liberado de padrões e técnicas predeterminadas; e a percepção de que o a obra de arte é mais importante que o individual e a psicologia é mais coletiva e funcional, sendo o mais importante esse caráter coletivo. Isso significa que, pela primeira vez na história da literatura brasileira, há foco e base efetiva para o espírito coletivo da criatividade é o que Mário de Andrade chamou de estabilidade da consciência criativa nacional, que é um conceito literário nacional que surgiu da pesquisa estética e não da imitação de algum padrão estético popular. Sobre essa vitória, 36 Jorge Schwartz lembra a importância do modernismo para a literatura brasileira, ressaltando a diferença fundamental entre a poética do modernismo e as que o antecederam: Nestas há leis de bom proceder, há “Don’t”, há manuais do bom conselheiro, há regras de preconceito artístico, teias concêntricas da Beleza imitativa (...). Na orientação modernizante seguem-se indicações largas dentro das quais se move com prazer a liberdade individual. Não se encontra nela regras de arame farpado que constrangem senão indicações que facilitam. (SCHWARTZ,1995, apud CERQUEIRA, 2015, p. 6). Para Mário de Andrade, essa foi a grande conquista do modernismo. Embora se defenda que as tentativas revisão da língua portuguesa não são suficientes para adaptá-lo à nossa realidade e permitir que nos "expressemos como identidades, visão que difere de Álvaro Lins, que considera nossa língua bastante diferente do “português" e argumenta que tentar Mário de Andrade e outros modernistas adaptá-la para trazer a linguagem oral para a literatura é um exagero ou mesmo errado, o autor defende que as expressões nacionais na literatura - como em qualquer outra arte - o progresso era indiscutível. O autor analisa obras das décadas de 1920 e 1940 e reitera que a literatura moderna está surgindo no Brasil. No entanto, na esfera social ou renovação da sabedoria artística, como o autor a chama, que, além de suas características estéticas, inclui também as características sociais da arte, Mário de Andrade abominava fazer o " burguês gostoso " sobrepor-se aos "intelectuais conscientes" por não colocarem a máscara do tempo e o esbofetearem como merece Andrade (1974). Para os críticos, a geração dos anos 1920 era culpada pela falta de realidade e virilidade, ou seja, não estavam realmente envolvidos com os problemas de seu tempo, que eram fundamentalmente sociais e políticos. Seu julgamento é, sem dúvida, muito severo, o que é uma das consequências de seu espírito crítico natural. Como se pode ver, há estudos dos movimentos que apontam para diferentes fases do modernismo e da própria obra de Mário de Andrade, ora estética, ora mais distante Aspectos, ora o político-social se sobressaem. Através desses trabalhos posteriores incorporaram atitudes estéticas inovadoras 37 e passam a trazer um maior senso de realismo e crítica social. No entanto, os críticos foram implacáveis em relação ao autor: E apesar de nossa atualidade, da nossa nacionalidade, da nossa universalidade, uma coisa não ajudamos verdadeiramente, duma coisa não participamos: o amilhoramento político-social do homem. E esta é a essência da nossa idade. (ANDRADE, 1974, apud CERQUEIRA, 2015, p. 6). Lafeta argumenta que o movimento modernista sempre foi moldado pela interação de duas esferas: ideologia e estética. Para ele, a necessidade de se envolver com as questões de seu tempo era uma característica intrínseca do movimento, assim como seu alcance ideológico. A ruptura da linguagem acadêmica e a fusão do popular e do original caracterizam seu alcance estético. Esses dois aspectos nunca estão separados na literatura, mas vivem em constante tensão.7.1 Modernismo e crítica literária Em 1930: A crítica e o modernismo, João Luis Lafetá analisa a crítica literária brasileira dos anos 1930 para avaliar o impacto do modernismo na crítica. Para tanto, seus críticos escolhidos incorporam em sua obra mais ou menos as exigências impostas pela nova literatura que emerge do rompimento proporcionado pelo modernismo. O autor argumenta que o principal critério de avaliação dessa nova crítica literária é um conhecimento aprofundado da linguagem, que vai muito além da tarefa rotineira da crítica. A tarefa da crítica tornou-se mais complicada quando o movimento modernista tomou conhecimento da própria linguagem devido à exploração do programa de linguagem nas obras. Se era essa consciência que antes era sua função, e agora é praticada pela obra, então a crítica precisa estar mais atenta ao processo a partir de então, verificando se a literatura pode atingir seu novo propósito. O autor argumenta que o principal critério de avaliação dessa nova crítica literária é um conhecimento aprofundado da linguagem, que vai muito além da tarefa rotineira da crítica. A tarefa da crítica tornou-se mais complicada quando 38 o movimento modernista tomou conhecimento da própria linguagem devido à exploração do programa de linguagem nas obras. Se essa consciência era o que fazia antes, e agora é praticada pela escrita, então a crítica precisa aumentar ainda mais o processo de consciência a partir de então, verificando se a literatura pode atingir seu novo propósito e até que ponto. Lafetá em sua pesquisa sobre a crítica “mariodeandradeana” acompanha a trajetória do artista, teórico e crítico Mario de Andrade, acompanhando o desenvolvimento de seu pensamento e prática artística, a partir de sua "fase heroica". A teoria do escritor precisava defender uma nova forma de arte através de novos parâmetros estéticos, no "“Prefácio interessantíssimo”", até o ano de 1930, o escritor publicou "O carro da Miséria", que mais tarde seriam editados nos livros: O empalhador de passarinhos e Aspectos da literatura brasileira. Mario de Andrade demonstrou desde o início um esforço crítico e teórico, demonstrando um profundo conhecimento das correntes de vanguarda europeias. Se num primeiro momento ele parece inclinar-se para o foco pessoal, o lirismo da obra de arte, é devido à nossa necessidade de tentar romper com a concepção parnasiana da arte em que o artista está submisso às regras estritas, sob tal comportamento, a liberdade de produção tende a sucumbir. No entanto, sempre esteve atento à importância do caráter estético da obra de arte, a técnica, sempre buscando o equilíbrio entre essas duas abordagens e, por sua posição de vanguarda, a busca de novos parâmetros estéticos - como "polifonia" - eles podem estabelecer as bases para sua própria arte. Depois de encontrar um equilíbrio entre essas duas abordagens artísticas - o que já é evidente em A escrava que não é Isaura - surge um novo empecilho. O autor precisa se ajustar novamente, e agora é outro requisito: o caráter social e público da obra de arte. A efetiva combinação entre ruptura linguística e crítica social será sintetizada na obra "O Carro da Miséria" publicada em 1930. O crítico Mário de Andrade só conseguiu essa consciência no final do século, com uma nova concepção de técnica e arte. Para Lafetá, os críticos apresentaram a nova ideia pela primeira vez na conferência " O artista e o artesão” de 1938. “Aqui Mário de Andrade ampliou consideravelmente o seu conceito de ‘técnica’, tornando-se capaz de abranger tanto o lirismo individual como as condições sociais em que o artista produz sua obra”. (LAFETÁ, 1930, apud CERQUEIRA, 2015, p. 7). 39 Se comparar a pesquisa de Lafeta com a conferência de Mário de Andrade, fica claro que a avaliação desse crítico é consistente com pesquisas posteriores. Por ter uma visão temporalmente mais distanciada, ele divide o movimento em fases, visão que difere da de Mário de Andrade e Álvaro Lins, que na década de 1940 já viam o fim do modernismo e colocavam a literatura na época como uma consequência do movimento. É importante enfatizar que o crítico Mário de Andrade estava atento a essa mudança, como evidencia a leitura de seus ensaios críticos sobre a literatura da época. Sua resistência com os conflitos contínuos das ideologias estéticas é tão feroz e implacável que às vezes seu trabalho crítico parece se contradizer, pois ora defende a literatura como puramente estética, ora como engajamento social. Porém, essa aparente contradição é um exercício de consciência, uma tentativa de não se deixar levar pela influência do momento. Seu esforço não é ignorar a tensão entre os dois extremos da arte, mas chamar a atenção para um aspecto em que determinada obra ou determinado contexto é prejudicado em relação ao outro. 8 MODERNISMO: A CONTRIBUIÇÃO DE OSWALD DE ANDRADE Oswald de Andrade, um dos idealizadores da Semana de 22, não escondeu seu fascínio pela Europa. Segundo Silva (2009), "a influência da França na formação dos intelectuais é inquestionável. Do comportamento social francês, da moda, dos padrões modernos de comportamento", afirma ter "descoberto o Brasil" em Paris. (Silva, 2009, p. 38). Na Europa, Oswald entrou em contato com vanguardas que, trazidas como canibais, mudaram o rumo de nossa literatura, música e arte. A paródia era uma característica da poesia de Oswald na década de 1920, em que o autor condenava o comportamento desregrado de uma geração em um contexto histórico permeado por equívocos. Um exemplo é o poema Erro de português, que é uma paródia da carta de Pero Vaz de Caminha, contida em seu livro "Poesias reunidas", em Poemas Menores, que não é secundário, mas mostra a grande capacidade questionadora de Wald. 40 Segundo Cláudio Willer (2009), a paródia de Oswald atinge o cenário da colonização ao satirizar visões de uma situação paradisíaca na primeira crônica do descobrimento do Brasil. A irreverência do poema exemplifica essa visão crítica da época colonial. Para inverter o curso do nosso passado lusitano, propõe outra evolução histórica em que os índios dominariam os portugueses - "fosse uma manhã de sol"... Neste e em outros poemas sobre situações coloniais pode-se ver não apenas um ataque aos padrões que influenciaram a escrita, especialmente durante o período romântico, "mas também uma investigação e crítica do Brasil. Oswald demonstrou uma capacidade única de consolidar ideias modernistas, incorporando-as em seus poemas e manifestos. Em 1924, lançou o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, sem romper com as raízes nacionais, e sobretudo pregando a libertação da cultura europeia que existia em nossa época colonial. Com ingenuidade, ele se propõe a traduzir a exportação simbólica do Pau-Brasil, nosso produto mais valioso na época colonial, em poesia através do discurso literário. O manifesto nacionalista prega que "a linguagem não arcaica, e sim natural com todos os erros, da forma que falamos assim como somos. A “valorização do erro” seria um “ataque ideológico”, um diagnóstico da realidade sociocultural brasileira, “contra os aspectos cultos da Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português Oswald de Andrade 41 língua denunciados como artificiais e excludentes”. (SILVA, 2009, apud OLIVEIRA, 2012, p. 86). Herdados da vanguarda europeia, os movimentos e manifestos surgidos no modernismo, fruto de um desejo crescente de renovação, formaram opiniões divididas, espaços e posições de debate: Pau-Brasil, Verde – Amarelismo, Anta, Antropófago. Embora ideologicamente antagônica, é discutível que, em certa medida, ela parta de um fio condutor: a valorização das qualidades nacionais para (re) descobrir
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