Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2021 www.lumenjuris.com.br Editor João Luiz da Silva Almeida Conselho Editorial Brasil Abel Fernandes GomesAbel Fernandes Gomes Adriano Pilatti Alexandre Bernardino CostaAlexandre Bernardino Costa Ana Alice De Carli Anderson Soares MadeiraAnderson Soares Madeira André Abreu Costa Beatriz Souza Costa Bleine Queiroz Caúla Bruno Soeiro Vieira Daniela Copetti Cravo Daniele Maghelly Menezes MoreiraDaniele Maghelly Menezes Moreira Diego Araujo Campos Enzo Bello Firly Nascimento FilhoFirly Nascimento Filho Flávio Ahmed Frederico Antonio Lima de OliveiraFrederico Antonio Lima de Oliveira Frederico Price Grechi Geraldo L. M. Prado Gina Vidal Marcilio Pompeu Gisele Cittadino Gustavo Noronha de Ávila Gustavo Sénéchal de Go� redo Jean Carlos Dias Jean Carlos Fernandes Jeferson Antônio Fernandes Bacelar Jerson Carneiro Gonçalves Junior João Marcelo de Lima Assa� m João Theotonio Mendes de Almeida Jr. José Ricardo Ferreira Cunha José Rubens Morato Leite Josiane Rose Petry Veronese Leonardo El-Amme Souza e Silva da Cunha Lúcio Antônio Chamon Junior Luigi Bonizzato Luis Carlos Alcoforado Luiz Henrique Sormani BarbugianiLuiz Henrique Sormani Barbugiani Manoel Messias PeixinhoManoel Messias Peixinho Marcelo Pinto ChavesMarcelo Pinto Chaves Marcelo Ribeiro UchôaMarcelo Ribeiro Uchôa Márcio Ricardo Sta� enMárcio Ricardo Sta� en Marco Aurélio Bezerra de MeloMarco Aurélio Bezerra de Melo Marcus Mauricius HolandaMarcus Mauricius Holanda Maria Celeste Simões MarquesMaria Celeste Simões Marques Milton Delgado SoaresMilton Delgado Soares Murilo Siqueira ComérioMurilo Siqueira Comério Océlio de Jesus Carneiro de MoraisOcélio de Jesus Carneiro de Morais Ricardo Lodi RibeiroRicardo Lodi Ribeiro Salah Hassan Khaled Jr.Salah Hassan Khaled Jr. Sérgio André RochaSérgio André Rocha Simone Alvarez LimaSimone Alvarez Lima Valter Moura do CarmosValter Moura do Carmos Vicente Paulo BarretoVicente Paulo Barreto Victor Sales PinheiroVictor Sales Pinheiro Vinícius Borges FortVinícius Borges Fortes Conselho Editorial Internacional António José Avelãs Nunes (Portugal) Boaventura de Sousa Santos (Portugal) Boaventura de Sousa Santos (Portugal) Diogo Leite de Campos (Portugal) Conselheiros Beneméritos Denis Borges Barbosa (in memoriam) | Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam) Filiais Sede: Rio de Janeiro Rua Octávio de Faria, n° 81 – Sala 301 CEP: 22795-415 Recreio dos Bandeirantes Rio de Janeiro – RJ Tel. (21) 3933-4004 / (21) 3249-2898 Maceió (Divulgação) Cristiano Alfama Mabilia cristiano@lumenjuris.com.br Maceió – AL Tel. (82) 9-9661-0421 São Paulo (Distribuidor) Rua Sousa Lima, 75 CEP: 01153-020 Barra Funda – São Paulo – SP Telefax (11) 5908-0240 Emerson Affonso da Costa Moura Marcos Alcino de Azevedo Torres Mauricio Jorge Pereira da Mota Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades – V. 2 Direito Constitucional da Cidade Copyright © 2021 by Emerson Affonso da Costa Moura, Marcos Alcino de Azevedo Torres e Mauricio Jorge Pereira da Mota Categoria: Direito Constitucional Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Diagramação: Renata Chagas A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE D598d Direito constitucional da cidade : teoria das ordens urbanas e dos direitos fundamentais nas cidades : v. 2 / coordenadores Emerson Affonso da Costa Moura, Marcos Alcino de Azevedo Torres, Mauricio Jorge Pereira da Mota. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2021. 452 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-65-5510-945-0 1. Direito constitucional - Brasil. 2. Federalismo - Brasil. 3. Cidades e vilas - Legislação. I. Moura, Emerson Affonso da Costa. II. Torres, Marcos Alcino de Azevedo. III. Mota, Mauricio Jorge Pereira da. IV. Título CDD 342.81 Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927 V Sumário Capítulo 14 – Ordens Constitucionais Urbanas e Direitos Fundamentais nas Cidades ................................................................................1 Emerson Affonso da Costa Moura Marcos Alcino de Azevedo Torres Mauricio Jorge Pereira da Mota 14.1. Constitucionalismo social e a cidade ........................................................1 14.2. As ordens constitucionais e a cidade ........................................................6 14.3. Direitos sociais e a cidade ...........................................................................9 14.4. Por uma teoria das Ordens Constitucionais Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades ................................................ 13 Referências ........................................................................................................... 16 Parte III – Ordens Constitucionais Urbanas Capítulo 15 – Ordem Financeira e Cidade ...................................................... 21 Prof. Dr. Luigi Bonizzato Prof. Me. Alvaro Barbosa 15.1. Ordem financeira e a Constituição de 1988 ........................................... 21 15.2. Leis orçamentárias e cidade .....................................................................27 15.3. Orçamento participativo e cidade ........................................................... 33 15.4. Instrumentos financeiros em cidades .....................................................39 Referências ...........................................................................................................44 VI Capítulo 16 – Tributação e Cidade ....................................................................49 Luciana Grassano de Gouvêa Melo 16.1. Ordem tributária e a Constituição de 1988 ............................................49 16.2. Federalismo fiscal, município e cidade ...................................................54 16.3. Tributação e a cidade: planejamento e fiscalidade urbana ..................59 16.4. Os tributos na ordenação urbana: função fiscal e extrafiscal ..............64 Referências ...........................................................................................................69 Capítulo 17 – Ordem Econômica e Cidade ......................................................71 André Saddy Eric Santos Andrade 17.1. Ordem econômica e a Constituição de 1988 ..........................................71 17.2. Política urbana na ordem econômica da Constituição de 1988 ..........77 17.3. Princípios da ordem econômica, governança e justiça social nas cidades ..................................................................................................84 17.4. Função econômica da propriedade urbana ............................................89 Referências ...........................................................................................................95 Capítulo 18 – Política Urbana na Constituição da Cidade ...........................99 José dos Santos Carvalho Filho 18.1. Política urbana e a Constituição de 1988 ...............................................99 18.2. Plano diretor e funções sociais da cidade ............................................105 18.3. Desapropriação urbanística sancionatória........................................... 110 18.4. Vedação a usucapião e concessão de uso para fins de moradia ........ 116 Bibliografia .........................................................................................................122 VII Capítulo 19 – Política Agrária e a Cidade ......................................................123Tatiana Cotta Gonçalves Pereira 19.1. Política agrícola e fundiária e a Constituição de 1988 ........................123 19.2. A reforma agrária ....................................................................................129 19.3. A destinação de terras públicas e devolutas e a vedação ao usucapião .............................................................................................135 19.4. O campo e a cidade: relações e interseções ..........................................140 Referências .........................................................................................................146 Capítulo 20 – Educação, Cultura e Desporto na Cidade ............................ 149 Patrícia Baptista 20.1. Educação, cultura e desporto na Constituição de 1988 ..................... 149 20.2. A educação e a cidade .............................................................................158 20.3. A cultura e a cidade .................................................................................164 20.4. O desporto e a cidade .............................................................................. 167 Referências ......................................................................................................... 170 Capítulo 21 – Ciência, Tecnologia, Informação e Cidade ........................... 175 Luca Moura Mandarino 21.1. Ciência, tecnologia, informação e a Constituição de 1988 ................. 175 21.2. Ciência, tecnologia, informação e a cidade ..........................................188 21.3. As cidades inteligentes ............................................................................190 21.4. As cidades inteligentes na Constituição de 1988 .................................199 Referências .........................................................................................................202 VIII Capítulo 22 – Meio Ambiente e Cidade ..........................................................205 Daniel Braga Lourenço Fábio Corrêa Souza de Oliveira Larissa Pinha de Oliveira 22.1. Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988 ...............................205 22.2. Meio ambiente e a cidade ....................................................................... 210 22.3. Meio ambiente urbano na Constituição de 1988 ................................ 215 22.4. Instrumentos de proteção e promoção do meio ambiente urbano .......................................................................................................222 Capítulo 23 – Família e Cidade ........................................................................227 Ely Caetano Xavier Junior Érica de Aquino Paes Luciane da Costa Moás 23.1. Família e a Constituição de 1988 ...........................................................227 23.2. Família e a cidade ....................................................................................229 23.3. Criança, adolescente, jovem e a cidade .................................................234 23.4. Idoso e a cidade ........................................................................................240 Referências .........................................................................................................247 Capítulo 24 – Indígenas e Cidade ....................................................................253 Tédney Moreira da Silva 24.1. Os indígenas e a Constituição de 1988 .................................................253 24.2. Os indígenas e a cidade ..........................................................................259 24.3. As terras ocupadas e a cidade ................................................................264 24.4. Os direitos dos indígenas e a cidade .....................................................270 Referências ......................................................................................................... 274 IX Parte IV – Teoria dos Direitos Humanos-Fundamentais nas Cidades Capítulo 25 – Direitos Humanos e Cidade ....................................................281 Profa. Dra. Edna Hogemann Profa. Me. Giselle Custódio 25.1. Os direitos humanos, o sistema de proteção internacional e a Constituição de 1988 .........................................................................281 25.2. Direitos humanos na cidade, cooperação internacional e papel estatal .............................................................................................287 25.3. Direitos humanos à cidade, funções sociais e políticas públicas ......294 25.4. Direitos humanos da cidade, direitos sociais e dignidade .................300 Referências .........................................................................................................305 Capítulo 26 – Dignidade da Pessoa Humana, Mínimo Existencial e a Cidade ........................................................................................................... 313 Fábio Lins de Lessa Carvalho Janaina Helena de Freitas 26.1. Dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988 .................... 313 26.2. Dignidade da pessoa humana e a cidade ............................................. 318 26.3. Dignidade, mínimo existencial e a cidade ...........................................324 26.4. Direitos à cidade digna ...........................................................................330 Referências ......................................................................................................... 335 Capítulo 27 – Direitos Individuais e a Cidade ..............................................339 Paulo Roberto Soares Mendonça 27.1. Os direitos individuais e a Constituição de 1988 ................................339 27.2. Direitos individuais e a cidade ...............................................................346 27.3. Autonomia privada na cidade ................................................................350 28.4. Direitos individuais em espécie na cidade ...........................................354 Referências .........................................................................................................359 X Capítulo 28 – Direitos Sociais e a Cidade ......................................................361 Arícia Fernandes Correia Tatiana Mota Pinheiro Matinho Gláucia Sayuri Takaoka 28.1. Direitos sociais e Constituição de 1988 ................................................361 28.2. Direitos sociais e cidade .........................................................................366 29.3. Justiça social e cidade ..............................................................................368 28.4. Direitos sociais em espécie e cidade .....................................................372 Notas ................................................................................................................... 376 Referências .........................................................................................................383 Capítulo 29 – Direitos Difusos e a Cidade .....................................................387 Hailton Pinheiro de Souza Júnior 29.1. Direitos difusos e a Constituição de 1988 ............................................387 29.2. Direitos difusos e a cidade ......................................................................393 29.3. Solidariedade e a cidade ..........................................................................398 29.4. Direitos difusos em espécie e a cidade ..................................................403 Referências ......................................................................................................... 410 Capítulo 30 – Participação Social e Constituição da Cidade ..................... 415 Claudia Tannus Gurgel do Amaral 30.1. Participação social e a Constituição de 1988 ....................................... 415 30.2. Participação social para o desenvolvimento das cidades ..................422 30.3. Participação social noprocesso de planejamento urbano .................427 30.4. Gestão democrática das cidades ............................................................433 71 Capítulo 17 – Ordem Econômica e Cidade André Saddy1 Eric Santos Andrade2 17.1. Ordem econômica e a Constituição de 1988 A ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mer- cado, optando pelo processo econômico do tipo liberal, que só admite inter- venção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quais- quer interferências3, quer do próprio Estado quer da formação de monopólios 1 Pós-Doutor pelo Centre for Socio-Legal Studies da Faculty of Law da University of Oxford. Doutor Europeu em “Problemas actuales de Derecho Administrativo” pela Facultad de Derecho da Universidad Complutense de Madrid, com apoio da Becas Complutense Predoctorales en España. Mestre em Administração Pública pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com apoio do Programa Alßan, Programa de Bolsas de Alto Nível da União Europeia para América Latina. Pós-graduado em Regulação Pública e Concorrência pelo Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (CEDIPRE) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor da Faculdade de Direito, do Mestrado em Direito Constitucional e do Doutorado em Direitos, Instituições e Negócios da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Vice-Presidente do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro (IDARJ). Diretor-Presidente do Centro de Estudos Empírico Jurídico (CEEJ). Idealizador e Coordenador do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo (GDAC). Sócio fundador do escritório Saddy Advogados. Consultor e parecerista. 2 Doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro na linha de Direito da Cidade (UERJ). Membro da Rede de Pesquisa Interinstitucional em Direito da Cidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (RPIDC/UERJ) e do Laboratório de Estudos de Direito Administrativo Comparado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (LEDAC/UNIRIO). Membro da Comissão de Direito Administrativo e de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDARJ). Advogado. 3 Gaspar Ariño Ortiz (ORTIZ, Gaspar Ariño. Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. Madrid: Marcial Pons, 1993, p. 42) assevera que existem três razões para a intervenção do Estado na economia. A primeira é o fracasso do mercado e a necessidade de recriar tal mercado. A segunda consiste nos critérios de equidade na distribuição e, por fim, a terceira razão, aliás, a mais criticável, é a que consiste na obtenção rápida de determinados objetivos da política econômica e na luta contra o ciclo da economia. Quanto à primeira razão, esta enfoca a garantia da livre competição, dando consistência ao mercado. O Estado, na verdade, adentra no mercado, pois se assim não o fizesse 72 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades ou abuso de poder econômico, sempre na defesa da livre iniciativa. Desde que respeitadas as competências constitucionais atribuídas a cada ente federativo. A ordenação geral da economia, no entanto, faz possível a atuação e in- tervenção do Estado (União) por meio de medidas econômicas em setores materialmente atribuídos à competência dos Estados-membros da federação. No entanto, estas não podem em nenhum caso esvaziarem-se de conteúdo a causa da intervenção estatal, que, a sua vez, chegará até aonde exija o princípio que instrumenta, limite este cuja observância se deduz partindo da finalidade perseguida pela medida em cada caso adotada. Portanto, a ordem econômica é a disciplinadora das atividades de pro- dução, circulação e de consumo de riquezas. São os conjuntos de normas ou instituições jurídicas que realizam uma determinada ordenação econômica, em sentido concreto, regulando os limites de atuação do Estado na iniciativa privada. Daí porque Vital Moreira4 define Constituição econômica como: o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os ele- mentos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica. Esse conjunto de preceitos e instituições existe para instituir uma forma de organização da economia que, vale ressaltar, possui uma enorme inter- -relação entre os agentes que participam do mercado. A Constituição de 1988 trouxe uma nova visão do que ocorria anterior- mente na ordem econômica e do papel do Estado. Não se concede mais, como se fazia na Constituição de 1967/69, a ampla competência na matéria ao legis- lador ordinário. Facultava-se a possibilidade deste legislador instituir mono- pólios estatais, como tratava o art. 163 da Carta anterior. iria propiciar a criação de mecanismos perturbadores do adequado funcionamento do mercado, como a existência de monopólios naturais, de estruturas de mercado não-competitivas (monopólio de fato, abuso de posição dominante...), bens públicos e externalidades. Quanto à segunda razão, torna-se necessária a intervenção do Estado para se eliminar as desigualdades. O Estado assume o compromisso de atuar na justiça distributiva, buscando uma justa distribuição de renda. No que se refere à terceira razão, o Estado passa a exercer a função empresarial com o fim de conseguir mais prontamente metas que só demoradamente seriam alcançadas pelos particulares. 4 MOREIRA, Vital. Economia e constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1979, p. 41. 73 Direito Constitucional da Cidade Tal experiência demonstrou que o caráter subsidiário e excepcional da intervenção do Estado na economia foi distorcido, propiciando a criação de muitas empresas estatais à época. A importância do princípio da livre iniciativa, referidos anteriormente, é maior na atual análise do direito infraconstitucional quando se tem em vista que a anterior Constituição não o prescrevia de maneira tão explícita e abran- gente como a atual. Tinha-se uma ordem constitucional mais tolerante com o intervencionismo econômico direto, que previa tal possibilidade, exigindo apenas que se desse mediante lei. Ao analisar o art. 163 da Constituição de 1967/69 e o art. 170 da atual Constituição, João Bosco Leopoldino da Fonseca5 chama a atenção para o fato de que: enquanto, no primeiro caso, há uma faculdade aberta ao Estado; no segundo, existe uma proibição que permite exceções. De forma que, pelo conjunto dos elementos significativos utilizados pelo legislador constituinte de 1988, conclui-se que sua intenção foi de proibir que o Estado aja como empresário (apenas como forma de complementação que as empresas paraes- tatais podem atuar no mercado). Para complementar, a Constituição, em seu art. 174, revela o principal papel do Estado na ordem econômica, ou seja, o de agente normativo e regulador da atividade econômica. A Constituição de 1967/69 prescreve, de acordo com Geraldo Ataliba6, que: a organização e exploração das atividades econômicas competem, pre- ferencialmente, às empresas privadas. E mais: impõem, ao Estado, o dever de estimular e apoiar a iniciativa privada no exercício dessa com- petência, que a ela é atribuída, com preferência. Em reforço a tal diretriz, a Constituição, em seu art. 170, determina que o Estado apenas em caráter suplementar da iniciativa privada, poderá organizar e explorar diretamente a atividade econômica. Ainda, assim, ao fazê-lo por seus órgãos descrentralizados, terá que se submeter às nor- mas aplicáveis às empresas privadas; isto é; estará purificado com a ini- 5 Apud: SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 38. 6 ATALIBA,Geraldo. Malotes internacionais – serviço público de correios – monopólio postal – liberdade de movimentação de documentos. Revista de Direito Público. São Paulo, n. 77, a. XIX, p. 80-93, jan./mar. 1986, p. 83. 74 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades ciativa privada, despido das suas prerrogativas de supremacia, sujeito às regras da livre competição, nivelando às demais organizações privadas. [...] Daí, porque que, a própria Constituição – ainda uma vez, note-se, visando à proteção do desenvolvimento nacional e da justiça social, e manifestando a supremacia jurídica desse desideratum do Estado Brasileiro – cuidou de dispor exceções ao princípio da livre iniciativa, facultando ao Estado intervir no domínio econômico, inclusive estabe- lecendo monopólio de determinadas indústrias ou atividades, quando indispensável, por motivo de segurança, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa. É o que vem estabelecido, expressamente, no art. 163 da CF. Na vigência da Constituição de 1967/69, o Estado somente poderia atuar em atividades econômicas em caráter complementar, supletivo, subsidiário, não podendo ser de caráter preferencial, muito menos exclusivo. Devendo, nos casos de assumi-la em caráter suplementar, atuar despido de suas prerro- gativas de supremacia, sujeito às mesmas injunções a que se submete a atuação da iniciativa privada e sob regime de Direito Privado (art. 170, §§2.º e 3.º da CRFB de 67/69). Ao contrário da anterior Carta, a atual não contempla a expressão “in- tervenção do Estado no domínio econômico”, porque a atuação no domínio econômico, ou como se prefere, intervenção do Estado na economia é, toda ela, deferida aos particulares, cabendo tão-somente ao Estado assumir as ex- cepcionalíssimas hipóteses do art. 173 da Constituição brasileira. Tal artigo afirma que para a exploração direta da atividade econômica pelo Estado exige-se que se esteja diante de imperativos de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, ambos assim definidos em lei. Nessa linha, na atual ordem constitucional, as restrições que possam ser criadas ao princípio da livre iniciativa têm caráter absolutamente excepcional e somente podem emergir das hipóteses expressamente previstas na Consti- tuição ou implicitamente autorizadas por ela. Por ser mais analítica que sua antecessora, a atual Carta Magna apresen- ta a vantagem de haver reduzido o uso de fórmulas excessivamente genéricas dos arts. 163 e 167, que regulavam o sistema de intervenção do Estado na ativi- 75 Direito Constitucional da Cidade dade econômica, tão frequentemente abusados que as intervenções se faziam até por atos administrativos. Também o antigo art. 170 deixava espaço muito amplo à intervenção concorrencial do Estado em qualquer atividade econômica, dando apenas preferência às empresas privadas, permitindo a exploração estatal direta, mesmo sem caráter suplementar, o que equivaleria a dizer que, declarado o interesse público, estava constitucionalmente justificada a estatização de qual- quer setor da economia. Atualmente, os novos casos de intervenção, embora multiplicados, pelo menos restaram “bem definidos”, “numerus clausus”, e em apenas um dispositivo (art. 173, CRFB). Assim, conquanto o Estado brasileiro tenha ampliado seus monopólios (art. 177. CRFB), tratando-se de modalidades de aplicação imediata, em com- pensação, com o desaparecimento da regra do art. 163, caput, da Carta ante- rior, impossibilitou-se, na nova, a criação de qualquer outra modalidade, salvo por emenda constitucional. Especial consideração merece o art. 174, que é, de certa maneira, ambí- guo, sujeitando-se a interpretações variadas. Numa primeira leitura, poderia parecer que vem contradizer a adoção de uma economia de mercado, cujos princípios anteriormente expostos impedem. Numa economia de mercado pura, é o próprio mercado que regula a atividade econômica, sem que haja qualquer intervenção por parte do Esta- do. Em termos absolutistas de economia pura, Estado nenhum se submeteria a esse modelo. Porém, não existe o Estado de mercado puro, porque alguns pontos do sistema econômico são sempre retidos na mão do Estado, entre os quais, a própria utilização de seu orçamento, a emissão de moeda etc. O que interessa é apartar bem esses mecanismos de grande abrangência, que dizem respeito ao todo econômico, em que o Estado atua legitimamente, das demais incursões que possa pretender, de caráter estritamente particularizado. Aque- la a que se refere em que sua atuação se mostra legítima, trata-se de um tipo de atividade da qual o Estado não pode abdicar. Nos momentos de grande demanda, procura ele esfriar o passo da economia; e, nos momentos de crise, atua incentivando, instigando o mercado. Por isso que se tem o Estado como agente normativo e regulador da ordem econômica. Não é esse tipo de ativi- dade que se põe em questão. Mas o caráter normativo não pode ser utilizado 76 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades de molde a excluir a liberdade econômica. É de boa técnica interpretativa a integração dos princípios que aparentemente conflitam. Se a Constituição coloca o Estado na posição de agente regulador, nem por isso pretendeu implantar uma economia de cunho centralizado. Não per- mite esse entendimento nem a análise dos princípios consagrados expressa- mente, nem a análise sistemática do texto. Ademais, exercerá essa sua posição na forma estabelecida em lei. O princípio da juridicidade deverá, portanto, pautar a atuação do Estado nessa função. O mesmo art. 174, em sua segunda parte, atribui três funções ao Esta- do: fiscalização, incentivo e planejamento. Onde fiscalização tem o sentido de acompanhamento, na verificação da adequação do comportamento privado com relação aos ditames normativos; incentivo traz em si a ideia de estímu- lo, de ajuda, enfim, de concessão de benefícios no implemento da atividade privada; e planejamento, que, segundo a norma, é determinante para o se- tor público e apenas indicativo para o setor privado. A própria utilização da palavra “determinante” demonstra intenção do legislador, posto que forma uma expressão mais fraca do que a habitualmente utilizada: “planejamento imperativo”. Se assim é para o próprio setor público, o que não se dirá para o privado, no qual o planejamento não poderá ir além da simples indicação7. Ora, visto o contexto geral da ordem econômica brasileira, ou seja, visto que o Estado, na atual Carta Magna, está proibido de atuar no mercado no que tange à produção de riquezas (art. 170, CRFB), podendo fazê-lo apenas de forma suplementar quando a própria Constituição abrir tal exceção, exigindo que se esteja diante de imperativos de segurança nacional ou de relevante in- teresse coletivo (art. 173, CRFB) e que a Constituição deseja que o Estado atue como agente econômico e regulador da atividade econômica (art. 174, CRFB), 7 Eduardo Paz Ferreira (FERREIRA, Eduardo Paz. Direito da economia. Lisboa: Associação acadêmica faculdade de direito de Lisboa, 2001, p. 98 e 99) afirma que os planos econômicos podem ser definidos como “documentos aprovados pelos poderes políticos competentes, que se destinam a analisar as possibilidades de evolução da situação econômica, a definir uma orientação para essa evolução e a procurar dirigir os sujeitos econômicos no sentido de cooperarem para a realização dos objetivos estabelecidos”. Com base nessa definição, o autor identifica três elementos essenciais de qualquer plano econômico: a previsão econômica, que seria a tentativa de calcular qual a evolução provável da economia; a fixação e determinação de objetivos a alcançar, por parte dos poderes políticos, nos termos em que a Constituição e demais legislações estabeleçam; e a escolha e ordenação dos meios necessários para atingir as metas definidas, selecionando o plano, o conjunto das ações consideradasindispensáveis para alcançar os objetivos. 77 Direito Constitucional da Cidade repudiando o dirigismo econômico, acolhendo, porém, o intervencionismo econômico, nos estritos termos constitucionais (fiscalização, incentivo e pla- nejamento), justificando, inclusive, porque o Estado brasileiro é hoje fundado na livre iniciativa (art. 1.º, IV, 5.º, XIII e 170, caput, CRFB), que é de se notar, que é a noção de serviço público, que polariza a discussão sobre a extensão do papel do Estado na economia. A intervenção do Estado na economia, em maior ou menor grau, reflete- -se nos modos de se organizar os serviços públicos. Daí porque, num mode- lo de Estado bem-estar, o Estado tende a intervir mais na economia, e num modelo neoliberal, tende a reservar ao Estado um papel de controlador ou regulador dos serviços. A modo conclusivo, pode-se dizer então que formalmente, o Brasil pos- sui uma Constituição que consagra um regime de mercado, optando pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite intervenção do Estado para coi- bir abusos e preservar a livre concorrência, tendo como princípio informador o da livre iniciativa, razão pela qual não pode o Estado, aleatoriamente, de- finir um serviço como público. São, pois, dois esteios da organização econô- mica brasileira: a livre iniciativa como liberdade de abraçar-se, manter-se e sair num ramo econômico ou profissional – distinta da liberdade de empresa, pois abrange todas formas de produção, não apenas evidenciando a forma de organização –, e a livre concorrência, como o asseguramento de que os êxitos de uns e os malogros de outros decorrerão do fator competência, e não de prá- ticas desleais, fraudulentas ou que conduzam a uma dominação do mercado. Daí porque, afirma-se que é imperativo da ordem econômica brasileira que tanto a iniciativa econômica quanto a concorrência sejam livres, estando o Estado proibido de atuar diretamente na economia, tendo em vista o princípio da abstenção, só podendo o fazer de forma subsidiária. 17.2. Política urbana na ordem econômica da Constituição de 1988 Entender os parâmetros que norteiam a Ordem Econômica na Consti- tuição de 1988 leva necessariamente a problematizar como que a política ur- bana reage frente a disciplina das atividades de produção, circulação e de con- 78 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades sumo de riquezas. Essa discussão ganha relevância na medida em que o art. 182 da Constituição de 1988 consigna à política de desenvolvimento urbano o objetivo de ordenar e disciplinar as funções sociais da cidade e de garantir o bem-estar de seus habitantes. Nessa esteira, a política urbana à primeira vista pode ser vislumbrada como sendo antagônica à ordem econômica, na medida que em seu § 4° o constituinte elencou instrumentos de política urbana voltados à coibição da especulação imobiliária, à livre e incondicionada disposição individual sobre o direito de propriedade, chegando ao ponto de sancionar até mesmo aqueles que desvirtuam estas leis urbanas por meio da desapropriação, resultado do não cumprimento da função social. O protagonismo desta execução e fiscalização da política urbana é do ente municipal. Competência atribuída expressamente pela própria Consti- tuição. O Poder Público Municipal é competente para elaborar o Plano Dire- tor, ou seja, o conjunto de regras e princípios que trarão a melhor definição de política e ordem urbana vigente naquela jurisdição. Significa dizer que antes de pensar a política urbana e sua reação dentro da Ordem Econômica, ela necessariamente comportará dois caracteres preli- minarmente relevantes: (i) competência do Poder Público Municipal; e (ii) pla- nejamento segundo as particularidades locais. Dessa maneira, a política urbana assume múltiplas formas, dentre as quais cada município regulamenta instru- mentos urbanos que melhor atendam às suas necessidades individuais. Portan- to, a singularidade é característica atinentes à cada Plano Diretor elaborado8. Ainda assim, a política urbana precisa seguir preceitos comuns esta- belecidos pela própria Constituição de 1988, principalmente no que tange ao direito de propriedade e sua função social. A adstrição é outro elemento característico da política urbana. Em sua essência todas as suas disposições normativas e disciplinadoras devem atender à dois critérios: (i) respeito ao direito de propriedade; e (ii) garantia da função social. É sobre esses dois cri- térios que interessa discutir os efeitos atinentes quando sobreposto a com- preensão da política urbana à ordem econômica onde esta preza primordial- 8 PEREIRA, Rafael Drumond; BIENENSTEIN, Regina. O papel do estado na produção do espaço urbano: apontamentos sobre a política urbana de Niterói-RJ. Anais do XVI Simpósio Nacional de Geografia Urbana-XVI SIMPURB, Vitória, v. 1, p. 3438-3457, dez., 2019, p. 3441. 79 Direito Constitucional da Cidade mente pelo resguardo dos interesses particulares, da liberdade e da restrição da interferência estatal. De acordo com Ermínia Maricato9, entende-se que cada vez mais é fla- grante as limitações a consecução de ações políticas urbanas no Brasil diante da certeza da fragilidade do Poder Público no que tange ao desenvolvimento urbano-social. Isso porque o Poder Público se encontra em uma verdadeira encruzilhada: por um lado, a Ordem Econômica o impede de interferir senão em casos excepcionais previstos na Constituição; de outro, há por vezes con- flito de interesses entre agentes de mercado e reforma urbana. As disputas pela consecução dos instrumentos de política urbana, por vezes, não tem sido efetiva quando é preciso perpassar por interesses indivi- duais constitucionalmente garantidos. Isso fez com que Rafael Drumond Pe- reira e Regina Bienenstein10 chegassem à conclusão de que tanto política ur- bana quanto mercado acabam dependendo mutuamente um do outro para se alcançar o êxito. Entende-se como finalística da ação política urbana a busca sempre pelo bem-estar dos seus habitantes, isso incluiria a manutenção e ga- rantia da Ordem Econômica e ao mesmo tempo o exercício da função social. Ocorre que vem acontecendo justamente uma inversão de valores, ao ponto de interesses unicamente de cunho econômico se valerem mais frente à garantia dos interesses coletivos por meio das políticas urbanas. No caso bra- sileiro, os problemas urbanos que mais se destacam podem ser identificados com a questão da precarização da moradia e o déficit habitacional, justificados não somente em cima da má distribuição histórica de terras, mas principal- mente pelo acesso excludente de propriedade, pela especulação imobiliária e pela superposição de interesses de agentes de mercado e financeiros. Então, o que em um primeiro plano aparece como antagônico na ver- dade deve fazer com que tanto o mercado quanto a política urbana sejam in- terpretadas de forma complementar. De acordo com Rafael Verdum Cardoso Figueiró e Jamili Meyer de Matos11, não há que se falar em sobreposição de 9 MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 102. 10 PEREIRA, Rafael Drumond; BIENENSTEIN, Regina. O papel do estado na produção do espaço urbano: apontamentos sobre a política urbana de Niterói-RJ. Anais do XVI Simpósio Nacional de Geografia Urbana-XVI SIMPURB, Vitória, v. 1, p. 3438-3457, dez., 2019, p. 3443. 11 FIGUEIRÓ, Rafael Verdum Cardoso; MATOS, Jamili Meyer de. Urbanismo e autonomia financeira local: apontamentos sobre a política urbana de xangrilá no ano de 2017. In: ETGES, Filipe Madsen; 80 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades interesses individuais sobre o melhor interesse do cidadão no que tange à con- secução de política urbana. Estes autores se filiam ao entendimento de que o melhor interesse coletivo deve ser visto como um verdadeiro fator condicio- nante à garantia e tutela do direito individual, isto é, para haver a proteção dos interesses particularmente econômicos do titularda propriedade ela estará antes condicionada ao devido cumprimento de sua função social. Portanto, a política urbana deve estar para a Ordem Econômica bem como a Ordem Econômica se mostra parceira da política urbana. É nesse sentido que a política urbana deve ser conceituada como sendo um dos mais relevantes instrumentos de desenvolvimento social e econômico voltado ao atendimento dos seguintes objetivos fundamentais da República Federativa: erradicação da pobreza (art. 3.°, inc. III) e da elaboração de estratégia de cres- cimento econômico (art. 3.°, inc. II). E não é por outra razão que o constituin- te, ao tratar do capítulo da Ordem Econômica e financeira, maneja a política urbana como método ao desenvolvimento econômico, por meio da função social da propriedade (art. 170, inc. III). Resultado disso são, por exemplo, os investimentos políticos feitos nos seguintes programas de governo: Progra- ma de Aceleração do Crescimento (PAC), Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e Lei de Regularização Fundiária (LRF). Nisto consiste um dos maiores desafio urbano, qual seja, o de manejar a política urbana juntamente com a ordem econômica, pois conforme Ermínia Maricato12 a realidade tem mostrado que os intentos institucionais no senti- do de coadunar ambos tem fadado ao fracasso por inúmeros motivos, espe- cialmente quando vistos sob a ótica do mercado fundiário e imobiliário que acabam desvirtuando instrumentos de política urbana à favor de interesses individuais e econômicos. Nesse sentido, Júlia Ávila Franzoni13 afirma que apesar do constituinte adotar como intermédio a parceria tanto para a polí- tica urbana quanto para o mercado o que se tem apercebido é o predomínio CAMARGO, Daniela Arguilar; BIEHL, Jamile Brunie. Os Grandes Temas do Municipalismo: meio ambiente e urbanismo. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2018, vol. V, p. 73. 12 MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 78 13 FRANZONI, Júlia Ávila. Política Urbana na Ordem econômica: aspectos distributivos da função social da propriedade. 2012, 173f. Dissertação de Mestrado (Setor de ciências Jurídicas) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em: < https://terradedireitos.org.br/wp-content/ uploads/2012/08/R-D-JULIA-AVILA-FRANZONI.pdf>. Acessado em 14 de abril de 2020. 81 Direito Constitucional da Cidade de interesses individuais e econômicos nas relações de propriedade urbana. Fomenta-se ainda a desigualdade social e a exclusão do acesso à cidade urba- nizada no que diz respeito à busca pelo desenvolvimento social e do bem-estar dos seus habitantes de forma proporcional. Do ponto de vista jurídico, explica Suely Maria Ribeiro Leal14 que a po- lítica urbana tem suscetivelmente esbarrado em limitações de cunho social ao ponto de prevalecer prioritariamente regulamentações voltadas mais aos interesses de mercado do que ao equilíbrio socioeconômico. Há ainda que se considerar a singularidade de cada política urbana local por meio do Poder Público Municipal. Este possui o importante papel de cuidar do equilíbrio entre a efetivação de políticas urbanas de desenvolvimento social e ao mesmo tempo o de garantir a livre iniciativa e a não intervenção como norteadores de uma Ordem Econômica justa e eficaz. Nesse sentido, Júlia Ávila Franzoni15 afirma que o equilíbrio entre a po- lítica urbana e a Ordem Econômica depende da interpretação conjuntiva das disposições constitucionais e legais, como por exemplo, as normas do Estatuto da Cidade, a fim de se ter avanços sociais duradouros e ao mesmo tempo a operacionalização do direito de propriedade voltado ao desenvolvimento eco- nômico. Já para Guilherme Estima Giacobbo16 a visão da autora é limitativa, pois o equilíbrio depende não apenas de uma preocupação de interpretação conjuntiva, mas de uma efetiva participação colaborativa de todos os agentes sociais, econômicos e políticos. 14 LEAL, Suely Maria Ribeiro. Papel dos atores econômicos na governança das cidades brasileiras. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife: UFPE/MSEU, v. 1, n. 1, p. 62-82, 2012, p. 69-70. 15 FRANZONI, Júlia Ávila. Política Urbana na Ordem econômica: aspectos distributivos da função social da propriedade. 2012, 173f. Dissertação de Mestrado (Setor de ciências Jurídicas) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em: < https://terradedireitos.org.br/wp-content/ uploads/2012/08/R-D-JULIA-AVILA-FRANZONI.pdf>. Acessado em 14 de abril de 2020. 16 GIACOBBO, Guilherme Estima; CRUZ, Arthur Votto. O impasse da política urbana e o direito à cidade: o desafio dos governos locais na definição e fiscalização da função social da propriedade urbana. XVI Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, Santa Cruz do Sul, 2019. Disponível em: < https://online.unisc.br/acadnet/anais/ index.php/sidspp/article/view/19548/1192612265>. Acessado em: 14 de abril de 2020. 82 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades Rafael Verdum Cardoso Figueiró e Jamili Meyer de Matos17 atestam que a política urbana e o mercado necessitam ser revestidos com uma roupagem condizente com a ideia da dinâmica urbana redistributiva, considerando a peculiaridade local. Pensando em uma política de desenvolvimento nacional conjunta, a urbanização e todo seu aparato instrumental devem ser maneja- dos em conjunto com os fundamentos da Ordem Econômica constitucional, pois a visão do social e do econômico sempre estarão em interdependência de modo que não haja uma supervaloração de um contra o outro. Por tal motivo, pensar em política urbana na Ordem Econômica acaba envolvendo também a questão do acesso excludente de propriedade, também outra discussão que perpassa pela análise dos fundamentos da Ordem Eco- nômica. Assim a política urbana com foco na redistribuição e no desenvolvi- mento urbano caminha para compreensão destas limitações constitucionais e infralegais, isso porque José dos Santos Carvalho Filho18 consigna que a propriedade será um dos principais pontos tangenciais entre Política Urbana e Ordem Econômica e, consequentemente, um dos pontos de conflito entre interesses individuais e coletivos. Para Ermínia Maricato19 esse embate não é contemporâneo, mas histó- rico e, portanto, não há para tanto uma solução única e eficiente que resolverá tudo de uma vez por todas. O contexto socioeconômico vem de acordo com a supremacia do interesse público, principalmente no que tange ao espaço ur- bano. Embora reconheça uma Constituição econômica ela também consig- nou em seus princípios a função social da propriedade como direcionamento a ser seguido pelo mercado. O equilíbrio para um desenvolvimento urbano econômico tem sido cada vez mais objeto de atenção do direito, embora en- volva também problemas políticos. A razão deve estar na regulamentação de 17 FIGUEIRÓ, Rafael Verdum Cardoso; MATOS, Jamili Meyer de. Urbanismo e autonomia financeira local: apontamentos sobre a política urbana de xangrilá no ano de 2017. In: ETGES, Filipe Madsen; CAMARGO, Daniela Arguilar; BIEHL, Jamile Brunie. Os Grandes Temas do Municipalismo: meio ambiente e urbanismo. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2018, vol. V, p. 75. 18 FILHO, José dos Santos Carvalho. Propriedade, Política Urbana e Constituição. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 6, v. 23, p. 168-185, 2003, p. 184-185. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus. br/revistaemerj_online/edicoes/revista23/revista23_168.pdf>. Acessado em: 19 de abril de 2020. 19 MARICATO, Ermínia. O Estatuto da Cidade periférica. In: CARVALHO, Celso Santos; ROSSBACH, Anaclaudia. (Orgs.). O Estatuto da Cidade: comentado. São Paulo: Ministério das Cidades: Aliança das Cidades, 2010, p. 5-22. 83 Direito Constitucional da Cidade instrumentos que possam estar voltados a esse equilíbrio, possibilitando que diante de uma sobreposição político-ideológica o Estado possavir a se valer do direito para priorizar sempre o bem-estar coletivo. É o que pode ser aferido do Estatuto da Cidade. Essa legislação que regu- lamenta e dispõe sobre a política urbana, especialmente sobre os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, mostra que dentre suas diretrizes há a integração e complementariedade de atividades urbanas juntamente com o desenvolvi- mento socioeconômico do Município (art. 2.°, inc. VII). Em outras palavras, a lei não deixou em nenhum momento de privilegiar o desenvolvimento ur- bano de forma paralela com a Ordem Econômica. Porém, o próprio Estatuto, antes disso, deixa claro que suas normas são de ordem pública e de interesse prioritariamente social e regulam o uso da propriedade em benefício de toda a coletividade urbana (art. 1°, parágrafo único). É conclusivo para Guilherme Estima Giacobbo e Arthur Votto Cruz20 que o Estatuto da Cidade traga como tema central a função social da pro- priedade como regente do desenvolvimento urbano, pois apenas a Ordem Econômica priorizando a livre iniciativa impossibilitaria a busca pelo equi- líbrio socioeconômico, ocasionando uma verdadeira fragmentação dentro da própria cidade. O intento legislativo tende a definir a regulamentação do uso da propriedade urbana de forma que se garanta a liberdade econômica indivi- dual a todos, mas que, ao mesmo tempo, não deixa de proteger a moradia e o combate a erradicação da pobreza e da desigualdade social. Assim, sob a ótica constitucional a Ordem Econômica tem como fun- damentos a livre iniciativa e a valoração do trabalho humano. O Estado tem o dever de não intervir senão em casos excepcionais e que estão previstos. Quando se analisa a política urbana frente à ordem econômica a atenção deve ser redobrada, pois neste contexto a Constituição projeta um apelo redistri- butivo e um programa de Estado e de justiça social, principalmente por meio do Poder Público Municipal. O conflito está entre o capital e a democracia, 20 GIACOBBO, Guilherme Estima; CRUZ, Arthur Votto. O impasse da política urbana e o direito à cidade: o desafio dos governos locais na definição e fiscalização da função social da propriedade urbana. XVI Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, Santa Cruz do Sul, 2019. Disponível em: < https://online.unisc.br/acadnet/anais/ index.php/sidspp/article/view/19548/1192612265>. Acessado em: 14 de abril de 2020. 84 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades como bem assevera Hespanha21, onde o desafio para o direito ainda persiste no “ajustamento” das formas. 17.3. Princípios da ordem econômica, governança e justiça social nas cidades A livre iniciativa figura como um princípio fundamental e como prin- cípio geral do Estado22. A atual Constituição, logo em seu art. 1.º, deixa claro que constituem fundamentos da República Federativa do Brasil os “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (inc. IV), bem como quando trata da Ordem Econômica, onde elenca, no art. 170, seus princípios fundamentais. Deles, deve-se ressaltar, de imediato, a menção expressa que novamente é feita à livre iniciativa (caput do art. 170). Essa representa, pois, um dos fundamen- tos mais importantes da Ordem Econômica, reforçada de forma mais abran- gente ainda pelo inciso IV do referido artigo, que prevê a livre concorrência. Portanto, pela livre iniciativa, assegura-se a todos o direito de ingres- sarem no mercado, mas não se torna certo o direito de todos o fazerem sob iguais condições, repudiando-se, no entanto, qualquer forma de discrimina- ção que instaure condições de competitividade diferentes23. Inclui não apenas 21 HESPANHA, António Manuel. Guiando a mão invisível: direitos, Estado e lei no liberalismo monárquico português. Coimbra: Livraria Almedina, 2004. p. 8. 22 Ignacio García Vitoria (VITORIA, Ignacio García. La libertad de empresa: ¿un terrible derecho? Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2008, p. 97-102), depois de uma aproximação histórica do conceito de livre iniciativa privada dentro do direito espanhol, percebe que a constitucionalização da livre iniciativa responde a dois grandes grupos de argumentos “la libertad del individuo y el progreso de la economia”, depreende algumas características. A primeira delas é que a livre iniciativa possui um “sólido fundamento constitucional”. Pertence ao grupo de direitos e liberdades reconhecido de maneira constante ao longo do Constitucionalismo, às vezes, de forma expressa; outras, através de um entendimento amplo do direito de propriedade. Afirma, também, que, na maioria dos casos, opta-se por “incluir la libertad de empresa dentro del catálogo de derechos”, existindo, em consequência, uma forte aparência de “fundamentalidad”. Por fim, conclui que a natureza jurídica da livre iniciativa é a de um Direito Fundamental. 23 Luis Roberto Barroso (BARROSO, Luis Roberto. Regime constitucional do serviço postal legitimidade da atuação da iniciativa privada. Revista de direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 222, [s. a.], p. 179-212, out/dez, 2000, p. 183) decompõe o princípio da livre iniciativa em três partes. O primeiro deles diz respeito à propriedade privada, isto é, de apropriação particular dos bens e dos meios de produção (CRFB, art. 5.º, XXII e 170, II). Outro ponto é a liberdade de empresa, conceito materializado no parágrafo único do art. 170, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, 85 Direito Constitucional da Cidade ingressar e, portanto, atuar no mercado, mas também estabelecer os próprios objetivos e dirigir e planejar sua atividade em atenção a seus recursos e às condições do próprio mercado. Além de, também, assegurar o direito de ces- sar a atividade, afinal não se pode qualificar de livre, obrigação indefinida de continuidade de atuação contra sua vontade. Deve-se assinalar, também, que a livre iniciativa ampara tais liberdades com independência da atividade ou setor econômico em que se desenvolve. Já pela livre concorrência que foi elevada a princípio pela atual Consti- tuição (art. 170, IV), entende-se ser uma das manifestações da liberdade de iniciativa econômica privada, e para garanti-la o legislador constituinte esta- tuiu, no artigo 173, §4.º, que a lei reprimirá o abuso24 do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros25. Logo, pode-se dizer que a função basilar da defesa da independentemente de autorização, salvo nos casos previstos em lei. Em terceiro lugar, situa-se a liberdade de lucro, que nada mais é do que deixar o empreendedor estabelecer seu preço, que há de ser determinado, em princípio, pelo mercado, por meio da livre concorrência, que está configurada no art. 170, IV da CRFB, como um dos princípios da ordem econômica. Ela é uma manifestação da liberdade de iniciativa, e, para garanti-la, a Constituição estatui que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, §4.º). Já Marcos Juruena Villela Souto (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 47) distribui o princípio da livre iniciativa em dois subprincípios, o princípio da abstenção, que, segundo o autor, “vai na linha do Estado Liberal, ou seja, a regra é que o Estado não deve se intrometer na atividade econômica, especialmente exercendo, ele próprio, atividade econômica, ressalvadas as hipóteses autorizadas na Constituição; portanto, o Estado está legitimado – papel constitucional clássico – a intervir no domínio econômico; todavia ele está limitado aos termos da própria Constituição”; e o princípio da subsidiariedade, por força do qual, o Estado só intervém diretamente nas hipóteses autorizadas na Constituição, ou seja, nos casos de “relevante interesse coletivo” ou “imperativo de segurança nacional”.Para o autor, somente nessas duas situações é que o Estado está autorizado a explorar a atividade econômica; fora disso, o Estado pode intervir de maneira não-prestacional, não diretamente na economia, conforme art. 174 da CRFB. 24 José Afonso da Silva (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo: Madeiros, 2000, p. 771) in verbis: “essa prática abusiva, que decorre quase espontaneamente do capitalismo monopolista, é que a Constituição condena, não mais como um dos princípios da ordem econômica, mas como um fator de intervenção do Estado na economia, em favor da economia de livre mercado”. 25 Isabel Vaz (VAZ, Isabel. Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 27) aponta que a noção tradicional de concorrência pressupõe uma: “ação desenvolvida por um grande número de competidores, atuando livremente no mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura provenham de compradores ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente ou duradouro, no preço dos bens ou serviços”. 86 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades livre concorrência não é reprimir práticas econômicas, e sim estimular todos os agentes econômicos a participarem do esforço de desenvolvimento26. São, pois, dois esteios da organização econômica brasileira: a livre inicia- tiva como liberdade de abraçar-se, manter-se e sair num ramo econômico ou profissional, e a livre concorrência, com o asseguramento de que os êxitos de uns e os malogros de outros decorrerão do fator competência, e não de práti- cas desleais, fraudulentas ou que conduzam a uma dominação do mercado27. 26 De acordo com Augusto Zimmermann (ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 550), o sistema da livre concorrência, consagrado na Constituição brasileira, conduz à competitividade. Competitividade entre agentes econômicos, levando-se à otimização dos recursos e à disposição social dos bens a preços justos. No mesmo sentido, Celso Ribeiro Bastos (BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 26-28) infere que é pela livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições mais favoráveis ao consumidor. Por certo que a livre concorrência eficaz praticável, a chamada “workable competition”, é difícil de ser atingida. Retomar-se-á, a esse tema mais adiante. 27 Liberdade pode ser entendida de várias formas: como ter o significado de ato voluntário, ou como ausência de coação ou interferência externa, como possibilidade de escolha, como possibilidade de autodeterminação, entre outros. Interessa, particularmente, a acepção de liberdade sob a perspectiva econômica. Dentro dessa perspectiva, Américo Luis Martins da Silva (SILVA, Américo Luis Martins da. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 35) define liberdade como: “a possibilidade de escolher seu próprio caminhos profissionais ou suas próprias atividades econômicas, com ausência de coação ou interferência do Estado”. É, para o autor, a possibilidade de iniciativa privada, a ausência de interferência do Estado no mercado, visando ao máximo de eficiência na produção e justiça na repartição do produto. Este mesmo autor (ibidem, p. 40) dita que a livre iniciativa: “significa deferir-se às empresas privadas o organizar e explorar as atividades econômicas, preferencialmente, apenas com o estímulo e o apoio do Estado, sem qualquer outra participação, direta ou indireta, deste e sem o constrangimento abusivo da concentração capitalista”. Para L. G. Paes de Barros Leães (LEÃES, L. G. Paes de Barros. Estudos e pareceres sobre sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 7), livre iniciativa e livre concorrência são conceitos diversos, porém complementares. O primeiro seria a liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição das riquezas, significando a livre escolha e o livre acesso às atividades econômicas. E o segundo é um conceito instrumental do primeiro, significando o princípio econômico, segundo o qual, a fixação dos preços dos bens e serviços não deve resultar de atos da autoridade, mas sim do livre jogo das forças em disputa no mercado. Desse modo, de acordo com Sérgio Varella Bruna (BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 136), livre iniciativa e livre concorrência são “princípios intimamente ligados” representantes de liberdades, não de caráter absoluto, mas liberdades regradas, condicionadas, entre outros, pelos imperativos de justiça social, de existência digna e de valorização do trabalho humano. Assim, o que a Constituição brasileira privilegia, tanto no princípio da livre iniciativa como da livre concorrência, os valores social e econômico, ou seja, o quanto ela pode expressar de socialmente valioso e de eficiência na alocação dos recursos (desenvolvimento econômico). Por isso que a extensão 87 Direito Constitucional da Cidade Daí porque, afirma-se que é imperativo da ordem econômica brasileira que tanto a iniciativa econômica quanto a concorrência sejam livres, estando o Estado proibido de atuar diretamente na economia tendo em vista o princípio da abstenção, só podendo o fazer de forma subsidiária. Além de não se admitir modalidades de intervenção estatal que venham a suprimir por completo a li- berdade de iniciativa e concorrencial28, ainda que transitoriamente, assim como não são admitidos os atos de agentes privados que produzam tal efeito. Apesar de livres, não possuem tais princípios caráter geral e absoluto, devem ser ponderados com outros valores e fins públicos previstos no próprio texto constitucional, como, por exemplo, o dever do Estado de promover o bem de todos (art. 3.º, IV) e a justiça social (art. 170, caput). Ou seja, estão sujeitos a restrições e limitações indispensáveis à preservação de outros prin- cípios constitucionais. A ideia de justiça social nas cidades tem vez também dentro das ordens condicionantes dos fundamentos da Ordem Econômica. Roberto Beijato Ju- nior e Elisaide Trevisam29 asseveram que o fim último da Ordem Econômica deve ser assegurar a existência da dignidade humana, com base na justiça social. A compreensão do que é justiça social na cidade é pensada para além do agir de um único indivíduo, mas sim, o agir justo que visa a vontade geral de uma dada sociedade. O agir de todos tem participação no que se definirá de tais liberdades dependerá de sua análise conjugada com os demais objetivos e princípios, não só da ordem econômica, mas da Constituição como um todo. 28 Carla C. Marshall (MARSHALL, Carla C. A regulação para a competição. In: SOUTO, Marcos Juruena Villela; MARSHALL, Carla C. Direito Empresarial Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 37) estabelece que a intervenção do Estado na economia pode se expressar a partir de 5 categorias diferentes identificadas na Constituição: “1º) de ordem normativa – na parte inicial do caput do art. 174, quando age como agente normativo; 2º) de ordem tributária – art. 149; 3º) de ordem reguladora – parte final do caput do art. 174, ao atribuir ao Estado papel de regulador da atividade econômica, exercendo, para tanto, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento; 4º) de ordem executiva – ao prever no art. 175, caput, que: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos; e, por fim, a 5º) mas não menos importante, de ordem repressiva – expressa no §4º do art. 173: A lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos marcados, à eliminaçãoda concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. 29 JUNIOR, Roberto Beijato; TREVISAM, Elisaide. Justiça Social na Ordem Econômica Brasileira e a busca pela efetivação do Estado Democrático. Revista de Argumentação e Hermenêutica Jurídica, Maranhão, v. 3, n. 2, p-19-36, jul/dez, 2017, p. 27. 88 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades por justiça, portanto, para os autores aquilo que não for eticamente atribuível ao bem-estar coletivo está para além dos parâmetros de justiça e equidade. Por isso justiça social na cidade tem efeito direto sobre a ideia de isono- mia, que também está diretamente ligada aos princípios da livre concorrência e da livre iniciativa. Assim, ao ser adotada determinada medida que implique nesses princípios, visando o bem comum, retoma-se a isonomia como pressu- posto de respeito e efetivação da justiça social. Noutro viés, a ideia de justiça social na cidade também condiciona o próprio Estado. Embora a leitura do art. 170 apenas mencione expressamente como agentes de consecução do bem comum na Ordem Econômica os traba- lhadores (trabalho humano) e o empresário (livre iniciativa), a sua interpreta- ção põe o Estado como garantidor também da existência digna de todos30. É chamado papel de governança. Para Ricardo Castilho31 o Estado exerce um importante papel de governança no que diz respeito à conformação do pro- cesso econômico à estrutura social urbana, principalmente quanto à efetiva- ção e uma correlação digna e justa. Logo, a governança será o papel do Estado também na conformação da Or- dem Econômica e seus fundamentos à garantia de existência digna de cada cida- dão, de forma a dar direcionamento às ações dos demais agentes econômicos e confrontá-los com os objetivos e fundamentos da própria República Federativa. Tais princípios possuem, portanto, caráter de direitos fundamentais, que não se podem fazer efetivos simplesmente mediante a abstenção dos poderes públicos, devendo esses eliminarem as travas que impedem o livre desenvol- vimento destes. Também possuem caráter relativo, pois hão de ser modulados atendendo a outros valores e princípios e estão intimamente ligados ao direi- to de propriedade, vez que esses direitos são instrumentos essenciais nas mu- danças da organização econômica e social vivenciadas ao longo dos séculos. Servindo-se de objetivos complementários, o direito de propriedade levou à ge- neralização da livre disposição dos bens e à livre iniciativa, seguida pela livre competência, impulsionou à eliminação das travas de acesso ao mercado. Por 30 JUNIOR, Roberto Beijato; TREVISAM, Elisaide. Justiça Social na Ordem Econômica Brasileira e a busca pela efetivação do Estado Democrático. Revista de Argumentação e Hermenêutica Jurídica, Maranhão, v. 3, n. 2, p-19-36, jul/dez, 2017, p. 30. 31 CASTILHO, Ricardo. Justiça Social e Distributiva: desafios para concretizar direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 52-53. 89 Direito Constitucional da Cidade último, tais direitos estão em contínua transformação e evolucionam no curso do tempo. Em geral, todos direitos experimentam constantemente as transfor- mações, mas a livre iniciativa e a livre concorrência as fazem de forma mais acentuada e sempre atrelada às mudanças de modelos econômicos estatais. A modo de conclusão, pode-se afirmar que ambas as liberdades, livre iniciativa e livre concorrência, são direitos complexos e em contínua evolução, dessa ma- neira anunciando que as análises de sua eficácia jurídica exigirão ter em con- ta diversas variáveis e que seu grau de intangibilidade não será uniforme, não podendo se servir de simplificações e atentando sempre às diferentes nuanças. Ademais, nem o princípio da livre iniciativa nem o da livre concorrência possuem caráter geral e absoluto, devem ser ponderados com outros valores e fins públicos previstos no próprio texto constitucional, como, por exemplo, o dever do Estado de promover o bem de todos (art. 3.º, IV) e a justiça social (art. 170, caput). Desse modo, estão sujeitos a restrições e limitações indis- pensáveis à preservação de outros princípios constitucionais. Porém, por ser a livre iniciativa um fundamento da República e um princípio fundamental da ordem econômica brasileira, as restrições a tais liberdades têm caráter ex- cepcional e somente podem emergir das hipóteses expressamente previstas na própria Constituição ou implicitamente autorizadas por ela. Assim, a principal conclusão que se pode auferir é que existem distintos níveis de garantias dentro do conteúdo de ambos os princípios (livre iniciativa e livre concorrência). As suas garantias são diretamente proporcionais à valo- ração que mereça seu exercício nos distintos casos concretos, analisando-os por meio de seu sujeito ativo, da natureza jurídica da atividade ou qualquer outro critério. Diferem assim de conteúdo, mas são sempre complementários e estão para junto do exercício do papel da governança em busca da justiça social nas cidades. Dependendo da atividade, dar-se-á maior ou menor prote- ção, que dependerá diretamente do maior ou menor interesse público. Assim configura-se porque as atividades não são homogêneas, não se podendo tratar de forma igual o que é desigual. 17.4. Função econômica da propriedade urbana A função econômica da propriedade não deve ser confundida com a fun- ção social da propriedade prevista no art. 5°, inc. XXIII da Constituição de 90 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades 1988. Esta faz referência à questão da proteção da funcionalidade do direito de propriedade voltado ao melhor interesse coletivo. Para Maurício Jorge Pereira da Mota, Emerson Affonso da Costa Moura32 e Marcos Alcino de Azevedo Torres33 a inclusão da função social da propriedade na ordem constitucional traz necessariamente uma revisão dos inúmeros deveres e privilégios do seu titular, principalmente no que diz respeito a ociosidade indesejada do direito de propriedade e ao seu acúmulo desproporcional. A função social está dire- tamente direcionada ao atendimento dos preceitos constitucionais da política urbana, isto é, às funções sociais da cidade pela Constituição de 1988. Por outro lado, para estes autores há reclamação no sentido de que existe a função socioeconômica, isto é, aquela que trabalha tanto o direito de pro- priedade sob seu viés social quanto seu viés econômico propriamente dito. O direito de propriedade não deixa de ter o reconhecimento legal do seu conteú- do patrimonial, ou seja, a proteção da apreciação do seu conteúdo econômico. Dizer que a função econômica da propriedade não está tutelada na Cons- tituição é um equívoco. A tutela ao direito de propriedade como direito funda- mental (art. 5°, inc. XXII) e como princípio da atividade econômica (art. 170, inc. II) leva à conclusão de que a função econômica é um importante elemento protegido e que está à disposição do seu titular. Para Elisberg Francisco Bessa Lima34 a propriedade privada é elemento inerente ao desenvolvimento nacional e para tanto deve o Estado se abster ao máximo de interferir na propriedade privada, seguindo a mesma linha da abstenção estatal na ordem econômica. Portanto, a função socioeconômica da propriedade urbana faz parte do conceito de direito de propriedade tutelada pela Constituição de 1988 e, por con- seguinte, faz parte seja da política urbana seja da Ordem Econômica. Imperioso se faz que o estudo da propriedade urbana, neste caso, leve em consideração tanto questões de ordem social quanto a análise do aproveitamento econômico 32 MOTA, Maurício Jorge Pereira da; MOURA, Emerson Affonso da Costa. Direito fundamental de propriedade e a função socioambiental nas cidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 22-24. 33 TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. Função social da propriedade e funções sociais da cidade. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 684-711, 2019, p. 685. 34 LIMA, Elisberg Francisco Bessa. Análise Econômicado Direito de Propriedade e a Ordem Constitucional Brasileira. In: Encontro Nacional do CONPEDI, XIX, p. 345-362, 2010, Fortaleza. Anais de Evento, p. 346-347. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/ arquivos/anais/fortaleza/3133.pdf >. Acessado em: 16 de abril de 2020. 91 Direito Constitucional da Cidade para o seu titular, reconhecido como meio para efetivação dos fundamentos da ordem econômica, tal como é para com o princípio da livre iniciativa. A propriedade urbana exerce um papel de suma importância para o con- texto social no que tange a satisfação primordial de múltiplas necessidades da sociedade. Tanto a fruição quanto a sua utilização são resguardos para a defe- sa da própria liberdade individual e, portanto, representa condição inexorável para o atendimento de necessidades não apenas do seu titular, mas também da coletividade. Explica Guilherme Mello35 que para haver a concretização do bem-estar social é imprescindível sua ligação com o aproveitamento econô- mico da propriedade. A propriedade urbana exercer, portanto, papel fundamental no atendi- mento das necessidades tanto individuais quanto coletivas, uma vez que serve não apenas para moradia, mas também possibilita a exploração de atividades econômicas por pequenos empresários, comércio, empresas, pecuária, agri- cultura, indústria etc. Para Elisberg Francisco Bessa Lima36, a propriedade antes da Constituição de 1988 era tida como preceito apenas da Ordem Eco- nômica onde era vigente a doutrina do liberalismo econômico. Acreditava-se que por meio da persecução do interesse individual no mercado os indivíduos alcançariam seus anseios individuais. Pós 1988 a função social da propriedade é recebida como novo elemento que passou a ser integrado ao conceito absolu- to do direito de propriedade ao ponto de relativizar tanto politicamente quan- to economicamente a ideia de propriedade individual possessiva por meio de instrumentos de política urbana de cunho social, dentre eles destaca-se a pos- sibilidade do Município desapropriar uma propriedade para dar-lhe a devida destinação (art. 182, § 4°) ou da União se valer da expropriação compulsória como sanção contra indivíduo que possui o cultivo ilegal de plantas psicotró- picas ou trabalho escravo (art. 243). 35 PORTO, Antônio José Maristello. Análise Econômica do Direito (AED). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2013, p. 39. Disponível em: <https://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/ analise_economica_do_direito_20132.pdf>. Acessado em: 17 de abril de 2020. 36 LIMA, Elisberg Francisco Bessa. Análise Econômica do Direito de Propriedade e a Ordem Constitucional Brasileira. In: Encontro Nacional do CONPEDI, XIX, p. 345-362, 2010, Fortaleza. Anais de Evento, p. 351. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/ arquivos/anais/fortaleza/3133.pdf >. Acessado em: 16 de abril de 2020. 92 Teoria das Ordens Urbanas e dos Direitos Fundamentais nas Cidades A propriedade urbana também apresenta um viés importante no que diz respeito ao desempenho do papel dos atores econômicos na governança das cidades brasileiras. A importância dos atores econômicos cresce a partir dos anos 1990 sob o estigma do sistema neoliberal. Suely Maria Ribeiro Leal37 esclarece que começa a haver uma modelagem em cima da repartição públi- co/privado ao ponto de vir a surgir novos arranjos políticos e institucionais democráticos que resultaram na abertura de novos espaços e canais de parti- cipação direta da coletividade. Esse papel desempenhado pelos agentes econômicos possui impacto dentro do ordenamento urbanístico. O atendimento dos interesses de merca- do, para a autora, beneficia toda aquela coletividade, pois acaba trazendo pro- jetos estratégicos urbanísticos para tornar possível a conexão entre os atores econômicos e as perspectivas sociais38. A função econômica da propriedade urbana se mostra como um pacto necessário entre a cidade e os atores econô- micos com fim de trazer investimento e ao mesmo tempo desenvolvimento urbano ao município. Dentre as inovações trazidas discute-se as novas formas práticas de gestão compartilhada entre o setor público e o setor privado, o que configura uma remodelação da configuração entre a relação contratual Estado e agente econômico, onde aquele figura como mero gestor-contratante enquanto este é contratado-executor. Antônio José Maristello Porto39 critica o posicionamento acima adotado pela autora ao afirmar que a Administração Pública deve assumir seu papel de gestor social e garantidor da Ordem Econômica. O Estado sempre foi, para o autor, naturalmente influenciado por questões econômicas, o que tem mar- cado sua característica patrimonialista e tem implicado na persistência de in- teresses econômicos dentro do aparelho Estatal, a sua crescente privatização e na diminuição dos espaços de interesse público em detrimento de sua função 37 LEAL, Suely Maria Ribeiro. Papel dos atores econômicos na governança das cidades brasileiras. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife: UFPE/MSEU, v. 1, n. 1, p. 62-82, 2012, p. 53. 38 LEAL, Suely Maria Ribeiro. Papel dos atores econômicos na governança das cidades brasileiras. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife: UFPE/MSEU, v. 1, n. 1, p. 62-82, 2012, p. 61. 39 PORTO, Antônio José Maristello. Análise Econômica do Direito (AED). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2013, p. 43-45. Disponível em: <https://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/ u100/analise_economica_do_direito_20132.pdf>. Acessado em: 17 de abril de 2020. 93 Direito Constitucional da Cidade social. Logo, a função econômica da propriedade estava se sobrepondo à fun- ção social que também deveria ser reconhecida pelo Poder Público. Nesse cenário de limitações urbanas há sim grande influência negativa que pode vir da gestão deixada tão somente ao cargo dos agentes econômi- cos. Por isso o art. 174 da Constituição de 1988 reveste o Estado na qualidade de agente normativo e regulador do mercado, o fazendo por meio do plane- jamento, do incentivo e da fiscalização. Nesse sentido, Maria Suely Ribeiro Leal traz o conceito de empowerment para dentro do contexto da função eco- nômica da propriedade como sendo a regência de instrumentos sociais que estimula a participação social, trazendo a ideia de gestão compartilhada na Ordem Econômica40. Investir nas bases do acesso à informação, à inclusão e à participação, até mesmo para a concretização de uma responsabilização da capacidade local de fiscalização é garantir que a função econômica da pro- priedade urbana será efetiva e garante a liberdade individual quando ela está nos conformes do interesse coletivo. Antônio Porto e Paulo Franco41 também examinam a função econômi- ca da propriedade sob o substrato da Análise Econômica do Direito42. Chama atenção que embora o direito de propriedade tenha passado gradativamente por uma releitura constitucional, o que tem obrigado o titular a conformar a sua propriedade urbana com algumas funções sociais, para o autor a função econômica da propriedade é um dos pilares que sustentam a ordem econômi- ca de toda sociedade e não pode assim ser limitada. Há de ser destacado o caráter multifacetário da funcionalização do direi- to de propriedade. Então sob a análise do campo jurídico o direito de proprie- dade passou a ser um verdadeiro poder-dever, pois seus poderes sofrem com 40 LEAL, Suely Maria Ribeiro. Papel dos atores econômicos na governança das cidades brasileiras. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife: UFPE/MSEU, v. 1, n. 1, p. 62-82, 2012, p. 58. 41 PORTO, Antônio José; FRANCO, Paulo. Uma Análise também Econômica do Direito de Propriedade. Economic Analysis of Law Review, Brasília, v. 7, n. 1, p. 207-232, 2016, p. 211-212. 42 Para os autores a interpretação do conteúdo econômico do direito de propriedade deve se valer da Análise Econômica do Direito. Trata-se de uma perspectiva interdisciplinar.
Compartilhar