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POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIRETORIA DE INSTRUÇÃO E ENSINO CENTRO DE ENSINO DE BIGUAÇU CURSO DE GRADUAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA O EMPREGO LEGÍTIMO DA FORÇA LETAL NA ATIVIDADE POLICIAL COMO MEDIDA EXTREMA DE PRESERVAÇAO DA ORDEM PÚBLICA EGON FERREIRA PLATT HEMANN Florianópolis (SC) 2007 EGON FERREIRA PLATT HEMANN O EMPREGO LEGÍTIMO DA FORÇA LETAL NA ATIVIDADE POLICIAL COMO MEDIDA EXTREMA DE PRESERVAÇAO DA ORDEM PÚBLICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Segurança Pública da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu. Orientador: Major PM Marcelo Cardoso Florianópolis (SC) 2007 EGON FERREIRA PLATT HEMANN O EMPREGO LEGÍTIMO DA FORÇA LETAL NA ATIVIDADE POLICIAL COMO MEDIDA EXTREMA DE PRESERVAÇAO DA ORDEM PÚBLICA Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado e aprovado em sua forma final pela Coordenação do Curso de Segurança Pública da Universidade do Vale do Itajaí, em 02 de outubro de 2007. ___________________________________ Prof. Msc. Moacir José Serpa Univali – CE Florianópolis Coordenador do Curso Banca Examinadora: ___________________________________ Major PM Marcelo Cardoso Orientador ___________________________________ 1° Tenente PM Emerson Fernandes Membro ___________________________________ Prof. Msc. Sandro César Sell Membro Este trabalho é dedicado à Polícia Militar de Santa Catarina, bem como, a todos os policiais militares que diuturnamente zelam pela preservação da ordem pública. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por se fazer presente em todos os momentos de minha vida, oferecendo respostas a todas as minhas perguntas, esclarecimento a todas as minhas dúvidas, encorajando-me nos momentos de fraqueza, confortando-me nas horas difíceis, alegrando-me nos momentos de tristeza, mostrando- me sempre qual caminho percorrer... Aos meus pais Egon Curt Hemann e Vanir Ferreira Platt, por terem estado sempre ao meu lado, educando- me, orientando-me, apoiando-me, socorrendo-me, oferecendo-me amor, carinho, apoio... A minha namorada, Naíma Huk Amarante, por fazer de meus dias, dias melhores... Ao Major PM Marcelo Cardoso, professor orientador, por ter aceitado a missão de me auxiliar na elaboração do presente trabalho... A Polícia Militar de Santa Catarina por proporcionar-me a oportunidade de crescimento profissional e pessoal... Aos verdadeiros amigos, próximos ou distantes, que se alegram com meu sucesso... “Que Deus reserve no Céu, um lugar digno para todos aqueles que, diariamente, vão ao Inferno para garantir a paz de seus semelhantes”. Miliciano desconhecido RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem por escopo realizar estudo no intuito de verificar o emprego legítimo da força letal na atividade policial como medida extrema de preservação da ordem pública. O Estado investe na seleção de um cidadão, dando-lhe formação e treinamento, de forma a outorgar-lhe autoridade e poder para que possa ser reconhecido como um encarregado da aplicação da lei, bem como, responsável pela preservação da ordem pública. A autoridade e o poder dados a este cidadão e, agora policial, são muito grandes, e em nome de uma vida, um policial, no desempenho de suas funções poderá chegar ao extremo de tirar a vida de outrem. Ao trabalhar na rua, o policial necessita trazer consigo um leque de respostas variadas para situações que exijam enfrentamento. Ter apenas uma resposta não será suficiente para conter uma agressão. Tendo em vista que as resistências e agressões existem nas mais variadas formas e graus de intensidade, o policial terá que adequar a sua reação à intensidade da agressão, não podendo em momento algum valer-se da força desproporcional. Em assim sendo, torna-se indispensável que o policial em sua atividade diária, saiba em que momento poderá empregar a força letal objetivando a preservação da ordem pública. Para dar resposta aos questionamentos, foi utilizada a pesquisa bibliográfica em livros de doutrina, artigos científicos e sites de doutrina jurídica. Quanto ao universo de métodos que proporcionam as bases lógicas de investigação científica, utilizou-se o método indutivo. Palavras - chave: Agressão, força letal, ordem pública. . ABSTRACT The present work of course conclusion has for target to produce a study with the intention of verifying the legitimate use of lethal force, in police activity, as an extreme measure to preserve public order. The State invests in the selection of a citizen, giving him formation and training, in a way that grants him authority and power for his being recognized as the person in charge of enforcing the law, as well as responsible for maintaining the Public Order. The authority and power granted to this citizen, now policeman, are huge, and in behalf of a life, a policeman may, when performing his duties, come to the extreme of taking someone's life. When working in the streets, a policeman needs to bring with himself a fan of answers to situations that demand confrontation. Having only one answer will not suffice to contain an aggression. Considering that resistances and aggressions exist in several ways and degrees of intensity, the policeman has to adequate his reaction to the intensity of the aggression, without, in any moment, making use of disproportionate strength. That being said, it is imperative that the policeman, is his daily duties, know in which moments will he be allowed to make use of lethal force, in behalf of the preservation of the Public Order. To give answer to the asked questions, the bibliographical research was used in books of doctrine, scientific articles and sites of legal doctrine. As for the universe of methods that provide the logical bases of scientific investigation, the inductive method was used. Keywords: Aggression, lethal force, public order. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: Modelo Flect de uso progressivo da força. ........................................... 59 Ilustração 2: Modelo Canadense de uso progressivo da força. ................................. 60 Ilustração 3: Modelo Remsberg de uso progressivo da força.................................... 61 Ilustração 4: Modelo Nashville de uso progressivo da força. .................................... 62 Ilustração 5: Modelo Phoenix de uso progressivo da força. ...................................... 63 Ilustração 6: Modelo de Uso da Força. ...................................................................... 64 Ilustração 7: Modelo de Opções de Uso da Força. ................................................... 65 Ilustração 8: Modelo Básico de Uso Progressivo da Força. ...................................... 67 Ilustraçao 9: Sistema de Defesa.................................................................................75 Ilustração 10: Visualização das situações. ................................................................ 81 Ilustração 11: Triângulo do Tiro. ................................................................................ 82 Ilustração 12: Princípios essenciais no uso da força e armas de fogo. ..................... 89 LISTA DE ABREVIATURAS SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................13 1.1 TEMA DE PESQUISA ...................................................................................... 13 1.2 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................ 14 1.3 OBJETIVOS ..................................................................................................... 14 1.3.1 Geral ......................................................................................................... 14 1.3.2 Específicos .............................................................................................. 14 1.4 JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 15 1.5 METODOLOGIA DA PESQUISA ..................................................................... 16 1.6 APRESENTAÇÃO GERAL .............................................................................. 18 2 O PAPEL DESEMPENHADO PELAS POLÍCIAS MILITARES ............................. 19 2.1 MISSÃO CONSTITUCIONAL DAS POLÍCIAS MILITARES ............................. 19 2.1.1 Preservação da ordem pública .............................................................. 20 2.1.1.1 Segurança pública .............................................................................. 22 2.1.1.2 Tranqüilidade pública .......................................................................... 23 2.1.1.3 Salubridade pública ............................................................................ 24 2.1.2 Polícia Ostensiva..................................................................................... 24 2.2 PODER DE POLÍCIA ....................................................................................... 25 2.2.1 Conceito ................................................................................................... 25 2.2.2 Extensão e limites ................................................................................... 27 2.2.3 Atributos .................................................................................................. 28 2.2.3.1 Discricionariedade .............................................................................. 28 2.2.3.2 Auto-executoriedade ........................................................................... 29 2.2.3.3 Coercibilidade ..................................................................................... 30 2.2.4 Meios de atuação .................................................................................... 30 3 APLICAÇÃO DA FORÇA NA ATIVIDADE POLICIAL SOB A ÉGIDE DOS DIREITOS HUMANOS; DIREITO A VIDA E LEGÍTIMA DEFESA ........................... 33 3.1 ATIVIDADE POLICIAL E DIREITOS HUMANOS ............................................ 33 3.2 O USO DA FORÇA NA ATIVIDADE POLICIAL ............................................... 38 3.3 DIREITO A VIDA ............................................................................................. 43 3.4 LEGÍTIMA DEFESA ......................................................................................... 45 3.4.1 Conceito e fundamento .......................................................................... 45 3.4.2 Agressão atual ou iminente e injusta .................................................... 47 3.4.3 Defesa de um direito próprio ou alheio ................................................. 47 3.4.4 Moderação dos meios necessários ....................................................... 48 3.4.5 Elemento subjetivo ................................................................................. 50 4 O EMPREGO GRADUAL DA FORÇA NA ATIVIDADE POLICIAL ...................... 51 4.1 ESCALONAMENTO DO USO DA FORÇA ...................................................... 51 4.1.1 Conceito ................................................................................................... 51 4.1.2 Os elementos do uso da força ............................................................... 51 4.1.3 Medidas de força ..................................................................................... 52 4.1.4 Tipos de uso da força ............................................................................. 53 4.1.5 Níveis de submissão dos suspeitos ...................................................... 54 4.1.6 Níveis de uso da força ............................................................................ 55 4.1.7 Utilização dos níveis de força ................................................................ 56 4.2 MODELOS DE USO DA FORÇA ..................................................................... 57 4.2.1 Conceito ................................................................................................... 57 4.2.2 Modelo Flect ............................................................................................ 58 4.2.3 Modelo Canadense .................................................................................. 60 4.2.4 Modelo Remsberg ................................................................................... 61 4.2.5 Modelo Nashville ..................................................................................... 62 4.2.6 Modelo Phoenix ....................................................................................... 63 4.2.7 Modelo de Uso da Força ......................................................................... 64 4.2.8 Modelo de Opções de Uso da Força ...................................................... 64 4.2.9 Modelo Básico de Uso Progressivo da Força ...................................... 67 5 SOBREVIVÊNCIA POLICIAL ................................................................................ 68 5.1 ATIVIDADE POLICIAL E O CONFRONTO ARMADO ..................................... 68 5.1.1 Armas ....................................................................................................... 70 5.1.2 Armas de fogo ......................................................................................... 71 5.1.2.1 Histórico .............................................................................................. 71 5.1.2.2 Conceito ............................................................................................. 72 5.1.2.3 Classificação das armas de fogo ........................................................ 73 5.1.3 Armas letais ............................................................................................. 73 5.2 CÍRCULO DE SOBREVIVÊNCIA .................................................................... 74 5.2.1 Elementos do círculo de sobrevivência ................................................ 76 5.2.1.1 Preparação mental ............................................................................. 76 5.2.1.2 Preparação física ................................................................................ 78 5.2.1.3 Preparação tática ................................................................................ 78 5.2.1.4 Equipamento....................................................................................... 79 5.2.1.5 Habilidade no tiro ................................................................................ 79 5.3 DECISÃO DE DISPARO .................................................................................. 79 5.3.1 Triângulo do tiro ...................................................................................... 80 5.3.2 Tiro intimidativo ...................................................................................... 84 5.4 TIRO DEFENSIVO NA PRESERVAÇÃO DA VIDA ......................................... 84 5.5 PRINCÍPIOS ESSENCIAIS NO USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO ......... 88 5.6 EMPREGO LEGAL DO USO DA FORÇA MORTAL ....................................... 91 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 93 REFERÊNCIAS .........................................................................................................96 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 TEMA DE PESQUISA As Polícias Militares são órgãos que apresentam como missão constitucional a preservação da ordem pública e a polícia ostensiva. Para o cumprimento de tal missão, é conferido pelo Estado, aos policiais militares, o poder denominado poder de polícia administrativa. O poder de polícia administrativa relaciona-se ao controle exercido pelo Estado aos interesses, direitos e atividades individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Apresenta como atributos específicos e peculiares ao seu exercício, dentre outros, a coercibilidade. Por meio de tal atributo, é permitido ao agente público utilizar-se da força para o cumprimento de um ato de polícia. Há diversos instrumentos legais que norteiam e balizam a faculdade do uso da força pelos encarregados da aplicação da lei. Os referidos instrumentos trazem tal situação como sendo uma exceção, devendo ser aplicada de forma gradual, respeitando os princípios de aplicação da força, quais sejam: legalidade, necessidade, proporcionalidade e conveniência. A experiência tem mostrado que a maioria das ocorrências policiais é solucionada por meio da verbalização, no entanto, é um engano, para não dizer ingenuidade, achar que o policial, em sua atividade diuturna, jamais fará uso da força letal. Poderá haver situações extremas em que a agressão sofrida pelo policial somente poderá ser neutralizada por intermédio do emprego da força letal, sendo assim necessário, por parte do policial, preparação técnica, psicológica e ética. Em assim sendo, fundamental se faz estabelecer um caminho norteador de entendimento, oferecendo firmes fundamentos, bem como subsídios teóricos, para orientar as condutas policiais, adequado-as ao olhar do sistema legal pátrio e da sociedade em geral. É neste pensar que se delineia a presente pesquisa, a qual apresenta como tema “o emprego legítimo da força letal na atividade policial como medida extrema 14 de preservação da ordem pública”, pretendendo-se responder ao problema de pesquisa que aparecesse na seqüência. 1.2 PROBLEMA DE PESQUISA Diante do tema proposto, a presente investigação apresenta o seguinte problema de pesquisa: “quais os elementos necessários para legitimar o uso letal da força na atividade policial visando à preservação da ordem pública”? 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Geral A presente pesquisa tem como objetivo geral, fornecer aos policiais caminhos norteadores, ou ainda, posturas adequadas relacionadas ao emprego legítimo da força letal na atividade policial com fins a preservação da ordem pública. 1.3.2 Específicos A partir do objetivo geral, podem-se determinar alguns estudos no intuito de, especificamente: - Conceituar ordem pública; - Apresentar a missão constitucional das polícias militares; - Conceituar o poder de polícia, sob enfoque do uso da força, na atividade policial; - Apresentar o uso da força na atividade policial sob o enfoque dos direitos humanos; - Conceituar o direito a vida; - Apresentar modelos referentes ao escalonamento do uso da força; - Apresentar os princípios essenciais delimitadores do uso da força mortal; - Apresentar fundamentos para o emprego da força letal na atividade policial; - Conceituar o tiro defensivo na preservação da vida. 15 1.4 JUSTIFICATIVA O policial em sua atividade laboral diuturna, certamente intervirá nos direitos e liberdades dos cidadãos, limitando-os. Em assim sendo, torna-se fundamental que o agente da lei, no exercício de suas funções, esteja autorizado a utilizar a força em situações que assim o exigirem. Os padrões internacionais sobre a utilização da força pela polícia reconhecem a necessidade de as instituições policiais serem dotadas de diversos poderes, com a finalidade de fazer cumprir a lei, preservando a ordem pública. Não somente os documentos internacionais, mas também as leis nacionais admitem o uso legal da força pela polícia. Isto se justifica pela necessidade que o poder público apresenta em nome do bem estar comum e coletivo, de restringir os direitos individuais. O emprego da força, contudo, em nenhum momento poderá exceder os limites legais, devendo respeitar os princípios da legalidade, proporcionalidade, conveniência e necessidade. Os encarregados da aplicação da lei somente recorrerão ao uso da força quanto todos os outros meios para atingir o objetivo legítimo tenham falhado, podendo ser o uso da força justificado quando comparado ao objetivo legítimo. Tendo em vista que as resistências e agressões existem nas mais variadas formas e graus de intensidade, o policial terá que adequar a sua reação à intensidade da agressão, não podendo em momento algum valer-se da força desproporcional, ilegítima. Destaca-se ainda que o policial militar ao valer-se da força deverá empregá-la de forma progressiva, gradual, escalonada, sendo a força uma resposta à agressão sofrida. Observa-se o quanto complexa é a atividade policial, que como medida extrema e em nome de uma vida, o policial poderá retirar a vida de outrem, através do emprego da força letal. Em assim sendo, torna-se fundamental o conhecimento acerca do emprego legítimo da força letal na atividade policial como medida extrema de preservação da ordem pública, evitando-se que condutas isoladas, desprovidas de técnica, legalidade e ética, comprometam a imagem da corporação policial militar. 16 1.5 METODOLOGIA DA PESQUISA O presente estudo relativo ao emprego legítimo da força letal na atividade policial como medida extrema de preservação da ordem pública, fundamentou-se no método indutivo associado à técnica de pesquisa bibliográfica exploratória. Em assim sendo, objetivando-se a melhor compreensão da metodologia empregada na pesquisa em questão, mencionar-se-ão as características de cada metodologia. De acordo com Andrade (2003, p. 129) pesquisa “é o conjunto de métodos ou caminhos que são percorridos na busca do conhecimento”. Pasold (2005, p. 103-105) acrescenta que duas são as categorias implícitas na metodologia, quais sejam: o método de investigação e a técnica. Quanto ao primeiro, afirma ser “a forma lógico-comportamental-investigatória na qual se baseia o pesquisador para buscar os resultados que pretende alcançar”, relativamente ao segundo, assevera ser “o conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. Pasold (2005, p. 104) explica que, enquanto “o método é a base lógica operacional da investigação, a técnica é o instrumento para tal afazer”. Fachin (2003, p. 123) contribui, destacando que “com base em métodos adequados e técnicas apropriadas, o pesquisador busca conhecimentos específicos, respostas ou soluções para o problema estudado”. Referindo-se ao método, Markoni e Lakatos (2006, p. 83) afirmam ser “o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros - traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”. Os autores destacam que qualquer ciência exige o emprego de métodos científicos. (MARKONI; LAKATOS, 2006). Relativamente à pesquisa, Fachin (2003, p. 123), afirma ser “um procedimento intelectual em que o pesquisador tem como objetivo adquirir conhecimentos por meio da investigação de uma realidade e da busca de novas verdades sobre um fato (objeto, problema)”. Pasold (2005) destaca como sendo cinco os métodos de pesquisa, quais sejam: método indutivo, dedutivo, dialético, comparativo e sistêmico. Em análise aos 17 conceitos trazidos por Pasold acerca dos métodos da pesquisa, percebe-se que o primeiro método é o mais apropriado a presente investigação.Nas palavras do autor, o método indutivo consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. (PASOLD, 2005, 104). Corroborando, Andrade (2003, p. 131) enfatiza que no método indutivo “[...] a cadeia de raciocínio estabelece conexão ascendente, do particular para o geral”, sendo que, “as constatações particulares é que levam às teorias e leis gerais”. Em relação ao delineamento da pesquisa, esta foi realizada utilizando-se da técnica de pesquisa bibliográfica, tendo por base livros, artigos científicos, periódicos, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. Fachin (2003, p.125) afirma que “a pesquisa bibliográfica diz respeito ao conjunto de conhecimentos humanos reunidos nas obras”, constituindo-se “o ato de ler, selecionar, fichar, organizar e arquivar tópicos de interesse para pesquisar em pauta”. No mesmo sentido, Markoni e Lakatos (2006) destacam que a pesquisa bibliográfica, abrange a bibliografia referente ao tema do estudo, já tornada pública, desde boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc.; além de meios de comunicação orais como: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais, filmes e televisão. Relativamente aos níveis de pesquisa, Gil (1999), os classifica como sendo exploratório, descritivo ou explicativo. Analisando-se os conceitos trazidos pelo autor relativos aos níveis de pesquisa, observa-se que o mais adequado para a pesquisa em destaque relaciona-se ao nível exploratório. Segundo Gil (1999, p. 43) a pesquisa exploratória é aquela que guarda por objetivo principal “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”, bem como “proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato”. 18 1.6 APRESENTAÇÃO GERAL Para se verificar os elementos necessários legitimadores do uso da força letal na atividade policial, com fins a preservação da ordem pública, a pesquisa ora desenvolvida apresentará a seguinte estrutura. O capítulo inicial apresentará uma breve introdução, a qual conterá o problema de pesquisa, objetivos (geral e específico), justificativa, metodologia da pesquisa e apresentação geral do trabalho. O capítulo subseqüente destacará o papel constitucional da instituição polícia militar, apontando aspectos relativos à ordem pública, polícia ostensiva e poder de polícia. Sequencialmente, o terceiro capítulo, abordará pontos referentes à atividade policial e os direitos humanos, o uso legítimo da força na atividade policial, o direito à vida e a legítima defesa. O quarto capítulo conterá o escalonamento do uso da força, sendo destacadas questões relacionadas aos elementos do uso da força, medidas de força, tipos de uso da força, níveis de uso da força, nível de submissão dos suspeitos, utilização dos níveis de força, modelos de uso gradual da força. O penúltimo capítulo, intitulado sobrevivência policial, abordará a atividade policial diante do confronto armado, os elementos constituintes do círculo da sobrevivência policial, os princípios norteadores da força mortal, a legalidade do uso da força mortal, o triângulo do tiro e o tiro defensivo na preservação da vida (método Giraldi). Por derradeiro, serão apresentadas as considerações finais relativas à pesquisa realizada, em síntese que circunscreva os resultados atingidos com a pesquisa, bem como o cumprimento aos objetivos propostos neste Trabalho de Conclusão de Curso. 19 2 O PAPEL DESEMPENHADO PELAS POLÍCIAS MILITARES 2.1 MISSÃO CONSTITUCIONAL DAS POLÍCIAS MILITARES A Constituição do Brasil de 1967 (BRASIL, 1967), em texto do artigo 13, parágrafo 4º, afirma que as Polícias Militares são “instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal [...]”. Após a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, excluiu-se do texto constitucional a expressão segurança interna, restando apenas como missão inerente as Polícias Militares à manutenção da ordem pública nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal (FONSECA, 2005). Com o advento da Constituição do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), as Polícias Militares passaram a ser um dos órgãos responsáveis pela segurança pública, tendo como competência constitucional a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (BRASIL, 1988). Em análise aos artigos supracitados, percebe-se que a principal diferença entre as duas normas constitucionais, em relação à competência das Polícias Militares, refere-se à alteração do termo “manutenção da ordem”, citado pela primeira norma; para “preservação da ordem”, expresso na segunda norma. Destaca-se ainda, o acréscimo da terminologia Polícia Ostensiva na Lei Maior vigente. Em consonância com a Carta Magna de 1988, a Constituição do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 107, traz o seguinte: 20 Art. 107. À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras atribuições estabelecidas em Lei: I – exercer a polícia ostensiva relacionada com: a) a preservação da ordem e da segurança pública; b) o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial; c) o patrulhamento rodoviário; d) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais; e) a guarda e a fiscalização do trânsito urbano; f) a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal; g) a proteção do meio ambiente; h) a garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicas, especialmente da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural; II – cooperar com órgãos de defesa civil III - atuar preventivamente como força de dissuasão e repressivamente como de restauração da ordem pública. (SANTA CATARINA, 1989). Percebe-se que tanto a Constituição do Brasil de 1988 quanto a Constituição do Estado de Santa Catarina, assinalam como competências da Polícia Militar a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Diante do exposto, fundamental se torna identificar o que se compreende por preservação da ordem pública e polícia ostensiva. 2.1.1 Preservação da ordem pública Para que se possa compreender a abrangência da missão policial militar, necessário se torna identificar o que vem a ser polícia. Segundo Amaral (2003, p. 46), originariamente, policiar significa civilizar, de forma a refrear a exuberância e a selvageria. “[...] Polícia é, então, a organização administrativa (vale dizer da polis, da Civita, do Estado = sociedade politicamente organizada) que tem por atribuição impor limitações à liberdade [...] na exata [...] medida necessária à salvaguarda e manutenção da ordem pública. [...]”. Lazzarini (1999) destaca que a polícia é quem assegura a ordem pública, em especial a segurança pública. O autor prossegue, afirmando que a idéia de polícia é inseparável da idéia de Estado, podendo este, inclusive, abrir mão de suasforças armadas, mas nunca prescindir da sua força pública. De acordo com Junior (2000, p. 553) “polícia é o termo genérico com que se designa a força organizada que protege a sociedade, livrando-a de toda vis inquietativa”. 21 Corroborando, Manoel (2004, p. 33) acrescenta que “[...] polícia é o conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades, quando abusivas, a fim de assegurar-se a ordem pública”. Vencida a etapa referente à conceituação da expressão polícia, passar-se-á a análise do termo preservação, expresso no artigo 144, parágrafo 5º da Constituição do Brasil de 1988. Lazzarini (1999) registra que a Constituição do Brasil de 1988 evoluiu de forma considerável quando atribuiu às Polícias Militares a função de preservação da ordem pública e não mais a manutenção da ordem pública, a exemplo do que fazia o texto constitucional anterior. Ao explanar sobre a questão da amplitude do termo preservação, utilizado pelo texto constitucional, Lazzarini (1999, p.105) destaca que: A preservação abrange tanto a prevenção quanto a restauração da ordem pública, no caso, pois seu objetivo é defendê-la, conservá-la íntegra, intacta, daí afirmar-se agora com plena convicção que a polícia de preservação da ordem pública abrange as funções de polícia preventiva e a parte da polícia judiciária denominada de repressão imediata, pois é nela que ocorre a restauração da ordem [...]. Ultrapassada a barreira conceitual do vocábulo preservação, torna-se fundamental conceituar ordem pública. Costa (2002) destaca que a primeira referência ao termo ordem pública ocorreu na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que no seu artigo 10 dita que “ninguém deve ser inquietado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida em lei”. Marcineiro e Pacheco (2005, p. 40), referindo-se ao termo ordem pública, destacam que há a necessidade de “haver uma determinada ordem para que a sociedade viva em harmonia e possa atingir seu objetivo principal, qual seja, o bem comum. A esta ordem convencionou-se chamar de ordem pública.” O art. 2º, item 21, do decreto 88.777 de 1983 (BRASIL, 1983) reza que ordem pública é: Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. 22 De acordo com Lazzarini (1999, p. 52) a ordem pública: [...] resulta [...] de um conjunto de princípios de ordem superior, políticos, econômicos, morais e algumas vezes religiosos, aos quais uma sociedade considera estreitamente vinculada à existência e conservação da organização social estabelecida. Prosseguindo, o mencionado autor afirma que “a ordem pública propriamente dita é a ausência de desordens, de atos de violência contra as pessoas, os bens ou o próprio Estado”. (LAZZARINI, 1999, p.143). Valla (2004, p. 102) enfatiza que se pode colocar a noção de ordem pública sob dois planos, quais sejam: o plano ideal e o plano jurídico. No plano ideal, a ordem pública é uma situação ou estado que se caracteriza pela ausência de desordem, isto é, a disposição dos cidadãos de se respeitarem mutuamente, não ferindo uns o direito dos outros. Já, no plano jurídico, a ordem pública é uma situação não apenas de legalidade e moralidade, mas, sobretudo, de boa convivência, condição pela qual prevalece a harmonia da coletividade, fundamentada nos princípios éticos vigentes na sociedade. Portanto, deve ser legal, legítima e moral. (grifo do autor). Assis (2003, p.21) define ordem pública como sendo: [...] o estado de organização que deve seguir a sociedade; com uma Constituição boa e que seja cumprida; e principalmente, com a liberdade necessária para qualquer um progredir em suas aspirações; e a certeza de que aqueles que tentem prejudicar essa harmonia sejam corrigidos pela lei. Lazzarini (1999) destaca com sendo três os elementos que compõem a ordem pública, quais sejam: segurança pública, tranqüilidade pública e salubridade pública. 2.1.1.1 Segurança pública Valla (2004) afirma que a segurança pública se constitui no principal componente da ordem pública. A define como sendo “a garantia da ordem pública contra suas ameaças”. (VALLA, 2004, p. 99) De acordo com Lazzarini (1999, p. 21), segurança pública: É o estado antidelitual, que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei de contravenção penais, com ações de polícia repressiva ou preventiva típicas, afastando-se, assim, por meio de organizações próprias, de todo o perigo, ou de todo o mal que possa afetar a ordem pública em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades individuais, 23 estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a. De acordo com Amaral (2003, p.26), segurança pública “é o afastamento de todo perigo ou mal que possa afetar a ordem pública, vindo a prejudicar os direitos fundamentais dos cidadãos”. Para Teza (2003), “segurança pública é a garantia relativa da preservação da ordem pública mediante aplicação do poder de polícia a encargo do Estado”. Conforme Neto (1989, p. 343), segurança pública é: Uma situação social, a ser mantida ou alcançada, em que o interesse coletivo na existência da ordem, na estabilidade do Estado e na incolumidade das pessoas e dos bens esteja atendido, a despeito de comportamentos e de situações adversativos. Por fim, o autor destaca que para a manutenção ou o alcance desta situação, o Estado terá de agir por meio preventivo e repressivo em quase todos os setores da atividade humana, uma vez que a segurança pode ser ameaçada por inúmeros comportamentos antagônicos. (NETO, 1989). 2.1.1.2 Tranqüilidade pública A tranqüilidade pública significa, de acordo com Teza (2003), “o estágio em que a comunidade se encontra num clima de convivência harmoniosa e pacífica, representando assim uma situação de bem-estar em comum”. Referindo-se à tranqüilidade pública, Lazzarini (1999, p. 22-23) assevera que: Exprime o estado de ânimo tranqüilo, sossegado, sem preocupações nem incômodos, que traz às pessoas uma serenidade, ou uma paz de espírito. A tranqüilidade pública, assim, revela a quietude, a ordem, o silêncio, a normalidade das coisas, que, como se faz lógico, não transmitem nem provocam sobressaltos, preocupações ou aborrecimentos, em razão dos quais se possa perturbar o sossego alheio. A tranqüilidade, sem dúvida alguma, constitui direito inerente a toda a pessoa, em virtude da qual está autorizada a impor que lhe respeitem o bem estar, ou a comodidade do seu viver. Diante do conceito acima exposto acerca da tranqüilidade pública e com fundamento em Lazzarini (1999), pode-se afirmar que a tranqüilidade pública refere- se à apresentação de um ambiente de convívio social tranqüilo, que não gere sensação de desconforto aos cidadãos. 24 2.1.1.3 Salubridade pública Por fim, como último elemento da tríade formadora da ordem pública, tem-se a salubridade pública, que conforme Lazzarini (1999, p. 23) “[...] designa [...] o estado de sanidade e de higiene de um lugar, em razão do qual se mostram propícias às condições de vida de seus habitantes”. 2.1.2 Polícia Ostensiva Para compreender o significado da terminologia polícia ostensiva expresso no artigo 144, parágrafo 5º da Constituição do Brasil de 1988, necessário se faz definir policiamento ostensivo. O artigo 2º, item 27 do Decreto 88.777 de 1983 (BRASIL, 1983), conceitua policiamento ostensivocomo sendo a “ação policial, exclusiva das Polícias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública”. Mendes (BRASIL, 2001) ao avaliar a questão referente ao assunto polícia ostensiva, assevera que se trata de uma expressão nova, não apenas no texto constitucional, mas também na nomenclatura da especialidade, tendo sido adotada, no entender do autor, para estabelecer a exclusividade constitucional da Polícia Militar para atuar ostensivamente, e para marcar a expansão da competência policial. Segundo Teza (2003), a polícia ostensiva, É a instituição que, utilizando seu poder legal, é encarregada de fiscalizar e inspecionar através do Policiamento Ostensivo, todas as atividades da sociedade, zelando na normalidade (a boa ordem) e intervindo, quando houver a quebra da ordem, visando que esta sociedade conviva em harmonia. Ao analisar a expressão polícia ostensiva, Valla (2004, p.74) assevera que: [...] quando menciona polícia ostensiva, ao invés de policiamento ostensivo, amplia o conceito, elevando-o além daquele modo visível de atuar, à concepção, ao planejamento, à coordenação e à condução de atividades correlatas; quando deixa de atribuí-la a outro órgão, não admite a concorrência em sua atividade. 25 Por derradeiro, observa-se, em análise aos conceitos relacionados à polícia ostensiva, que a tal expressão, utilizada pelo texto constitucional, é muito mais ampla, expandindo-se assim, a atuação das Polícias Militares à integralidade das fases do exercício do poder de polícia. Em assim sendo, torna-se imprescindível fazer uma estudo acerca do poder de polícia. 2.2 PODER DE POLÍCIA 2.2.1 Conceito Segundo Meirelles (2003, p. 127), o poder de polícia é conceituado como sendo “[...] a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. O mencionado autor, em relação ao poder de polícia, enfatiza que: [...] é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por este mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. (MEIRELLES, 2003, p. 127) Conforme Medauar (2006, p. 334) “no exercício do poder de polícia o Estado vai arbitrar e conciliar o choque entre direitos e liberdades de indivíduos ou grupos de indivíduos”. O conceito legal de Poder de Polícia está contido no Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25.10.1966, que em texto do Art. 78 dispõe de forma ampla e explicativa: Art. 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. 26 Em análise ao texto legal, percebe-se que o mesmo traz como elementares conceituais o cerceamento do direito e do interesse ou liberdade individual, em razão do interesse público. De acordo com Mello (1994, p. 394-395), o poder de polícia relaciona-se: A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos [...]. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. A expressão 'Poder de Polícia' pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais, quer abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Conforme Di Pietro (2003, p.111), “[...] o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. Corroborando, Neto (1987, p. 119) conceitua o poder de polícia como sendo: [...] a atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais visando a assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética. No mesmo sentido, Lazzarini (1999, p. 203) reporta-se ao poder de polícia, afirmando que: [...] é um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades. Em relação à razão e ao fundamento do poder de polícia, Meirelles (2003, p. 129) traz o seguinte: [...] a razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo. 27 Analisando-se os conceitos acima explicitados acerca do poder de polícia e com fundamento nos ensinamentos de Manoel (2004) observa-se que as diversas operações e ações realizadas pelas Polícias Militares, na atividade operacional, derivam-se do poder de polícia. 2.2.2 Extensão e limites Em relação à extensão do poder de polícia, Meirelles (2003, p 130) afirma que: [...] é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, o controle de publicações, a segurança das construções e dos transportes até a segurança nacional em particular. Referindo-se aos limites do poder de polícia, Lazzarini (1999) afirma que o poder de polícia não é um poder ilimitado. Meirelles (2003, p. 131) acrescenta que “os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º)”. Di Pietro (2003, 116), ao descrever sobre os limites do poder de polícia, assevera que: Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto; quanto aos dois últimos, ainda que a Administração disponha certa dose de discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites traçados pela lei. Referindo-se aos fins, Di Pietro (2003, p.116) enfatiza que “o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público”. Em relação à competência e ao procedimento, o poder de polícia deve observar as normas legais pertinentes. (DI PIETRO, 2003). Quanto ao objeto, aplica-se o princípio administrativo da proporcionalidade dos meios aos fins, ou ainda, conforme Di Pietro (2003, p.116): [...] o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade nãoé destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social. 28 Segundo Di Pietro (2003, p. 116), algumas regras podem ainda ser observadas pela polícia administrativa, para que não se eliminem os direitos individuais, quais sejam: 1. a da necessidade, em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbações ao interesse público; 2. a da proporcionalidade, [...] que significa a exigência de uma relação entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado; 3. a da eficiência, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público. Por derradeiro, Di Pietro (2003) acrescenta que somente se devem empregar os meios diretos de coação quando não se visualizar outro meio eficaz para alcançar o mesmo objetivo, não sendo válidos quando desproporcionais ou excessivos quando comparados ao interesse tutelado pela lei. 2.2.3 Atributos De acordo com Di Pietro (2003) os atributos do poder de polícia, também conhecidos por características do poder de polícia, são em número de três, quais sejam: o da discricionariedade, o da auto - executoriedade e o da coercibilidade. 2.2.3.1 Discricionariedade A discricionariedade, segundo Meirelles (2003, p. 132), é a "[...] livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios condizentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público”. Nos ensinamentos de Lazzarini (1999, p. 196) tem-se que "[...] discricionariedade é o uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas, sendo que esse atributo, ainda, diz respeito à gradação das sanções administrativas aplicáveis aos infratores”. De acordo com Manoel (2004) discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, sendo a primeira relacionada à liberdade de agir dentro dos limites da lei, enquanto a segunda corresponde à ação fora ou excludente da lei. 29 O poder de polícia, então, vincula-se a lei. Em breves palavras, trata-se de um poder amplo, mas não ilimitado ou absoluto. (LAZZARINI, 1999). Segundo Manoel (2004) o caráter discricionário da ação PM deve pautar-se na lei, possibilitando aos policiais escolher a medida mais conveniente e oportuna para o momento, diante do fato concreto. 2.2.3.2 Auto-executoriedade Quanto à auto-executoriedade do ato de polícia, Lazzarini (1999, p. 196) afirma que: [...] tenha-se presente que a Pública Administração tem a faculdade de decidir e executar diretamente a sua decisão, como decorrência da própria natureza do Poder de Polícia. Em outras palavras, a decisão e a execução do que se decidiu independe de autorização do Judiciário. Meirelles (2003, p. 133), sobre o atributo da auto-executoriedade escreve: [...] a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. [...] no uso deste poder, a Administração impõe diretamente medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção da atividade anti-social que ela visa obstar. No mesmo sentido, Di Pietro (2003, p.114) destaca que “a auto- executoriedade é a possibilidade que tem a Administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário”. De acordo com Manoel (2004): Todas as ações de polícia são auto-executáveis contra os atos anti-sociais, normalmente revestidos de modalidades criminosas e descumprimento de leis, a que ela visa coibir. Contudo, não pode ser confundida com meios sumários de punições, que não permitam o direito de defesa ao administrado que sofreu a ação policial. 30 2.2.3.3 Coercibilidade Quanto à coercibilidade, afirma Meirelles (2003, p. 134), é “a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração [...]”. Segundo os ensinamentos de Di Pietro (2003, p.115) “a coercibilidade é indissociável da auto-executoriedade. O ato de polícia só é auto-executório porque é dotado de força coercitiva”. As medidas e atos de polícia são imperativos e por isso, não facultam ao destinatário o seu cumprimento ou não. Dessa forma, é a Administração Pública a própria responsável por fazer cumprir suas determinações e decisões, podendo se utilizar, para isso, até a força física proporcional e necessária para o efetivo cumprimento do ato de polícia. (LAZZARINI, 1999). Corroborando, Manoel (2004, p. 66) destaca que a coercibilidade: [...] legaliza o uso da força pelo policial nos casos de resistência do infrator, porém não pode ser desnecessária, arbitrária e desproporcional aos meios por ele utilizados. [...] é o pressuposto legal, embutido no poder de polícia conferido ao PM, que autoriza o uso da força, quando evidentemente tiver sua autoridade resistida, que somente ocorrerá quando estiver executando uma ação dentro da lei e tiver sua integridade física ameaçada, com o emprego de violência pelo seu opositor. Tem-se, segundo Lazzarini (1999), que os fins, por melhores que sejam, não podem justificar o uso de meios arbitrários. 2.2.4 Meios de atuação De acordo com Manoel (2004), atuando de forma preferentemente preventiva, a Polícia Militar age através de concessões e proibições, interrompendo, de modo parcial ou total, direitos e garantias individuais visando os interesses gerais da coletividade. Em assim sendo, são estabelecidas normas que limitam as condutas pessoais, impondo restrições ao uso e gozo de direitos a todos os indivíduos, indistintamente, pelas ações da polícia, sem constituir excesso ou abuso por parte do policial, pois o seu comportamento e atitudes estão autorizados por lei. (MANOEL, 2004). 31 Segundo Di Pietro (2003, p. 113) os meios de que se utiliza o Estado para o seu exercício, considerando o poder de polícia em seu sentido amplo, são: 1. atos normativos em geral, [...]: pela lei, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação; disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos, podendo o Executivo baixar decretos, resoluções, portarias, instruções; 2. atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença), com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, internação de pessoa com doença contagiosa), com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei. Lazzarini (1999, p. 103) distingue a atuação do Estado no exercício do seu poder de polícia em quatro fases (modos), quais sejam: ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia. Relativamente à ordem de polícia, Mendes (BRASIL, 2001) afirma que a mesma está inserida num preceito que necessariamente nasce da lei, pois está ligado ao princípio da reserva legal, podendo, entretanto, ser enriquecido discricionariamente pela administração, sempre no contexto das circunstâncias. No mesmo sentido, Manoel (2004, p. 70) define ordem de polícia como sendo o “preceito pelo qual o Estado, através da PM, impõe limitações às pessoas naturais ou jurídicas, para que não se faça aquilo que pode prejudicar o bem comum ou não se deixe de fazer aquilo que poderia evitar prejuízo público”. Em relação ao consentimento de polícia, Mendes (BRASIL, 2001), afirma ser “a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo,sempre que satisfeitos os condicionamentos exigidos”. Quanto à fiscalização de polícia, seria uma “forma ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento da ordem de polícia, ou a regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização”. (BRASIL, 2001). Manoel (2004) acrescenta que a fiscalização de polícia apresenta dupla finalidade, sendo uma relacionada à prevenção e a outra referente à repressão das infrações. Mendes (BRASIL, 2001) ao referir-se à sanção de polícia, registra que se trata da atuação administrativa auto-executória, destinada à repressão da infração. 32 Diante do exposto e com base nos ensinamentos de Mendes (BRASIL, 2001) percebe-se que o policiamento ostensivo é apenas uma das fases da atividade de polícia, relacionando-se a fase da fiscalização. 33 3 APLICAÇÃO DA FORÇA NA ATIVIDADE POLICIAL SOB A ÉGIDE DOS DIREITOS HUMANOS; DIREITO A VIDA E LEGÍTIMA DEFESA 3.1 ATIVIDADE POLICIAL E DIREITOS HUMANOS Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (2007), a expressão Direitos Humanos é moderna, contudo o princípio que invoca é tão antigo quanto à própria humanidade. De acordo com a SENASP (2007), o termo Direitos Humanos apresenta como núcleo conceitual o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, sendo esta dignidade traduzida num sistema de valores considerados fundamentais para a existência e para a participação plena da vida da pessoa humana. A Instrução Modular da Polícia Militar (2002, p. 146), conceitua os Direitos Humanos como sendo: [...] os direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, tais como: o direito à vida, à liberdade, à segurança, à educação, ao repouso, à liberdade de opinião e expressão... - independente de sua condição socioeconômica, política, cultural, ética, profissional, sem qualquer restrição ao espaço geográfico que a pessoa se encontre. Capez et al (2004, p. 45) afirma que os Direitos Humanos são “as prerrogativas inerentes à dignidade da espécie humana e que são reconhecidas na ordem constitucional”. No mesmo sentido, a SENASP (2007, p. 164) afirma que “a expressão Direitos Humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana”. A SENASP (2007) destaca que todos os seres humanos devem, desde o seu nascimento, terem assegurados as condições mínimas necessárias para se tornarem úteis à humanidade, bem como devem ter a oportunidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Em assim sendo, a SENASP (2007, p. 164) define Direitos Humanos como o “conjunto de condições e de possibilidades adquiridos no processo histórico de civilização da humanidade, associados à capacidade natural de cada pessoa em se organizar socialmente [...]”. 34 Para Levin (1985, p. 12), o conceito de Direitos Humanos apresenta dois significados básicos, quais sejam: [...] o primeiro é que, pelo simples fato de ser humano, o homem desfruta de direitos inalienáveis. Estes são os direitos morais, oriundos da própria condição de humanidade de todo ser humano, e que objetivam assegurar a sua dignidade. O segundo significado de Direitos Humanos refere-se aos direitos legais, estabelecidos de acordo com as normas jurídicas em vigor nas sociedades, tanto a nível nacional como internacional [...]. Rover (2005, p. 72) acrescenta que os Direitos Humanos “são títulos legais que toda pessoa possui como ser humano. São universais e pertencem a todos; rico ou pobre, homem ou mulher. Esses direitos podem ser violados, mas não podem jamais ser retirados de alguém”. No mesmo viés, Barsted e Hermann (2001, p. 8) afirmam que é titular de Direitos Humanos “todo ser humano, homem ou mulher, branco ou negro, criança ou idoso, rico ou pobre, independente de qualquer outra diferença social, étnica, econômica, cultural, política, orientação sexual ou religiosa [...]”. Herkenhoff (1994, p. 30) refere-se aos Direitos Humanos como sendo os direitos do homem, entendidos como “os direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua natureza humana, pela dignidade que a ele é inerente”. Segundo o Programa Nacional de Direitos Humanos (1996), os Direitos Humanos são: [...] os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, portadores de deficiência, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. O mencionado programa acrescenta que todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados, tendo assegurada e protegida sua integridade física. (PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 1996), De acordo com Gomes e Piovesan (2000), é recente o movimento de internacionalização dos Direitos Humanos, emergindo a partir do pós-guerra, sendo uma resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. A SENASP (2007) afirma que as violações generalizadas aos direitos e liberdades humanas, ocorridos em meados do século passado, constituem o marco 35 do fim da noção de que os Estados não possuíam o compromisso de prestar contas a nenhuma outra instância a respeito da maneira como tratavam seus cidadãos. Conforme o Programa Nacional de Direitos Humanos (1996) em Julho de 1945, com o estabelecimento das Nações Unidas, os Direitos Humanos deixaram de ser uma questão afeta exclusivamente aos Estados nacionais, passando a ser matéria de interesse de toda a comunidade internacional. Acrescenta que a obrigação primária de assegurar os Direitos Humanos continua a ser responsabilidade interna dos Estados, contudo, com a criação de mecanismos judiciais internacionais de proteção aos Direitos Humanos a uma mudança no conceito de soberania. Segundo a SENASP (2007) com a assinatura da Carta das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário, todos os países membros das Nações Unidas concordaram em adotar medidas para salvaguardar os Direitos Humanos. Ratificando o exposto acima, a Lei Maior brasileira (1988) incluiu no artigo 1º, incisos II e III, como seus fundamentos, a cidadania e a dignidade da pessoa humana e, no artigo 4º, inciso II, declara que o país, nas suas relações internacionais rege-se pela prevalência dos Direitos Humanos, incorporando ao sistema nacional os princípios presentes nos tratados internacionais. Barsted e Hermann (2001) destacam que com a assinatura, em 10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foram estabelecidos padrões mínimos para o relacionamento entre o Estado e os cidadãos e entre os próprios cidadãos. Dentre os padrões mínimos estabelecidos se destaca o direito à vida. O Programa Nacional de Direitos Humanos (1996) afirma que os direitos trazidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos constituem um conjunto indissociável e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, sem os quais a dignidade da pessoa humana não se alcançaria por completo. O mencionado programa acrescenta que “a Declaração transformou-se, nesta última metade de século, em uma fonte de inspiração para a elaboração de diversas cartas constitucionais e tratados internacionais voltados à proteção dos Direitos Humanos”. (PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p.10). Acrescenta ainda, que o referido documento, tornou-se um autêntico paradigma ético/moral por meio do qual se pode medir e contestar a legitimidade de 36 regimes e Governos, constituindo-se os direitos ali inscritos em um dos mais importantes documentos que objetivam a garantia de um convívio social digno, justo e pacífico. Destaca, contudo, que: Os Direitos Humanos não são, [...], apenas um conjunto de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a criaçãodo direito. Enumerados em diversos tratados internacionais e constituições, asseguram direitos aos indivíduos e coletividades e estabelecem obrigações jurídicas concretas aos Estados. Compõem-se de uma série de normas jurídicas claras e precisas, voltadas a proteger os interesses mais fundamentais da pessoa humana. São normas cogentes ou programáticas que obrigam os Estados nos planos interno e externo. (PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 1996, p.10-11). Gomes e Piovesan (2000) asseveram que com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, têm-se o marco maior do processo de reconstrução dos Direitos Humanos. Gomes e Piovesan (2000) destacam como características dos Direitos Humanos a universalidade e a indivisibilidade. Universalidade porque clama pela extensão universal dos Direitos Humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. (GOMES e POVESAN, 2000, p. 17). Em assim sendo, segundo os ensinamentos de Gomes e Piovesan (2000, p. 17), “os Direitos Humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada”. Transportando os Direitos Humanos para a atividade policial, Balestreri (2003) afirma que “durante muitos anos, o tema Direitos Humanos foi considerado antagônico ao da Segurança Pública”, contudo, de acordo com a Instrução Modular da Polícia Militar (2002), atualmente, a atividade policial deve sempre se nortear pelos preceitos fundamentais dos Direitos Humanos, valorizando a vida, a dignidade humana e a harmonia individual e coletiva. Corroborando com o exposto acima, verifica-se no artigo 2º, do Código de Conduta para os Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei, o seguinte: Art. 2º - No desempenho de suas tarefas, os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei devem respeitar e proteger a dignidade humana e manter e defender os Direitos Humanos de todas as pessoas. 37 No mesmo sentido, Valote (2006), destaca que os Direitos Humanos, no contexto atual de segurança pública, são ferramentas indispensáveis para o bom funcionamento das polícias, desenvolvendo-se, por meios deles, um modelo padrão de polícia voltada para o atendimento das necessidades básicas de todos os cidadãos. No mesmo sentido, Valla (2004) acrescenta que “cada policial militar deve estar compromissado com a promoção dos Direitos Humanos em seu cotidiano profissional, numa oposição à mentalidade dominante de que estes atrapalham e dificultam o trabalho policial”. Vianna (2000) acrescenta que em abril de 1999, realizou-se na cidade de Curitiba, o XIX Encontro Nacional dos Comandantes - Gerais das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil. Tal encontro culminou com a criação de um documento denominado Carta de Curitiba, que em seu parágrafo 2º, traz o seguinte: O respeito aos Direitos Humanos e à dignidade das pessoas é compromisso das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, como agências de defesa e proteção da vida e da integridade do cidadão. Em decorrência desse dever funcional, essas organizações implementaram parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, desenvolvendo o Programa de Treinamento em Direitos Humanos que está se realizando em todas as Polícias Militares brasileiras. Vianna (2000) acrescenta que em novembro de 1999, tal idéia reforçou-se através da reunião do Conselho Nacional dos Comandantes - Gerais das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, realizada na cidade de Belo Horizonte (MG). Em tal reunião foi acordado, entre outros aspectos, que as Polícias Militares: [...] continuam apoiando todas as iniciativas voltadas para o respeito aos Direitos Humanos e à dignidade das pessoas, por serem as Polícias Militares [...] agências de proteção da vida e da integridade do cidadão. Neste sentido destaca o intercâmbio que tais instituições vêm incrementando com comissões de Direitos Humanos do Poder Legislativo Federal, Estadual e Municipal, da OAB, Ministério Público e Igreja, bem como Organizações Não–Governamentais de Direitos Humanos, especialmente a Cruz Vermelha Internacional, que desenvolve Programa de Treinamento em Direitos Humanos a seus integrantes. (VIANNA, 2000, p. 27). 38 Relativamente à atividade policial e Direitos Humanos, Vianna (2000, p. 28), acrescenta que: Focar Direitos Humanos e bom comportamento na polícia é importante, não só como fim em si mesmo, mas também, como um meio de assegurar uma polícia efetiva. O apoio da comunidade, essencial para uma polícia efetiva na democracia, é dependente do respeito da polícia em relação às leis e aos Direitos Humanos dos grupos e indivíduos dentro dessa comunidade. Por derradeiro, percebe-se, diante do exposto acima e com base nos ensinamentos de Barsted e Hermann (2001), que cada vez mais é imprescindível que os policiais militares aprofundem, difundam, bem como orientem suas ações através dos instrumentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos. 3.2 O USO DA FORÇA NA ATIVIDADE POLICIAL Para alcançar uma melhor compreensão referente ao uso da força na atividade policial, necessário se faz conceituar o termo legitimidade, bem como atividade policial. Relativamente à expressão legitimidade, Schroder (2001, p. 55) transcreve o seguinte: A legitimidade exterioriza-se pela vontade do povo, ou o que a sociedade espera do detentor do poder. Portanto, toda e qualquer ação legítima será a resultante consensual do interesse coletivo. Para que o Estado use a força e tenha sua ação legitimada pelo povo, este deve aprovar sua utilização.. Verifica-se que a noção de legitimidade está ligada à aceitação e a vontade do povo, indo além do que seja legal. No mesmo sentido, Coelho (1991, p. 358) destaca que a legitimidade relaciona-se: [...] a qualidade ética do direito, a maior ou menor potencialidade para que o direito positivo e os direitos não positivos alcancem um ideal de perfeição. Esse ideal, espaço privilegiado da ideologia, pode ser provisoriamente identificado com a justiça, ou certos valores que representam conquistas da humanidade, principalmente os direitos humanos [...] (COELHO 1991, p. 358). 39 Vencida a fase relacionada à conceituação de legitimidade, passar-se-á a definição da atividade policial. De acordo com a Instrução Modular da Polícia Militar (2002, p. 146), tem-se por atividade policial: [...] toda a prestação de serviço, à comunidade em geral, voltada à segurança pública, à proteção individual, coletiva, do patrimônio público e particular, dos valores morais, éticos e de auxílio à comunidade, que a instituição policial realiza diretamente ou indiretamente, através de seus agentes, dentro dos princípios e fundamentos policiais básicos e dos limites legais e morais aceitos pela comunidade. Segundo Viana (2000) a atividade policial pode ser descrita como uma série de funções, como exemplo, cita-se a aplicação da lei com vistas à preservação da ordem; contudo, segundo a apostila Uso Legal da Força (2006, p. 4) a atividade policial também pode ser definida como sendo uma função única, qual seja: “responder a qualquer situação que aconteça no seio da sociedade, em que a força deve ser usada, de modo a restabelecer uma situação de normalidade temporária”. De acordo com o exposto acima, e com base nos ensinamentos de Lima (2006), percebe-se que a atividade policial reveste-se de acentuada complexidade, na medida em que é reconhecido como inteiramente legítimo o uso da força na resolução de conflitos, desde que respeitados os padrões legais e éticos. Na seqüência, dissertar-se-á sobre o uso da força na atividade policial. Balestreri (2003)destaca que o policial é um cidadão que porta a singular permissão para o uso da força e de armas, no âmbito da lei, sendo conferido ao mesmo natural e destacada autoridade para a construção ou devastação social. Conforme Bittner (2003) “os policiais têm clara consciência de que são percebidos como, aqueles que podem – e de fato podem – intimidar a sociedade”. O autor prossegue, esmiuçando a expressão “aqueles que podem”, como sendo o acesso a meios coercitivos, incluindo a força física, visando-se alcançar um fim pretendido. Bayley (2002) afirma que o termo polícia refere-se às pessoas autorizadas por um grupo de pessoas para regular as relações interpessoais, dentro deste grupo, através da aplicação de força física. O referido autor acrescenta que “a polícia se distingue, não pelo uso da força, mas por possuir autorização para usá-la”. (BAYLEY, 2002, p. 20). Segundo Bittner (2003, p. 20) “ser policial significa estar autorizado, e ser exigido, a agir de modo coercitivo quando a coerção for necessária, segundo o 40 determinado pela avaliação do próprio policial das condições do local e do momento”. Em relação ao emprego da força física por policiais, Monjardet (2002, p, 26) destaca que “é apenas o mais espetacular do conjunto dos meios de ação não contratuais que fundam o instrumento policial [...]”. Bittner (1974 apud BAYLEY, 2002, p. 20), acrescenta que “o policial, e apenas o policial está equipado, autorizado e requisitado para lidar com qualquer exigência para a qual a força deva ser usada para contê-la”. Ao mencionar o emprego da força na atividade policial, Bittner (2003) destaca que existem três maneiras distintas de se executar o trabalho policial. Afirma que na pratica real, tais maneiras se combinam, embora em proporções que variam de policial para policial. De acordo com o autor, a primeira maneira relaciona-se ao emprego de técnicas de negociação, empregadas pelos policias como forma de persuasão, objetivando-se alcançar a submissão do cidadão abordado. A segunda consiste em usar os meios coercitivos, de modo antecipado, para obter a submissão. A terceira refere-se à proeza física. (BITTNER, 2003). Segundo Bittner (2003, p. 20) “nenhum policial em campo evita completamente a barganha ou a intimidação, e nenhum se dá o direito de desprezar inteiramente a confiança na força física”. Schroder (2001, p. 53) afirma que emprego da força na atividade policial “é um assunto por demais intrigante para aqueles que se dedicam ao estudo da atividade de segurança pública e poder do Estado, pois, a princípio, parece surgir embate entre os interesses individuais e os interesses estatais”. No mesmo sentido, Barbosa e Ângelo (2001, p. 118) destacam “que o policial quando utiliza qualquer um de seus poderes previstos em lei, no exercício de suas funções próprias, certamente intervirá no direito e na liberdade do cidadão”. Tal intervenção, por vezes se dará através do uso da força, que de acordo com Barbosa e Ângelo (2001, p. 107) é “toda intervenção compulsória sobre os indivíduos ou grupo de indivíduos, reduzindo ou eliminando sua capacidade de autodecisão”. No mesmo sentido, Schroder (2001, p. 53) define uso da força como “toda e qualquer ação contrária a indivíduos isolados ou em grupos, praticadas por agentes 41 do Estado que, através de seus atos, venham a reduzir a capacidade de resistência às suas determinações legais”. De acordo com Moreira e Corrêa (2002), na atividade policial, nem toda intervenção pode ser resolvida de modo passivo e com uso da verbalização, da negociação, da mediação e da persuasão. A partir de então, surge a necessidade de a polícia ser dotada de diversos poderes com a finalidade de fazer cumprir a lei e preservar a ordem pública. Dentre os diversos poderes destaca-se o uso da força. Vianna (2000) acrescenta que devido à importância do policiamento na sociedade, bem como, considerando-se a natureza complexa do serviço policial, o qual se reveste de incertezas e perigos, torna-se, imprescindível, atribuir o poder do uso da força a pessoas qualificadas para exercê-la convenientemente. Isto implica uma seleção extremamente rigorosa, envolvendo processos de treinamento, um comando efetivo, um controle e uma supervisão dos policiais pelos seus superiores, e uma estrita responsabilidade da polícia frente à lei quando há abuso de poder. (VIANNA, 2000). Observa-se que as palavras de Vianna vão ao encontro do que preceitua os artigos 18 e 19 dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Art. 18. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir que todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei sejam selecionados de acordo com procedimentos adequados, possuam as qualidades morais e aptidões psicológicas e físicas exigidas para o bom desempenho das suas funções e recebam uma formação profissional contínua e completa. Deve ser submetida a reapreciação periódica a sua capacidade para continuarem a desempenhar essas funções. Art. 19. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir que todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei recebam formação e sejam submetidos a testes de acordo com normas de avaliação adequadas sobre a utilização da força. [...]. Em assim sendo, os policiais, em sua atividade diuturna, devem estar treinados e preparados para a excepcionalidade, utilizando-se da força, com o objetivo precípuo de exercer o controle do suspeito em circunstâncias em que se fizer necessário. (MOREIRA; CORRÊA, 2002). Schroder (2001) afirma que o uso da força não é regra, mas a exceção, devendo se aplicada somente em último caso. 42 Ao fazer uso da força, o policial, de acordo com a apostila Uso legal da Força (2006, p. 15), deve: [...] ter o conhecimento da lei, deve estar preparado tecnicamente, através da formação e do treinamento, bem como ter princípios éticos solidificados que possam nortear sua atuação [...]. Moreira e Corrêa (2002) destacam que cabe aos policiais realizar uma avaliação individual de cada ocorrência quanto à utilização da força, recorrendo a tal meio somente quando todos os outros meios tiverem falhado. Corroborando, Vianna (2000) destaca que o uso dos princípios relacionados à aplicação de meios pacíficos, bem como o emprego de níveis mínimos de força, são fundamentais para a atividade policial. Segundo Schroder (2001), “o uso da força é uma discricionariedade que o Estado assegura aos seus agentes, para que façam valer suas pretensões, exteriorizadas nos regramentos, seja de atos normativos ou jurídicos”. Conforme os ensinamentos de Moreira e Corrêa (2002), apesar da força ser uma discricionariedade do Estado, os policiais deverão adequar o seu uso de acordo com a submissão do suspeito e com o objetivo legítimo a ser alcançado, pautando suas ações na moderação e proporcionalidade, caso contrário estarão incidindo em abusos. De acordo com Vianna (2000) a violência policial, realizada através do uso ilegítimo da força, pode levar a uma séria desordem pública, expondo as instituições policiais a situações perigosas e desnecessárias, fazendo com que as mesmas se tornem vulneráveis, conduzindo-as a uma falta de confiança por parte da comunidade. No mesmo caminho, Moreira e Corrêa (2002, p.72) destacam que “um policial que exceda o uso da força [...] pode fazer com que a organização inteira seja considerada violenta [...] porque o ato individual será visto como ato da Corporação”. Por derradeiro, percebe-se, com base no exposto acima e segundo Barbosa e Ângelo (2001) que o policial, no cumprimento de sua missão, ao optar pelo emprego da força, deverá nortear suas ações através dos padrões internacionais e nacionais de uso legal da força, respeitando os direitos e garantias fundamentais,
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