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Fundamentos das obrigações Profª. Fernanda Paes Leme false Descrição A relação obrigacional, seus elementos estruturantes, funções e principais classificações. Propósito A compreensão da relação obrigacional, de seus elementos e espécies é fundamental para o entendimento de toda a disciplina de obrigações, que é a base de todas as relações privadas patrimoniais. Preparação Antes de iniciar seu estudo, tenha em mãos o Código Civil (CC) para acompanhar os artigos citados ao longo do conteúdo. Objetivos Módulo 1 O direito das obrigações Analisar a história, a autonomia e os princípios do direito das obrigações. Módulo 2 Fontes e causas das obrigações Reconhecer as fontes e as causas das obrigações. Módulo 3 Atos unilaterais, fato jurídico nas obrigações e contratos Identificar os atos unilaterais e o fato jurídico nas obrigações e nos contratos. O direito das obrigações é uma disciplina de extrema relevância, pois é a base das mais diversas relações que são estabelecidas nos âmbitos pessoal e profissional de todos. Assim, a compreensão da dogmática do direito das obrigações se impõe, sendo certo que tal entendimento pressupõe conhecer a historicidade desse ramo do Direito, seus princípios norteadores e os fundamentos dessa relação. Nessa perspectiva, trataremos da historicidade do direito das obrigações, com o objetivo de compreender os traços mais marcantes e em perspectiva evolutiva das obrigações em geral, assim como seus princípios norteadores. Em seguida, tendo como parâmetro norteador a teoria dos fatos jurídicos, apresentaremos as fontes das obrigações e, por fim, cuidaremos dos atos unilaterais e não negociais de vontade. Como será visto, a delimitação dos contornos jurídicos de todos esses aspectos essenciais do direito das obrigações é diretamente influenciada e determinada por opções legislativas de cada época e também pela releitura de institutos tradicionais a partir de princípios informadores. Introdução 1 - O direito das obrigações Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar a história, a autonomia e os princípios do direito das obrigações. História, autonomia e princípios do direito das obrigações Neste módulo, trataremos da historicidade do direito das obrigações, de seus princípios mais importantes e de sua autonomia no campo do direito privado. Atenção Não faremos aqui uma reconstrução histórica do direito das obrigações, tarefa mais apropriada aos historiadores, mas tão somente destacaremos as especificidades mais marcantes e relevantes ao longo do tempo responsáveis pela configuração do direito das obrigações na contemporaneidade e contextualizado no ordenamento jurídico brasileiro. Em relação aos princípios, foram selecionados aqueles que, na atualidade, respondem pelo dinamismo e pela conformação do direito das obrigações. Certamente, outros princípios poderiam ter sido também elencados, mas selecionamos aqueles que entendemos ser mais relevantes. Por fim, sobre a autonomia do direito das obrigações, cabe-nos consignar que ela se traduz na disciplina específica para esse importante ramo do Direito, cuja aplicabilidade se dá, de forma exclusiva ou complementar, com a disciplina de outras áreas. Atenção Além disso, é importante destacar que, pela sistemática adotada pelo CC de 2002, procedeu-se a uma unificação parcial do direito privado, com a reunião das obrigações civis e mercantis no livro do direito das obrigações, que inaugura a parte especial do CC. Historicidade do direito das obrigações A compreensão dos institutos jurídicos perpassa sua historicidade, não com o objetivo de uma exata e pormenorizada reconstrução histórica, mas de conhecer a dinâmica evolutiva e, principalmente, as transformações ao longo do tempo. Nessa perspectiva, podemos indicar três marcos principais na evolução das obrigações: Fase romana. Fase moderna. Fase contemporânea e constitucionalizada. Essa divisão não indica que tenham existido três diferentes obrigações, mas apenas que em cada uma dessas fases é possível destacar certas características mais marcantes. Na fase romana, o conceito de obrigação era bem-definido, com a distinção entre os direitos de crédito e os direitos reais e com o estabelecimento do vínculo pessoal entre os sujeitos da relação obrigacional. Note que a pessoalidade do vínculo, em um primeiro momento, estava particularmente atrelada à Lei das XII Tábuas, e o não cumprimento das obrigações pactuadas assumia um caráter delitual. Assim, a título ilustrativo, entre as possíveis consequências do inadimplemento, havia a possibilidade de se tornar escravo, ter uma parte do corpo cortada ou ainda ser morto. Essas espécies arcaicas de autotutela tiveram seu fim com a Lex Poetelia Papiria, trazendo a distinção essencialmente relevante de patrimônio e pessoa natural do devedor, projetando a responsabilidade sobre o patrimônio e originando a responsabilidade patrimonial, tal como prevista em nosso ordenamento jurídico atual (art. 391 do CC). O extremo formalismo é outra característica marcante das obrigações na época romana. Vejamos alguns pontos: Lex Poetelia Papiria A Lex Poetelia Papiria foi uma lei da República romana que aboliu o nexum, ou seja, o acordo pelo qual um devedor dava como garantia de um empréstimo a escravidão de si próprio em nome do credor em troca da extinção do débito. Importantes manifestações Os ritos e as cerimônias eram mais importantes do que a manifestação da vontade em si. Extremismo atenuado No entanto, com o passar do tempo e a evolução da categoria, tanto o formalismo quanto a pessoalidade extrema foram se tornando mais brandos. De fato, se a responsabilidade se torna patrimonial e não mais incidente sobre a pessoa do devedor, as obrigações deixam de ter caráter personalíssimo, passo importante na evolução das obrigações como um todo. A partir daí, outras evoluções e transformações foram experimentadas, sendo a principal o deslocamento da primazia do formalismo para a vinculação da vontade e a sujeição do devedor a uma prestação, e não mais a uma sujeição física e de seu próprio corpo. Essa nova concepção de obrigação já se fazia presente no Corpus Iuris Civilis, no século XVI. Ainda nessa perspectiva da vinculação da vontade, mas já sob a influência do Direito Canônico, o não cumprimento da obrigação se confundia com a ideia de falha moral e até mesmo de pecado, e foi instituído, na época, o princípio do pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), denotando o compromisso pela palavra empenhada. O Direito moderno resgata a noção de obrigações do Direito romano, mas distante daquela primeira concepção de vínculo pessoal, quiçá personalíssimo, e adicionando a ideia da força vinculante da vontade. Nessa perspectiva, Pothier (2002, p. 24), em atenção ao Code Civil francês, definiu obrigação como “um vínculo de direito que nos restringe a dar a outro alguma coisa, ou ainda, a fazer ou não fazer tal ou qual Evolução Esse fato permitiu a evolução para a responsabilidade patrimonial, como já referido, e a própria transmissão das obrigações, com os institutos que hoje conhecemos como cessão de crédito e assunção de dívida, por exemplo. coisa”, destacando ser da essência das obrigações que exista uma causa para essa obrigação, que existam pessoas entre as quais se contrate e que exista alguma coisa que seja seu objeto (POTHIER, 2002, p. 29). Essa definição, até pelo protagonismo francês da época, influenciou outras codificações e pode ser compreendida como uma boa ilustração da concepção moderna de obrigações. Comentário Destaca-se que ainda prevalecia a noção de vínculo estático entre credor e devedor, e de sujeição deste último ao primeiro, mas não uma sujeição pessoal, e sim patrimonial, na medida em que a responsabilidade pelo inadimplemento recaía sobre o patrimônio. Em termos de história recente, por muito tempo se acreditou que as obrigações permaneceriam quase inalteradas em suaessência, revelando aqui a preponderância de seu aspecto estático. Essa visão de estabilidade das obrigações se traduz no vínculo jurídico, que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de determinada obrigação, ao passo que o devedor estaria obrigado a realizar a prestação ao credor. No entanto, novas transformações surgiram, e, mais contemporaneamente, verificamos uma terceira fase evolutiva nas obrigações, com destaque para uma concepção dinâmica do vínculo jurídico obrigacional e da relação como um todo. Essa nova concepção pode, em alguma medida, ser compreendida como consequência direta da própria reformulação da noção de autonomia privada, tanto de seus contornos quanto de seus limites. A noção de autonomia da vontade, concebida como dogma na teoria clássica, é substituída pela de autonomia privada, sendo certo que não se tratou de mera alteração semântica, mas de reformulação de fundo, no que tange aos contornos e, principalmente, aos limites da autonomia. Sob a influência de princípios constitucionais, notadamente o da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade social, altera-se a concepção de autonomia, e ela então se distancia de uma ideia de liberdade parcamente limitada para a ideia de uma liberdade funcionalizada ao atendimento de interesses e valores socialmente relevantes. Como consequência dessa alteração, novos institutos e princípios jurídicos emergiram, como a figura do abuso do direito e os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos. No campo das obrigações, especificamente, isso impôs uma renovada concepção da obrigação, a qual passa a ser compreendida como um vínculo dinâmico, complexo, enfim, como um processo de cooperação entre as partes e com vistas ao adimplemento. Essa nova concepção só foi possível porque, primeiro, abandonou-se o formalismo exacerbado e típico do Direito romano e, a partir daí, privilegiou-se o aspecto funcional da relação. Vale dizer que, preservados seus aspectos estruturais, adota-se uma postura que privilegia a função da relação obrigacional, que vem a ser toda a sua existência orgânica direcionada ao adimplemento. Consequentemente, a relação obrigacional passa a ser apreciada em sua totalidade, e, nessa perspectiva, não apenas o débito e o crédito são relevantes, mas todos os direitos, deveres, ônus, exceções, enfim, todas as situações jurídicas subjetivas têm papel de destaque, posto que se interligam, tornando a relação uma totalidade orgânica, complexa e dinâmica, cujo fim é o adimplemento. Certamente, o credor ainda tem o direito de exigir do devedor a satisfação de seu crédito. Essa possibilidade é da essência do próprio vínculo obrigacional. No entanto, o credor também tem deveres ao longo dessa relação, e ambos devem cooperar para seu fim pretendido, que é o adimplemento. Princípios do direito das obrigações O direito das obrigações disciplina, essencialmente, três situações: As relações negociais, de troca de bens e serviços entre as pessoas. A reparação dos danos civis. Os atos unilaterais de vontade relacionados com hipóteses de benefícios indevidamente auferidos. Essa delimitação nos indica os princípios mais relevantes no âmbito do direito das obrigações, quais sejam, o princípio da autonomia privada, o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da função social dos contratos. Princípio da autonomia privada O que é a autonomia privada? Vamos conhecer seu conceito e características juntamente com a professora Fernanda Paes Leme assistindo ao vídeo a seguir? Como você deve ter observado no vídeo, a autonomia privada, em seu sentido técnico, é o poder de autorregulamentação dos próprios interesses. Trata-se, portanto, de poder reconhecido aos sujeitos de direito para a produção de efeitos jurídicos em decorrência de ato de sua própria vontade e em conformidade com o ordenamento. Tem como seu fundamento genérico a liberdade jurídica e encontra no negócio jurídico o local próprio para sua realização. Ainda sobre o tema, vejamos algumas diferenças entre as autonomias: Autonomia privada patrimonial Tratando-se da autonomia privada patrimonial, a liberdade se especifica na livre iniciativa, nos termos do art. 170 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), fundamento próprio para atos dessa natureza. Autonomia não patrimonial Já para os atos de autonomia não patrimonial, o fundamento se desloca para a cláusula geral de tutela da pessoa humana. A liberdade deve ser harmonizada com os substratos que conformam o princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, são os limites que se opõem a essa liberdade que melhor explicam, ao longo do tempo e do espaço, sua concepção e abrangência, e também foi a partir da imposição de limites que se deu a grande transformação do conteúdo da autonomia. Vamos descobrir quais são eles? O primeiro limite imposto à autonomia privada é o negativo, consubstanciado no critério da licitude/ilicitude. Este sempre existiu e corresponde ao princípio da legalidade, que determina não ser possível fazer aquilo que a lei proíbe. Esse limite persiste e pode ser observado em diversas passagens da legislação, como no parágrafo único do art. 170 da CF/1988, ao determinar que, em alguns casos, o exercício da livre iniciativa dependerá de prévia autorização do poder público; no próprio requisito da licitude do objeto para a validade dos negócios jurídicos; na proibição de o tutor adquirir bens do tutelado; na indissolubilidade do vínculo de afinidade em linha reta, que traz como consequência direta o impedimento matrimonial; entre outros. Limite negativo Contudo, em um ordenamento promocional, a licitude não é critério bastante para a valoração, em termos positivos, do ato de autonomia, razão pela qual se adiciona o critério da legitimidade e, consequentemente, adota-se também o juízo de merecimento de tutela do ato. Assim, o segundo limite genérico à autonomia privada é o critério da legitimidade. Trata-se de outro limite negativo, que determina que os atos de autonomia, além de lícitos, têm que ser exercidos em conformidade com sua função. Trata-se de um controle de abusividade ou de disfuncionalidade do ato. Os parâmetros para esse controle de legitimidade são aqueles estabelecidos pelo legislador no art. 187 do CC de 2002, a saber, fim econômico ou social, boa-fé e bons costumes. Há ainda um terceiro limite genérico, consistente na funcionalização do ato de autonomia, que se trata do privilégio ao aspecto funcional dos institutos jurídicos como um todo e do ato de autonomia especificamente, a fim de permitir tanto o controle do ato quanto, principalmente, sua adequação ao atendimento dos interesses sociais relevantes. Princípio da boa-fé objetiva Critério da legitimidade Funcionalização do ato de autonomia O princípio da boa-fé objetiva foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), e, posteriormente, o legislador de 2002, por meio de três dispositivos (arts. 113, 187 e 422), irradiou a força do princípio para as demais relações. De forma geral, pode-se dizer que a boa-fé objetiva impõe aos contratantes a observância de certo padrão de comportamento ético, o qual será um parâmetro utilizado pelo julgador quando da interpretação, integração e solução das controvérsias submetidas à sua análise. A doutrina brasileira, seguindo a classificação alemã e em observância ao texto codificado, identifica uma tríplice função para a vertente objetiva da boa-fé: Função integrativa da boa-fé Essa função objetiva (art. 422 do CC) estabelece a obrigação acessória de agir segundo a probidade e a boa-fé. Função limitativa A função limitativa (art. 187 do CC) visa a impedir o exercício abusivo das posições jurídicas. Função interpretativa Essa função (art. 113 do CC) determina que o contrato seja interpretado segundo a boa-fé. No âmbito de sua função integrativa, a boa-fé objetiva impõe deveresgenéricos de recíproca cooperação ou colaboração entre as partes, impondo, portanto, deveres positivos de conduta, os quais foram determinantes para a transformação da concepção de obrigação. A rigor, esses deveres, por si só, impuseram a complexidade objetiva das obrigações e dotaram a relação de um dinamismo que a caracteriza na contemporaneidade. A função limitativa permite a verificação da abusividade do exercício do direito, a partir da análise da presença de elementos objetivos acerca da cooperação entre as partes, bem como do exercício desarrazoado de certa posição jurídica, compreendido como aquele contrário ao padrão de colaboração e retidão. Ao equilíbrio compete verificar a proporcionalidade entre as obrigações existentes. A título de ilustração, suponha um contrato de compra e venda a prazo de automóvel entre particulares, no qual, após o pagamento de uma parcela considerável do contrato, o devedor ficasse inadimplente. Na eventualidade de o credor pretender exercer seu direito potestativo à resolução, poderia incidir o controle, por meio da boa-fé objetiva, com vistas a impedir a resolução. Por fim, a função interpretativa, atribuída à boa-fé objetiva, impõe a adoção de standards de comportamento para fins de interpretação das diferentes relações jurídicas. Trata-se de comando normativo direcionado ao julgador, no sentido de que adote o parâmetro da boa-fé objetiva para a interpretação das situações postas à sua análise. Princípio da função social dos contratos O princípio da função social dos contratos foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo CC de 2002, que, por meio do art. 421, determinou que a “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Mais recentemente, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) alterou a redação do art. 421, suprimindo o “em razão” do caput, substituindo a expressão “liberdade de contratar” por “liberdade contratual” e acrescentando um parágrafo único ao dispositivo. Se existe um consenso acerca da função social dos contratos é o de que o princípio encerra uma espécie de critério de controle de legitimidade da liberdade contratual, impondo às partes contratantes a observância e o atendimento aos valores socialmente úteis, quando da busca pela realização de seus próprios interesses. Isso não significa ignorar a função econômica do contrato, transformando-o em instrumento de realização de interesses exclusivamente coletivos, e/ou desprezar a vontade das partes. A função social dos contratos impõe uma nova forma de composição dos interesses envolvidos, um plus às funções econômicas em geral e específicas das relações obrigacionais como um todo e do contrato, especificamente. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Princípio da boa-fé objetiva 2:57 min. Princípio da função social dos contratos 1:58 min. MÓDULO 1 Vem que eu te explico! Princípio da boa-fé objetiva 2:57 min. Princípio da função social dos contratos Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Acerca dos princípios fundamentais que regem o direito das obrigações, é possível afirmar que: A Não há diferença, em termos práticos, entre autonomia privada e autonomia da vontade, limitando- se a uma distinção meramente semântica. B Entende-se como boa-fé objetiva a identificação particular de determinadas partes, isto é, vincula-se a intenção do agente, contrapondo-se à má-fé. C A função social do contrato se traduz na definição de um controle de legitimidade da liberdade contratual, pautado por interesses socialmente relevantes. D A compreensão do direito das obrigações, na contemporaneidade, rechaça toda a noção existente no Direito romano, pois este se vinculava tão somente à inexistência de distinção entre o patrimônio e a pessoa. E O princípio do pacta sunt servanda como princípio contratual contemporâneo significa a observância de cumprir determinada obrigação, desde que estejam previstas as circunstâncias devidas. Parabéns! A alternativa C está correta. Trata-se da exata definição do princípio da função social do contrato. Questão 2 Acerca das funções exercidas pela boa-fé objetiva, de acordo com as doutrinas alemã e brasileira, entende-se que: A Reverbera-se em uma tríplice função, sendo ela: disjuntiva, limitativa e interpretativa. B A função integrativa se coaduna com a visão contemporânea e dinâmica das obrigações, observando a cooperação entre as partes. C Tem como função exclusiva a identificação de valores socialmente relevantes. 2 - Fontes e causas das obrigações Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as fontes e as causas das obrigações. Notas introdutórias A fonte ou causa de uma obrigação corresponde a seu fato gerador ou originário e, consequentemente, ao fundamento jurídico do vínculo obrigacional. Assim, identificar uma fonte ou causa de uma obrigação é D A função interpretativa se traduz no dever de leitura integral de determinado contrato, sob pena de não ser considerado válido. E A função disjuntiva diz respeito à separação necessária entre o cumprimento de uma obrigação, pelo lado do devedor, e o direito de exigi-la, pelo lado do credor. Parabéns! A alternativa B está correta. Trata-se da escorreita compreensão da função integrativa, que, juntamente com as funções limitativa e interpretativa, corrobora a tríplice função da vertente objetiva da boa-fé. o mesmo que identificar a origem dessa mesma obrigação e seu fundamento. Exemplo A título ilustrativo, uma obrigação oriunda do descumprimento de um dever originário ou de um ato ilícito enseja, uma vez preenchidos todos os pressupostos para tal, uma relação de responsabilidade civil, com características e especificidades próprias, como prazo prescricional e termo inicial para contagem de juros, por exemplo. Por outro lado, uma relação obrigacional oriunda de um vínculo jurídico contratual está diretamente relacionada com esse título, no qual, por exemplo, podem ter sido incluídas uma cláusula limitativa e, dependendo do contrato, até mesmo exonerativa de responsabilidade. Com esses exemplos, meramente ilustrativos, pretendeu-se destacar a importância da identificação das fontes ou causas das obrigações. Trata-se de um aspecto instrumental e de extrema relevância prática, pois influencia diretamente diversos aspectos técnicos derivados do vínculo estabelecido. A relevância da identificação das fontes ou causa das obrigações deriva das especificidades que serão próprias a cada uma das diversas relações obrigacionais possíveis em razão de sua fonte. Resumindo Em síntese, as fontes ou causas das obrigações revelam sua importância a partir da compreensão das circunstâncias que ensejam o vínculo jurídico obrigacional de determinada relação. Como visto no módulo anterior, as obrigações têm historicidade própria e longa evolução, a qual também influencia a identificação das possíveis fontes ou causas das obrigações. Assim, adotaremos aqui os mesmos marcos temporais indicados no módulo anterior, quais sejam, a fase romana, a fase moderna e a fase contemporânea. Algumas palavras sobre cada uma dessas fases: Ao longo da fase romana, foram enumerados como fontes das obrigações o contrato, o como contrato, o delito, o como delito e o direito próprio, com alterações nessas indicações, a fim de acomodar situações e categorias novas que surgiram com o passar do tempo. Essa classificação romana foi adotada, já na fase moderna, pelo Código de Napoleão, por obra direta de Pothier (2002, p. 29), que Fase romana afirmava como causas das obrigações “os contratos, os quase contratos, os delitos e os quase delitos e, às vezes, a lei ou a simples equidade”. Observa-se que as ideias de “como contrato” e “como delito” do Direito romano são denominadas, na fasemoderna, “quase contrato” e “quase delito”. Na construção francesa, incorporada no Código de Napoleão, o contrato seria uma espécie de convenção, cujo objeto era um compromisso. Já os quase contratos seriam o que hoje compreendemos como atos unilaterais, a exemplo da aceitação de herança e do pagamento indevido (POTHIER, 2002, p. 111). Já o delito seria o ato intencional e doloso que causasse dano a outrem, e o quase delito, o ato culposo que gerasse o mesmo resultado lesivo. Por fim, a lei era, e ainda é, apresentada como fonte mediata de todas as obrigações, além de causa imediata de algumas obrigações específicas. Como sabemos, a fase moderna foi marcada por um amplo movimento de codificações, e não foram todos os ordenamentos que seguiram essa classificação francesa. Ao contrário, foram observadas adaptações e reformulações nessas classificações. De forma geral, verificou-se o abandono das figuras do quase contrato e do quase delito, sendo o primeiro substituído pela categoria dos atos unilaterais de vontade, e o segundo, fundido na categoria geral do delito ou ato ilícito. Além disso, sob a influência germânica, substituiu-se, em certa medida, o contrato pela categoria mais ampla de negócio jurídico, na qual o contrato está inserido. Já a lei, em que pese Fase moderna existirem críticas nesse sentido, majoritariamente, é indicada como uma das fontes das obrigações, mediata ou imediata. Como fonte mediata, pois a lei é, em última instância, o fundamento de todas as relações obrigacionais, e imediata, nas hipóteses em que a obrigação nasce diretamente da lei, como no caso de obrigação alimentar. Já em nossa fase atual, contemporânea, reconhecemos como fontes ou causas das obrigações o ato ilícito, o negócio jurídico, os atos unilaterais de vontade e a lei. Assim, pode-se afirmar que a obrigação resulta de fonte heterônoma, por intermédio da lei, ou de fonte autônoma, resultante da vontade humana, manifestada no contrato, na declaração unilateral ou na prática de ato ilícito. Derivando um pouco mais essas categorias, temos que as obrigações podem ser originadas de contratos ou atos unilaterais de vontade (atos jurídicos); atos ilícitos, dolosos e/ou culposos; e da lei, que usualmente é apontada como fonte primária e mediata de todas as obrigações, mas que também pode figurar como fonte imediata. À exceção da lei, as demais fontes das obrigações pertencem à categoria mais ampla de fatos jurídicos, que são os acontecimentos, dependentes ou não da ação humana consciente e voluntária e que produzem consequências jurídicas. Entre as possíveis consequências ou efeitos jurídicos do fato está, justamente, a relação obrigacional. Daí a afirmativa de que tais fatos jurídicos são fontes ou causas das obrigações. O gênero fato jurídico é subdivido em algumas espécies: Fase contemporânea I O fato jurídico em sentido estrito. Esses três últimos, juntamente com a lei, conformam as fontes ou causas das obrigações. Atos jurídicos: atos em sentido estrito e negócios jurídicos O ato jurídico é a ação humana voluntária e consciente, ou seja, destinada à produção de determinado efeito pretendido, que gera consequências jurídicas. Essa categoria se subdivide em atos jurídicos em sentido estrito e em negócios jurídicos, e ambos derivam da vontade humana criadora. No entanto, o espaço de liberdade ou de autonomia do agente difere em uns e em outros. Nos atos jurídicos em sentido estrito, todos os efeitos derivam da própria lei. Assim, o espaço de autonomia se resume à escolha entre praticar ou não o ato, mas, uma vez praticado, não há espaço para qualquer modulação volitiva. Nesse sentido, afirma-se que o ato jurídico em sentido estrito é a exteriorização consciente da vontade, cuja eficácia é predeterminada pela lei. II O ato jurídico, que se subdivide em ato jurídico em sentido estrito e em negócio jurídico. III O ato lícito. Exemplo Podemos citar a adoção, a fixação de domicílio e a constituição em mora. Já no negócio jurídico o espaço para o exercício da autonomia e para a inovação no mundo jurídico é bastante amplo, na medida em que o negócio jurídico é o instrumento por excelência da autonomia privada, visto que é por meio dele que o sujeito de direito manifesta sua vontade, direcionada à produção de efeitos pretendidos. Resumindo Em síntese, o negócio jurídico é o instrumento próprio para que os sujeitos de direito autorregulem seus interesses, na medida em que seus efeitos não são determinados pela norma, embora sejam por ela limitados. A depender das partes envolvidas, o negócio jurídico pode ser unilateral ou bilateral, e na categoria dos negócios bilaterais se insere a principal fonte das obrigações, que é o contrato. Este último pode ser compreendido como uma relação jurídica subjetiva, derivada do acordo de vontades e em conformidade com a lei, por meio do qual os sujeitos de direito, no exercício de suas autonomias, podem alterar a realidade jurídica, perfazendo acordos volitivos em torno de bens e interesses patrimoniais juridicamente reconhecidos. Os atos negociais unilaterais ou negócios jurídicos unilaterais são aqueles que se aperfeiçoam e criam uma obrigação, a partir da declaração de apenas uma vontade negocial. A título de ilustração, podemos citar os títulos de crédito, documentos autônomos de natureza obrigacional inter partes, predominantes nas relações interempresariais (arts. 887 e segs. do CC), e a promessa de recompensa, disciplinada nos arts. 854 a 860 do CC. Exemplo Um exemplo de promessa de recompensa bastante comum em nossa sociedade é o programa de milhagens de companhias aéreas ou de pontos de determinada marca de produtos ou serviços. Existem, por fim, os atos unilaterais não negociais, aos quais nos dedicaremos no Módulo 3 e que se distinguem dos atos ou negócios jurídicos unilaterais exatamente por serem desprovidos de caráter negocial, mas que, por derivarem de ações humanas voluntárias, reverberam em uma obrigação. Atos ilícitos Vamos assistir agora a professora Fernanda Paes discorrer sobre os atos ilícitos e suas classificações. Atos ilícitos O ato ilícito está inserido na categoria dos atos jurídicos, ao lado dos atos jurídicos em sentido estrito, cujos efeitos decorrem diretamente da lei, independentemente da vontade dos agentes e dos negócios jurídicos, cujos efeitos decorrem da vontade em conformidade com a lei. A diferença entre os atos jurídicos em sentido estrito e o ato ilícito repousa justamente na qualificação específica deste último, que é sua antijuridicidade, pois os efeitos dos atos ilícitos também derivam da lei. O ilícito, portanto, significa que aquela ação humana é contrária ao Direito e, assim, antijurídica. Trata-se de uma caracterização objetiva, visto depender apenas da contrariedade ao Direito. O ato ilícito é um comportamento voluntário que infringe um dever jurídico. Assim, em termos práticos, para caracterizar um ato como ilícito, devemos indagar o que a pessoa fez, observar a conduta, a ação ou omissão e valorar essa conduta em conforme ou não conforme ao Direito. Sendo não conforme ou contrária ao Direito, será antijurídica e, consequentemente, ilícita. A vida em sociedade impõe a adoção de certos comportamentos objetivos e também de certos deveres negativos, tal qual o dever genérico de não causar danos a outrem. A inobservância desses deveres, somada à causação de danos injustos, configura o ato ilícito, cujo efeito principal é o indenizante ou reparatório. Repousa, nesse ponto, a relevância dos atos ilícitos como fonte de obrigações, posto que, em muitos casos, serão fonte geradora da relação de responsabilidade civil. A correlação entre ato ilícito e responsabilidade civil é tão estreita que, tradicionalmente, o conceito de ato ilícito foi concebido como o conjunto dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, como se depreende do teor do art. 186 do CC, que dispõe: “Aquele que, poração ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Contemporaneamente, no entanto, essa correlação deve ser vista com mais cautela, pois, conforme a sistemática adotada pelo CC de 2002, o ato ilícito passa a ser um gênero que tem como espécies o ato ilícito em sentido estrito ou subjetivo (art. 186 do CC) e o ilícito em sentido amplo ou objetivo, que é o abuso do direito (art. 187 do CC). A cautela se faz necessária porque, enquanto o ilícito subjetivo, de fato, relaciona-se de forma muito estreita com a responsabilidade civil, o ilícito objetivo ou abuso do direito tem como função primordial exercer um controle dos atos de autonomia, visando à coibição de exercícios disfuncionais do direito. Certamente, o cometimento de um ilícito objetivo pode gerar uma relação de responsabilidade civil. Inclusive, tal previsão é expressa no caput do art. 927 do CC, no qual se afirma que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” No entanto, considerando a função primordial do abuso do direito, devemos ter em mente que o efeito reparatório ou indenizante, para essa espécie de ato ilícito, não é o principal. Espécies de ato ilícito Como referido no item anterior, o CC de 2002 ampliou a noção de ato ilícito, incluindo nessa categoria o abuso do direito. Consequentemente, foi necessário extrair do conceito de ato ilícito (gênero) a culpabilidade, reduzindo sua conceituação a uma conduta ou comportamento humano que viola o ordenamento jurídico, infringindo um dever jurídico específico ou geral, tal qual o de não causar danos a outrem ou de não agir em desconformidade com o próprio direito que titulariza. Assim, diante da sistemática do CC de 2002, duas são as espécies de ato ilícito: Ato ilícito em sentido estrito ou subjetivo, previsto no art. 186 do CC. Ato ilícito objetivo ou abuso do direito, previsto no art. 187 do CC. O ilícito subjetivo em sentido estrito ou subjetivo pode ser compreendido como a qualificação de uma conduta humana voluntária, culposa ou reprovável, praticada conscientemente por uma pessoa, violadora de um dever jurídico e que causa dano a terceiros. Depreende-se desse conceito que o núcleo central do ilícito subjetivo é conformado pela antijuridicidade e pela imputabilidade: \ Antijuridicidade A antijuridicidade é o aspecto objetivo do conceito e que nos impõe investigar o que a pessoa fez, pois será antijurídica a conduta voluntária, comissiva ou omissiva, contrária ao ordenamento jurídico. Imputabilidade A imputabilidade é o aspecto subjetivo do conceito e que indica a necessidade de investigar quem praticou o ato ilícito, premissa para a própria reprovabilidade da conduta e para a imputabilidade, que é a possibilidade jurídica de atribuição de autoria ou de responsabilidade pelo fato. Imputável pelo ato, portanto, será a pessoa a quem se pode atribuir a conduta antijurídica, sendo exigido para tal o discernimento. Por isso é que, em nosso ordenamento jurídico, o incapaz pode praticar conduta antijurídica, mas não comete ato ilícito, pois é inimputável. O ato ilícito em sentido amplo, objetivo ou abuso do direito pode ser compreendido como conduta antijurídica, mas sem qualquer referência ao elemento subjetivo. Assim, observa-se apenas a conduta, se contrária ao ordenamento jurídico. Essa é uma distinção muito importante: Ato ilícito em sentido subjetivo O ato ilícito em sentido estrito ou subjetivo precisa do elemento subjetivo da culpa. Ato ilícito em sentido objetivo Já o ilícito objetivo ou abuso nasce da incompatibilidade entre o direito subjetivo e seu exercício. Em outras palavras: o ato ilícito objetivo dispensa o elemento volitivo, na medida em que, para a configuração do abuso, exige-se apenas a comprovação objetiva de que o comportamento adotado contraria a função para a qual o direito subjetivo foi concedido. A função precípua do abuso do direito, como já referido, é exercer um controle do exercício dos atos de autonomia. A valoração da abusividade é tarefa complexa, pois só pode ser feita em concreto e em atenção à função do próprio direito. A rigor, temos um direito que está sendo exercido por seu titular, que, durante esse exercício, por não observar ou respeitar a função do próprio direito, abusa do direito e, com isso, comete ato ilícito. A configuração do abuso do direito resulta do exercício disfuncional do direito. Em comum, ambas as espécies congregam a desconformidade da conduta com o direito e a reprovabilidade dessa mesma conduta. Porém, no ilícito subjetivo, a reprovabilidade da conduta corresponde à culpa, exteriorizada pela negligência, imprudência e imperícia. Já no ilícito objetivo ou abuso do direito a reprovabilidade corresponde ao exercício disfuncional de uma posição jurídica e é apreciada em concreto, a partir dos parâmetros indicados pelo legislador, quais sejam, seu fim econômico ou social, a boa-fé e os bons costumes. Disso deriva outra importante distinção entre o ato ilícito subjetivo e o objetivo ou abuso: Ato ilícito em sentido subjetivo O autor do ilícito viola diretamente uma norma ou um dever jurídico; daí se afirmar que o ato ilícito em sentido estrito conforma uma ilegalidade. Ato ilícito em sentido objetivo Não se verifica uma violação frontal à norma, o que resulta em ato ilícito qualificado não pela ilegalidade estrita, mas, sim, pela ilegitimidade da conduta. Comentário A violação frontal à norma não é verificada porque temos na hipótese do ilícito objetivo, a rigor, o exercício irregular de direito, mas há um direito. Uma dúvida natural, nesse ponto, é a razão de se falar em ato ilícito, se não há ilegalidade propriamente dita. E a resposta é bastante simples, em que pese não ser isenta de críticas. Porque essa foi a opção de nosso legislador, qual seja, considerar ilícito aquele ato abusivo e não merecedor de tutela jurídica. E isso porque o abuso é intolerável, e o ordenamento não admite comportamentos violadores de princípios e valores, ainda que tais comportamentos tenham aparência de licitude. Assim, o ato ilícito clássico é uma violação ao corpo da legislação, enquanto o abuso é uma violação à alma da legislação. O ato abusivo é lícito na origem, mas é ilícito quanto ao resultado e à finalidade. Daí a complexidade de sua configuração, a qual depende da apreciação em concreto e de seu reconhecimento pelo juízo. Atos justi�cados Antes de terminar a discussão sobre atos ilícitos, precisamos analisar os atos justificados, os quais, não obstante a ausência de ilicitude, podem gerar uma obrigação de responsabilidade civil. Os atos justificados são aqueles que derivam de conduta humana voluntária e que geram danos a outrem, mas de que, por terem sido praticados em circunstâncias tais que seria inexigível comportamento diverso, a ilicitude da conduta é afastada. No entanto, a exclusão da ilicitude não é, necessariamente, acompanhada da exclusão da antijuridicidade, e, assim, em algumas hipóteses, haverá o dever de reparar. As consequências dos atos justificados são determinadas exclusivamente pela lei, e, nesse sentido, eles se aproximam dos atos ilícitos e dos atos jurídicos em sentido estrito. Já a peculiaridade dos atos justificados é a potencialidade de gerarem o dever de reparação civil, não obstante a ausência de ilicitude na conduta de quem os praticou. É a lei que determina quais as justificativas que afastam a ilicitude das condutas e em quais circunstâncias haverá também a exclusão da antijuridicidade. São justificados os atos praticados em legítima defesa, no exercício regular de um direito reconhecido e em estado de necessidade, como preceitua o art. 188 do CC. As condutas praticadas em uma dessas circunstâncias, mesmo quando gerarem danos a terceiros, serão lícitas, pois essas causas operam a exclusão da ilicitude da conduta. ResumindoAs excludentes de ilicitude tornam o fato aparentemente antijurídico e ilícito em lícito. Certamente, o fato não se altera, porém, a existência de razões que o justifiquem exclui a ilicitude da conduta, configurando hipóteses de atos lesivos lícitos. Já a configuração ou não da antijuridicidade e a consequente obrigação de reparação civil dependerão, essencialmente, da participação da vítima do dano na origem da conduta justificada. De forma geral: Se a vítima do dano tiver dado causa a situação ou circunstância na qual foi praticado o ato justificado, não haverá o dever de reparação civil. Mas, por outro lado, se a vítima for terceira pessoa, totalmente desvinculada da situação ou circunstância, haverá o dever de reparação (arts. 929 e 930 do CC). A título de ilustração, suponhamos a seguinte situação hipotética: I Um motorista conduz seu veículo automotor observando todas as regras de trânsito e com toda a cautela quando surge uma criança correndo na pista. II Com o intuito de evitar atropelar a criança, ele é obrigado a frear bruscamente e a fazer uma manobra, e acaba abalroando o carro de terceiro. A conduta desse motorista é lícita, visto que justificada pelo estado de necessidade. III Não obstante, o terceiro não tem responsabilidade alguma pelo fato e, por opção legislativa, não deve suportar o prejuízo. Assim, ao motorista incumbirá o dever de reparação dos danos. No mesmo exemplo, suponhamos uma pequena alteração no cenário: I Imagine que a criança tenha saído correndo do carro de seu representante legal, que tinha acabado de estacionar seu veículo II Imagine também que o motorista, para evitar o atropelamento, tenha feito uma manobra arriscada e abalroado o carro do representante legal da mesma criança. III E ã d t d d id d d t é lí it Lei A lei é indicada como uma das fontes das obrigações pela maioria dos autores que se dedicam ao tema, os quais sustentam que ela sempre seria a fonte primária e mediata, podendo ainda ser a fonte imediata nas hipóteses em que a obrigação resulta diretamente da lei, como na prestação de alimentos. Não obstante, há vozes dissidentes que, categoricamente, afirmam que a lei não é fonte ou causa das obrigações, a exemplo de Fernando Noronha (2010, p. 365). Os autores que assim se posicionam defendem a tese de que a lei de per si não é fonte obrigacional, pois lhe falta a autonomia da vontade para se perfazer ou concretizar. E, assim, a lei abstratamente considerada não seria fonte de obrigações, mas, se vinculada a fato jurídico, torna-se fonte obrigacional. Ocorre que o inverso é igualmente verdadeiro, pois a juridicidade de um contrato, por exemplo, deriva da lei que reconhece a vontade criadora de efeitos jurídicos dessa natureza. Exemplo Além dos contratos tipicamente previstos, seja no CC, seja na legislação especial, podemos celebrar contratos atípicos, e o que nos garante essa Em razão do estado de necessidade, a conduta é lícita e, nesse caso, foi o representante legal que deu ensejo à situação de perigo; assim, a antijuridicidade da conduta também restará afastada, não havendo, para o condutor, o dever de reparar o dano. possibilidade é a lei (art. 425 do CC). O mesmo se pode dizer dos atos ilícitos, os quais configuram uma das fontes geradoras de obrigações, porque a lei assim o determina. Isso fica ainda mais evidente nas hipóteses de atos justificados, quando, mesmo agindo licitamente, por opção legislativa, alguém é obrigado a reparar um dano. Em síntese, ainda que a lei preveja uma obrigação, tal qual a de prestar alimentos aos filhos menores, a obrigação em si dependerá de um fato que vá ao encontro da previsão legislativa e que, justamente por isso, ganhe juridicidade, produzindo, como consequência, efeitos jurídicos. Isso porque, quando o legislador cria uma lei e ela é sancionada e passa a ter vigência, cria-se um direito objetivo e abstrato. E apenas quando um fato se liga a uma situação descrita na lei é que se criam situações jurídicas, ou seja, direitos e/ou deveres que são os efeitos jurídicos do fato. Nesse sentido, o fato de a lei determinar o dever de prestar alimentos aos filhos menores a ninguém obriga, até que alguém tenha um filho. Igualmente, ninguém é obrigado a reparar um dano decorrente da prática de um ato ilícito se não cometer o ato ilícito, bem como não serão produzidos os efeitos predeterminados pela norma para certo ato jurídico em sentido estrito, sem que uma pessoa declare sua vontade para a realização desse mesmo ato. Utilizando-se do exemplo dado anteriormente, ainda que a lei determine todos os requisitos e efeitos da adoção, esta só ocorrerá se alguém pretender adotar e declarar sua vontade nesse sentido. Em suma, parece-nos que, independentemente de qual seja a fonte ou causa das obrigações, sempre teremos a coparticipação da lei e de um fato jurídico, de sorte que o que podemos fazer é identificar qual das fontes é a preponderante. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Atos negociais unilaterais 3:05 min. Atos justi�cados 2:32 min. MÓDULO 2 Vem que eu te explico! Atos negociais unilaterais 3:05 min. Atos justi�cados Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 No que tange à compreensão francesa incorporada ao Código de Napoleão, contrato, quase contrato, delito, quase delito e lei, é possível afirmar que A os contratos seriam a formalização dos quase contratos, eis que estes seriam o equivalente às tratativas negociais preliminares. B os delitos e os quase delitos seriam os equivalentes àquilo que se conhece em matéria de Direito Penal como crimes e contravenções penais, respectivamente. C a lei seria considerada fonte imediata de todas as obrigações por excelência, eis que prescinde de qualquer outro elemento necessário à formalização de determinada obrigação. D os contratos, como convenção celebrada entre as partes, derivam exclusivamente da vontade da lei. E os quase contratos seriam o que hoje compreendemos como atos unilaterais, a exemplo da aceitação de herança e do pagamento indevido. Parabéns! A alternativa E está correta. Os quase contratos se traduzem, essencialmente, na identificação de atos unilaterais, ou seja, são obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, dispensando a certeza do credor. Questão 2 A respeito dos atos justificados, como elemento criador de obrigações, está correto afirmar que: A São atos derivados da conduta humana, que, não obstante gerem danos a outrem, são considerados justificados em razão da tolerância social para condutas consideradas de menor potencial lesivo. B Trata-se de atos causadores de danos, mas originados de condutas praticadas em circunstâncias especiais, em que seria inexigível esperar comportamento diverso, justificando-se a mitigação da ilicitude. C São atos que geram danos a outrem, em razão de conduta justificada no caso concreto, afastando-se, necessariamente, a ilicitude e a antijuridicidade. 3 - Atos unilaterais, fato jurídico nas obrigações e contratos Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os atos unilaterais e o fato jurídico nas obrigações e nos contratos. Atos unilaterais, fato jurídico nas obrigações e contratos D É possível convencionar entre as partes as circunstâncias capazes de ensejar atos justificados na ordem jurídica atual. E Na ordem jurídica atual, situações que envolvam a legítima defesa ou o estado de perigo não são capazes de se enquadrarem como atos justificados, em razão de não ser permitida a violação a direito alheio. Parabéns! A alternativa B está correta. Trata-se da exata definição de atos justificados, que, muito embora gerem danos a outrem, são capazes de ter sua ilicitude afastada, pois impor a obrigação de adoção de postura diversa seria irrazoável. Fatos jurídicos, fatos sociais e obrigaçõesOs fatos sociais são acontecimentos naturais ou dependentes da ação humana e que constituem a base para a concretização do direito. Isso porque, quando o legislador promulga uma lei e ela passa a ter vigência, temos a criação do direito objetivo e abstrato, o qual será concretizado a partir do momento em que um fato, ou seja, um acontecimento, vá ao encontro daquela previsão. Assim, quando um fato se liga a uma situação descrita na lei, ganha juridicidade, tornando-se um fato jurídico, e, assim, passa a produzir efeitos ou consequências jurídicas. Relembrando A expressão “fato jurídico” é utilizada para denotar um gênero que abarca algumas espécies, como já referido no módulo anterior. Como já visto, entre as espécies de fatos jurídicos, o ato jurídico, o negócio jurídico e o ato ilícito são fontes autônomas das obrigações. Autônomas porque, relembrando, são derivadas de atos humanos e conscientes de vontade. Inserido no gênero negócio jurídico, temos o contrato como instrumento próprio para a criação de obrigações entre as partes que o celebram. A indagação a ser feita, nesse ponto, é sobre a relevância jurídica de outros fatos derivados da ação humana voluntária e socialmente reconhecidos, mas que, por não preencherem os requisitos gerais de existência e validade dos atos e dos negócios jurídicos, não estariam inseridos na categoria fato jurídico e, genericamente, são chamados de situações de fato. A título de ilustração, podemos citar as sociedades de fato, a representação aparente, a posse de estado de fato, entre tantas outras situações que, não obstante não preencherem os requisitos de existência e validade dos atos jurídicos, podem e devem ser reconhecidas, sendo esse o posicionamento de nossos tribunais. Exemplo Podemos supor a corriqueira situação de um adolescente de 15 anos que celebra um contrato de transporte coletivo ou uma compra e venda de um lanche. A peculiaridade das situações de fato é a ausência de ato negocial válido que lhe sirva de fonte constitutiva, ou até mesmo a dispensa de manifestação de vontade negocial. Dito de outra forma, as situações de fato correspondem a condutas negociais típicas, mas sem o preenchimento dos requisitos de existência, validade e eficácia exigidos pelo ordenamento (art. 10 do CC). Consequentemente, na apreciação de tais situações, a discussão concentra-se na admissão da autonomia privada para além do ato negocial propriamente dito, e toda a atenção desloca-se para a conduta típica e para seus efeitos. Nessas hipóteses, a conduta passa a ser suficiente para a configuração da situação e para produção de efeitos reconhecidos, a despeito da inexistência de ato negocial válido. Exemplo São os contratos socialmente aceitos, as relações contratuais de fato, os comportamentos concludentes, as representações de fato, entre outros. É importante observar que o reconhecimento dessas situações de fato que obrigam as partes não implica, necessariamente, a ampliação das fontes das obrigações, mas a relevância jurídica dessas atividades e o reconhecimento das obrigações dela decorrentes. Atos unilaterais de vontade Inexiste uma teoria geral sobre os atos unilaterais de vontade. A própria conceituação é difícil, pois os ordenamentos jurídicos acabam por agrupar, sob essa categoria, diversos fatos jurídicos que estejam excluídos da seara dos contratos e da responsabilidade civil extracontratual. A rigor, o que se verifica é o agrupamento de diversos fatos jurídicos com características muito distintas, o que não contribui para a compreensão e a caracterização de cada um deles. O CC de 2002, por exemplo, reúne, sob o título “Dos atos unilaterais”, a promessa de recompensa, que é um negócio jurídico unilateral; a gestão de negócios, que é um ato jurídico em sentido estrito e que pode ser configurado como ato ilícito; o pagamento indevido, que é um ato ilícito para quem o recebeu; e o enriquecimento sem causa, que é um fato jurídico em sentido estrito, que gera a obrigação de restituição ou de indenização. Considerando as espécies agrupadas pelo legislador sob o título atos unilaterais e as observações já tecidas, devemos distinguir os atos unilaterais negociais dos atos unilaterais não negociais: Nuances Ambos são espécies de atos jurídicos, o que significa dizer que são derivados de ações humanas voluntárias. Essa característica inclusive é o que justifica o enquadramento de tais atos no conjunto de fontes das obrigações, em que pesem algumas divergências, que serão tratadas mais adiante. Distinções A distinção entre eles reside na existência ou não de caráter negocial. Assim, os atos unilaterais ou negócios unilaterais são providos de caráter negocial, a exemplo da promessa de recompensa, enquanto os atos unilaterais são desprovidos de tal caráter negocial. Promessa de recompensa (arts. 854 a 860 do CC) A promessa de recompensa é um negócio jurídico unilateral que se aperfeiçoa no momento em que o declarante se compromete, publicamente, a recompensar ou a gratificar quem preencher certas condições ou realizar certo serviço, como se depreende do art. 854 do CC. Vejamos como funciona: Em nosso cotidiano, somos impactados por diversas promessas de recompensa, como programas de milhagens para aquisição de produtos e passagens áreas, programas de fidelização em restaurantes, cafeterias etc., concursos de direito privado em geral. A configuração da promessa requer o preenchimento de três requisitos específicos, extraídos do art. 854 do CC, além do requisito geral de validade dos negócios jurídicos (art. 104 do CC). Os requisitos específicos são: A publicidade significa que a promessa tem que ser pública e direcionada a pessoas indeterminadas, ainda que possa ser Declaração pública A obrigação do declarante de cumprir o prometido surge com a declaração pública, independentemente de aceitação, pois se trata de declaração não receptícia de vontade e direcionada a uma coletividade. Vínculo Temos, portanto, que o promitente se vincula como devedor ao público, e não à pessoa ou a pessoas determinadas. Determinação do credor Assim, no momento do surgimento da obrigação, o credor é indeterminado, sendo individualizado apenas na fase executiva, quando aquele que realizar o serviço ou preencher a condição estabelecida requerer a recompensa prometida (art. 855 do CC). Publicidade da oferta dirigida a um grupo determinado, como alunos de determinada faculdade ou turma, por exemplo. A especificação da condição a ser preenchida ou do serviço a ser prestado é essencial, pois sem tal informação não haveria possibilidade fática da própria promessa. Por fim, a indicação da recompensa também se mostra imprescindível, pois será a partir do conhecimento desta que o público em geral vai avaliar o interesse em tentar preencher a condição ou prestar o serviço. A promessa de recompensa gera uma obrigação para aquele que prometeu, e a justificativa para tal é a tutela da legítima expectativa que tal promessa gera na coletividade. Assim, a única forma de o promitente se exonerar do prometido será com a revogação da promessa antes de alguém ter preenchido a condição ou prestado o serviço, e pela mesma forma adotada para a promessa, ou seja, a revogabilidade da promessa deve ter igual publicidade (art. 856 do CC). A revogabilidade da promessa, nos termos indicados, é possível porque, em que pese já existir a vinculação do promitente, nascida no momento em que publicizou a promessa, inexiste individualização do credor e, consequentemente, ainda não há pretensão, já que ainda não se conformou a exigibilidade do prometido. Gestão de negócios (arts. 861 a 875 do CC) A gestão de negócios é um ato jurídico em sentido estrito, unilateral e não negocial, caracterizado pela intervenção de uma pessoa (gestor) em negócio alheio, sem autorização do interessado (dono do negócio), mas em conformidade com a vontade presumida do dono do negócio. A gestão de negóciosse dá, usualmente, em virtude da atuação de amigos e parentes na gestão total ou parcial de negócios de natureza patrimonial de terceira pessoa, em razão da ausência desta última ou da dificuldade ou impossibilidade de comunicação. Especificação da condição Indicação da recompensa A título de ilustração, suponhamos que, durante um período de viagem ou mesmo de uma internação hospitalar, verifique-se um vazamento na casa de determinada pessoa e que, diante de tal situação, mesmo sem poderes para tal, um vizinho providencie o reparo. Os traços mais marcantes da gestão de negócios alheios são a declaração de vontade e a atuação do gestor por sua exclusiva conta, mas no interesse presumido do dono do negócio. É justamente a falta de autorização ou de poderes de representação que diferencia a gestão de negócios, ato unilateral de vontade, do mandato, negócio jurídico bilateral de natureza contratual. Inclusive, essa característica conforma a natureza jurídica da gestão, qual seja, ato jurídico em sentido estrito e não negocial. Vejamos a seguir como prosseguir em três diferentes cenários referente à comunicação ao dono do negócio: Comunicação A vinculação do gestor deriva da lei, que determina, entre outros deveres, que o gestor comunique ao dono do negócio a gestão assumida (art. 864 do CC), permanecendo responsável pela gestão enquanto o dono do negócio não se pronunciar, devendo atuar com todo o zelo e diligência na salvaguarda dos interesses do dono do negócio. Anuência ou discordância A comunicação ao dono do negócio se dá após o início da gestão, e, na hipótese de sua anuência, haverá a ratificação de todos os atos praticados desde esse momento, ou seja, do início da gestão (art. 873 do CC). Por outro lado, se o dono do negócio discordar da gestão, esta deverá cessar imediatamente. Não aparição Já no interregno entre a comunicação e a resposta, ou seja, durante o silêncio do dono do negócio, o gestor deverá zelar pelo negócio até sua conclusão, pois não poderá abandonar o negócio livremente iniciado. É importante frisar que o ordenamento jurídico tolera a intromissão no negócio alheio em razão de ela ser feita no interesse presumido do dono do negócio. Assim, na eventualidade de ser exercida contra a vontade presumida dele, a gestão poderá converter-se em ato ilícito, e o gestor responderá até pelos casos fortuitos (art. 862 do CC), podendo o dono do negócio exigir indenização pelos prejuízos decorrentes da gestão (art. 863 do CC). Por outro lado, se a gestão tiver sido utilmente administrada, o que pressupõe que tenha sido exercida em seu interesse, o dono do negócio assumirá as obrigações contraídas em seu nome e reembolsará o gestor das despesas necessárias e úteis que tiver realizado durante a gestão (art. 869 do CC). Por fim, destaca-se que a gestão de negócios alheios pode consumar-se na prestação de alimentos a quem deixou de receber diretamente do devedor, por qualquer razão. Nesse caso, no entanto, o gestor poderá reaver o que pagou, independentemente da ratificação pelo devedor (dono do negócio), em razão da vedação ao enriquecimento sem causa (art. 871 do CC). Enriquecimento sem causa Neste vídeo, a professora Fernanda Paes Leme discorre sobre o enriquecimento sem causa e as razões de sua inadmissibilidade, dando exemplos. A ideia geral de inadmissibilidade de um acréscimo patrimonial às custas de outrem e sem um fato jurídico que o justifique é traduzida na vedação ao enriquecimento sem causa ou ao enriquecimento justificado, ou, ainda, ao locupletamento ilícito, expressões sinônimas. A configuração do enriquecimento sem causa depende da relação material entre dois patrimônios, um enriquecido e outro empobrecido na mesma proporção e sem causa justificadora. Diz-se sem causa em razão da ausência de uma causa jurídica que justifique o enriquecimento, e é justamente a ausência de causa jurídica que torna o enriquecimento ilícito e faz nascer a obrigação de restituição. O enriquecimento sem causa é um fato jurídico que se dá na relação entre patrimônios, podendo ser resultante de atos jurídicos, mas também de fatos involuntários, e que se projeta no âmbito do Direito de duas formas: Como princípio Sempre foi reconhecido por nosso ordenamento, em que pese sua previsão só ter sido incluída no CC de 2002. A justificativa para seu reconhecimento estaria ligada às ideias de equidade e justiça comutativa, para alguns juristas, e/ou aos preceitos constitucionais acerca das relações obrigacionais, ou, ainda, ao princípio da boa-fé objetiva, como defendem outros. Fato é que, como já referido, a vedação ao enriquecimento sem causa, em sua faceta principiológica, não é nenhuma novidade em nosso ordenamento, figurando, não raras vezes, como razão de decidir em diversas situações. Exemplos recorrentes na jurisprudência são a adoção do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa como critério para a quantificação do dano moral e para a redução equitativa da cláusula penal. Como instituto jurídico Aqui o enriquecimento sem causa se afigura como fonte da obrigação de restituir, sendo, nesse sentido, a disciplina incluída no CC de 2002. Essa faceta não é imune a críticas, pois se argumenta que o cerne do enriquecimento sem causa seria justamente a ausência de fonte obrigacional do benefício auferido às custas do patrimônio de outrem. No entanto, essa crítica não afasta a eficácia do instituto, o qual foi consagrado no CC de 2002 como fonte de uma obrigação de restituição, como se depreende do caput do art. 884: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” Do art. 884, extraímos os requisitos para configuração do enriquecimento sem causa, quais sejam: (i) o enriquecimento de um (ii) às custas de outrem e a (iii) ausência de causa jurídica. Comentário Em ambas as hipóteses, o enriquecimento sem causa perfaz um instrumento de proteção do patrimônio. O enriquecimento é elemento essencial para a configuração do instituto e deve representar uma vantagem patrimonial, a qual pode derivar de um aumento do ativo, mas também da diminuição do passivo e/ou do não desembolso de uma despesa devida. Em síntese, o enriquecimento patrimonial está ligado ao sujeito enriquecido e é calculado pela diferença entre a situação do patrimônio antes e depois do fato que gerou o enriquecimento. Esse enriquecimento tem que se dar às custas de outrem, pois o enriquecido está auferindo um proveito ou uma vantagem que caberia a outra pessoa. É importante frisar que não se trata, necessariamente, do empobrecimento de alguém, pois não é essencial a diminuição patrimonial do terceiro, mas apenas que o enriquecido tenha vantagem sem causa jurídica às custas de outra pessoa. A título de ilustração, suponhamos a utilização não autorizada da imagem de alguém com finalidade comercial. O titular da imagem não teve diminuição em seu patrimônio, mas aquele que se utilizou indevidamente da imagem obteve vantagem. Por fim, o enriquecimento tem que ser dissociado de causa jurídica que o justifique, residindo nesse ponto inclusive a justificativa para o surgimento da obrigação de restituição. Frise-se que, nos termos do art. 885, a restituição será devida “não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir”. Utilizando-se do mesmo exemplo anterior, podemos supor que existisse um contrato de cessão de imagem, mas que após sua extinção, por termo ou por distrato, por exemplo, a imagem continuou a ser utilizada. Destaca-se que o enriquecimento sem causa foi disciplinado de forma geral, podendo restar configurado em diversas situações, desde que preenchidos seus requisitos. Exemplo Podemos citar transferências patrimoniais indevidas, como a hipótese do pagamento indevido; exploração e/ou utilização de direitos ou bens alheios etc.Como já referido, uma vez configurado o enriquecimento sem causa, surge a obrigação de restituição, que poderá ser exigida no curso de qualquer ação específica ou, subsidiariamente, em ação específica (art. 886 do CC). No caso de ações que objetivem cessar o enriquecimento sem causa, é necessário demonstrar não apenas o enriquecimento de quem está lucrando, mas que tal enriquecimento se deu às custas de outrem, o nexo de causalidade entre as duas circunstâncias, a ausência de causa jurídica, seja de contrato, seja de lei, além da inexistência de ação específica para tanto. Pagamento indevido (arts. 876 a 883 do CC) O pagamento indevido constitui caso específico de aplicação do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, originando o dever de restituição daquilo que se recebeu a título de pagamento de dívida inexistente, ou que deixou de existir, ou que existia, mas da qual quem recebeu não era credor, ou ainda de dívida existente, porém pendente de condição suspensiva. Trata-se de ato jurídico unilateral e não negocial, em virtude do qual há a obrigação de restituir o que houver recebido indevidamente. Percebe-se, portanto, que, ao contrário do pagamento devido, o indevido não extingue uma obrigação, mas, sim, faz surgir a obrigação de restituição. É simples: Analisando pela ótica de quem pagou, estamos diante de um erro (art. 877 do CC). Já pelo lado de quem recebeu, estamos diante de uma vantagem indevida, resultando o dever de restituição. A restituição pelo que se pagou indevidamente poderá ser requerida em ação própria, que é a ação de repetição de indébito (art. 881 do CC), na qual aquele que pagou indevidamente terá o ônus de demonstrar que o pagamento foi realizado de forma voluntária e mediante erro. É importante destacar que, sendo uma especi�cação da vedação ao enriquecimento sem causa, o objetivo também é o de proteção do patrimônio. Assim, se a dívida existia, não caberá dever de restituição, como na hipótese de pagamento de dívida prescrita ou inexigível (art. 882 do CC). Igualmente, não caberá repetição se a dívida existente foi paga por quem não era o devedor. Nesse caso, o credor recebeu de boa-fé, e quem pagou dívida que não era sua só poderá, se assim pretender, propor ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador. Por fim, ressalta-se que, nas relações de consumo, em razão da vulnerabilidade do consumidor, se o fornecedor cobrar indevidamente e o consumidor pagar, fará jus à restituição em dobro daquilo que foi indevidamente pago. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Promessa de recompensa 2:26 min. Gestão de negócios 3:30 min. MÓDULO 3 Vem que eu te explico! Promessa de recompensa 2:26 min. Gestão de negócios Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Acerca do enriquecimento sem causa, no âmbito do direito das obrigações, está correto afirmar que: A A noção de enriquecimento sem causa pressupõe, necessariamente, a relação entre uma parte detentora de maior poder aquisitivo em detrimento de outra parte considerada vulnerável, com poucos recursos financeiros. B Existem algumas hipóteses em que se deflagra o enriquecimento sem causa, mesmo diante de causas que justifiquem seu enriquecimento. C O enriquecimento sem causa se dá, exclusivamente, por atos considerados voluntários, eis que exigível o elemento da vontade de se enriquecer em detrimento de outrem. D Em sua faceta principiológica, o enriquecimento sem causa pressupõe o respeito aos preceitos de equidade e de justiça comutativa. E No âmbito jurisprudencial, reconhece-se na impossibilidade de utilização do princípio do enriquecimento sem causa como critério para a quantificação do dano moral e para a redução equitativa da cláusula penal. Parabéns! A alternativa D está correta. Como visto, o enriquecimento sem causa, como princípio, vincula-se às ideias de equidade e justiça comutativa, para alguns juristas, e/ou aos preceitos constitucionais acerca das relações obrigacionais, ou, ainda, ao princípio da boa-fé objetiva, como defendem outros. Questão 2 Sobre os fatos sociais, a afirmativa correta é: A São atos vedados desconsiderados no âmbito da civil law, eis que a lei visa a regular todo e qualquer fato apto a se deflagrar na ordem jurídica. B Os fatos sociais são acontecimentos naturais ou dependentes da ação humana e que constituem a base para a concretização do direito. C Os fatos jurídicos derivam justamente da previsão legal de quais fatos sociais são legítimos de ser praticados. Considerações �nais Como visto nos módulos anteriores, as obrigações remontam ao Império Romano, passando pela história moderna e trazendo elementos relevantes à ordem jurídica contemporânea. Nesse sentido, elementos inerentes à autonomia privada passam por sucessivas transformações, de modo a basilar o que se conhece como as atuais obrigações complexas, dinâmicas e pautadas por valores e princípios solidários, éticos e socialmente relevantes. Com relação às fontes e às causas das obrigações, identificaram-se noções relevantes à formalização das obrigações, por meio de elementos como fatos jurídicos, leis, atos unilaterais e atos ilícitos, demonstrando que as obrigações podem deflagrar-se de forma efetivamente dinâmica e, por vezes, inesperada. Espera-se que, com o conteúdo apresentado, o aluno possa identificar, de forma mais clara e compreensível, de que modo as relações obrigacionais podem ser formalizadas, especialmente por se tratar de estudo caro às relações patrimoniais e privadas, responsável, em parte, pela unificação do direito privado em nosso ordenamento jurídico. D Entre as espécies de fatos jurídicos, o ato jurídico, o negócio jurídico e o ato ilícito são fontes dependentes das obrigações. E Os contratos, como instrumento de criação de obrigações, somente podem ser formalizados nos exatos termos em que a lei definir. Parabéns! A alternativa B está correta. Os fatos sociais são originados da ação humana, considerando que, como visto, ao se promulgar uma lei, tem- se a criação de um direito objetivo e abstrato, o qual será concretizado por meio de determinado acontecimento que vá de encontro àquela previsão. Podcast A professora Fernanda Paes fará agora uma breve revisão dos pontos mais relevantes estudados até aqui. Referências GOMES, O. Obrigações. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2019. GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2019. v. 2. MIRAGEM, B. Direito Civil: direito das obrigações. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021. MONTEIRO, W. de B. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1982. v. 3. NORONHA, F. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. POTHIER, R. J. Tratado das obrigações. Campinas: Servanda, 2002. RIZZARDO, A. Direitos das obrigações. 9. ed. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2018. STOLZE, P.; FILHO, R. P. Novo curso de Direito Civil 2: obrigações. São Paulo: Saraiva, 2019. TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021. v. 2. TEPEDINO, G. Fundamentos do Direito Civil: obrigações. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020. v. 2. Explore + Para saber mais sobre os assuntos estudados, consulte os seguintes materiais: AGUIAR JR., R. R. As obrigações e os contratos. Brasília, DF, Revista CEJ, v. 3, n. 9, set./dez. 1999. KONDER, C. N.; RENTERÍA, P. A funcionalização das relações obrigacionais: interesse do credor e patrimonialidade da prestação. Civilistica.com, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, jul./dez. 2012. PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. II. SILVA, C. V. do C. e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. TEPEDINO, G.; BARBOZA, H. H.; MORAES, M. C. B. de. Código Civil interpretado conforme a Constituiçãoda República: parte geral e obrigações (arts. 1º a 420). Rio de Janeiro: Renovar, 2007. v. I. Baixar conteúdo javascript:CriaPDF()
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